Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3307/16.1T8LRA.C2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Apenso:
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. Da análise dos factos provados nos presentes autos, nomeadamente:
29. Foi explicado ao Autor o prazo de 10 anos do referido produto que subscreveu;
30. E das condições de reembolso.;
31. E de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso;
32. E que era à data extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta;
33. O Autor sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um Depósito a Prazo
resulta que foi prestado ao Autor informação suficiente, clara, objectiva e adequada aos seus conhecimentos e perfil – também aferido pela sua profissão de bancário - que lhe permitiam decidir com inteiro conhecimento de causa que tipo de investimento estava a realizar, o que justifica até que se tenha apenas dado por provado que não lhe explicarem o que eram obrigações, mas já não que não sabia o que eram.
Vem até provado que sabia que não estava a subscrever um depósito a prazo!

II. Nas indicadas condições de facto constantes dos presentes autos não estão reunidas as condições para se entender que houve falta de informação, que a mesma fosse incompleta ou errónea e que por isso tenha havido ilicitude na actuação do intermediário financeiro, apta a conduzir a possível dever de indemnizar.

III. Faltando o pressuposto da ilicitude, necessário à procedência do pedido de indemnização, fica prejudicada a análise dos demais pressupostos da obrigação de indemnizar – culpa e nexo de causalidade.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. Relatório

1. AA instaurou contra BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. [anterior BPN, Banco Português de Negócios, S.A.], acção declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu.

A condenação do réu a pagar-lhe a quantia de cento e cinquenta mil euros, acrescida dos juros vencidos e vincendos e, ainda, sete mil e quinhentos euros a título de danos não patrimoniais.

Subsidiáriamente impetrou:

Ser declarado nulo o contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado os 150 mil euros que o autor lhe entregou em obrigações subordinadas SLN 2006 por violação do dever de informação.

Alegou, em apertada síntese:

Que subscreveu, a pedido do BPN, sem que tivesse sido informado da natureza e possíveis riscos, obrigações subordinadas SLN 2006.


2. O réu contestou.

Disse, nuclearmente:

O autor, desde logo pela sua qualidade de empregado bancário, conhecia a natureza do produto financeiro subscrito, o qual, à data da subscrição, era seguro, tendo sido esclarecido sobre o mesmo, bem sabendo que não era um depósito a prazo.


3. Prosseguiu a acção os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:  Absolver o réu do pedido.

4. Inconformado recorreu o autor e o Réu contra-alegou.

5. O Tribunal conheceu da apelação, delimitando o seu objecto a duas questões:

1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª - Procedência da acção.


6. Conhecendo das questões, decidiu:

“Termos em que se julga o recurso parcialmente procedente, revoga-se a sentença e condena-se o réu a pagar ao autor a quantia de cento e cinquenta mil euros, acrescida dos juros legais, desde a citação; e, bem assim, se condena o réu no pagamento au autor da quantia de cinco mil euros, por danos não patrimoniais, acrescida dos juros legais, desde a data deste aresto, até efectivo e integral pagamento.”


7. Não se conformando com a decisão o BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., Réu notificado de acórdão proferido em sede de recurso de apelação, veio interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artº 671º do Código de Processo Civil, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, emitindo opiniões sobre a solvabilidade da entidade emitente quando não conhecia, em concreto a sua situação financeira, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

9. A SLN era Titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspetiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objetivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é suscetível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

24. O grau de exatidão em relação às informações será variável, consoante o Ipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29. Dispunha sobre esta matéria o Artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

33. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do Ipo de instrumento financeiro em causa.

34. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do Ipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

35. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do Ipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

36. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do Investimento está afirmada em função das características do Investimento.

37. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

38. O Investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respetiva rentabilidade.

39. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

40. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do Ipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

41. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

42. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o Ipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de Investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

44. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações.

Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45. Do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.

46. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

49. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, suscetível de o caracterizar.

52. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

53. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

54. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

56. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efetivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspetiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

62. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito – uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63. Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano!

64. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

65. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.

67. E nada disto foi feito!

68. A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo JUSTIÇA!


8. Foram apresentadas contra-alegações.

9. Foi, entretanto, proferido Acórdão que Uniformizou Jurisprudência em relação às questões suscitadas no presente recurso e que haviam justificado a suspensão do processo.


Cumpre analisar e decidir.


II. Fundamentação

De facto

10. Das instâncias vieram provados os seguintes factos (a negrito os alterados pelo TR):

1. O A. foi cliente do extinto Banco BPN – Banco Português de Negócios, S.A., na qual era titular da conta de depósitos a prazo com o n.º ...01, na agência de ....

2. Nesta conta de depósitos a prazo (DP) o A. tinha depositada a quantia de €158.000,00, com data de vencimento em 14.06.2006.

3. A funcionária do então BPN, BB, tomou a iniciativa de contactar o Autor para lhe apresentar uma aplicação financeira com uma boa rentabilidade.

4. O Autor transmitiu à referida funcionária do BPN, BB, que apenas aceitava anuir a tal aplicação caso a mesma fosse totalmente isenta de qualquer risco de perder o seu dinheiro, com capital garantido e que a mesma deveria ainda permitir o levantamento do dinheiro quando o Autor dele necessitasse.

5. A referida funcionária do BPN transmitiu ao Autor que o produto em causa era com capital e juros 100% garantidos, pelo próprio Banco BPN, ou seja sem qualquer risco de perda destes, com rentabilidade garantida, com uma taxa de juro bruta de 4,5% ao ano, no 1º semestre e, após, com taxa indexada à Euribor a 6 meses mais, 1,50%, e, ainda, que a aplicação podia ser movimentada a débito/levantada quando o A. assim pretendesse, bastando para tal avisar o banco com quarenta e oito horas de antecedência mínima, perdendo o direito aos juros.

6. Nessa sequência, no dia 03 de Abril de 2006, junto da referida agência do Réu, o Autor autorizou a subscrição da quantia de €150.000,00 em obrigações designadas como “Obrigação SLN 2006”.

7. Nesse momento não foi explicado ao Autor o que eram “obrigações” nem o que eram “obrigações subordinadas”.

8. Não foi entregue ao Autor qualquer folheto ou nota informativa respeitante à aplicação “Obrigações SLN 2006” onde constassem explicações e informações com maior ou menor detalhe sobre esta aplicação, nomeadamente prazos, rentabilidades, condições e prazos de resgate, possibilidade ou impossibilidade de transmissão a terceiros destas obrigações, e todas as demais características deste produto, nomeadamente que em caso de insolvência da entidade emissora, apenas se pode verificar reembolso do capital após os demais credores por dívida não subordinada, ou seja após a integral satisfação dos direitos dos credores principais.

9. O Autor não teria aceitado investir o seu dinheiro nesta aplicação se soubesse que a mesma não lhe permitia levantar o dinheiro com dois dias de antecedência e que não tinha capital garantido.

