Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
582/13.7TMCBR.C1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: DIVÓRCIO
DIREITO A ALIMENTOS
ACORDO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
EQUIDADE
DIREITO ESTRANGEIRO
Data do Acordão: 11/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ESTRANGEIRO - DIREITO ALEMÃO / DIREITO CIVIL / DIREITO DA FAMÍLIA / DIVÓRCIO / DIREITO A ALIMENTOS DO CÔNJUGE.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS.
Doutrina:
- Mário Bigotte Chorão, Introdução ao Direito, 1989, volume I, 97, 102, 105 e 106.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 348.º.
Legislação Estrangeira:
CÓDIGO CIVIL ALEMÃO (BGB): - ARTIGO 1578.ºB.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 11 DE JULHO DE 2006, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Tendo as partes por via do divórcio ocorrido entre ambas, estipulado a prestação de uma quantia mensal, a titulo de alimentos, devida pelo (ex)cônjuge marido à (ex)cônjuge mulher, a qual além do mais se destinaria a salvaguardar o padrão de vida mantido durante o casamento, tendo as partes expressamente acordado que o montante dos alimentos fixados devia adaptar-se à evolução dos seus rendimentos líquidos por forma a manter aquela proporção, excepto se a alteração dos rendimentos resultasse de promoção, mudança de emprego ou decorresse de outras actividades do responsável pelo pagamento, e que as partes não poderiam fundamentar a sua impossibilidade de cumprimento em facto causado por culpa própria, só poderiam ter querido dizer, que estariam afastados todos os comportamentos voluntários destinados a diminuir os réditos, isto é, qualquer alteração no status económico do devedor, levada a cabo com a intenção de se eximir à obrigação acordada.

II. O aludido convénio não poderia ter tido em mente, a alteração do status pessoal, ocorrida por via do casamento, ou da superveniência de filhos, porque qualquer destas situações, são perfeitamente normais, naturais e expectáveis a qualquer pessoa, fazendo parte integrante do ser e da sua vivência.

III. Aplicando-se ao acordo havido entre as partes o direito alemão, no caso o normativo inserto no artigo 1578.ºb do C. Civil alemão, onde se predispõe que «O direito a alimentos do cônjuge divorciado, mesmo tendo em conta as necessidades de um filho comum à guarda do credor desses alimentos, pode ser reduzido para as despesas de subsistência adequadas, em caso de o apuramento dos alimentos com base na condição económica conjugal se mostrar contrário à equidade.(…)», daqui deflui o seguinte:

a) a lei alemã prevê a possibilidade da alteração da pensão alimentar, de onde a defesa de um eventual direito absoluto ao mesmo padrão de vida existente durante o casamento, sempre cairia pela base; b) que tal alteração – para um montante inferior – é sempre possível, mesmo que haja um filho a cargo (hipótese não colocada na espécie);

c) tal redução poderá ter como limite as despesas de subsistência adequadas;

d) tal redução tem de ocorrer no caso em que a condição económica conjugal se mostre contrária à equidade.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I G, veio, ao abrigo do disposto no artigo 1121.º do Código de Processo Civil, instaurar acção declarativa, a seguir o processo especial de alteração de alimentos, contra A, pedindo a cessação da pensão de alimentos a favor da Ré a partir da data da reforma do Autor e até lá a alteração da mesma para a quantia de 100 Euros mensais.

Alegou, em síntese, ter casado com a requerida na Alemanha, país de que ambos são naturais, em 1980, vindo a separar-se no ano de 1998, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio decretado no ano de 2000 por decisão do Tribunal de Berlim-Schoneberg.

No âmbito do acordo de divórcio foram fixados os alimentos a pagar pelo Autor à Ré no montante de €748,20 (150.000$00) mensais, valor calculado tendo em atenção os rendimentos médios mensais de Autor e Ré, tendo em vista garantir rendimentos equivalentes.

Sucede, porém, que no início de 1998, o aqui Autor passou a viver em união de facto com aquela que é hoje a sua mulher e mãe dos seus dois filhos ainda menores, nascidos em Junho de 1998 e Abril de 2007, tendo visto o seu agregado aumentar no ano de 2002, altura em que sua mãe, então a viver na Alemanha sem qualquer apoio, se mudou para Portugal.

