Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
163/09.0TTMTS.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: PLURALIDADE DE EMPREGADORES
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
1-O Código do Trabalho de 2003 passou a admitir expressamente, no seu artigo 92º, a possibilidade dum trabalhador ficar vinculado a uma pluralidade de empregadores nestes dois tipos de situações:
a) Quando entre os empregadores exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou seja, quando exista uma situação de coligação intersocietária prevista e regulada nos artigos 481º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, com excepção da relação de simples participação (nº 1);
b) Quando os empregadores, independentemente da sua estrutura societária, mantenham estruturas organizativas comuns (nº 2).

II- Mesmo que não tenha sido assinado o documento escrito a que alude a alínea a) do nº 1 do referido artigo 92º, pode o trabalhador invocar a pluralidade de empregadores, desde que, verificando-se um dos assinalados requisitos, venha a provar que desempenha funções com sujeição às ordens e direcção de todos eles.

III- Não tendo o trabalhador provado que exercia funções sob as ordens do pretenso empregador e sujeito à sua fiscalização e poder disciplinar, não se pode considerar que o contrato de trabalho se tivesse estabelecido com este.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1---

AA intentou uma acção, com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra

BB, SGPS, S.A., pedindo a declaração de ilicitude do seu despedimento e a condenação da Ré:

a)         a reintegrá-lo, sem prejuízo de função, retribuição e antiguidade;

b)         e no pagamento do seguinte:

-           das retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença;

-           das retribuições correspondentes a férias e subsídios de férias e de Natal que se venham a vencer até à reintegração;

-           € 14.350,00, a título de retribuições do ano de 2008 vencidas e não pagas;

-           € 20.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais.

-           juros de mora à taxa legal sobre cada uma das referidas quantias desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou para tanto, os factos seguintes:

A Ré BB S.G.P.S., S.A., é a Holding do Grupo BB, que é responsável pelo desenvolvimento estratégico do grupo - designadamente no que respeita ao processo de internacionalização - e pela gestão global do conjunto das diferentes áreas de negócio do grupo BB.

No ano de 2006, a Ré iniciou um plano estratégico de investimento com o intuito de se estabelecer no mercado de cimento da República Popular da China, tendo implementado esse plano através de um conjunto de sociedades criadas na República Popular da China, designadamente a BB, Limited., designada como CCCC, com sede em Hong Kong e a BB Macau, com sede em Macau, e criando uma outra, em 2008, com sede em Shangai.

A BB Inversiones, S.A. é uma subholding do grupo BB, com sede em Espanha, constituída em 2002 para servir de plataforma à expansão do grupo na área de actividade internacional.

Desde meados de 2007, o grupo BB passou também a estar presente no território da República Popular da China através de participações sociais em diversas empresas, designadamente, a CCCC, holding que é detentora das participações sociais das demais empresas do grupo na República Popular da China, a CC Co. Ltd, de ora em diante designada como GG, empresa que se dedica à produção de cimento, e a DD Company, Limited., de ora em diante designada como DD, empresa que se dedica à moagem de cimento.

Em Outubro de 2006, Autor e Ré estabeleceram contacto entre si, a que se seguiu uma série de entrevistas, com vista ao seu recrutamento para os quadros do Grupo BB.

Pretendia, então, a Ré que o Autor ingressasse nos quadros do Grupo BB para exercer as funções de “controller” financeiro das empresas suas participadas na República Popular da China, por um período mínimo estimado de três anos, ou seja, até ao final do ano de 2009.

Assim, em Novembro de 2006, a Ré tomou a decisão de contratar o Autor para os seus quadros, designadamente para, sob a sua direcção e fiscalização, e mediante retribuição, exercer as funções de “controller” financeiro das empresas do Grupo BB na China, com efeitos a partir do início de 2007, propondo-lhe uma remuneração mínima anual líquida de € 105.000,00.

Para tanto, comprometeu-se a formalizar com o Autor um ou vários contratos de trabalho sem termo, com uma ou mais empresas do Grupo BB, mas que no seu valor bruto unitário assegurassem, globalmente, aquela remuneração anual líquida, emitindo, com aquele fim, uma carta de intenção, que lhe entregou.

O Autor anuiu à proposta feita pela Ré, rescindindo o contrato de trabalho que o vinculava a outra empresa, tendo sido admitido ao serviço da Ré para o exercício daquelas funções em 1 de Janeiro de 2007.

Para tanto, o Autor mudou-se para Lisboa e, desde então, na sede da Ré, iniciou o estudo dos dossiers e das empresas do Grupo da Ré na República Popular da China, e a preparação e planificação da actividade a desenvolver naquele país, sempre no pressuposto acordado que o Autor, enquanto quadro da Ré, iria assumir, aquando da sua deslocação definitiva para a China, as funções de Director Financeiro da CCCC holding.

Em Março de 2007, o Autor, já no pleno exercício das suas funções, deslocou-se à China, juntamente com os Engenheiros EE e FF, para um conjunto de reuniões com outros accionistas das empresas detidas pelo Grupo BB na China e análise de outras empresas passíveis de aquisição pelo Grupo BB.

Em 11 de Junho de 2007, o Autor deslocou-se definitivamente para a República Popular da China, onde se instalou, designadamente em Hong Kong, Suzhou e sobretudo em Zaozhuang, onde assumiu as funções de Director Financeiro da CCCC e foi nomeado membro do Conselho de Administração de três empresas participadas da Ré: a GG, …, Ltd. e a DD.

Sensivelmente em Setembro de 2007, a Ré deu a assinar ao Autor um documento particular em que outorgava como contraparte a DD, para suporte do pagamento de parte da sua retribuição acordada, a processar por via da China.

Sucedeu que, em meados de Setembro de 2007, foram tornadas públicas diversas notícias acerca de uma possível operação pública de aquisição (OPA) à BB S.G.P.S., S.A, Ré, que davam conta do eventual interesse de uma empresa multinacional - denominada Lafarge - na sua compra.

O Autor, sem embargo do vínculo assumido com a Ré, manifestou a sua apreensão junto do Eng. FF por ainda não estar formalizado o seu destacamento em território Chinês, pois receou que o mesmo pudesse ser prejudicado perante eventual concretização da propalada OPA.

Em resposta, o referido responsável da Ré, respondeu peremptoriamente:

"...eu estava preocupado era se você não tivesse vínculo com a BB, mas já verifiquei que tem o seu vínculo garantido com a BB em Portugal!".

No início de 2008, a Ré deu a assinar ao Autor um contrato de trabalho, em que era outorgante, como entidade empregadora, a BB Inversiones, S.A.

Tal documento, designado como de "trabajo de alta direccion", apesar de datado de 1 de Janeiro de 2007, apenas foi presente e dado a assinar ao Autor em Janeiro de 2008.

A explicação reiterada para a formalização deste contrato com sociedade de direito espanhol prende-se com razões de natureza fiscal da Ré, nomeadamente de amortização de goodwill.

Sensivelmente na mesma altura, o Autor foi ainda chamado pela Ré a assinar um outro contrato de trabalho, neste caso com a CC Co. Ltd. (GG), este em substituição daquele outro anteriormente assinado com a DD.

Na sequência do acertado aquando da contratação do Autor, o salário anual a auferir por este, no montante de € 105.000, seria processado pela Ré, no montante aproximado de € 75.000 - através de Espanha, concretamente por via da enunciada BB Inversiones, S.A, e a outra parte - no montante de € 30.000 - através da República Popular da China e das empresas aí sediadas.

No período que mediou entre Janeiro e Junho de 2007, o Autor veio a receber da Ré a parte proporcional aos € 75.000, cujos pagamentos eram processados por via da referida BB Inversiones, S.A., e após a sua deslocação para a República Popular da China, passou a ser processado ao Autor o vencimento na parte proporcional aos € 30.000 anuais previstos, de forma a perfazer a retribuição anual líquida de € 105.000, conforme combinado, sendo esses pagamentos, no segundo semestre de 2007, processados em moeda chinesa, por via da supra enunciada DD, e a partir de 2008, através da GG.

Assim, o Autor auferia da Ré a quantia anual de € 75.000, paga por via de retribuição mensal de € 5.000, pagos em 15 meses, processada por via da BB Inversiones, SA sendo que a restante parte do seu vencimento anual, a ser processada através da China, passou a ser paga por via das enunciadas DD e GG, parte do qual - aproximadamente € 1.600,00 - lhe era processado mensalmente a título de salário, e a diferença - do respectivo total para os € 30.000,00 - ser-lhe-iam pagos a título de prémio no final do exercício, tendo este expediente de processamento sido acertado por forma a evitar desajustes entre o vencimento mensal processado ao Autor naquelas empresas e o processado aos trabalhadores naturais da China.

Sucede que, em fins de Julho de 2008, a Ré, na pessoa do Eng. FF, solicitou ao Autor que resignasse ao seu cargo de Director/Administrador da HH, o que o Autor recusou, uma vez que não conhecia nem lhe havia sido transmitido qual o motivo ou fundamento para tal resignação, tendo solicitado uma explicação e/ou justificação para tal pretensão da Administração da Ré.

Já no início de Setembro de 2008, a Ré, por intermédio do Eng. FF voltou a solicitar ao Autor que renunciasse aos seus cargos.

O Autor, apesar do diferendo, e de não compreender e aceitar a posição manifestada pelo Senhor Eng. FF, não pretendendo ser um empecilho à acção da Ré na China, manifestou disponibilidade para ponderar a renúncia aos cargos de administrador para que tinha sido nomeado, desde que acautelados todos os efeitos da referida cessação, incluindo os danos patrimoniais e morais sofridos.

No entanto, no dia 8 de Outubro de 2008, aquele comunicou-lhe que estava despedido da Ré, entregando-lhe, por mão própria, uma carta datada de 3 de Outubro, redigida em língua espanhola, impressa em papel timbrado da BB inversiones, S.A., pedindo-lhe que a assinasse, o que o Autor não fez.

No dia seguinte, o Autor foi expulso pelo Eng. FF da reunião do CA do dia 9 de Outubro, para a qual tinha sido formalmente convidado pela GG, pois era seu membro.

De igual modo, apenas uns dias mais tarde, a Ré fez entregar ao Autor uma carta datada de 12 de Outubro, redigida em inglês e em mandarim, impressa em papel timbrado da CC Co. Ltd.

Os documentos particulares assinados pelo Autor com a BB Inversiones, SA, assim como com a DD Company, Limited. e a CC Co. Ltd, tão só serviram de veículo formal ao pagamento do vencimento que acordou com a Ré, pois foi com esta que acertou os termos da sua contratação e foi para esta e no interesse desta que exerceu funções e acordou na deslocação para a República Popular da China.

O Autor, no desempenho das suas funções, sempre reportou à Ré, na pessoa dos seus administradores e serviços em Portugal, nomeadamente na pessoa dos Senhores Eng. FF, Eng. EE, Dr. II, Dr. JJ, D. KK e Dra. LL.