10. O Autor era e é um aforrador que nunca pretendeu investir as suas poupanças numa aplicação financeira de risco elevado.

11. eliminado

12. Foi distribuído pelo BPN um “argumentário” aos seus funcionários bancários, para uso exclusivo destes, “argumentário” este que consistia na enunciação resumida das “razões” que deveriam ser “explicadas” aos clientes com a finalidade de melhor os convencer a aplicar o seu dinheiro nas “Obrigações SLN 2006”.

13. E nele pode ler-se, entre o mais, que se trata de um produto de “capital garantido” e com “elevadas taxas de remuneração”, com “pagamento de juros periódico” e “taxa indexada, garantindo sempre condições acima do mercado”.

14. Argumentos utilizados pela referida funcionária quando contactou o Autor.

15. Desde sempre o A. mostrou apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente em valores mobiliários, subscrição de UP’s de Fundos de Investimento Imobiliário ou de Ações.

16. O Autor era bancário como actividade profissional.

17. Após a subscrição do produto acima referido, os respectivos juros foram sendo semestralmente pagos.

18. E que manteve até Maio de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos.

19. Na data de vencimento contratada, o Réu não restituiu ao Autor o montante que o Autor subscreveu.

20. As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade com um risco semelhante a uma depósito a prazo junto do próprio Banco.

21. As Obrigações SLN 2006 foram emitidas, como o próprio nome indica, pela SLN, SGPS, S.A..

22. Esta sociedade era titular de 100% do capital social do Banco-Réu.

23. Participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008.

24. Altura em que foi nacionalizada.

25. Nesta sequência, porque a SLN, SGPS, S.A., detinha o Banco BPN, qualquer obrigação por si emitida é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal activo do seu património.

26. O risco de um Depósito a Prazo seria semelhante a uma tal subscrição por o risco da SLN ser indexado ao risco do próprio Banco.

27. Consideração válida sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data no valor máximo de €25.000,00.

28. eliminado.

29. Foi explicado ao Autor o prazo de 10 anos do referido produto que subscreveu.

30. E das condições de reembolso.

31. E de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso.

32. E que era à data extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

33. O Autor sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um Depósito a Prazo.

34. O cliente das obrigações subordinadas não poderia negociar as condições de subscrição, antes apenas podendo aceitar ou rejeitar as apresentadas pelo banco.

35. A certo momento foi trocada diversa correspondência entre as partes, onde, para além do mais, o Autor reclamava a quantia aplicada.

36. O BPN foi objecto de vários procedimentos junto da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.

37. O Autor passou e passa ainda dias angustiados sem conseguir gerir com normalidade a sua vida diária, sempre vivenciando na sua mente a eminência de perder todas as suas poupanças de uma vida de trabalho, e o receio de não reaver ou de não saber quando vai reaver o seu dinheiro.


De Direito

12. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

Das conclusões do recurso resultam estarem em causa os pressupostos do dever de indemnizar – ilicitude, culpa, nexo de causalidade.


13. Como diz o recorrente, o acórdão recorrido decidiu condenar o Banco-Recorrente no pagamento de 150.000,00€, acrescido de juros moratórios contados até integral e efetivo pagamento, bem como na quantia de 5.000,00€ relativa a danos não patrimoniais., o que veio justificado com a responsabilidade civil do Banco-R., nomeadamente a título de intermediário financeiro, e concretamente por violação dos deveres de informação a que estaria adstrito nessa qualidade perante os Autores.

Contestando a decisão, o recorrido entende que acórdão da Relação violou e fez errada aplicação interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Diretiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.


13.1. A) Quanto aos requisitos dessa responsabilidade civil, diz o recorrente que não houve ilicitude, porque não houve violação do dever de informar, em particular, no que se reporta ao risco associado à subscrição das obrigações subordinadas, pois na sua visão a única informação que era devida foi prestada e reportava-se ao cumprimento da obrigação de reembolso pelo emitente do respectivo produto financeiro.

Não haveria outros riscos associados que o intermediário financeiro devesse ter prestado, em especial:

a) não sendo um instrumento sujeito a negociação em mercado regulamentado, não estaria sujeito à volatilidade dos mercados ou a diferenças de cotação resultantes do valor das diferentes ordens para aquisição e venda dos títulos;

b) não havia qualquer tipo de risco de liquidez, porquanto a procura superava em muito a oferta destes produtos, à data;

c) à data já haveria outras duas emissões do próprio Banco, e em todas elas a procura superou, por muito a oferta – o que se manteve sempre mesmo depois do período de subscrição no chamado mercado de balcão.

Apenas haveria um risco equivalente ao de um DP, porque:

i) A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

ii) Ora, o risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

iii) E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

iv) a segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN

v) o risco BPN ou risco SLN, da perspetiva da insolvência era também equivalente!


Em suma, na sua visão:

-  no que se reporta à violação do dever de informar: “Tudo o que foi informado aos AA. era, à data, verdadeiro, actual! Esta menção não era falsa, e, diga-se, não vemos em que poderá ter sido omissa!”

-o “art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, obriga então o intermediário financeiro a informar o invesIdor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”, e “tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!”

- “art.º 312º nº 1 alínea a) do CdVM diz respeito à prestação de informação acerca

dos riscos próprios e especiais do negócio de intermediação ou de cobertura, não se destinando a referir aos instrumentos financeiros propriamente ditos”

- “Essa informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do Ipo de instrumento financeiro em causa”

 No seu entender a menção à referência de “o produto ter capital garantido” estava também correcta e sem que pudesse ser assacada à Ré qualquer violação do dever de informar, informação errónea ou omissa, porquanto:

a) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação

b) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

c) daqui não resulta, de todo, qualquer tipo de equivalência a uma garantia de reembolso do capital!


13.2. B) Quanto aos requisitos dessa responsabilidade civil, diz o recorrente que não houve culpa

Apesar de se defender nos termos expostos, procurando excluir a ilicitude na prestação da informação, a recorrente parece assumir que poderia ter esclarecido melhor o cliente do sentido de “capital garantido”, quando diz:

Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!


Embora a recorrente assuma a possível falta de clareza – como se disse – da mesma não retira como consequência a violação culposa dos seus deveres com efeitos na responsabilização civil, afirmando que a actuação do banco e dos seus funcionários não teria sido culposa – “O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo suas obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação!”

Em sua defesa invoca ainda:

A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garan.do” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. De facto, esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais”.


13.3.  C) Quanto aos requisitos dessa responsabilidade civil, diz o recorrente que não ficou demonstrada a existência de nexo de causalidade entre a falta de informação e dano

Na sua visão, perante os factos provados nestes autos, para se afirmar haver responsabilidade do bancosempre seria essencial aferir se, em face de informação sobre o mesmo produto, prestada de forma legalmente exigível e tal qual o Tribunal entendeu que deveria ser prestada, os AA. deixariam de subscrever o instrumento financeiro em causa”.