O requerente aufere o rendimento mensal líquido de €3.933,11, com o qual suporta todas as despesas inerentes à vida normal de um agregado familiar com cinco elementos, incluindo naturalmente todas as despesas com saúde, alimentação e educação dos seus filhos menores e também de sua mãe, cuja reforma é quase completamente consumida pelo seguro de saúde que paga mensalmente, ascendendo os seus custos fixos mensais a cerca de €2400,00, a que acresce a pensão de alimentos de €748,20 que pontualmente e há cerca de 12 anos vem pagando à requerida sua ex-mulher, com o que o seu rendimento é integralmente consumido, sem possibilidade de fazer um aforro que lhe permita acorrer a qualquer despesa extraordinária.

Os sucessivos cortes no salário, aumento dos impostos, aumento do custo de vida e das despesas a suportar têm vindo a limitar cada vez mais o rendimento disponível do Autor.

A Ré, por seu turno, trabalha como enfermeira no Centro de Saúde de X, auferindo um salário bruto mensal de cerca de €1.500,00, e, tanto quanto é do conhecimento do Requerente, não tem quaisquer dependentes a cargo, não carecendo de alimentos.

A situação económica do Autor alterou-se profundamente desde a data da celebração do acordo quanto a alimentos, tendo a seu cargo dois filhos menores e a progenitora com idade superior a 90 anos, encontrando-se alterado em seu desfavor o equilíbrio que então se procurou alcançar.

A Ré contestou e, defendendo ser aplicável ao caso a lei alemã, alegou não se ter verificado alteração relevante que suporte a pretensão do requerente, devendo assim manter-se a pensão fixada a seu favor, que teve como escopo compensá-la pelo empenhamento na vida comum do casal e decisivo contributo para a carreira do autor, com prejuízo da sua própria progressão profissional e da sua carreira contributiva para a Segurança Social.

Foi produzida sentença a julgar a acção improcedente.

Inconformado, apelou o Autor, tendo o seu recurso sido julgado parcialmente procedente e alterada a sentença recorrida, com a redução da prestação alimentar fixada a favor da Ré e a cargo do aqui autor ao montante de €350,00 (trezentos e cinquenta euros) mensais.

Vem agora a Ré, irresignada com tal decisão, recorrer de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- Apesar de confirmar a aplicabilidade, in casu, da lei alemã, incorreu o Tribunal da Relação em violação do disposto no art. 348.° do CC, porquanto, apesar de citar os preceitos da legislação alemã aplicáveis, não curou de se informar devidamente no que toca ao espírito das referidas normas, como lhe incumbia, o que conduziu a uma incorreta interpretação e aplicação das mesmas, inclusivamente com recurso ao espírito do legislador português, alcançando assim um resultado que se afasta por completo da mens legis do legislador alemão.

- Não pode a ora Recorrente deixar de discordar relativamente

à analise, efetuada em sede de 1ª Instância, do acordo entre as partes    celebrado, homologado pelo Tribunal Alemão, relativamente ao ponto   (2) do Parágrafo 3 do referido documento.

- Tem a Recorrente como acertada a interpretação apresentada pela 1ª Instância, que acolheu a sua tese de que a nova situação familiar do A., ora Recorrido, deve ser considerada “facto causado por culpa própria”, consequentemente insuscetível de servir de fundamento à sua invocada impossibilidade de cumprimento do acordo judicialmente celebrado.

- Cumpre insistir que, em nome da "real intenção das partes" e do princípio da boa fé, que se impõem tomar em consideração, como aliás salienta o próprio Tribunal da Relação no Acórdão proferido, há que ter em conta o circunstancialismo verificado aquando da assinatura do próprio acordo.

- O próprio A. invoca, no seu articulado de p.i. (art. 8.°), que "No início de 1998, o aqui Autor passou a viver em união de facto com aquela que hoje em dia é sua mulher e teve dois filhos, ainda menores: uma menina nascida em Junho de 1998 e um menino nascido em Abril de 2007 ...".

- Consta aliás da matéria assente, ponto 6, que "R nasceu em 6/6/1998 ... sendo ambos filhos do A. e de M ", mulher do A., como consta do ponto 5 da matéria assente.

- Resulta, pois, sobejamente demonstrado que em 2000, ano em que foi assinado o acordo judicialmente homologado, já o A., ora Recorrido, vivia com a atual mulher há dois anos, e tinha uma filha com dois anos de idade.