Concretamente, nunca reportou nem sequer conheceu qualquer administrador da denominada BB Inversiones, S.A., nem nunca foi por eles instado à prática de qualquer acto e/ou prestação de contas da actividade que desenvolvia.

As instruções que recebia e as contas que prestava foram-no sempre directamente com a Ré.

O Autor e Ré acordaram um contrato de trabalho por tempo indeterminado, mediante o qual o Autor exerceu funções de “controller” financeiro, gestão e planeamento da actividade, desde Janeiro de 2007, mediante retribuição, sob autoridade e direcção da Ré, pois os contratos a termo outorgados pelo Autor, acima enunciados, não passaram de um mero instrumento, sugerido por esta, para justificar o processamento de pagamentos por via do estrangeiro, formalizando desse modo uma relação laboral que não tinha qualquer correspondência com a relação de trabalho efectivamente vigente entre as partes.

No entanto, porque o Autor se recusou a aderir à demissão proposta pela Ré, esta decidiu invocar e denunciar aqueles "contratos".

Assim, o teor das cartas de denúncia entregues e a posterior recusa da Ré em assumir qualquer vínculo com o Autor, no período imediatamente seguinte ao do termo da deslocação prevista a Portugal, em 17 de Outubro de 2008, consubstanciam um despedimento ilícito, de acordo com o disposto na alínea a) do art. 429° do Código do Trabalho.

A partir da entrega daquelas cartas de denúncia a Ré impediu o Autor do exercício das funções que desempenhava e, apesar das insistências deste, não lhe deu quaisquer instruções para as retomar e deixou igualmente de lhe pagar a respectiva retribuição.

À data da cessação do contrato - 24 de Outubro de 2008 - o Autor auferia da Ré, a título de retribuição pelo seu trabalho, a quantia anual líquida de € 105.000, dos quais € 5.000, numa base de 15 meses, eram processados por via da BB Inversiones, SA. e a restante parte, por via da GG, fazendo-o, mensalmente, a título de salário, pela quantia de aproximadamente € 1.600, sendo o remanescente, a  título de atribuição de prémio, a processar no final de cada ano.

À data da cessação do contrato, e a título de retribuição referente aos meses de Janeiro a Setembro de 2008, o Autor havia auferido da Ré a quantia global de € 64.400, dos quais € 50.000 foram processados pela BB Inversiones, S.A. e cerca de € 14.400 (equivalentes a CNY 156.015), pela GG, cabendo-lhe ainda receber, a título de remuneração, e por reporte ao mesmo período de trabalho, € 6.250,00, a título de diferenças salariais a processar pela BB Inversiones, SA [€ 75.000/ano: 12 x 9 = € 56.250 - € 50.000 = € 6.250] e ainda cerca de € 8.100 (oito mil e cem euros) os quais, conforme combinado, deveriam ser processados pela GG no final do ano de 2008 a título de prémio.

O Autor, além daquele crédito de € 14.350 [€ 6.250 + € 8.100], reclama também, nos termos do art. 437°, n° 1 do Código do Trabalho, as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que vier a declarar a ilicitude do mesmo.

E nos termos do disposto no art. 436° do Código do Trabalho, pede ainda a condenação do empregador na indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados, que computa em 20 000 euros, em virtude do despedimento o ter apanhado de surpresa, e deixando-o abatido e transtornado, e abalado o projecto de vida traçado com o seu agregado familiar, com a agravante de ter prescindido de posição profissional estável que tinha antes de abraçar o projecto, aliciante, que lhe foi apresentado pela Ré.

A R. apresentou contestação, alegando, em síntese:

A R, enquanto Holding do Grupo BB, no ano de 2005, iniciou um plano estratégico com o intuito de alargar a actividade do Grupo à República Popular da China.

Desta medida foi sendo dado conhecimento ao mercado accionista - informação privilegiada de 16 de Outubro de 2006 -, bem como ao público em geral através dos órgãos de comunicação social.

O A, tendo tomado conhecimento de tal facto através dos órgãos de comunicação social, em 18 de Outubro de 2006, enviou uma carta à "BB" dirigida ao Eng. MM, seu administrador e de diversas outras empresas do Grupo BB, oferecendo os seus serviços.

Na sequência desta carta, na qual o A. fazia sobressair a sua experiência profissional na China e, sobretudo, a sua vontade de voltar a trabalhar nesse país, a administração da R., consciente de que as empresas que aí iria deter necessitariam de quadros válidos, anuiu ao pedido do A. e marcou uma primeira entrevista.

Após uma segunda entrevista, na qual ficou claro o interesse do A. em desenvolver a sua actividade na China e porque a entrada do Grupo BB no capital da empresa cimenteira chinesa (CC Co.Ld) estivesse atrasada, devido a vicissitudes burocráticas imprevistas, a R, em 15 de Novembro de 2006, apresentou ao A. uma promessa de contrato de trabalho, constante da carta de intenções, cujo contrato prometido seria celebrado com uma empresa do Grupo BB, com sede em Portugal ou Espanha.

Esta característica (ser uma empresa do grupo com sede em Portugal ou Espanha) correspondeu a uma exigência do A, em virtude de pretender auferir vencimentos e proceder aos respectivos descontos para a segurança social através de empresa localizada no espaço comunitário.

Estava previsto iniciar a relação laboral prometida no dia 2 de Janeiro de 2007 pois, em 15 de Novembro de 2006, pensava-se que tal data seria compatível com a da aquisição da referida cimenteira chinesa e subsequente deslocação do A para a China.

Porém, vicissitudes burocráticas imprevisíveis fizeram com que a aquisição da cimenteira, que deveria ter ocorrido em finais de 2006, só se viesse a verificar em finais de Maio de 2007, como se infere da Informação Privilegiada de 30 de Maio de 2008.

Ora, tendo sido assumido o compromisso com o A de este iniciar funções em Janeiro de 2007 e em face do sucessivo adiamento da aquisição da cimenteira na China, por motivos não imputáveis ao Grupo BB, avançou-se, nessa data, com a execução do contrato de trabalho entre o A. e BB Inversiones, tendo a administração desta Empresa estabelecido que o A se apresentaria nas instalações da R, em Lisboa, até ao momento em que se desse a aquisição da cimenteira na China, aproveitando-se a circunstância para se ir ambientando às funções de controller, situação transitória que durou cerca de 5 meses.

O estabelecimento da relação laboral entre o A e a BB Inversiones, empresa espanhola do Grupo, estava contemplado, na carta de intenções de 15 de Novembro de 2006, como uma das alternativas possíveis para a celebração do contrato de trabalho do A, na medida em que a BB Inversiones é a empresa que detém as participações do Grupo nas empresas na China.

A circunstância de a formalização do contrato de trabalho entre o A e a BB Inversiones, através da sua assinatura, se ter concretizado apenas em Novembro de 2007, ficou a dever-se ao facto de só após a celebração do contrato de trabalho do A. com a empresa chinesa DD (em Setembro de 2007), se poder definir o diferencial, a liquidar pela BB Inversiones, por forma a atingir-se a remuneração mínima anual líquida convencionada de € 105.000, e que era calculado em função do valor que nesta empresa chinesa pudesse ser considerado remuneração, pois estava sujeita a limites estatais então desconhecidos.

No entanto, a partir de Janeiro de 2007, e antes da formalização do contrato de trabalho, a BB Inversiones pagou ao A. o salário acordado, sem prejuízo de posteriores acertos tendo em conta a determinação do salário pago pelas empresas na China.

Quanto à cessação do contrato com o A, não tendo sido possível uma rescisão negociada, o Eng. FF entregou-lhe a comunicação da BB Inversiones de extinção do contrato de trabalho, nos termos previstos na cláusula nona do seu contrato de trabalho.

Por isso, sustenta que a R jamais despediu o A, desde logo pela singela circunstância de não ser a sua entidade patronal.

Mesmo que se entendesse que o período, entre Janeiro e Junho de 2007, em que o A, de forma precária e acidental, se deslocou à sede da R, aguardando a possibilidade da deslocação para a China e aí exercer as funções para que foi contratado, poderia consubstanciar uma situação de facto que lhe permitisse invocar a existência uma relação laboral com a R, sempre a celebração e assinatura, por si, do contrato de trabalho com a BB Inversiones, se traduziria numa clara declaração de revogação de uma eventual relação laboral prévia com a R, relativamente àquele período.

A circunstância de a BB Inversiones não ter procedido a um despedimento com base numa actuação culposa do A e ter optado, antes, pela aplicação do regime previsto no art. 11°, n°1 do Real Decreto 1382/1985, de 1 de Agosto, - extinção do contrato por vontade do empresário - através do pagamento do aviso prévio de 3 meses em falta, ficou a dever-se apenas ao motivo de não pretender arrastar um conflito que seria susceptível de prejudicar a imagem do Grupo na China, nomeadamente junto das empresas chinesas associadas, para além do inevitável ruído e mal-estar que causaria nas empresas e colaboradores.

De qualquer forma, o A celebrou um contrato de trabalho de alta direcção com a BB Inversiones, regulado pela Lei Espanhola, designadamente pelo Real Decreto 1382/1985, de 1 de Agosto, que prevê o regime jurídico aplicável à relação laboral de carácter especial de pessoal de alta direcção.

Por isso, e através do referido contrato, o A obrigou-se a exercer as funções de Controller das sociedades participadas pela BB Inversiones, na China, situação que está, aliás, em perfeita sintonia com a carta de intenções de 15 de Novembro de 2006 e a respectiva promessa de contrato de trabalho, tendo sido expressamente convencionado entre o Autor e a BB Inversiones, que o referido contrato seria regulado pelo Real Decreto 1382/1985, de 1 de Agosto.

Ora, nos termos do n° 2 do artigo 1º do referido diploma, "considera-se pessoal de alta direcção aqueles trabalhadores que exercitam poderes inerentes à titularidade jurídica da empresa, e relativos aos objectivos gerais da mesma, com autonomia e plena responsabilidade apenas limitadas pelos critérios e instruções directas emanadas da pessoa ou dos órgãos superior de governo e administração da entidade que respectivamente ocupe aquela titularidade".

Por outro lado, nos termos do n° 1 do artigo 11° do mesmo diploma, "o contrato de trabalho poderá extinguir-se por denúncia do empregador, comunicada por escrito, devendo mediar um pré-aviso com a antecedência fixada no artigo 10.1 [3 meses]. O alto quadro terá direito nestes casos às indemnizações acordadas no contrato; na falta de acordo quanto à indemnização esta será equivalente a 7 dias de salários por ano de serviço, com o limite de seis mensalidades. Em caso de incumprimento total ou parcial do pré-aviso, o alto quadro tem direito a uma indemnização equivalente aos salários correspondentes à duração do período incumprido"

Ora, a BB Inversiones mais não fez que denunciar o contrato de trabalho de alta direcção que mantinha com o A., ao abrigo deste mesmo preceito legal, pagando-‑lhe todos os montantes indemnizatórios aí previstos, nomeadamente 3 meses de salário pelo pré-aviso omitido e indemnização de 7 dias por ano de trabalho.