Para que se considerasse existir tal nexo, ter-se-ia de considerar: que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou”; (…) provar que aquele concreto negócio produziu um dano; (…) provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão. E nada disto foi feito!


14. A posição do Tribunal recorrido foi a seguinte:

“O caso vertente assume foros de alguma singularidade e dificuldade acrescidas, pois que ele se afigura e perspetiva, nos seus contornos fáctico circunstanciais apurados, dicotómico e, até, algo antagónico.

Efetivamente, tendo sido provado que o autor «era funcionário bancário»; que «sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um Depósito a Prazo»; e que «Desde sempre mostrou apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente em valores mobiliários, subscrição de UP’s de Fundos de Investimento Imobiliário ou de Ações» – pontos 16, 33 e 15 –, mal se compreende que ele não se tenha apercebido de que estava a subscrever obrigações, ou um qualquer outro produto, necessariamente diverso de depósito a prazo, que poderia comportar risco, em maior ou menor grau ou medida.

Mas de tais factos, ainda que sejam indiciadores neste sentido, não pode retirar-se que o autor, pelo simples facto de ser bancário, conhecia com a abrangência e profundidade legalmente exigíveis, a natureza do produto financeiro subscrito.

Efetivamente, trata-se não apenas de um produto específico, de cariz obrigacional, como, dentro deste género, de um determinada espécie, qual seja, de obrigações subordinadas, as quais se revestem de importante handicap em caso de incumprimento, qual seja, o serem satisfeitas em último lugar em caso de dificuldades de pagamento ou de insolvência da empresa emitente.

Ora este jaez e consequências deveriam - à míngua da prova, a efectivar pelo Banco, de que, vg. pela sua profissão, o autor conhecia ou era-lhe exigível que conhecesse, as específicas caraterísticas do produto - ter sido explicitados ao autor – cfr. neste sentido o Ac. da RL de 07.02.2019, p. 906/17.8T8LSB.L1-2.

Mas tal não resultou provado.

Antes se tendo apurado que «não foi explicado ao Autor o que eram “obrigações” nem o que eram “obrigações subordinadas».

E mais se tendo provado uma plêiade de factos que apontam no sentido de que o autor não conhecia, ou não estava cônscio, de tais características.

Assim:

- Não foi o autor a procurar o produto, mas antes o banco que o contactou para o efeito de o subscrever.

- O autor verbalizou que «apenas aceitava anuir a tal aplicação caso a mesma fosse totalmente isenta de qualquer risco de perder o seu dinheiro, com capital garantido»

- A funcionária do BPN BB «transmitiu ao Autor que o produto em causa era com capital e juros 100% garantidos, pelo próprio Banco BPN, ou seja sem qualquer risco de perda destes»

- Não foi entregue ao Autor qualquer folheto ou nota informativa respeitante à aplicação “Obrigações SLN 2006” onde constassem explicações e informações com maior ou menor detalhe sobre esta aplicação.

Tanto assim é que se provou:

9. O Autor não teria aceitado investir o seu dinheiro nesta aplicação se soubesse que a mesma não lhe permitia levantar o dinheiro com dois dias de antecedência e que não tinha capital garantido.

Finalmente importa considerar que, atento o provado no ponto 34 e o disposto no artº 1º nº2 do Regime das CCG, aprovado pelo DL 446/85 de 25.10, a saber:

«O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.»,

é de concluir pela aplicação ao caso deste regime, o qual, como é consabido, encerra uma acrescida protecção do consumidor no que concerne aos deveres de comunicação e informação do proponente ao destinatário – artº 5º e sgs.

Nesta conformidade e senda se concluindo que o réu não cumpriu o seu dever de informação que sobre si impendia.

Estamos, aliás, com o recente Ac. do STJ de 07.02.2019, p. 31/17.1T8PVZ.P1.S1, quando, para uma situação muito similar à presente, na qual, nuclearmente, se provou que os autores já eram clientes/investidores do banco e que neste confiavam para encontrar as aplicações financeiras mais adequadas às suas pretensões de apenas quererem investir através da subscrição de um produto financeiro “sem risco” que oferecesse uma segurança semelhante a um depósito a prazo, e que subscreveram produto financeiro - obrigações subordinadas - bem sabendo que não se tratava de um depósito bancário a prazo expendeu e concluiu:

«mesmo aceitando que o intermediário financeiro não estava obrigado a informar o investidor acerca do risco de insolvência da entidade emitente …Não tendo o banco intermediário, aquando da subscrição da obrigação SLN 2006, dado a conhecer aos clientes/investidores as reais características deste produto financeiro, designadamente os maiores riscos envolvidos nesta operação, incluindo o especial risco de não retorno do capital investido em caso de insolvência da entidade emitente, factor que assume especial relevância visto estarmos perante uma obrigação subordinada com reembolso a dez anos e sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor, e tendo, em vez disso, assegurado aos clientes/investidores que a obrigação SLN 2006 era equivalente a um depósito a prazo, tão segura como este, estando garantido o retorno do capital investido, incorreu o banco em violação dos deveres de informação a que, na sua atividade de intermediação, se encontrava vinculado, não podendo deixar de relevar esta sua atuação ilícita para efeitos de responsabilidade civil contratual.»

Concordando, como dissemos, que esta temática deve ser apreciada caso a caso, em função dos contornos específicos de cada um deles, rectius da sua especificidade factual, discordamos de quem entende que algumas decisões judiciais nesta matéria aparentam um menor rigor e uma lassidão nos critérios quanto à apreciação da matéria de facto e à interpretação das regras da responsabilidade civil, o que se traduz numa magnanimidade dos resultados, recusada noutros casos cujo relevo social não é inferior, e que pode conduzir à socialização dos prejuízos em resultado da transferência para o Estado dos efeitos de crises financeiras e da correspondente quebra de expetativas de infindáveis listas de “lesados”.

Estamos em crer que qualquer magistrado que se preze tentará, em consciência e despido de qualquer preconceito ou desiderato extra jurídico, apurar os factos e aplicar e interpretar a lei o melhor que puder e souber de sorte a efectivar a melhor, mas, bastas vezes, a possível, justiça do caso.

E se tal não for consecutido, e a melhor justiça não for feita, este desvio ou derivará das vicissitudes e contingências do próprio iter processual, vg. no concernente à produção da prova, ou de menor capacidade ou menos adequada apreensão e dilucidação do julgador, o qual, como ser humano, também pode errar – e, certamente, erra -, em alguns casos.

Aliás, no caso vertente, como em outros similares, a socialização dos prejuízos privados, não emerge se o banco for condenado.