- Estava, já então, mais que demonstrada a sua intenção de constituir uma nova família, aliás já então efetivamente constituída!

- Apesar disso, entendeu o A., ora Recorrido, por bem aceitar o acordo nos seus precisos termos, reconhecendo que o contrato poderia "ser alterado sob as mesmas condições em que, de acordo com o parágrafo 323 do ZPO, também seria possível alterar um veredicto." ((4) do referido Parágrafo 3). E

- Entenderam as partes por bem celebrar o acordo nos seus precisos termos, bem sabendo, como aliás consta expressamente do ponto (4) do Parágrafo 2, que a R., ora Recorrente, tinha direito a receber do A. um valor superior!, tendo porém sido intenção de ambos, aliás expressamente vertida na referida cláusula, "não sobrecarregar o marido"!

- Não quiseram as partes limitar no tempo o direito da R., ora Recorrente, bem podendo tê-lo efetuado, como já resultava do disposto no § 1578b Abs 2 do BGB (CC alemão),

- Impõe-se, desde logo, o respeito pelo princípio basilar "pacta sunt servanda", e pela vontade das partes expressa no acordo judicialmente celebrado, no sentido de apenas serem admissíveis alterações resultantes de situações excecionais, como desde logo resulta do §323 do ZPO, para o qual remete o próprio acordo.

- Esse é, aliás, o espírito que perpassa a lei alemã, que tem em vista a proteção do casamento vitalício, especialmente o de longa duração, como é o caso dos autos.

- E não se diga que foi uma alteração profunda e excecional o facto de o A., ora Recorrido, ter constituído família, tendo em conta que já vivia com a atual mulher há dois anos aquando da assinatura do acordo, tendo em conjunto uma filha de dois anos de idade.

- Afigura-se, antes, que o exercício do direito a constituir um direito constitucionalmente protegido, não é posterior à celebração do referido acordo.

- E não será concerteza o nascimento de mais um filho que terá provocado tão profunda mudança no seu equilíbrio financeiro a ponto de servir de fundamento à alteração de um acordo judicialmente homologado, no qual foi expressamente ressalvado que só seriam admissíveis revisões que fossem resultado de alterações profundas!

- Enceta o Tribunal da Relação uma análise daquilo que constitui o último ponto da fundamentação invocada pela Meritíssima Juíza de 1ª Instância, que versa sobre a inexistência de alteração sensível nos rendimentos auferidos pelo A..

- A este respeito concluíram, tanto o Tribunal de 1ª Instância como a Relação, não se ter verificado alteração significativa dos rendimentos do A., em termos objetivos, entendendo o Venerando Tribunal da Relação, porém, ter-se verificado uma redução do seu rendimento disponível.

- Não pode a Recorrente deixar de insurgir-se contra a relevância atribuída à referida redução de rendimento disponível, pelas razões já supra sobejamente explanadas.

- Tendo o A. já constituído de facto nova família desde 1998, e assinado acordo de prestação de alimentos em 2000, não se vislumbra como pode vir, em 2013, invocar alterações profundas que não fossem ponderadas na altura.

- A esse respeito o próprio Tribunal da Relação manifesta o entendimento de que "O princípio da responsabilização de cada cônjuge surge assim de algum modo limitado pelo princípio da co-responsabilização pós-conjugal.".

- Não obstante ter analisado a legislação alemã aplicável, culmina o Tribunal da Relação extraindo conclusões que não resultam do espírito do legislador!

- Não pode a ora Recorrente conformar-se com a interpretação e aplicação do art. 1578°b do BGB (CC alemão),

nos termos em que a mesma foi efetuada pelo Tribunal da Relação.

- A pretexto da aplicação do princípio da equidade, afasta-se

o Venerando Tribunal da Relação do espírito do legislador alemão, e da vontade manifestada pelas partes e plasmada no

acordo judicialmente celebrado.

- Como o próprio Tribunal referiu, a proteção do casamento

de longa duração e a solidariedade pós conjugal são princípios basilares da lei alemã.

- E aqui o sistema legislativo alemão difere realmente do português, assegurando uma mais ampla proteção ao ex-cônjuge, a qual passa, designadamente, e como o próprio Tribunal da Relação reconhece, por uma proteção do padrão de vida existente durante o casamento (art 1578° do BGB).