Destarte, deve-se forçosamente concluir que o A. também não foi alvo de qualquer despedimento ilícito por parte da R. ou da BB Inversiones, tendo antes o contrato que vinculava ambas as partes cessado de forma plenamente válida, ao abrigo das normas aplicáveis de Direito Espanhol.

Findos os articulados e saneados os autos, foi realizada a audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida sentença, que julgando a acção improcedente absolveu a Ré dos pedidos.

Inconformado com esta decisão, dela apelou o A, tendo o Tribunal da Relação do Porto julgado procedente o recurso, e revogando a sentença recorrida, declarou a ilicitude do despedimento e condenou a Ré:

a)         a reintegrar o Autor e a pagar-lhe as retribuições que este deveria auferir desde o trigésimo dia anterior à propositura da acção até à data do trânsito em julgado desta decisão, cujo montante se relega para liquidação, acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, desde a liquidação;

b)        a pagar ao autor as seguintes quantias:

-           € 14.350 (catorze mil trezentos e cinquenta euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal desde a citação, até efectivo pagamento;

-           € 5.000 (cinco mil euros), de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde esta data até integral pagamento.

Notificada do acórdão proferido, veio a R requerer a sua aclaração, por pretensa obscuridade quanto à data que se considerou como sendo a da cessação do contrato de trabalho, tendo a Relação esclarecido que tal cessação ocorreu em 8 de Outubro de 2008, mantendo a sua parte decisória.

E inconformada recorreu a R de revista, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão que julgou procedente o recurso do A. declarando a existência de um contrato de trabalho entre as partes e a ilicitude do seu despedimento[1].

Da violação da lei do processo e do erro na apreciação de prova

7.            O Acórdão, na sequência de requerimento do Recorrido nesse sentido, e apenas por ter considerado provado documentalmente (entenda-se, a leitura que o documento junto aos autos permite..), aditou o seguinte facto:

Através de carta em papel timbrado da Ré, remetida de "Lisboa", datada de "16 de Abril de 2007", dirigida pessoalmente ao Autor enquanto colaborador com vínculo estável à BB -CIMENTOS DE PORTUGAL SGPS, S.A. foi proposta ao Autor, enquanto colaborador, a aquisição de acções da BB, S.A.

8.            A expressão "dirigida pessoalmente ao Autor enquanto colaborador com vínculo estável à BB- Portugal SGPS", que tem um impacto fortíssimo no quadro da tese do Recorrido e que foi a seguida na Decisão em crise, não consta em lugar nenhum do documento invocado.

9.            A alínea a), do n° 1, do art. 712° do CPC, invocada no Acórdão para aditar a matéria em causa, exige que do processo constem os elementos que serviram de base à decisão, o que não se verifica no caso.

10.          Nos termos do art. 376° do Código Civil, o documento particular cuja autoria seja reconhecida faz prova plena apenas quanto às declarações atribuídas ao seu autor; acresce que a declaração é indivisível, pelo que não poderá deixar de ser considerado o teor dos anexos quanto à delimitação do conceito de colaborador de que o Recorrido se pretende prevalecer.

11.          Ora, ao ter decidido como decidiu, o Acórdão violou o disposto no art. 712°/1/a) do CPC e no art. 376° do CC, pelo que, nos termos do disposto na alínea b), do n°1 e na parte final do n°3 do art. 722° do CPC, deverá o Tribunal ad quem dar por não escrito tal matéria ou, em alternativa, substituí-la por outra com a seguinte redacção:

Através de carta em papel timbrado da Ré, remetida de "Lisboa", datada de "16 de Abril de 2007", dirigida pessoalmente ao Autor, foi proposta ao Autor, enquanto colaborador, a aquisição de acções da BB, S.A.

O conceito de colaborador utilizado nessa carta abrange (i) os administradores e a generalidade dos colaboradores com vínculo estável à BB, SGPS, S.A., ou às sociedades, com sede em qualquer dos países da Península Ibérica, dominadas, directa ou indirectamente, por aquela, (ii) a administradores e quadros dirigentes de todas as sociedades do Grupo sedeadas no estrangeiro (propostos, para tal, pelos gestores das áreas respectivas) e (iii) a outros colaboradores, (designados, para o efeito, pela Comissão Executiva) vinculados a sociedades em que a BB ou alguma sociedade dominada por esta participe no respectivo capita

Da existência de um pretenso vínculo laboral entre a Recorrente e o Recorrido

12.          O Douto Acórdão, em três páginas de fundamentação, decide a questão nuclear nos presentes autos (a existência, ou não, de um vínculo laboral entre as partes) concluindo que, "pelo menos desde 2.01.2007 estamos perante um contrato de trabalho entre o recorrente e a Ré"

13.          Apesar de ter reproduzido cerca de 10 páginas da sentença (notável, por sinal, pois de uma amálgama de factos descritivos de uma realidade complexa conseguiu identificar o essencial que é, afinal, o alcance da vontade das partes..), não lhe dedica uma única linha de análise crítica, contrariamente ao que seria de esperar uma vez que decidiu em sentido diametralmente oposto.

14.          A decisão da primeira instância, proferida pelo Julgador que conduziu a produção de prova e que, desse modo, absorveu a inegável complexidade dos factos que caracterizam a presente lide, está sustentada numa coerente e detalhada análise da matéria fáctica provada (e pelo alcance negativo da não provada, como se faz questão de referir por diversa vezes...) dando especial enfoque às declarações de vontade das partes no contexto concreto em que foram manifestadas.

15.          Inexplicavelmente, o douto Acórdão omitiu a questão do conhecimento da vontade das partes, aspecto nuclear num conflito em que estas discordam, precisamente, do alcance da vinculação jurídica existente, desconsiderando, assim, os efeitos da autonomia da vontade e da autodeterminação livre e esclarecida enquanto aspectos determinantes da actuação dos sujeitos de direito.

16.          Ao invés, parte do preconceito da desconsideração da personalidade jurídica num Grupo empresarial, reproduzindo, como ilustração desse fenómeno excertos de um relatório e contas da Recorrente, que nem sequer está junto autos, violando, desse modo, o princípio do dispositivo.

17.          A tese de fundo de decisão em crise não tem na lei, nem sequer na jurisprudência, qualquer amparo: numa definição simplista, o Acórdão sustenta que, sendo a Ré uma Holding de um grupo composto por diversas empresas cuja actividade é por si determinada e lhe aproveita, qualquer vínculo laboral nesta realidade empresarial/societária será sempre com a Holding.

18.          Para não se ficar só por esta apreciação genérica, o Douto Acórdão procede a uma apreciação breve (limita-se a invocar alguns factos não se detendo no respectivo conteúdo..) relativa à verificação dos indícios previstos na versão original do art. 12° do Código do Trabalho (sendo certo que à data da verificação dos factos essa redacção já não estava em vigor..), utilizando, na subsunção jurídica, um conceito alargadíssimo dos factos facultado pela eleita tese da desconsideração da personalidade jurídica.

19.          Tal subsunção, é manifestamente inadequada pois os factos n.° s 5 a 13, 19 a 28 estão longe de permitir concluir pela (1) inserção do Recorrido na estrutura organizativa da Recorrente (empresa holding do grupo, sediada em Lisboa) e (2) prestação das suas funções sob a orientação desta.

20. Os factos n°s 13 a 15, e 35 a 40 estão longe de permitir concluir que quem pagava o salário do Recorrido era a Recorrente.

21 Foi o Recorrido que tomou a iniciativa de contactar um administrador da Recorrente manifestando-lhe o interesse em desenvolver funções na China, alegando experiência profissional nesse país (n°s 6 e 7 da matéria provada);

22.          A Recorrente, nesse pressuposto, assumiu o compromisso de vir a indicar uma empresa do Grupo, em Portugal ou Espanha, com a qual o Recorrido estabeleceria um vínculo laboral (n°s 9 a 11 dos factos provados), para desenvolver funções na China.

23.          A Recorrente cumpriu com a palavra dada, tendo sido estabelecido um contrato de trabalho entre o Recorrido e a BB Inversiones (n°s 30 a 32 dos facto provados) que é, precisamente, a empresa que detém as participações do Grupo nas empresas na China, cujo atraso na formalização se ficou a dever aos atrasos no projecto de investimento na China (n°s 19 a 22 dos factos provados) e que não foram imputáveis à Recorrente.

24.          Jamais a Recorrente (que não aliciou o Recorrido, com nenhum projecto de trabalho, tendo, ao invés, sido este que tomou a iniciativa de a contactar, insista-se, pois é uma nota importante na apreciação da razoabilidade do comportamento de cada uma das partes...) comunicou ao Recorrido que o vínculo laboral que se iria estabelecer seria com a Recorrente, nem em momento algum da fase negocial, que deve ser pautada pela boa-fé, o Recorrido manifestou a exigência de tal vínculo ser com a Recorrente.

25.          O Recorrido não invocou vícios de vontade nas declarações negociais que emitiu, nomeadamente quanto ao contrato de trabalho celebrado com a BB Inversiones.

26.          A Sentença, no capítulo III, que por razões de economia processual se dá aqui por integralmente reproduzido, identificou com clareza esta evidência tão fundamental e a partir dela procedeu a uma análise correctíssima da sucessão de factos, tendo concluído pela inexistência de prova de factos que abalassem o alcance das declarações negociais.

27.          Mesmo que se entendesse que o período, entre Janeiro e Junho de 2007, em que o Recorrido, de forma precária e acidental, se deslocou à sede da Recorrente, poderia consubstanciar uma situação de facto que lhe permitisse invocar a sua integração na estrutura organizativa da Recorrente e, por essa via, a existência uma relação laboral com esta, sempre a celebração e assinatura, por si, do contrato de trabalho com a BB Inversiones (o Recorrido não alega que foi coagido a assinar tal contrato...), em data posterior, do qual consta a cláusula sexta, com o seguinte teor:

D. AA declara expressamente que “en esta fecha no se haya vinculado en modo alguno a ninguna outra compania, empresa o entidad”.

28.          Se traduziria, uma vez mais, de acordo com o princípio da boa-fé e o investimento de confiança na outra parte, numa clara declaração de revogação de uma eventual relação laboral prévia com a Recorrente, relativamente àquele período.

29.          Com a decisão proferida, ora posta em crise, o Douto Acórdão violou os arts. 342°,405°, 406° e 1152º do Código Civil, bem como o art. 264º/2 do Código do Processo Civil e ainda os arts. 10° e 12° do Código de Trabalho (na versão então em vigor).