Pois que este, tanto o da altura dos factos, como o banco ora réu que o comprou, assumia e assume o cariz de entidade privada que tem como fito primordial a obtenção do lucro, primordialmente em função dos seus clientes; pelo que, correlativamente, ele terá de, perante estes, assumir as suas responsabilidades quando, numa interpretação possível e defensável, se julgar que existem.

É caso para dizer que a socialização dos prejuízos ocorreu e está ainda a ocorrer com a injecção de milhares de milhões de euros em bancos que, por má gestão e/ou por efeitos da crise, não conseguiram manter-se acima da linha de água do imenso, e por vezes turbulento e perigoso, vg. por especulativo, oceano económico financeiro.

Nesta, como em todas as matérias, a função do juiz é, deve ser -e não vislumbramos que nesta matéria o não seja – dar a cada um o que lhe compete e tem direito em função dos factos conscienciosamente provados e da aplicação e interpretação da lei segundo critérios hermenêuticos mais aceitáveis ou admissíveis; e, bem assim, para se alcançar a mais ampla e sempre desejável justiça comparativa, os mais adotados na jurisprudência, os quais, se bem se perscruta, ainda são os defendidos no presente aresto.

5.2.4.

Constatada a atuação ilícita do banco por virtude da violação do dever de informação a culpa do mesmo presume-se, nos termos do artº 314º nº2 do CVM.

E o nexo de causalidade está, outrossim, presente.

Tal dimana do ponto provado em 9: O Autor não teria aceitado investir o seu dinheiro nesta aplicação se soubesse que a mesma não lhe permitia levantar o dinheiro com dois dias de antecedência e que não tinha capital garantido.

Concomitantemente urge não esquecer que a nossa lei - artº 563º do CC - consagra a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de Enneccerus-Lehman nos termos da qual: « o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto»

Ademais:

«Esta doutrina … não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado».

« …nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:

-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;

-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano» -Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 06.11.2002, 29.06.04, 20.10.2005, 07.04.2005 e 13-03-2008 in dgsi.pt, ps. 02B1750, 03B4474, 05B2286, 05B294 e 08A369 e A. Varela, in Das Obrigações em Geral, 2ª ed ps. 746/756.”

15. Da leitura da decisão recorrida resulta, em dúvida, que o Tribunal considerou:

- Demonstrada a ilicitude na falta da prestação da informação devida ao concreto cliente em causa, em face do seu próprio perfil e conhecimentos em matérias de investimentos na área em causa, com ponderação da sua profissão habitual e especificidade do produto em causa – obrigações subordinadas;

- Demonstrada a culpa do Réu, por presunção, não ilidida;

- Demonstrado o nexo de causalidade entre a falta da prestação da informação devida e o dano invocado.


16. As questões relativas ao âmbito do dever de informação reportadas a casos similares ao dos presentes autos, presunção de culpa e nexo de causalidade, foram objecto de recente acórdão de Uniformização de Jurisprudência pelo STJ, tendo-se fixado a seguinte orientação jurisprudencial:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir. 


17. Essa orientação foi definida no âmbito de confronto entre um acórdão recorrido e um acórdão fundamento considerados como contraditórios e, na sequência da uniformização, a solução uniformizadora foi aplicada ao acórdão recorrido – tendo resultado em confirmação do acórdão recorrido por não estar demonstrada a causalidade, enquanto pressuposto indispensável à procedência do pedido indemnizatório.

Nesse processo do acórdão recorrido os factos relevantes eram os seguintes:

a) Provados:

1º - Os autores foram clientes do réu (à data BPN - Banco Português de Negócios), na sua agência de ..., com a conta à ordem n° ...01, onde movimentavam parte do seu dinheiro, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças.

2° - Em 10.4.2006, o autor subscreveu, junto dessa agência, seis "obrigações SLN 2006", cada uma no valor de € 50.000,00.

3º - Aquando do referido em 2º, o autor assinou o boletim de subscrição respectivo, o que fez de forma deliberada e consciente.

4º - Desse documento, assinado também por funcionário do Banco, na parte respeitante ao seu recebimento, referente a "SLN 2006 Boletim de Subscrição", datado de 10.4.2006, consta o seguinte:

«Natureza da Emissão

Emissão até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a escritural com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma, oferecidas directamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal.» (...)

«Prazo e reembolso

O prazo de emissão é de dez anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 09 de Maio de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN -Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA, a partir do 5º ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

Remuneração Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:

Cupões Taxa anual nominal bruta

1º semestres

4,5%*

9 cupões seguintes Euribor a 6 meses + 1,15 %

Restantes 10 semestres

Euribor a 6 meses + 1,50 %

*Taxa anual efectiva líquida: 3,632 %

5º - As Obrigações SLN 2006 foram emitidas pela SLN, SGPS, SA, que era, à data, titular de 100% do capital social do Banco réu (então BPN), participação que deteve de forma permanente até Nov/2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as acções integradoras do capital social daquele.

6º - A circunstância de a emitente do produto referido em 2º ser a empresa que detinha o BPN, sendo este, necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal activo do seu património, aliada às características específicas das obrigações - que são, tendencialmente, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente - levavam a que o mencionado produto financeiro fosse, à data da sua emissão, considerado seguro, com um risco semelhante ao risco de um depósito a prazo no próprio Banco.

7º - As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco. Para tanto, era argumentado que a SLN Valor era a maior accionista da SLN SGPS, sendo que esta detinha 100 % do BPN, pelo que não era vista qualquer diferença entre o risco BPN e o risco daquelas aplicações SLN.

8º - A ré pretendia, à data, que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros.

9º - Foi transmitida ao autor, por funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias e foram-lhe apresentadas as condições do produto, concretamente, a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, o seu prazo, de 10 anos, as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via de endosso.

10º - À data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

11º - O autor subscreveu as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros.

12º - O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ele contactavam, sendo por eles perceptível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro (mais precisamente, sendo seu hábito investir em produtos de baixo risco e rentabilidade assegurada).

13º - Os autores fizeram, por intermédio da ré ou junto desta, outros investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, designadamente, em fundos de investimento.

14º - Os autores têm estado impedidos de usar o dinheiro aplicado nas obrigações referidas em 2º.

O acórdão da Relação aditou os seguintes factos:

15º - Os autores não sabiam o que são obrigações.

16º - O Banco réu não explicou aos autores o que eram obrigações.

17º - Os autores não possuíam conhecimentos e nem experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram, e ninguém lho explicou correctamente.

18º - Ninguém explicou aos autores que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.

19º - O BPN garantia o pagamento destas obrigações da SLN.