- E é precisamente neste contexto que se enquadra o direito à prestação alimentar por parte da ora Recorrente, o que nunca é demais relembrar, sob pena de corrermos o risco de cairmos numa análise da situação como se de uma simples pensão de alimentos entre ex-cônjuges, nos termos do direito português, se tratasse.

- Erro esse que, na opinião da ora Recorrente, foi cometido pelo Venerando Tribunal da Relação.

- A lei alemã reconhece, em determinadas situações, como é o caso dos casamentos de longa duração (como o dos autos) o direito do ex-cônjuge a um complemento alimentar, que lhe permita manter o padrão de vida que teve durante o casamento.

- O referido complemento alimentar destina-se, de facto, a assegurar ao ex-cônjuge um determinado padrão de vida, e não a assegurar as suas necessidades básicas.

- E é precisamente nesse contexto que tem de ser analisado o direito da Recorrente, e não do prisma do legislador português.

- O art 1578b do BGB não pode ser interpretado nos termos pretendidos pelo Tribunal da Relação.

- A referência nele contida à redução da prestação de alimentos para as "necessidades adequadas" não pode ser interpretada da forma plasmada no Acórdão proferido.

- A menção ínsita no referido preceito não tem em vista permitir fazer tábua rasa do espírito do legislador alemão, da proteção ao ex-cônjuge nos casos de casamento de longa duração, das disposições que prevêem a estipulação de um complemento de alimentos, da própria vontade manifestada pelas partes perante o Tribunal!

- Não pode o julgador, ao abrigo do referido artigo, simplesmente abolir o complemento de alimentos e fixar uma pensão que considere satisfazer as necessidades do credor de alimentos, porque não é essa a ratio legis que lhe subjaz.

- O preceito em causa permite, apenas, corrigir o referido complemento em situações de alterações extremas, substanciais, não previsíveis no momento da fixação do complemento, que não é seguramente o caso dos autos, como já supra explanado, já que a situação familiar do A. se encontrava já alterada quando acordou o pagamento da pensão de alimentos à Recorrente. De facto,

- A referência à equidade, contida no art. 1578°b do BGB, não é uma porta aberta que permita ao julgador a inversão dos próprios princípios basilares do direito alemão.

- Muito menos quando a situação de facto foi regulada por acordo entre as partes judicialmente homologado, assente em determinados fundamentos que resultam dos preceitos orientadores do direito alemão e sem que tenham sobrevindo, posteriormente, alterações substanciais que justifiquem qualquer ajuste, sob pena de violação do princípio "pacta sunt servanda".

- Andou mal o Tribunal da Relação, procedendo a uma incorreta aplicação da lei alemã.

- Não obstante ter identificado os preceitos relevantes para o caso concreto e apreendido os princípios basilares que perpassam a lei alemã, designadamente da solidariedade pós conjugal e da manutenção do padrão de vida em casamentos de longa duração.

- Concluiu a sua apreciação da causa com recurso ao preenchimento dum conceito indeterminado, preenchimento esse que considerados para o efeito, por violarem o que foi judicialmente acordado pelas partes sem fundamento que o justificasse, e por clara remissão para os princípios orientadores do direito português.

- A par da citada apreciação do art 1578°b do BGB, empreendeu também o Tribunal da Relação uma análise do art. 1609° do mesmo diploma, tendo concluído pelo enfraquecimento da posição do ex cônjuge.

- Não se vislumbra, porém, em que medida tal entendimento pode afetar a situação da Recorrente que, enquanto ex-cônjuge de longa duração, tem a sua situação assegurada, em caso de conflito, na hierarquia estabelecida, acima do novo cônjuge e muito acima da progenitora.

Nas contra alegações o Autor, aqui Recorrido, pugna pela manutenção do julgado.

II As instâncias declararam como assentes os seguintes factos:

- A. e R. casaram um com o outro em 2/6/80 na Alemanha.

- Por sentença datada de 14/7/2000 foi dissolvido o casamento referido no ponto anterior.