Da existência de um pretenso despedimento ilícito por parte da Recorrente e dos créditos devidos à data do despedimento

30.          O Acórdão em crise considerou que o despedimento, enquanto manifestação unilateral da vontade de pôr termo ao contrato, ocorreu no dia 8 de Outubro de 2008.

31.          O quesito 43°, o único que circunstancia o que sucedeu no dia 8 de Outubro de 2008, tem a seguinte redacção:

 “Em encontro havido no dia 8 de Outubro de 2008, o Eng°. FF comunicou ao Autor que estava despedido da empresa BB Inversiones, S.A, entregando-lhe por mão própria uma carta datada de 3 de Outubro, redigida em língua espanhola, impressa em papel timbrado da BB Inversiones, S.A., cuja cópia consta de fls. 34, pedindo-lhe que a assinasse”. - resp, ao quest. 12) da base instrutória;

32.          Nada neste quesito permite inferir que a decisão de despedimento tivesse partido da R, ou que lhe fosse sequer imputável. O que aí é dito ao A, pelo Eng FF, é que estava despedido da empresa BB Inversiones....

33.          Em lugar nenhum dos factos provados consta a ligação institucional entre o Engº FF e a R, seja como seu administrador, seja mesmo como seu trabalhador. E o onús desta prova competia ao A.

34 Face a esta factualidade, é forçoso concluir pela inexistência de acto unilateral da R, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho do A,

35.          O mesmo equivale a dizer que não cuidou o A de provar os factos constitutivos do seu despedimento, pelo que, nesta parte, deverá também improceder a decisão em crise por violação do art. 342° do Código Civil, bem como dos art. 436º e 438º do Código de Trabalho (na versão então em vigor).

36.          Na condenação na quantia de € 14.350 a título de retribuições do ano de 2008 vencidas e não pagas, apuradas à data da cessação do contrato, a decisão em crise deveria ter considerado a circunstância de o Recorrido ter recebido, em 17.10.2008, o valor € 35.696 (n°39 da matéria de facto) pago pela BB Inversiones, precisamente a título de indemnização legal pela rescisão do vínculo laboral,

37.          Pois se entendeu que o vínculo não cessou, deveria também ter concluído pela inexistência de causa para a atribuição do valor de € 35.696, pelo que a decisão a proferir pelo Tribunal ad quem, se for nesse sentido, o que se apenas admite por mera cautela de patrocínio, deverá reconhecer ser o Recorrido, à data da cessação do contrato de trabalho, devedor da Recorrente da quantia 21.346,74, após a compensação do crédito de € 14.350, o que desde já se declara ainda que, como é evidente, sujeito a uma eventual decisão desfavorável quanto à ilicitude o despedimento.

 

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, consequentemente, o Acórdão em crise, com as legais consequências, com a integral absolvição da Recorrente de todos os pedidos contra si formulados.

O A também alegou, pugnando pela manutenção do decidido pela Relação.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, o Ex.mº Procuarador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, o qual suscitou reacção de desconformidade da recorrente.

E corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2---

Para tanto, as instâncias partiram dos seguintes factos:

Factos provados (na 1ª instância):

1.         A Ré BB S.G.P.S., S.A. é a Holding do Grupo BB, que é responsável pelo desenvolvimento estratégico do grupo - designadamente no que respeita ao processo de internacionalização - e pela gestão global do conjunto das diferentes áreas de negócio do grupo BB. - Al. A) dos factos admitidos por acordo.

2.         A Ré iniciou um plano estratégico de investimento com o intuito de se estabelecer no mercado de cimento da República Popular da China. - Al. B) dos factos admitidos por acordo.

3.         A Ré implementou esse plano através de um conjunto de sociedades criadas na República Popular da China, designadamente a BB Corporation, Limited, (doravante abreviadamente designada CCCC), com sede em Hong Kong, e a BB Macau, com sede em Macau, sendo que em meados de 2008 criou uma outra, com sede em Shangai, assim como através de aquisição de participações sociais em sociedades estabelecidas naquele território. - Al. C) dos factos admitidos por acordo.

4.         A BB Inversiones, S.A. é uma Subholding do grupo BB, com sede em Espanha, constituída em 2002 para servir de plataforma à expansão do grupo na área de actividade internacional. - Al. D) dos factos admitidos por acordo.

5.         Desde meados de 2007, o grupo BB passou também a estar presente no território da República Popular da China através de participações sociais em diversas empresas, designadamente a CCCC, holding que é detentora das participações sociais das demais empresas do grupo na República Popular da China, CC Co. Ltd (doravante abreviadamente designada GG), empresa que se dedica à produção de cimento, e a DD Company, Limited, (doravante abreviadamente designada DD), empresa que se dedica à moagem de cimento. - Al. E) dos factos admitidos por acordo.

6.         Da medida da Ré referida na alínea B) foi sendo dado conhecimento ao mercado accionista - informação privilegiada de 16 de Outubro de 2006, conforme documento constante de fls. 137 -, bem como ao público em geral, através dos órgãos de comunicação social. - Al. F) dos factos admitidos por acordo.

7.         O A., em 18 de Outubro de 2006, enviou uma carta à "BB" dirigida ao Eng. MM, administrador da R., da qual se reproduz o seguinte excerto:

"Assunto: Investimento da BB na China, província de Shandong, New Liuyuan

Exmo Senhor,

Foi com entusiasmo que tive conhecimento, através da imprensa económica, do vosso investimento na China.

Penso ser estratégico e ambicioso.

Sinceros votos de que constitua uma importante rampa de lançamento da BB (e por essa via de um importante músculo da economia portuguesa) naquela região de tão fortes perspectivas de crescimento.

Naturalmente que terá bons recursos humanos para abraçar este exigente projecto (e a meu ver estimulante desafio), contudo não pude ficar indiferente e daí ter tomado a iniciativa/ousadia de lhe enviar esta carta, no sentido de lhe dar a conhecer o meu currículo, pois poderá ter-vos interesse quando vos for oportuno. A mim tem concerteza.

Move-me o desejo de dar alavancagem à minha anterior experiência de 4 anos na China, em Liaoyang, província de Liaoning - Nordeste.

(...), conforme documento constante de fls. 138. - Al. G) dos factos admitidos por acordo.

8.         Na sequência desta carta, Autor e Ré estabeleceram contactos entre si. - Al. H) dos factos admitidos por acordo.

9.         A Ré emitiu a carta de intenções, datada de 15/11/2006, que entregou ao Autor, com o seguinte teor.

Ex.mo Senhor:

No prosseguimento de uma estratégia de diversificação geográfica, a BB expandiu recentemente a sua actividade ingressando no mercado cimenteiro chinês. Esta nova realidade comporta a necessidade de integrar novos quadros no seio do Grupo que assegurem o sucesso da operação e o crescimento da BB.

Pela presente, a BB declara ser de sua vontade que V. Exª passe a integrar os seus quadros, exercendo as funções de controller financeiro, na China, a partir de 2 de Janeiro próximo. O desconhecimento da lei local, designadamente da legislação laboral, impossibilita a BB de enunciar, nesta fase, todas as premissas com base nas quais se propõe celebrar o contrato de trabalho com V. Exa. Não obstante, manifesta desde já intenção em assumir os seguintes compromissos:

1.            Vínculo laboral sem termo, entre V. Exa e uma empresa do grupo BB, com sede em Portugal ou Espanha;

2.            Celebração do ou dos Contratos de Trabalho que se afigurem necessários, com um valor bruto de remuneração global que lhe garanta uma remuneração mínima anual líquida de € 105.000 (cento e cinco mil euros), enquanto exercer a sua actividade na China.

3.            Até à celebração do ou dos Contratos de Trabalho serão pagos mensalmente, sob forma de adiantamento por conta da retribuição, um doze avos do valor líquido anual supra referido.

4.            Com a celebração do ou dos contratos de trabalho, que terão, em princípio, efeitos reportados à data de 2 de Janeiro de 2007, os valores adiantados deverão ser regularizados por V. Exa através de reembolso ou desconto nos vencimentos que venha a auferir» (alterado pela Relação).

10.       A Ré pretendia que o Autor ingressasse nos quadros de uma ou várias empresas do Grupo BB para exercer as funções de controller financeiro das empresas suas participadas na República Popular da China, por um período mínimo estimado de três anos, até ao final do ano de 2009. - resp. ao ques. 1) da base instrutória;

11.       Em Novembro de 2006, a Ré tomou a decisão de contratar o Autor para os quadros de uma ou várias empresas do Grupo BB, designadamente para, sob a direcção e fiscalização dessa(s) empresa(s), e mediante retribuição, exercer as funções de controller financeiro das empresas participadas do Grupo BB na China, com efeitos a partir do início de 2007. - resp. ao ques. 2) da base instrutória;

12.       Porque a entrada do Grupo BB no capital da empresa cimenteíra chinesa (CC Co. Ldt) estivesse atrasada, devido a vicissitudes burocráticas imprevistas, a R., em 15 de Novembro de 2006, apresentou ao A. uma carta de intenções, cujo contrato de trabalho seria celebrado com uma empresa do Grupo BB, com sede em Portugal ou Espanha. - resp. ao ques. 19) da base instrutória;

13.       A Ré comprometeu-se a assegurar ao Autor que este iria auferir uma remuneração mínima anual líquida de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros), enquanto exercesse funções na China, a ser paga pelas empresas do Grupo com quem o Autor firmaria contrato de trabalho, parte do qual, em princípio, por via de Espanha, e outra parte por via da China. - resp. aos ques. 3) e 4) da base instrutória;

14.       Para tanto, comprometeu-se a formalizar com o Autor um ou vários contratos de trabalho sem termo com uma ou mais empresas do Grupo BB, mas que no seu valor bruto unitário assegurassem, globalmente, a remuneração anual líquida (105.000,00 euros). - resp. ao ques. 5) da base instrutória;

15.       Na sequência do acertado aquando da contratação do Autor, o salário anual a auferir por este, no montante de € 105.000,00, seria pago pela BB Inversiones, S.A., no montante aproximado de € 75.000,00, e a outra parte, no montante de € 30.000,00, pelas empresas sedeadas na República Popular da China. - resp. ao ques. 10) da base instrutória;

16.       O Autor rescindiu o contrato de trabalho que o vinculava a outra empresa. -Al. J) dos factos admitidos por acordo.