20º - Foram pagos os juros vencidos até Nov/2015, ficando por pagar os restantes juros até à maturidade (vencidos em Maio/2016).

b) não provados

a) Que a gerente do Banco réu da agência de ... tenha dito ao autor, em Abril/2006, que tinha uma aplicação que correspondia exactamente a – no sentido de ser, verdadeiramente – um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN.

b) Que o autor, ao subscrever as referidas obrigações SLN 2006, não soubesse em concreto “o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa”, estando convencido de estar a aplicar o seu dinheiro num depósito a prazo.

e) Que, se o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, cujo capital não era garantido pelo BPN, após explicação do mencionado em 1.6., não tivesse consentido e autorizado tal compra.

f) Que os autores nem soubessem que existia a SLN, pensando que era uma mera denominação de conta a prazo, que era uma mera denominação de conta a prazo, que o banco réu utilizava.

g) Que os autores desconhecessem e nem pudessem conhecer que o seu dinheiro tinha sido aplicado em aplicações com características diferentes de um depósito a prazo.

j) Quais as consequências advindas para os autores do facto de não poderem utilizar o dinheiro investido nas mencionadas obrigações.


18. Na aplicação da solução uniformizadora ao caso concreto, na perspectiva da ilicitude, o tribunal disse:

Dos factos provados resulta que:

- Os Autores foram clientes do BPN, na sua agência de ..., com a conta à ordem n.º...01, onde movimentam parte do seu dinheiro, realizavam pagamentos e efetuavam poupanças.

- Em 10/04/2006, o Autor subscreveu, junto dessa agência, seis “obrigações SLN 2006”, cada uma no valor de €50 000,00, tendo assinado o boletim de subscrição respetivo, o que fez de forma deliberada e consciente.

- O Autor veio a subscrever seis obrigações subordinadas SLN, no valor de €50 000,00 cada, tendo o Banco agido na sua qualidade de intermediário financeiro;

- As Obrigações SLN 2000 foram emitidas pela SLN, SGPS, S.A., que era, à data, titular de 100% do capital social do “Banco réu (então BPN)”, participação que deteve de forma permanente até Nov/2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as ações integradoras do capital social daquele.

Deste modo, não só releva o perfil do cliente e o tipo de contratação que com ele foi estabelecida mas também o facto de o Banco BPN ter um claro interesse no resultado da operação de comercialização das obrigações emitidas pela SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A..

Encontra-se, também, provado que:

- “foi transmitida ao autor, por funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias e foram-lhe apresentadas as condições do produto, concretamente, a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, o seu prazo, de 10 anos, as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via do endosso.” (facto provado e atrás indicado sob o ponto 7.).

-Tendo o Autor subscrito as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros.

- O Autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da Ré que com ele contactaram.

- O Autor não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, o que era do conhecimento do Banco.

- Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou aos Autores o que eram obrigações, bem como, ninguém explicou aos Autores que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.

Ora, destes factos provados, à luz do direito aplicável, resulta que o Banco prestou ao Autor uma informação, no mínimo, incompleta, incompleta, inexata e obscura, não tendo atendido à qualidade de investidor dos Autores e aos seus conhecimentos.

7.2. A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações.

 Também não foram explicadas “as condições de reembolso…, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via do endosso”, isto é, nada foi dito em que consistia o endosso, apesar de se encontrar provado que “à data, era extramente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta”.

A informação incompleta e inexata porque o reembolso do capital aplicado não era garantido.

Ao contrário da informação do Banco, porquanto se tratava de um empréstimo obrigacionista em que, em caso de falência ou liquidação do emitente, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da emitente: “apenas se pode pagar sobre o património do emitente depois de satisfeitos todos os credores comuns” (Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª edição, p.137).

A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.

Assim, as informações incorretamente prestadas ao Autor assumiam um cariz objetivo – pois o que relevava para os Autores, para além da rentabilidade, era saber se o reembolso do capital investido estava assegurado – constituem informações que não estavam dependentes de quaisquer variantes analíticas ou evolução da conjuntura económico-financeira, decorrendo das próprias características do produto.

Como já se deixou dito, o intermediário financeiro deve prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” (artigo 312.º, n.º 1, do CVM). Além disso, a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e experiência do cliente (artigo 312.º, n.º 2, do CVM), o que significa que a “intensidade do dever de informação varia em função do tipo contratual e do perfil do cliente” (Acórdão STJ, de 11/10/2018), devendo o grau de conhecimentos e experiência reportar-se ao produto financeiro em causa. Por outro lado, não se deve ignorar que nas relações com os clientes “os intermediários devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência” (artigo 304.º, n.º 2, do CVM).

7.3. Para resolver a situação suscitada no Acórdão recorrido é premente ir mais longe na análise do caso concreto, nomeadamente considerando os factos alegados e a situação fáctica com que o Tribunal tem de decidir.

Do ponto de vista da alegação dos Autores, estes alegaram:

- que o gerente dessa agência disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e rentabilidade assegurada.

Analisando.

A ser prestada esta informação, estaríamos em presença de uma informação falsa, porquanto, no caso das obrigações subordinadas não existe a garantia dos depósitos bancários a prazo, isto é, se o Autor constituísse um depósito a prazo no mesmo valor, em caso de falência do Banco, o Autor teria o reembolso de €25 000,00, garantido legalmente (artigos 164.º e 166.º, nº 1, do Decreto - Lei  n.º 298/92 de 31.12, na redação do Decreto - Lei n.º 252/2003 de 17/10 - cf. Ac. STJ, de 23.3.2021, processo n.º 1209/19.9T8STR.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt); pelo contrário, em caso de insolvência da entidade emitente das obrigações, o que sucedeu, o Autor não tem garantia legal de reaver qualquer montante aplicado no produto (podendo, contudo, a final da liquidação, ser reembolsado).

Contudo, apesar da alegação dos Autores, esse facto não ficou provado no Acórdão recorrido.

Do ponto de vista da alegação dos Autores, estes também disseram:

- que foi dito pelo Banco ao Autor que o reembolso do capital era garantido pelo BPN, o que se traduziria numa informação falsa.

Analisando, também nesta parte os Autores não lograram fazer a prova do que alegaram.

- Estas alegações dos Autores e o resultado fáctico será reanalisado novamente, em sede de análise da causalidade -

Ponto de síntese:

Considerando-se, assim, que os factos provados permitem configurar a violação do dever de informação que impendia sobre o Banco, conclui-se pela existência da ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada ao Banco.”


19. Na aplicação da solução uniformizadora ao caso concreto, na perspectiva da culpa, o tribunal disse:

Por outro lado, verifica-se a existência do dano e o Banco não demonstrou que não agiu com culpa, como se referiu esta presume-se nos termos do disposto no n.º1 do artigo 799.º, n.º1, do Código Civil (sendo que estes pressupostos da responsabilidade civil não estavam colocados em crise no Acórdão recorrido).”


20. Na aplicação da solução uniformizadora ao caso concreto, na perspectiva do nexo de causalidade, o tribunal disse:

“7.5. Importa agora verificar se está preenchido o requisito da existência, no Acórdão recorrido, do nexo de causalidade entre o facto ilícito – a prestação de informação incompleta, falsa e obscura – e o dano (a perda do capital investido na aquisição das obrigações).