- Em 9/6/2000, em Berlim, o A. e a R., por escrito, estabeleceram que o A. se obrigava após o divórcio a pagar mensalmente à R. como “alimentos de compensação”, a quantia de 150.000$00. Este montante foi calculado tendo por base que o A. auferia o valor médio mensal de 627.412$00 líquidos, que a R. ganhava o valor médio mensal de 155.380$00 líquidos, estabelecendo-se uma divisão dos alimentos na proporção de 4/7 para o marido e de 3/7 para a mulher – cfr. fls. 34 a 38.

- De acordo com o documento mencionado no ponto anterior, o montante dos alimentos fixados devia adaptar-se à evolução dos rendimentos líquidos das partes por forma a manter aquela proporção, excepto se a alteração dos rendimentos resultasse de promoção, mudança de emprego ou decorresse de outras actividades do responsável pelo pagamento; e as partes não podiam fundamentar a sua impossibilidade de cumprimento em facto causado por culpa própria.

Mais estipularam que o contrato podia ser alterado de acordo com o parágrafo 323 do ZPO (código de processo civil alemão).

- Em 26 de Março de 2010 o A. casou com M, nascida em …, casamento celebrado na Conservatória do Registo Civil do …, mas já viviam juntos anteriormente.

- R nasceu em 6/6/1998, em …, e A S nasceu em 23/4/2007, em …, sendo ambos filhos do A. e de M.

- O A. vive com a mulher, os dois filhos e a sua mãe.

- O A. é professor universitário no Instituto …, tendo auferido em Janeiro de 2013, 1.927,64 euros líquidos, e em Janeiro de 2014, 1.798,59 euros líquidos.

- O A. é ainda director da …, tendo auferido em Março de 2013, 2.005,47 euros líquidos, e em Janeiro de 2014 1.938,27 euros líquidos.

- O A. tem as seguintes despesas mensais: a) 390,23 euros de amortização de empréstimos contraídos junto da C.G.D.; b) entre 45,17 euros e 108,82 euros de água; c) entre 68,28 euros e 211,32 euros de luz; d) cerca de 45 euros gás; e) entre 44,38 euros e 53,31 euros de telefone; f) entre 204,41 euros e 264,78 euros de IMI; g) 248,84 euros de seguros da habitação, de responsabilidade civil e de saúde; h) 260 euros de mensalidade da creche do filho.

- O A., para o ano lectivo de 2012/2013, pagou 216,23 euros de livros escolares da filha e no ano de 2012 suportou 75,60 euros das refeições escolares do filho.

- O A. suporta as despesas inerentes a uma viatura automóvel.

- O A. suporta despesas de alimentação, vestuário e de saúde de si próprio, da mulher e dos filhos.

- A R. trabalha como enfermeira em Portugal desde 16/1/89, sendo que presta serviço no centro de saúde de … desde 18/2/92, auferindo mensalmente 1476,40 euros ilíquidos.

- No ano de 2014 o autor teve um rendimento bruto de €77 238,48, a que corresponde um rendimento líquido de €49 042,23, tendo a ré declarado o rendimento bruto de €28 683,05, a que corresponde o rendimento líquido de €20 231,19 (tendo já em atenção o imposto adicional liquidado).

- A. e R. vivem em Portugal desde data não concretamente apurada, mas anterior ao ano de 2000.

- A R. suporta as despesas inerentes a uma viatura automóvel, e tem despesas com alimentação e vestuário.

- A R. tem problemas de saúde, nomeadamente cardíacos e na coluna, pelo que despende mensalmente cerca de 60 euros em consultas.

Vejamos.

Insurge-se a Recorrente contra a decisão plasmada no Acórdão impugnado, uma vez que na sua tese e a pretexto da aplicação do princípio da equidade, a mesma afasta-se do espírito do legislador alemão, e da vontade manifestada pelas partes e plasmada no acordo judicialmente celebrado, uma vez que como o próprio Tribunal referiu, a proteção do casamento de longa duração e a solidariedade pós conjugal são princípios basilares da lei alemã, sendo que o sistema legislativo alemão difere realmente do português, assegurando uma mais ampla proteção ao ex-cônjuge, a qual passa, designadamente, por uma proteção do padrão de vida existente durante o casamento (artigo 1578° do BGB), o que acabou por ser descurado.