17.       A relação laboral prometida estava prevista iniciar-se no dia 2 de Janeiro de 2007 pois, em 15 de Novembro de 2006, pensava-se que tal data seria compatível com a da aquisição da referida cimenteira chinesa e subsequente deslocação do A. para a China. - resp. ao ques. 21) da base instrutória;

18.       Vicissitudes burocráticas imprevisíveis fizeram com que a aquisição da cimenteira, que deveria ter ocorrido em finais de 2006, só se viesse a verificar em finais de Maio de 2007. - resp. ao ques. 22) da base instrutória;

19.       Tendo sido assumido o compromisso com o A. de este iniciar funções em Janeiro de 2007 nos termos referidos na resposta aos quesitos 2) a 5) e em face do sucessivo adiamento da aquisição da cimenteira na China, por motivos não imputáveis ao Grupo BB, avançou-se, nessa data, com a execução pelo A. das funções referidas na ai. L). - resp. ao ques. 23) da base instrutória;

20.       Foi comunicado ao A. para se apresentar nas instalações da R., em Lisboa, até ao momento em que se desse a aquisição da cimenteira na China, aproveitando-se a circunstância para se ir ambientando às funções de controller e receber formação. - resp. ao ques. 24) da base instrutória;

21.       A partir de 1 de Janeiro de 2007, o Autor, na sede da Ré, sita em Lisboa, iniciou o estudo dos dossiers e das empresas do Grupo da Ré na República Popular da China, e a preparação e planificação da actividade a desenvolver naquele país. - Al. L) dos factos admitidos por acordo.

22.       O referido na alínea L) ocorreu no pressuposto acordado que o Autor, enquanto quadro de uma ou mais empresas do Grupo da Ré, iria assumir, aquando da sua deslocação definitiva para a China, as funções de Director Financeiro da CCCC holding. - resp. ao ques. 7) da base instrutória;

23.       O Autor foi admitido ao serviço em 1 de Janeiro de 2007. - resp. ao ques. 6) da base instrutória;

24.       Em Março de 2007, o Autor, já no pleno exercício das suas funções, deslocou-se à China, juntamente com os Engenheiros EE e FF para um conjunto de reuniões com empresas a adquirir pelo Grupo BB na China e análise de outras empresas passíveis de aquisição pelo Grupo BB. - Al. M) dos factos admitidos por acordo.

25.       Em 11 de Junho de 2007, o Autor deslocou-se definitivamente para a República Popular da China, onde se instalou, designadamente em Zaozhuang. - Al. N) dos factos admitidos por acordo. - Al. A) dos factos admitidos por acordo.

26.       Onde assumiu as funções de Director Financeiro da CCCC e foi nomeado membro do Conselho de Administração de três empresas participadas da Ré: a GG, a HH, Ltd. e a DD. - Al. O) dos factos admitidos por acordo.

27.       Cabiam ao Autor as funções de controlo financeiro, consolidação das contas e contabilidade. - Al. P) dos factos admitidos por acordo.

28.       Na China cabiam ao Autor as funções, que exerceu, de controlo financeiro e de reporte das empresas operacionais do grupo BB na República Popular da China (CCCC, GG, HH, Ltd. e a DD). - resp. ao ques. 8) da base instrutória;

29.       Em Setembro de 2007, o Autor assinou um documento particular em que outorgava como contraparte a DD, para suporte do pagamento de parte da sua retribuição acordada, a processar por via da China, conforme documento constante de fls. 210. - Al. Q) dos factos admitidos por acordo.

30.       O Autor assinou o contrato designado como de "trabajo de alta dirección", em que era outorgante, como entidade empregadora, a BB Inversiones, S.A., conforme cópia constante de fls. 31 a 33. - Al. R) dos factos admitidos por acordo.

31.       O contrato referido na al. R) foi celebrado em Janeiro de 2008, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2007. - resp. ao ques. 26) da base instrutória;

32.       A BB Inversiones é a empresa que detém as participações do Grupo nas empresas na China. - resp. ao ques. 25) da base instrutória;

33.       Em 2008, o Autor assinou um outro contrato de trabalho, neste caso com a CC  Co. Ltd. (GG), conforme documento constante de fls. 211 a 222, este em substituição daquele outro anteriormente assinado com a DD. - Al. S) dos factos admitidos por acordo.

34.       No desempenho das suas funções na China, o A. reportava ao Eng. FF, com o esclarecimento que o Autor remetia informação para os serviços de apoio da Ré Holding, informação esta que depois era tratada a nível central, pelo Dr. JJ a nível de contabilidade e consolidação, e pela Dr.a LL ao nível da informação de gestão e planeamento; ao nível financeiro, quando havia necessidades de tesouraria, bem como questões atinentes a saldos e empréstimos bancários, o Autor, enquanto Controller Financeiro, comunicava tais informações à Ré Holding, sendo tal informação aí tratada pelos serviços do Dr. EE, sendo esse procedimento comum a todos os controller financeiros afectos às diversas empresas do Grupo BB. - resp. ao ques. 15) da base instrutória;

35.       No período que mediou entre Janeiro e Junho de 2007, o Autor veio a receber a parte proporcional aos € 75.000,00, cujos pagamentos foram processados pela BB Inversiones, S.A. - Al. T) dos factos admitidos por acordo.

36.       Após deslocação para a República Popular da China, passou a ser processado ao Autor o vencimento na parte proporcional aos € 30.000,00 anuais previstos, de forma a perfazer a retribuição anual líquida - € 105.000,00 - combinada. - Al. U) dos factos admitidos por acordo.

37.       Tais pagamentos, no segundo semestre de 2007, foram processados ao Autor, em moeda chinesa, por via da DD e, a partir de 2008, através da GG. - Al. V) dos factos admitidos por acordo.

38.       O Autor auferia a quantia anual de € 75.000 paga por via de retribuição mensal de € 5.000 pagos em 15 meses, processada pela BB Inversiones, SA. - Al. X) dos factos admitidos por acordo.

39.       A restante parte combinada do vencimento anual do Autor, a ser processada através da China, passou a ser-lhe paga, por via da DD e da GG, parte do qual - aproximadamente € 1.600 - lhe era processado mensalmente a título de salário, e a diferença - do respectivo total para os € 30.000,00 - ser-lhe-iam pagos a título de prémio no final do exercício. - Al. Z) dos factos admitidos por acordo.

40.       (...) Tendo este expediente de processamento sido acertado por forma a evitar desajustes entre o vencimento mensal processado ao Autor naquelas empresas e o processado aos trabalhadores naturais da China. - Al. AA) dos factos admitidos por acordo.

41.       Em fins de Julho de 2008, o Eng. FF solicitou ao Autor que resignasse ao seu cargo de Director/Administrador da HH, o que o Autor recusou, conforme documento constante de fls. 161. - Al. BB) dos factos admitidos por acordo.

42.       O Autor recusou assinar a recepção da carta datada de 3 de Outubro, redigida em língua espanhola, impressa em papel timbrado da BB Inversiones, S.A., cuja cópia consta de fls. 34. - Al. CC) dos factos admitidos por acordo.

43.       Em encontro havido no dia 8 de Outubro de 2008, o Eng. FF comunicou ao Autor que estava despedido da empresa BB Inversiones, S.A., entregando-lhe por mão própria uma carta datada de 3 de Outubro, redigida em língua espanhola, impressa em papel timbrado da BB Inversiones, S.A., cuja cópia consta de fls. 34, pedindo-lhe que a assinasse. -resp. ao ques. 12) da base instrutória;

44.       Posteriormente a 8 de Outubro de 2008, foi entregue ao Autor uma carta datada de 12 de Outubro, redigida em inglês e em mandarim, impressa em papel timbrado da CC  Co. Ltd, conforme documento constante de fls. 35 e 36, traduzido a fls. 198 e cujo teor aqui se dá por reproduzido. - Al. DD) dos factos admitidos por acordo.

45.       Em 31 de Outubro de 2008, o Autor remeteu à Ré carta registada com A./R., conforme documentos constantes de fls. 37 a 41 e cujo teor aqui se dá por reproduzido. -Al. EE) dos factos admitidos por acordo.

46.       A Ré respondeu ao Autor, mediante carta datada de 19 de Novembro de 2008, cuja cópia consta de fls. 42 e cujo teor aqui se dá por reproduzido. - Al. FF) dos factos admitidos por acordo.

47.       À data da cessação do contrato o Autor auferia, a título de retribuição pelo seu trabalho, a quantia anual líquida de € 105.000, dos quais € 5.000,00, numa base de 15 meses, eram processados por via da BB Inversiones, SA. e a restante parte por via da GG, sendo que esta o fazia, mensalmente, a título de salário, pela quantia de aproximadamente € 1.600,00, sendo o remanescente composto a título de atribuição de prémio, a processar no final de cada ano. - Al. GG) dos factos admitidos por acordo.

48.       À data da cessação do contrato, e a título de retribuição referente aos meses de Janeiro a Setembro de 2008, o Autor havia auferido a quantia global de € 64.400,00, dos quais € 50.000 foram processados pela BB Inversiones, S.A. e os restantes cerca de € 14.400 (equivalentes a CNY 156.015) pela GG. – Al. HH) dos factos admitidos por acordo.

49.       O Autor, em 17.10.2008, viu transferida para a sua conta, por via da BB Inversiones, SA., a quantia de € 35.696,74. - Al. II) dos factos admitidos por acordo.

50.       O A. encontra-se desempregado e tem dois filhos. - resp. ao ques. 15) da base instrutória. - resp. ao ques. 17) da base instrutória;

51.       Por causa do ocorrido, o Autor vive desalentado, que se reflecte em irritabilidade constante. - resp. ao ques. 18) da base instrutória.

E por provados documentalmente, aditou a Relação os seguintes factos sob os números 52, 53 e 54, nos termos do art. 712°, n° 1, alínea a), do CPC:

52-       Em 7 de Dezembro de 2007, altura em que o Autor se encontrava já a trabalhar em território chinês, a Dra. NN, assessora da Administração da Ré BB, SGPS, SA, em resposta as dúvidas e questões levantadas pelo Autor relativas ao contrato "de trabajo de alta dirección" que lhe tinha sido proposto, respondeu ao Autor por via de e-mail que o "contrato com a Inversiones traduz apenas o trabalho na China e o salário em Espanha".

53-     Através de carta em papel timbrado da Ré, remetida de "Lisboa", datada de "16 de Abril de 2007", dirigida pessoalmente ao Autor enquanto colaborador com vínculo estável à BB -… DE PORTUGAL SGPS, S.A. foi proposta ao Autor, enquanto colaborador, a aquisição de acções da BB, S.A.(alterado pelo Supremo).

54-       O Autor, já em estada na China e após assinatura dos dois contratos a termo, foi beneficiário do sistema HELP - Sistema Privado de Saúde VICTORIA, "contratado pela BB SGPS, SA".

3---

E decidindo:

Sendo pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, conforme resulta dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC, na versão que lhe foi conferida pelo DL nº 303/2007 de 24 de Agosto, e que já é a aplicável dado o processo ser de 2009, constatamos que são as seguintes as questões a decidir neste recurso:

a) matéria de facto aditada pela Relação;

b) existência de contrato de trabalho entre A e R;

c) despedimento ilícito do trabalhador e suas consequências.

Assim sendo, vejamos então cada uma delas.