7.5.1. Como se referiu anteriormente, a prova da verificação do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano compete ao Autor, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil, encontrando-se afastada a presunção de causalidade, no caso presente.

Apesar de ocorrer a violação do dever de informação (ilicitude) e de a culpa se presumir (artigo 304.º n.º 2, do CVM – na redação em vigor aquando da ocorrência dos factos), a obrigação de indemnizar não prescinde, pois, do preenchimento dos demais pressupostos – o dano e nexo de causalidade –, o que significa que, no caso vertente, haveriam de estar provados factos que permitissem estabelecer uma cadeia factual, que incluísse o ato ilícito que o desencadeou (isto é, a falta de informação sobre o produto subscrito) e que, naturalística e juridicamente, conduzisse ao dano (artigo 563.º do Código Civil), sendo que era sobre os Autores que recaía o ónus dessa prova (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) –  (cf. Ac. STJ, de 30/04/2019 (processo n.º 2632/16. 6T8LRA.L1.S1).

Com efeito, dispõe o artigo 563.° do Código Civil que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Conforme é orientação do STJ tem-se entendido que a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito: na sua vertente naturalística (de facto) averigua-se se o processo sequencial foi ou não facto desencadeador ou gerador do dano (…), sendo que, nessa perspectiva, o juízo de causalidade se insere no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; só depois de assente esse nexo naturalístico (relação causa-efeito) pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil (cf. Ac. STJ, de 13/03/2008 (processo nº 08A369) e Ac. STJ, de 11/01/2011 (processo n.º 2226/07-7TJVNF.P1.S1). Dito de outro modo: “para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de julho de 2010, processo n.º 1399/06.0TVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., Coimbra, 2000, p. 900)” (cf. Ac. STJ, de 24/4/2013, processo nº 3379/05.4TBVCT.G1.S1).

Ou seja: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica.

Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (Ac. STJ, de 22/10/2009, processo nº 409/09.4YFLSB).

7.5.2. atentemos nos factos provados e não provados.

No que respeita ao nexo de causalidade, os Autores alegaram:

- “… o que motivou a autorização, por parte do A. marido, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias (artigo 6.º da petição inicial);

- se o A. marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria” (artigo 8.º da petição inicial);

- pelo que os AA. desconheciam e nem podiam conhecer, que tinham adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo, pois caso soubessem que se tratava de um produto de risco, não o teriam adquirido (artigo 17.º da petição inicial).

Todavia, os Autores não lograram provar qualquer destes factos; alguns foram expressamente dados como não provados (cf. alíneas a), e) e g) dos factos não provados).

Assim, não se verifica que qualquer facto dado como provado tenha operado, no plano meramente factual, como conditio sine qua non do dano, maxime, que as deficiências da informação do BPN tenham funcionado como condição desencadeadora do prejuízo do não reembolso do capital.

Para que tais deficiências pudessem funcionar como condição do dito prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva (como a que atrás se caracterizou), o Autor não teria subscrito as obrigações.

Falece, assim, a relação de causalidade adequada entre a ilicitude por violação dos deveres de informação e o dano de não reembolso do capital.

Deste modo, embora com fundamentos não coincidentes, o recurso não pode proceder.”


21. Da Fixação de jurisprudência e sua aplicação ao concreto processo que a despoletou resulta sem sombra de dúvidas que o âmbito do dever de informação e sua violação comporta uma vertente subjectiva, em função do perfil do cliente com quem o banco contratou o produto financeiro. Tratando-se de pessoa com pouca literacia e experiência em investimentos típicos deste mercado financeiro a informação a prestar pelo banco teria de ser superior à que é necessária para um cliente com conhecimentos e experiência relevante.

Por isso, no caso do RUJ, se deu destaque, entre outros, ao facto de o cliente ser pouco experiente e informado, como resultava do facto provado “12º - O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ele contactavam, sendo por eles perceptível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro (mais precisamente, sendo seu hábito investir em produtos de baixo risco e rentabilidade assegurada).


22. A situação no presente recurso é substancialmente diversa:

A) Quanto ao perfil do cliente:

i) no presente processo está provado (16.) O Autor era bancário como actividade profissional; (15) Desde sempre o A. mostrou apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente em valores mobiliários, subscrição de UP’s de Fundos de Investimento Imobiliário ou de Ações; (10.) O Autor era e é um aforrador que nunca pretendeu investir as suas poupanças numa aplicação financeira de risco elevado.


i) No processo do RUJ está provado que ((17º) Os autores não possuíam conhecimentos e nem experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram, e ninguém lho explicou correctamente.; (12º) - O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ele contactavam, sendo por eles perceptível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro (mais precisamente, sendo seu hábito investir em produtos de baixo risco e rentabilidade assegurada).


22. Embora existam pontos com alguns elementos comuns nos factos em confronto do processo do RUJ e no presente como:

B) informação sobre o que eram obrigações/conhecimento do significado “obrigações e obrigações subordinadas”:

i) no presente processo está provado que na data da subscrição (7. )” não foi explicado ao Autor o que eram “obrigações” nem o que eram “obrigações subordinadas”.

ii) No processo do RUJ está provado que (15º) Os autores não sabiam o que são obrigações; (16º ) O Banco réu não explicou aos autores o que eram obrigações;


23. Ora, da análise dos factos provados nos presentes autos, nomeadamente dos acabados de indicar e ainda dos factos 29 a 33 – (29. Foi explicado ao Autor o prazo de 10 anos do referido produto que subscreveu; 30. E das condições de reembolso.; 31. E de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso; 32. E que era à data extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta; 33. O Autor sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um Depósito a Prazo.) resulta que foi prestado ao Autor informação suficiente, clara, objectiva e adequada aos seus conhecimentos e perfil – também aferido pela sua profissão de bancário -  que lhe permitiam decidir com inteiro conhecimento de causa que tipo de investimento estava a realizar, o que justifica até que se tenha apenas dado por provado que não lhe explicarem o que eram obrigações, mas já não que não sabia o que eram.

Vem até provado que sabia que não estava a subscrever um depósito a prazo!


Por estes motivos, não pode equiparar-se a situação informativa deste A. à situação de outros que têm obtido dos tribunais uma posição de defesa da sua frágil posição informativa reflectida em decisões de investimento, tudo apontando no sentido de estar-mos perante alguém que decidiu enveredar por um investimento que comportava algum risco – mas não um risco tão grande como o do investimento em produtos menos seguros como sejam as acções – e que, num certo momento, vê o risco do investimento concretizar-se para além do que as circunstâncias da época do investimento poderiam sugerir, mas sem que essa modificação fosse devida a falta de informação do Intermediário Financeiro mas tão só à concretização do risco do produto adquirido na convicção de que o mesmo nunca se materializaria.