Prima facie, cumpre-nos deixar aqui claro que não houve por banda do segundo grau qualquer violação do preceituado no artigo 348º do CCivil, quanto à aplicação do direito alemão, cuja aplicabilidade foi invocada e aceite pelas partes, o que aliás resulta inequivocamente do trecho do Acórdão em questão, que se passa a transcrever:

«(…) Autor e ré têm nacionalidade alemã -o autor adquiriu também entretanto a nacionalidade portuguesa- casaram-se e divorciaram-se na Alemanha, tendo o acordo que celebraram quanto a alimentos sido objecto de homologação por banda de tribunal alemão. Na ponderação de tais factores, e aplicando ao caso o art.º 5.º do Protocolo de Haia para efeitos da determinação da legislação aplicável nos termos da remissão efectuada pelo art.º 15.º do Regulamento (CE) nº 4/2009 do Conselho de 18 de Dezembro de 2008, “aplicável às obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade” -cfr. o artigo 1.º, n.º 1-, determinou o Tribunal “a quo” que a lei aplicável era a lei alemã, decisão acatada pelas partes e que se nos afigura correcta.(…)».

Questão diversa será a não concordância da Recorrente com a interpretação efectuada no Aresto impugnado das normas de direito alemão aplicáveis ao caso.

Quanto a estas a Recorrente fixa-se em dois pontos que considera mal interpretados pelo Tribunal recorrido: i) a nova situação familiar do A., ora Recorrido, deve ser considerada “facto causado por culpa própria”; ii) a proteção do padrão de vida existente durante o casamento (art 1578° do BGB).

No que tange ao primeiro ponto, não podemos estar de acordo com a Recorrente.

Se não.

Como deflui do convénio havido entre as partes, cfr matéria dada como assente: «De acordo com o documento mencionado no ponto anterior, o montante dos alimentos fixados devia adaptar-se à evolução dos rendimentos líquidos das partes por forma a manter aquela proporção, excepto se a alteração dos rendimentos resultasse de promoção, mudança de emprego ou decorresse de outras actividades do responsável pelo pagamento; e as partes não podiam fundamentar a sua impossibilidade de cumprimento em facto causado por culpa própria. Mais estipularam que o contrato podia ser alterado de acordo com o parágrafo 323 do ZPO (código de processo civil alemão).».

Ora, quando as partes acordaram que não podiam fundamentar a sua impossibilidade de cumprimento em facto causado por culpa própria, só poderiam ter querido dizer, que estariam afastados todos os comportamentos voluntários destinados a diminuir os réditos, isto é, qualquer alteração no status económico do devedor, levada a cabo com a intenção de se eximir à obrigação acordada.

Como é óbvio, o aludido convénio não poderia ter tido em mente, a alteração do status pessoal, ocorrida por via do casamento, ou da superveniência de filhos, porque qualquer destas situações, são perfeitamente normais, naturais e expectáveis a qualquer pessoa, fazendo parte integrante do ser e da sua vivência.

Soçobram assim as conclusões, sem necessidade de mais considerandos, por despiciendos, quanto a este conspectu.

No que tange ao segundo vector equacionado pela Recorrente, qual é o da manutenção do seu trem de vida existente aquando do casamento, suscita-nos algumas perplexidades.

A primeira, genérica é a de questionar o direito absoluto que a Recorrente se arvora – o da manutenção do mesmo padrão de vida existente aquando da vigência da sociedade conjugal com o Recorrido – face ao novo agregado familiar deste, composto por si, cônjuge, dois filhos e mãe a cargo, o que a levar-se ao extremo pretendido por aquela, poderia, quiçá, fazer perigar as obrigações parentais que impendem sobre o Recorrido, além do mais.

A segunda, é a de podermos chegar à conclusão, a manter-se a pensão acordada, que o nível de rendimentos mensais da Recorrente, ficaria muito superior ao do Recorrido e respectivo agregado familiar, o que fere gravemente os critérios de equidade.

Aliás, a este propósito dispõe o normativo inserto no artigo 1578ºb do CCivil alemão, cfr fls 380 «O direito a alimentos do cônjuge divorciado, mesmo tendo em conta as necessidades de um filho comum à guarda do credor desses alimentos, pode ser reduzido para as despesas de subsistência adequadas, em caso de o apuramento dos alimentos com base na condição económica conjugal se mostrar contrário à equidade.(…)».