3.1---

            Quanto à matéria de facto:

            Reage a recorrente contra a matéria de facto aditada pelo Acórdão recorrido, na parte que respeita ao facto nº 53, donde se colhe o seguinte:

Através de carta em papel timbrado da Ré, remetida de "Lisboa", datada de "16 de Abril de 2007", dirigida pessoalmente ao Autor enquanto colaborador com vínculo estável à BB -… DE PORTUGAL SGPS, S.A. foi proposta ao Autor, enquanto colaborador, a aquisição de acções da BB, S.A.

Sustenta a recorrente que a expressão "dirigida pessoalmente ao Autor enquanto colaborador com vínculo estável à BB- … Portugal SGPS", tem um impacto fortíssimo no quadro da tese do recorrido e que foi a seguida na decisão em crise, não consta em lugar nenhum do documento invocado.

Efectivamente a Relação aditou este facto baseando-se nos documentos de fls. 282 a 288, que são constituídos por uma carta datada de 16 de Abril de 2007 e que, em papel timbrado da R se dirige pessoalmente ao A, onde, sob a epígrafe “Aquisição de acções da BB pelos colaboradores – ano 2007”, lhe comunica que poderá adquirir acções da BB a 75% do valor de cotação, nos termos do Regulamento do Plano de Aquisição de Acções que se anexou, carta que se faz acompanhar dum comunicado onde se define o sentido do termo “colaborador”.

Trata-se portanto, dum documento particular a que a Relação atribuiu força probatória plena por se tratar de documento emanado da R.

Ora, em regra, das decisões da Relação sobre matéria de facto, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, conforme prescreve o artigo 712º, nº 6 do CPC, na versão conferida pelo referido DL nº 303/2007 de 24 de Agosto.

Além disso, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não é objecto do recurso de revista, conforme consagra o artigo 722º, nº 3, pois só o será se houver violação expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova, conforme se colhe da parte final do preceito.

Donde resulta que, enquanto tribunal de revista, o Supremo só pode alterar a matéria de facto apurada pelas instâncias, quando esteja em causa a violação de direito probatório material, pois só neste caso é que está em causa um juízo sobre uma questão de direito.

No caso, ao dar-se como provado o facto que consta do item 53, estamos perante uma violação de direito probatório material, pois se foi aceite o teor dos documentos em que se baseou a Relação, temos que os aceitar na sua globalidade, dado que a declaração é indivisível, conforme resulta do artigo 376º, nº 2 do CC.

E assim sendo, nos termos do artigo 722º/3 do CPC, parte final, trata-se dum caso em que o Supremo pode sindicar a matéria de facto que se deu como provada, pois está em causa a violação de norma que fixa a força probatória de documentos.

Por isso, e constatando-se que a Relação não foi fiel na reprodução dos documentos de fls. 282 a 288, dá-se ao nº 53 da matéria de facto a seguinte redacção:

Através de carta em papel timbrado da Ré, remetida de "Lisboa", datada de "16 de Abril de 2007", dirigida pessoalmente ao Autor, foi o mesmo informado que, no seguimento do Comunicado da Comissão executiva de 13 de Abril de 2007, constante de fls. 283 e 284, poderá adquirir acções da BB a 75% do valor da cotação de fecho do dia da transacção, nos termos do Regulamento do Plano de Aquisição de Acções da BB pelos colaboradores, que consta de fls.285 e seguintes.

E conforme consta desse comunicado, esse Plano de Aquisição de Acções era destinado (i) aos administradores e à generalidade dos colaboradores com vínculo estável à BB, SGPS, S.A., ou às sociedades, com sede em qualquer dos países da Península Ibérica, dominadas, directa ou indirectamente, por aquela, (ii) a administradores e quadros dirigentes de todas as sociedades do Grupo sedeadas no estrangeiro (propostos, para tal, pelos gestores das áreas respectivas) e (iii) a outros colaboradores, (designados, para o efeito, pela Comissão Executiva) vinculados a sociedades em que a BB ou alguma sociedade dominada por esta participe no respectivo capital.       

Procede, portanto esta primeira questão suscitada pela recorrente, alterando-se em conformidade o aludido nº 53 da matéria de facto, que ficará do teor acima transcrito.

3.2----

            Quanto à existência de contrato de trabalho com a R:

Esta questão mereceu resposta diversa por parte das instâncias, constatando-se que a sentença da 1ª instância entendeu que o A não havia provado a existência dum contrato de trabalho com a recorrente, e em consequência absolveu-a dos pedidos.

Por seu turno o Tribunal da Relação, considerando que o A estava vinculado à R através dum contrato de trabalho sem termo, condenou-a nas consequências dum despedimento ilícito. 

            Para tanto argumentou-se no acórdão recorrido que:

Antes de mais, deve salientar-se, que o caso em apreço traduz bem a complexidade das situações e formas de contratação laboral num contexto de grupos societários e empresariais.

Como se pode consultar no relatório e contas referentes ao exercício da Ré de 2007, in www.BB.pt, a BB, SGPS, S.A. ("Empresa"), constituída em 26 de Março de 1976, com a designação social de BB- …de Portugal, E.P., tem sofrido diversas alterações    estruturais e jurídicas, que a conduziram à liderança de um Grupo Empresarial com actividades em Portugal, Espanha, Marrocos, Tunísia, Egipto, Turquia, ' Brasil, Peru, Moçambique, África do Sul, China e Cabo Verde ("Grupo BB"), nas áreas de produção e comercialização de cimento, betão, artefactos de betão e actividades conexas.

A Empresa detém as suas participações financeiras distribuídas, essencialmente, por duas Sub-Holdings: (i) a BB Portugal, SGPS, S.A., que concentra, basicamente, as participações nas sociedades da área de negócios de Portugal; e, (ii) a BB Inversiones S.A., que detém as participações nas sociedades sediadas no estrangeiro. Relatório e contas (individuais) da Holding referente ao exercício do ano de 2007.

Em termos organizacionais, o Grupo BB encontra-se estruturado por Áreas de Negócios, correspondentes aos diferentes países onde o Grupo desenvolve a sua actividade ou onde detém participações minoritárias.

As referidas Áreas de Negócios agrupam-se, por seu turno, em grandes regiões, a saber, actualmente:

i) Península Ibérica

ii) Bacia do Mediterrâneo

iii) América Latina

iv) África Ocidental

v) Sul de África, e, actualmente, acrescentamos nós,

vi) China.

Dentro de cada Área de Negócios, as diversas actividades desenvolvidas estão organizadas por produto, sendo a actividade principal a produção e comercialização de cimento.

Enquanto holding do Grupo, a BB, SGPS, S.A., é responsável pelo seu desenvolvimento estratégico - designadamente no que respeita a todo o seu processo de internacionalização - e pela gestão global do conjunto das diferentes Áreas de Negócios, garantindo a respectiva coordenação em matéria de recursos financeiros, técnicos, humanos e outros, segundo os critérios e orientações que, de acordo com os grandes objectivos do Grupo, emanam do Plano Estratégico (a cinco anos) revisto e aprovado anualmente pelo Conselho de Administração.

E, continuando a citar o referido documento, «a organização societária de cada Área de Negócios é adaptada às características e condições das respectivas actividades, bem como ao sistema legai vigente no país, visando o aproveitamento de eventuais sinergias e a captação dos benefícios decorrentes de um enquadramento financeiro e fiscal mais favorável.

Cada uma das Áreas de Negócios funciona segundo princípios de autonomia de gestão, nomeadamente para os assuntos de gestão corrente e operacional conduzido pela holding, no âmbito do qual se definem, de forma participada e interactiva, as orientações estratégicas, os planos de negócio e de investimento e os objectivos e orçamentos anuais procedendo-se periodicamente, à sua revisão e controlo.

Procura-se que, a administração de cada uma das diferentes Áreas de Negócios seja garantida tanto por quadros de nacionalidade local como por outros quadros do Grupo, visando uma gestão multicultural.

Nas sociedades dependentes, directa ou indirectamente, da BB -… de Portugal, SGPS, S.A., as decisões mais importantes - vg., as que ultrapassam determinados valores ou com maior impacto nos resultados ou no desenvolvimento estratégico do Grupo - dependem da aprovação ou ratificação da Administração da holding. O mesmo acontece relativamente a decisões ou actuações que, quando tratadas a nível de Grupo, permitem a obtenção de sinergias relevantes».

Atenta a factualidade apurada, impõe-se concluir, assim o entendemos, repete-se, com todo o respeito por diferente entendimento, que estamos perante um contrato de trabalho celebrado, pelo menos desde 02.01.2007, entre o recorrente e a Ré:

Para tanto, devem salientar-se os seguintes elementos:

a)            Inserção na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realização da prestação sob as orientações deste - Resulta dos factos provados sob os n°s 5 a 13, 19 a 28, 11, 13, 17, 18, 19 e 20 que o Recorrente laborava em beneficio da Ré/recorrida, no local indicado por esta, sob as ordens dos administradores da mesma;

b)            Realização do labor num local indicado pela empresa beneficiária -Resulta dos factos provados sob os n°s 5 a 13, 19 a 28, que o Recorrente laborava em local determinado pela Ré;

c)            Retribuição do labor paga pelo beneficiário da actividade e dependência económica - Resulta dos factos provados sob os n°s 13 a 15 e 35 a 40, que o Recorrente recebia o pagamento indistintamente das empresas integrantes da holding e era à Ré que prestava contas e responsabilidades.

d)            Prestação laboral superior a 90 dias - Resulta dos factos provados sob os n°s 5 a 13, 19 a 28, que o Recorrente trabalhou ininterruptamente para a Ré por período bem superior a 90 dias.

Temos, assim, que, no caso em apreço, o empregador originário foi a Ré, apenas aparecendo, formalmente, em 2008, a BB Inversiones, empresa integrante do grupo, cuja intervenção é limitada ao processamento de parte do salário acordado com a ré, nada mais se apurando, para além da carta final de denúncia do contrato de trabalho por ela dirigida ao autor, em tudo o mais se mantendo o relacionamento entre o autor e a Ré, a esta sempre continuando a reportar a sua actividade.

Mais acresce referir, em abono desta solução, a presunção legal de contrato de trabalho, consagrada no art. 12° do CT.

Como decorre desta norma, na redacção actual, emergente da Lei n° 9/2006, de 20.03, presume-se a existência de um contrato de trabalho quando o prestador «... esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade...».

Ora, fazendo esta presunção apelo à estrutura organizativa do credor, cremos que, no caso em apreço, o autor logrou demonstrar que a organização da Ré tem uma componente de grupo e que foi essa estrutura grupal que viabilizou a celebração do contrato escrito com a BB Inversiones.

Dito isto, resulta claro que o Autor, aqui Recorrente, estava subordinado, não à BB Inversiones, nem mesmo à GG, com quem formalizou vínculos laborais, mas antes à Ré.          

            Não sufragamos, no entanto, o entendimento perfilhado na Relação.

Efectivamente, a Ré BB S.G.P.S., S.A. é a Holding do Grupo BB, que é a responsável pelo desenvolvimento estratégico do grupo, designadamente no que respeita ao processo de internacionalização, e pela gestão global do conjunto das diferentes áreas de negócio do grupo BB.