Nas indicadas condições de facto constantes dos presentes autos não estão reunidas as condições para se entender que houve falta de informação, que a mesma fosse incompleta ou errónea e que por isso tenha havido ilicitude na actuação do intermediário financeiro, apta a conduzir a possível dever de indemnizar.

Faltando o pressuposto da ilicitude, necessário à procedência do pedido de indemnização, fica prejudicada a análise dos demais pressupostos da obrigação de indemnizar – culpa e nexo de causalidade.

Pelo exposto, não se pode confirmar o acórdão recorrido, mas sim a decisão adoptada na sentença onde se disse (transcrição):

3.1. Vejamos então em primeiro lugar se o Réu, na qualidade de intermediário financeiro, praticou factos ilícitos.

O Autor alegou, muito sinteticamente, que a funcionária do banco Réu lhe transmitiu que a aplicação em causa era semelhante a um depósito a prazo, que não lhe referiu que eram obrigações, que não lhe explicou o que eram, suas características e natureza, nem o que eram obrigações subordinadas, que o Autor desconhecia tudo isso em absoluto, que o Autor não sabia que era a SLN a entidade emissora, que não aceitaria investir o seu dinheiro soubesse que afinal as características do produto não eram como um depósito a prazo, que o Autor não tem cultura financeira ou bancária, que o próprio BPN assegurava o reembolso do capital.

O Réu impugnou, no essencial, tais factos, apresentando a sua versão dos mesmos. No caso concreto em apreciação apenas ficou provado o seguinte:

      O A. foi cliente do extinto Banco BPN – Banco Português de Negócios, S.A., na qual era titular da conta de depósitos a prazo com o n.º ...01, na agência de ....

    Nesta conta de depósitos a prazo (DP) o A. tinha depositada a quantia de €158.000,00, com data de vencimento em 14.06.2006.

   A funcionária do então BPN, BB, tomou a iniciativa de contactar o Autor para lhe apresentar uma aplicação financeira com uma boa rentabilidade.

     O Autor transmitiu à referida funcionária do BPN, BB, que apenas aceitava anuir a tal aplicação caso a mesma fosse totalmente isenta de qualquer risco de perder o seu dinheiro, com capital garantido e que a mesma deveria ainda permitir o levantamento do dinheiro quando o Autor dele necessitasse.

     A referida funcionária do BPN transmitiu ao Autor que o produto em causa era com capital 100% garantido, ou seja sem qualquer risco de perda deste, com rentabilidade garantida, com uma taxa de juro bruta de 4,5% ao ano, no 1º semestre e, após, com taxa indexada à Euribor a 6 meses mais, 1,50%, e, ainda, que a aplicação podia ser movimentada a débito/levantada quando o A. assim pretendesse, bastando para tal avisar o banco com quarenta e oito horas de antecedência mínima, perdendo o direito aos juros.

    Nessa sequência, no dia 03 de Abril de 2006, junto da referida agência do Réu, o Autor autorizou a subscrição da quantia de €150.000,00 em obrigações designadas como “Obrigação SLN 2006”.

   Nesse momento não foi explicado ao Autor o que eram “obrigações” nem o que eram “obrigações subordinadas”.

    Não foi entregue ao Autor qualquer folheto ou nota informativa respeitante à aplicação “Obrigações SLN 2006” onde constassem explicações e informações com maior ou menor detalhe sobre esta aplicação, nomeadamente prazos, rentabilidades, condições e prazos de resgate, possibilidade ou impossibilidade de transmissão a terceiros destas obrigações, e todas as demais características deste produto, nomeadamente que em caso de insolvência da entidade emissora, apenas se pode verificar reembolso do capital após os demais credores por dívida não subordinada, ou seja após a integral satisfação dos direitos dos credores principais.

    O Autor não teria aceitado investir o seu dinheiro nesta aplicação se soubesse que a mesma não lhe permitia levantar o dinheiro com dois dias de antecedência e que não tinha capital garantido.

    O Autor era e é um aforrador que nunca pretendeu investir as suas poupanças numa aplicação financeira de risco elevado.

    O Autor não teria aceitado investir o seu dinheiro nesta aplicação se soubesse que a mesma não lhe permitia levantar o dinheiro com dois dias de antecedência e que não tinha capital garantido.

   Foi distribuído pelo BPN um “argumentário” aos seus funcionários bancários, para uso exclusivo destes, “argumentário” este que consistia na enunciação resumida das “razões” que deveriam ser “explicadas” aos clientes com a finalidade de melhor os convencer a aplicar o seu dinheiro nas “Obrigações SLN 2006”.

     E nele pode ler-se, entre o mais, que se trata de um produto de “capital garantido” e com “elevadas taxas de remuneração”, com “pagamento de juros periódico” e “taxa indexada, garantindo sempre condições acima do mercado”.

  Argumentos utilizados pela referida funcionária quando contactou o Autor.

    Desde sempre o A. mostrou apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente em valores mobiliários, subscrição de UP’s de Fundos de Invesbmento Imobiliário ou de Ações.

     O Autor era bancário como actividade profissional.

    Após a subscrição do produto acima referido, os respectivos juros foram sendo semestralmente pagos.

    E que manteve até Maio de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos.

     Na data de vencimento contratada, o Réu não restituiu ao Autor o montante que o Autor subscreveu.

     As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade com um risco semelhante a uma depósito a prazo junto do próprio Banco.

     As Obrigações SLN 2006 foram emitidas, como o próprio nome indica, pela SLN, SGPS, S.A..

   Esta sociedade era titular de 100% do capital social do Banco-Réu.

    Participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008.

   Altura em que foi nacionalizada.

    Nesta sequência, porque a SLN, SGPS, S.A., detinha o Banco BPN, qualquer obrigação por si emitida é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal activo do seu património.

     O risco de um Depósito a Prazo seria semelhante a uma tal subscrição por o risco da SLN ser indexado ao risco do próprio Banco.

    Consideração válida sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data no valor máximo de €25.000,00.

     Acabando o seu incumprimento por ser determinado por circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais, como uma nacionalização e a forma como essa nacionalização foi determinada, separando o Banco do restante grupo de empresas.

     Foi explicado ao Autor o prazo de 10 anos do referido produto que subscreveu.

     E das condições de reembolso.

     E de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso.

     E que era à data extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

   O Autor sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um Depósito a Prazo.

     A subscrição de Obrigações SLN não foi sujeita a qualquer tipo de contrato de adesão, ou qualquer tipo de formulário de cláusulas contratuais gerais.

     A certo momento foi trocada diversa correspondência entre as partes, onde, para além do mais, o Autor reclamava a quantia aplicada.

    O BPN foi objecto de vários procedimentos junto da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.