Daqui deflui, no que à economia da questão a resolver concerne: i) que a lei alemã prevê a possibilidade da alteração da pensão alimentar, de onde a defesa de um eventual direito absoluto ao mesmo padrão de vida existente durante o casamento, sempre cairia pela base; ii) tal alteração – para um montante inferior – é sempre possível, mesmo que haja um filho a cargo, o que nem sequer acontece na espécie; iii) tal redução poderá ter como limite as despesas de subsistência adequadas; iv) tal redução tem de ocorrer no caso em que a condição económica conjugal se mostre contrária à equidade.

A bitóla está na equidade.

A equidade destina-se a encontrar a solução mais justa para o caso concreto («(…)Como refere o Prof. Castanheira Neves, "a equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um momento essencial da juridicidade." (apud "Questão de Facto - Questão de Direito", 1967, 351), ou, para o Prof. José Tavares, "a expressão da justiça num dado caso concreto". (in "Princípios Fundamentais do Direito Civil", I, 50). É uma justiça de proporção, ou de equilíbrio, fora das regras rígidas da norma.(…)», cfr Ac STJ de 11 de Julho de 2006 (Relator Sebastião Povoas), in www.dgsi.pt..

O termo «equidade», é usado como sinónimo de «igualdade» e de «Justiça», permitindo que o julgador, aquando da sentença adapte a justiça às circunstâncias da situação concreta, («(…) a equidade é, portanto, um recurso que, superando a estrita legalidade positiva e apoiando-se no espírito da lei e na justiça natural, possibilita a consecução mais cabal e perfeita do justo nas variáveis e contingentes situações da vida.(…) Trata-se, em suma, de deixar à prudência do julgador adoptar a solução que entenda mais conveniente e oportuna para cada situação. Há quem fale, em tal hipótese, de «equidade-substitutiva», precisamente pelo facto de o juízo de equidade se substituir às normas jurídicas positivas. (…) A melhor doutrina procura conjugar equilibradamente as exigências da norma (justo legal) e do caso (justo concreto) e encontrar, enfim, a justa via média entre o normativismo abstracto e o decisionismo casuístico. (…)»), cfr Mário Bigotte Chorão, Introdução ao Direito, 1989, volume I, pag 97, 102, 105 e 106.

Ora, tendo em atenção todos estes circunstancialismos, verificando-se que a Recorrente desempenha uma actividade profissional remunerada auferindo mensalmente 1476,40 euros ilíquidos; suporta as despesas inerentes a uma viatura automóvel; tem despesas com alimentação e vestuário e  despende mensalmente cerca de 60 euros em consultas e que o Recorrido aufere mensalmente a quantia liquida de 3865,91 euros; vive com a mulher, os dois filhos e a sua mãe; tem as seguintes despesas mensais: a) 390,23 euros de amortização de empréstimos contraídos junto da C.G.D.; b) entre 45,17 euros e 108,82 euros de água; c) entre 68,28 euros e 211,32 euros de luz; d) cerca de 45 euros gás; e) entre 44,38 euros e 53,31 euros de telefone; f) entre 204,41 euros e 264,78 euros de IMI; g) 248,84 euros de seguros da habitação, de responsabilidade civil e de saúde; h) 260 euros de mensalidade da creche do filho, no ano lectivo de 2012/2013; pagou 216,23 euros de livros escolares da filha e no ano de 2012 suportou 75,60 euros das refeições escolares do filho; suporta as despesas inerentes a uma viatura automóvel; e suporta despesas de alimentação, vestuário e de saúde de si próprio, da mulher e dos filhos, cremos que integra o conceito de equidade, supra enunciado, a solução encontrada pelo segundo grau, com a redução da pensão de alimentos devida, ao montante de 350 euros mensais, quantia essa que por ora, como se acentuou na decisão escrutinanda, eliminará o desiquilíbrio existente, sem deixar de satisfazer as necessidades da Recorrente, cuja situação pessoal, ao invés do que aconteceu com o Recorrido, não sofreu qualquer alteração relevante desde a data da efectivação do acordo havido entre ambos.

Improcedem, também por aqui, as restantes razões aventadas pela Recorrente.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão ínsita no Acórdão sob censura.

Custas da Revista pela Recorrente e no mais como decidido pelo segundo grau.

Lisboa, 29 Novembro de 2016

Ana Paula Boularot - Relatora

Pinto de Almeida

Júlio Gomes