Com este intuito de internacionalização do grupo, a R iniciou um plano estratégico de investimento visando estabelecer-se no mercado cimenteiro da República Popular da China, passando, a partir de meados de 2007, a estar presente em território chinês, através de participações sociais em diversas empresas, designadamente a BB Corporation, Limited, (abreviadamente designada por CCCC), que constitui uma holding que é detentora das participações sociais das demais empresas do grupo na República Popular da China, a CC Co. Ltd (abreviadamente designada GG), empresa que se dedica à produção de cimento, e a DD Company, Limited, (abreviadamente designada DD), empresa que se dedica à moagem de cimento.

Por outro lado, a BB Inversiones, S.A. é uma Subholding do grupo BB, que tem a sua sede em Espanha, tendo sido constituída em 2002 para servir de plataforma à expansão do grupo na área da actividade internacional e sendo a empresa que detém as participações do Grupo nas empresas na China.

            Ora, em 18 de Outubro de 2006, o A enviou uma carta à "BB" dirigida ao Eng. MM, administrador da R., oferecendo-se para trabalhar na China. E após vários contactos que estabeleceram entre si, a Ré emitiu e entregou-lhe uma carta de intenções, datada de 15/11/2006, onde declarava ser de sua vontade que aquele passasse a integrar os seus quadros, exercendo as funções de controller financeiro, na China, a partir de 2 de Janeiro próximo, assumindo os seguintes compromissos:

1.         Vínculo laboral sem termo, entre ele e uma empresa do grupo BB, com sede em Portugal ou Espanha;

2.         Celebração do ou dos Contratos de Trabalho que se afigurem necessários, de modo a garantir-lhe um valor bruto de remuneração global mínima anual líquida de € 105.000 (cento e cinco mil euros), enquanto exercer a sua actividade naquele país.

3.         Até à celebração do ou dos Contratos de Trabalho serão pagos mensalmente, sob forma de adiantamento por conta da retribuição, um doze avos do valor líquido anual supra referido.

4.         Com a celebração do ou dos contratos de trabalho, que terão, em princípio, efeitos reportados à data de 2 de Janeiro de 2007, os valores adiantados deverão ser regularizados por V. Exa através de reembolso ou desconto nos vencimentos que venha a auferir»          

Face ao teor desta carta, e atentos os critérios de interpretação da declaração de vontade estabelecidos no artigo 236º, nº 1 do Código Civil[2], não podemos extrair daqui que a Ré tenha tomado a decisão de contratar o Autor, pois o que colhemos da mesma é que se obrigou apenas a que fosse estabelecido um vínculo laboral, sem termo, entre ele e uma empresa do grupo BB, com sede em Portugal ou Espanha, ainda que fosse necessário celebrar um ou mais contratos de trabalho para lhe garantir o pagamento da remuneração global acordada para exercer a sua actividade na China.

Donde resulta que o objectivo da contratação do A era para trabalhar na China, ao serviço duma das empresas do grupo, que tivessem sede em Portugal ou Espanha.

Por outro lado, esta posição sai reforçada pelas respostas que se deram aos quesitos 1º e 2º da BI.

Efectivamente perguntava-se no artigo 1º desta BI se “a R pretendia que o A ingressasse nos seus quadros para exercer as funções de controller financeiro das empresas suas participadas na República Popular da China”, e a que se respondeu somente que “a Ré pretendia que o Autor ingressasse nos quadros de uma ou várias empresas do Grupo BB para exercer as funções de controller financeiro das empresas suas participadas na República Popular da China, por um período mínimo estimado de três anos, até ao final do ano de 2009”. 

Por outro lado, perguntava-se no quesito 2º se “em Novembro de 2006, a R tomou a decisão de contratar o A para os seus quadros, para sob a sua direcção e fiscalização, e mediante retribuição, exercer funções de controller financeiro das empresas do grupo BB na China, com efeitos a partir do início de 2007”, e a que se respondeu apenas que      “Em Novembro de 2006, a Ré tomou a decisão de contratar o Autor para os quadros de uma ou várias empresas do Grupo BB, designadamente para, sob a direcção e fiscalização dessa(s) empresa(s), e mediante retribuição, exercer as funções de controller financeiro das empresas participadas do Grupo BB na China, com efeitos a partir do início de 2007”.

Donde resulta que nunca foi intenção da R contratar o A ao seu serviço, pois este não conseguiu provar tal materialidade. 

É certo que por vicissitudes burocráticas imprevisíveis a aquisição da cimenteira chinesa, que deveria ter ocorrido em finais de 2006, só se veio a verificar em finais de Maio de 2007.

No entanto, e por ter sido assumido o compromisso do A iniciar funções a partir de Janeiro de 2007, foi-lhe ordenado que se apresentasse nas instalações da R, em Lisboa, onde permaneceria até ao momento em que se desse a aquisição da cimenteira na China, e onde o A se iria ambientando às funções de controller e iria receber formação.

Foi assim que, a partir de 2 de Janeiro de 2007, o A iniciou o estudo dos dossiers e das empresas do Grupo da Ré na República Popular da China e a preparação e planificação da actividade a desenvolver naquele país, começando por fazê-lo na sede da R, embora em Março de 2007, e já no pleno exercício das suas funções, o A se tenha deslocado à China, juntamente com os Engenheiros EE e FF, para um conjunto de reuniões com empresas a adquirir pelo Grupo BB na China e análise de outras empresas passíveis de aquisição pelo Grupo BB, pois só em 11 de Junho de 2007 é que passou a desempenhar, e com carácter definitivo, as suas funções na República Popular da China, onde se instalou.

Será este circunstancialismo suficiente para se concluir que estas funções foram exercidas ao serviço da R?

Entendemos que não.

Efectivamente, embora tal estivesse perguntado no quesito 6º, onde se perguntava se o A foi admitido ao serviço da R para o exercício daquelas funções (leia-‑se controller financeiro) em 1 de Janeiro de 2007, não provou este que tivesse sido admitido ao seu serviço naquela data, pois apenas se apurou que iniciou funções nessa data, conforme se constata da respectiva resposta, não considerando o tribunal que houve prova suficiente para se concluir que fora admitido ao serviço da R, conforme alegara.

Por outro lado, se é certo que no desempenho das suas funções na China o A. reportava ao Eng. FF, também não se apurou que este actuasse em nome da R, conforme se colhe da resposta negativa que mereceu o quesito 11º e onde se perguntava se aquele actuara em nome da R, quando em fins de Julho de 2008, lhe solicitou que resignasse ao seu cargo de Director/Administrador da HH.

Além disso, e quanto à iniciativa do seu despedimento, perguntava-se no quesito 12º se, em encontro havido no dia 8 de Outubro de 2008, o Engº FF comunicou ao A que estava despedido da R, entregando-lhe em mão uma carta redigida em língua espanhola e impressa em papel timbrado da BB Inversiones, SA, e a que se respondeu que apenas se provou que “em encontro havido no dia 8 de Outubro de 2008, o Eng. FF comunicou ao Autor que estava despedido da empresa BB Inversiones, S.A., entregando-lhe por mão própria, uma carta datada de 3 de Outubro, redigida em língua espanhola, impressa em papel timbrado da BB Inversiones, S.A., cuja cópia consta de fls. 34, e pedindo-lhe que a assinasse”.

Donde há que concluir que efectivamente não se provou a existência do alegado contrato de trabalho com a R e que o A havia invocado no seu petitório.

 

Por outro lado, provou-se que, em Setembro de 2007, o Autor assinou um documento particular em que outorgava como contraparte a DD.

E embora tal contrato tenha sido celebrado para servir de suporte do pagamento de parte da sua retribuição acordada, a processar por via da China, o certo é que o mesmo integra a formalização dum contrato de trabalho com aquela empresa e a que se seguiu, ainda em 2008, um outro contrato de trabalho, neste caso com a CC Co. Ltd. (GG), em substituição daquele outro anteriormente assinado com a DD.

Além disso, o A havia assinado ainda um contrato designado como de "trabajo de alta dirección", em que era outorgante, como entidade empregadora, a BB Inversiones, S.A, que era a empresa que detinha as participações do Grupo nas empresas chinesas.

E, embora este contrato tivesse sido outorgado apenas em Janeiro de 2008, o certo é que se acordou que a sua contratação era pelo prazo de três anos, cujos efeitos se reportaram expressamente a 2 de Janeiro de 2007.

Ora, a regularidade e licitude destes contratos não foi questionada pelo A.

Por outro lado, também não provou o A que a formalização deste contrato com uma sociedade de direito espanhol se prendeu com razões de natureza fiscal da Ré, nomeadamente de amortização de goodwill, conforme alegara. E apesar de integrada no quesito 9º, resultou não provada.

Quanto ao pagamento da retribuição, que o contrato de trabalho pressupõe forçosamente como contrapartida da prestação do trabalhador, conforme resulta do seu conceito corporizado no artigo 10º do Código do Trabalho de 2003, cujo regime é o aplicável dado que o A iniciou a sua colaboração em 2 de Janeiro de 2007, também não provou o A que a R alguma vez lhe tivesse pago qualquer retribuição, pois apurou-se que, no período que mediou entre Janeiro e Junho de 2007, aquele veio a receber a parte proporcional dos € 75.000, através da BB Inversiones, S.A. E depois da sua deslocação para a China, continuou a ser esta empresa a proceder ao pagamento desta parte da retribuição, tendo sido também esta que, em 17.10.2008, já depois de findo o contrato, transferiu para a conta do Autor a quantia de € 35.696,74, de pretenso acerto final de contas.

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Por outro lado, e quanto ao vencimento na parte proporcional aos € 30.000 anuais previstos de forma a perfazer a retribuição anual líquida de € 105.000, conforme havia sido combinado, foram tais pagamentos processados em moeda chinesa por via da DD, no que respeita ao segundo semestre de 2007. E a partir de 2008, foi o seu pagamento efectuado através da GG, sendo aproximadamente € 1.600 pagos, mensalmente, a título de salário, sendo a diferença para os € 30.000 pagos a título de prémio no final do exercício, expediente a que se recorreu para evitar desajustes entre o vencimento mensal processado ao Autor naquelas empresas e o processado aos trabalhadores naturais da China.

Perante este quadro não podemos sufragar a posição da Relação, pois não podemos considerar provado que tivesse havido inserção do A na estrutura organizativa da R e que realizasse a sua prestação sob as orientações desta, face à falta de prova desta factualidade e que foi levada à Base Instrutória.

É certo que o A remetia informação para os serviços de apoio da Ré Holding, que depois era tratada a nível central pelo Dr. JJ, quanto às questões de contabilidade e consolidação, e pela Drª LL, ao nível da informação de gestão e planeamento. Além disso, ao nível financeiro, quando havia necessidades de tesouraria, bem como questões atinentes a saldos e empréstimos bancários, o Autor, enquanto Controller Financeiro, comunicava tais informações à Ré Holding, sendo tal informação aí tratada pelos serviços do Dr. EE.