    O Autor passou e passa ainda dias angustiados sem conseguir gerir com normalidade a sua vida diária, sempre vivenciando na sua mente a eminência de perder todas as suas poupanças de uma vida de trabalho, e o receio de não reaver ou de não saber quando vai reaver o seu dinheiro.

E não ficaram provados os demais factos alegados.

Do referido panorama fáctico resulta que o produto financeiro em causa foi apresentado aos autores como um produto seguro, sem risco e com capital garantido, podendo o capital investido ser reembolsado a qualquer momento, com características em tudo semelhantes às de um depósito a prazo, mas o Autor sabia que não se tratava de um “depósito a prazo”, estava ciente que se tratava de “obrigações” – tratando-se de informações correctas.

(…)

Assim, do ponto de vista do objecto mediato, o produto financeiro adquirido pelo Autor (“obrigações”) é o mais tradicional e aquele que menos risco oferece, bem como, aquele produto de que o investidor mais básico compreende.

Já não sucede o mesmo se os produtos em causa fossem “swaps”, "forwards", "floors" ou "collars", entre outros, com um maior grau de exigência na sua completa apreensão, caso em que já seria exigível um maior grau de informação, proporcional aos conhecimentos do investidor.

Por sua vez, do ponto de vista do investidor, é certo que o Autor não é um investidor altamente qualificado, longe disso, mas também não se pode dizer que o Autor seja um investidor iletrado, pouco culto ou sem o conhecimento básico do que são “obrigações”.

Assim, no caso concreto, estando em causa “obrigações” e considerando que o Autor era bancário, podemos afirmar que se trata de um investidor com os conhecimentos básicos essenciais sobre o que são “obrigações”, por isso, o dever de informação adequado e proporcional não pode ser mais exigente do que aquele que foi efectivamente prestado pelo Réu ao Autor, até sob pena de ser contraproducente porque a transmissão de modo particularmente minucioso e técnico de informação pode conduzir precisamente ao contrário do que se pretende: à “intoxicação” da informação, como acima melhor desenvolvido (em 2.1.5.).

Além disso, importa salientar que os funcionários do Réu não estavam obrigados a prever que poderia vir a existir alguma crise financeira mundial ou que poderia vir a ocorrer alguma nacionalização ou que ocorresse alguma insolvência, nem no cenário mais pessimista, tudo situações catastróficas que nem o melhor economista ou analista financeiro alguma vez tinha previsto, como é do conhecimento público. Ou seja, não era exigível aos funcionários do Réu prestarem informações abstractas e genéricas sobre ocorrências futuras como as referidas.

O que é realmente exigido é a definição dos elementos básicos do produto em causa, e, evidentemente, o esclarecimento de todas as questões colocadas pelo Autor sobre as características do produto no âmbito do mercado financeiro em termos do seu funcionamento normal, como acima referido.

E o Autor não alegou que colocou alguma dúvida ou pediu alguma explicação ou informação que tivesse sido recusada.

Importa salientar que ficou provado que após a subscrição do produto acima referido, os respectivos juros foram sendo semestralmente pagos e ainda que se manteve até Maio de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos, isto é, desde a sua subscrição, em 2006, até Maio de 2015 que o Autor foi recebendo os respectivos juros acordados.

E note-se que esta análise deve ser enquadrada com os conhecimentos existentes à data (em 2006) e não com base nos conhecimentos actuais, pois é consabido que apenas após a mencionada crise financeira mundial é que o legislador e as entidades da regulação começaram a emitir legislação e regulamentação mais incisiva, precisa, completa e aprofundada relativa às cautelas a ter no âmbito dos produtos financeiros em geral, que não existia à data dos factos.

(…)

Deste modo, considerando o antecedente enquadramento normativo e o universo factual acima descrito, não ocorreu a violação ou omissão de qualquer dever de informação a que o Réu se encontrava adstrito, nem no âmbito da formação do contrato (responsabilidade pré-contratual prevista no art. 227.º, do Código Civil e demais normas acima analisadas), nem no âmbito da execução ou cumprimento do mesmo (responsabilidade contratual prevista no art. 762.º, do Código Civil e demais normas acima analisadas).

Aliás, antes pelo contrário, toda a informação que foi transmitida ao Autor foi verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, bem como ainda, foi adequada e proporcional às suas características de investidor tendo ainda em conta o tipo de produto financeiro em causa (“obrigações”), à data e no contexto vigente.

Deste modo, e em suma, o Réu não praticou quaisquer factos ilícitos, considerando o exercício da actividade do Réu, enquanto Instituição de Crédito e Sociedade Financeira, na qualidade de intermediário financeiro, sem perder de vista a Lei de Defesa do Consumidor, o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, nos termos das obrigações decorrentes do regime geral do Código Civil e em especial dos deveres impostos pelo Código de Valores Mobiliários, com especial destaque para os deveres de informação, apurados de acordo com os princípios da adequação e proporcionalidade, tendo em conta o concreto produto financeiro (“obrigações”) e as características do Autor enquanto investidor, sempre ao abrigo do princípio geral da boa-fé.”


III. Decisão

Pelos fundamentos indicados:

É concedida a revista, julgando-se a presente acção totalmente improcedente e, em consequência:

 Absolve-se o Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., de todos os pedidos formulados pelo Autor AA.

As custas são a cargo do Autor.


Lisboa, 10 de Novembro de 2022


Fátima Gomes (Relatora)

Oliveira Abreu

Nuno Pinto Oliveira, vencido, conforme declaração anexa.


Declaração de voto

“Entendo que está provado que houve uma violação de deveres pré-contratuais e que, estando provado que houve uma violação e deveres pré-contratuais, o acórdão de uniformação de jurisprudência n.º 8/2022 determina que deva averiguar-se se está provado que a violação de deveres foi condição sine qua non da decisão de investir.

A declaração contida no facto dado como provado sob o n.º 5 pode ter um duplo sentido ou um duplo valor — um valor constitutivo ou um valor (meramente) descritivo-informativo. O acórdão agora proferido considera que tem um valor (meramente) descritivo-informativo — e, neste ponto, subscrevo-o sem reserva. O problema está em que, desde que a declaração contida no facto dado como provado sob o n.º 5 tenha um valor descritivo-informativo, a informação prestada ao Autor, agora Recorrido, foi uma informação falsa ou, em todo o caso, uma informação errada. O acórdão agora proferido entende que, ainda que a declaração contida no facto dado como provado sob o n.º 5 tenha sido uma informação errada, não houve violação dos deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação — e, neste ponto, não o subscrevo (não posso subscrevê-lo).

Entendendo, como entendo, que está provado que houve uma violação de deveres, teria apreciado a questão da condicionalidade e, atendendo à contradição entre o facto dado como provado sob o n.º 9 e os factos dados como provados sob os n.ºs 29-33, teria anulado o acórdão recorrido, nos termos do art. 682.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.”

(Nuno Pinto Oliveira)