Mas daqui não podemos concluir pela existência duma actividade do A subordinada às ordens, direcção e fiscalização da R, tanto mais que se tratava dum procedimento comum a todos os controller financeiros afectos às diversas empresas do Grupo BB, conforme se apurou.

Também o argumento de que o A laborava em beneficio da Ré, realizando a sua prestação no local por esta indicado e sob as ordens dos seus administradores não procede, pois o que se apurou é que trabalhou em benefício das empresas do grupo da R, sediadas na China, de quem aliás recebia parte da retribuição acordada.

Por outro lado, apurou-se que no desempenho das suas funções na China o A. reportava ao Eng. FF.

No entanto, não se apurou que este actuasse em nome da R.

            Quanto à retribuição do labor desenvolvido, nunca a R lhe pagou qualquer remuneração, estando assim afastada a dependência económica em relação a esta, e improcedendo também o argumento baseado na circunstância das empresas do grupo prestarem contas à Ré, dado que o faziam no âmbito das suas relações estritamente comerciais resultantes da posição da R como Holding do grupo.

É certo que, como empresa holding do grupo, a R era a responsável pelo seu desenvolvimento estratégico e pela gestão global do conjunto das diferentes áreas de negócios, de modo a garantir-lhe a respectiva coordenação em matéria de recursos financeiros, técnicos, humanos e outros, segundo os critérios e orientações que definisse.

            Mas daqui não resulta um apagamento da personalidade jurídica de cada uma das empresas do grupo, que continuam a manter a sua identidade, apesar desta posição de domínio da R.

E também a inserção do A na estrutura organizativa da R não resultou provada, dado que se respondeu negativamente aos artigos da base instrutória onde tal factualidade era perguntada.

Perante este quadro, não vemos razão para considerar que o contrato do A era com a R conforme concluiu o Tribunal da Relação.

Admitimos que o presente caso pode traduzir a complexidade das situações e formas de contratação laboral num contexto de grupos societários e empresariais, conforme diz aquele Tribunal.

De qualquer forma, temos de recordar que a R apenas se comprometeu a que fosse estabelecido um vínculo laboral sem termo, entre o A e uma empresa do grupo BB, com sede em Portugal ou Espanha, o que poderia ter de passar pela celebração dum ou mais dos contratos de trabalho, se tal fosse necessário para lhe ser garantido o pagamento da retribuição acordada.

E se é certo que a R não cumpriu integralmente a obrigação assumida, pois o A foi contratado pelo prazo de três anos, este ponto apenas poderia relevar em sede de eventual responsabilidade nos termos do artigo 94º, nºs 1 e 2 do Código do Trabalho de 2003, por incumprimento da promessa de trabalho que a carta de intenções emitida pela recorrente poderá integrar.

E ainda que se trate duma promessa unilateral, dado que apenas foi assumida pela R, não nos suscita dúvidas que apenas uma das partes possa assumir a obrigação de celebrar um contrato de trabalho, dado que o preceito se refere expressamente à possibilidade dum só promitente o fazer[3].

Por outro lado, estando referidas a espécie de trabalho a prestar (controller), a respectiva retribuição e constando tal promessa dum documento escrito, estão reunidos todos os requisitos de que aquele preceito faz depender a sua validade.

No entanto, o A não intentou a acção com fundamento na violação da promessa de trabalho assumida pela R.

Por outro lado, não questionando o A a regularidade e licitude do contrato de trabalho que celebrou com a BB Inversiones, SA, a questão da existência dum contrato de trabalho com a R só através da figura da pluralidade de empregadores é que seria concebível.

Efectivamente, o Código do Trabalho de 2003 não ignorou o problema do contrato de trabalho perante fenómenos de controlo e cooperação interempresarial, como é o caso presente em que a R assume claramente a posição de domínio no âmbito do grupo empresarial de que é holding.

Nesta linha, o legislador superou, em parte, o modelo de contrato de trabalho assente na visão da tradicional e monolítica empresa societária[4], tanto mais que o conceito de contrato de trabalho constante do art. 10° daquele Código do Trabalho reflecte esta realidade ao estatuir que constitui contrato de trabalho aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas, abrindo manifestamente o caminho à figura da pluralidade de empregadores.

Por isso, veio o artigo 92º admitir expressamente que um trabalhador pode estar vinculado a uma pluralidade de empregadores, o que pode ocorrer nas situações previstas nos números 1 e 2 deste preceito.

Assim e conforme resulta do nº 1, ”o trabalhador pode obrigar-se a prestar trabalho a vários empregadores entre os quais exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, sempre que se observem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) o contrato de trabalho conste de documento escrito, no qual se estipule a actividade a que o trabalhador se obriga, o local e o período normal de trabalho;

b) sejam identificados todos os empregadores;

c) seja identificado o empregador que representa os demais no cumprimento dos deveres e no exercício dos direitos emergentes do contrato de trabalho”.

Por outro lado, e conforme prescreve o nº 2 “o disposto no número anterior aplica-se também a empregadores que, independentemente da natureza societária, mantenham estruturas organizativas comuns”.  

Assim sendo, é permitido que um trabalhador fique vinculado a vários empregadores nestes dois tipos de situações:

a) Quando entre os empregadores exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou seja, exista uma situação de coligação intersocietária prevista e regulada no Código das Sociedades Comerciais artºs 481º e segs. - , com excepção da relação de simples participação;

b) Quando os empregadores, independentemente da sua estrutura societária, mantenham estruturas organizativas comuns.

Em qualquer dos casos, é necessário que o contrato de trabalho conste de documento escrito contendo os elementos supra referidos.

De qualquer maneira, e como sustenta Catarina Carvalho[5], convém lembrar que no âmbito do direito do trabalho a própria circunstância de poder existir um contrato formal em que apenas um dos empregadores aparece identificado como tal, não é decisiva na qualificação da situação jurídica, desde que se determine que, de facto, o trabalhador se encontra juridicamente subordinado a outra empresa.

Ora, no caso dos autos não resulta da materialidade apurada a existência de um qualquer documento escrito donde se possa concluir pela existência duma pluralidade de empregadores que inclua a R.

Tal não obsta, como já se disse, a que se possa concluir pela existência duma situação de facto de vinculação do A a uma pluralidade de empregadores, por serem várias as entidades investidas nessa posição.

No entanto e como já vimos, o A não provou que estivesse juridicamente vinculado à R, prova que lhe competia nos termos do nº 1 do artigo 342º do Código Civil.

Por outro lado, esta pluralidade de empregadores também pode advir, conforme resulta do nº 2 do artigo 92º do CT, do facto de se tratar de empregadores que mantenham uma estrutura organizativa comum.

E embora se trate dum conceito demasiado vago e que pode abarcar as mais diversas formas de colaboração entre empregadores, refere-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 14/1/2009, CJS, 269/1, citando Luís Monteiro[6], que a verificação deste pressuposto exige que os empregadores partilhem mais do que a posição jurídica de credor da prestação do trabalho, pois a actividade económica que prosseguem tem de se servir de instalações (escritório, estaleiro de obra), equipamentos (telefónicos, informáticos, de diagnóstico) ou recursos (biblioteca, serviços de segurança ou de atendimento telefónico) que, sendo característicos da actividade desenvolvida, estão à disposição de todos.

Por isso, e independentemente da verificação deste pressuposto - existência duma estrutura organizativa comum, continua ainda assim a exigir-se a verificação, em relação a cada empregador, do elemento qualificativo, por excelência, do vínculo jurídico de natureza laboral, o elemento da subordinação jurídica[7].

Assim, se houver subordinação jurídica do trabalhador em relação a várias empresas, estaremos perante uma pluralidade empregadores; se essa subordinação jurídica se revelar apenas em relação a um só, haverá um único empregador.

Ou seja, é forçoso que se possa concluir por uma posição de supremacia dos vários credores da prestação de trabalho e que a correlativa posição do trabalhador, na execução do contrato, esteja dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelos vários empregadores, dento dos limites do contrato e das normas que o regem.

Daqui que no âmbito duma relação de trabalho, decorrente duma situação de simultânea sujeição do trabalhador a diversos empregadores, seja pela existência de relações societárias subjacentes, ou justificadas pelo facto dos pretensos empregadores se servirem de estruturas organizativas comuns, é sempre através do elemento da subordinação jurídica que se deve aferir da qualidade de entidade empregadora[8].

Ora, como já vimos, apesar do A ter desempenhado funções na sede da R e ainda que se conceda que estivesse a servir-se de estruturas desta empresa, nomeadamente das suas instalações, como não se apurou que no exercício dessas funções estivesse sujeito às ordens desta, à sua fiscalização e poder disciplinar, não podemos considerar que o contrato de trabalho se tivesse estabelecido com a R, mesmo no âmbito duma potencial pluralidade de empregadores.

E não se podendo concluir pela existência dum contrato de trabalho com a recorrente, fica prejudicada a questão do despedimento do trabalhador.   

4---

            Termos em que se acorda nesta Secção Social em conceder a revista, com a consequente absolvição da R de todos os pedidos deduzidos pelo A.

            As custas do recurso e nas instâncias ficarão a cargo do A.

       

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2012

Gonçalves Rocha (Relator)

Sampaio Gomes

Pinto Hespanhol

_______________________________

[1] As conclusões de 2 a 6 ficaram prejudicadas com prolação do Acórdão que se pronunciou sobre a obscuridade, conforme declaração da recorrente.

[2] A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
[3] Veja-se neste sentido, Código do Trabalho (anotado), Romano Martinez e outros, anotação ao artigo 94º, pgª 262, 6ª edição (2008); Júlio Gomes, Direito do Trabalho, pgª 469, volume I; Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3ª edição, pgª 429; e Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, II parte, 121, 2ª edição.     
[4] Conforme assinala Catarina Carvalho, a Reforma do Código do Trabalho, 438, edição da Coimbra Editora, 2004,
[5] Questões Laborais, pgª 240 do nº 30 (Julho/Dezembro de 2007).
[6] Código do Trabalho, Romano Martinez e outros, pgª 256, 6ª edição (2008) em anotação ao artigo 92º.
[7] Neste sentido veja-se também o acórdão deste Supremo Tribunal de 1/4/2009, Processo n.º 3254/08 da 4.ª Secção ,www.dgsi.pt

[8]Neste sentido também se pronuncia Abel Ferreira, sustentando que no estado actual do Direito do Trabalho, e no plano da determinação do empregador, sempre que a lei não indique expressamente outro sentido, a subordinação jurídica continua a constituir o único critério disponível de averiguação da existência da relação de trabalho para efeitos de aplicação da legislação laboral (Grupo de Empresas e Relações Laborais, I Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Almedina, 287 (1998).