Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
322/21.7T8BRR.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: INTERPRETAÇÃO DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
PENSÃO DE REFORMA
BANCÁRIO
Data do Acordão: 11/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma;

II- Se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula.

III – O número 3.º da cláusula n.º 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário, ao referir no seu segundo segmento “entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza”, pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua atividade bancária e em que efetuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.

IV- As expressões utilizadas na referida cláusula “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do n.º 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do n.º 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do n.º 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respetivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas.

Decisão Texto Integral:

Processo 322/21.7T8BRR.L1.S1

Revista Excepcional

14/22

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou acção declarativa comum contra Banco Santander Totta, S.A. peticionando a condenação da Ré nos seguintes termos:

1. A reconhecer ao Autor  o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzido do valor correspondente à percentagem de 83,33%, que corresponde aos anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, devendo o banco, assim, pagar-lhe, mensalmente, a reforma de acordo com as regras do ACT, acrescida das diuturnidades e demais subsídios a que tenha direito, acrescida, por fim, do valor correspondente a 16,66% do valor total que, em cada momento, lhe for pago a título de pensão pela Segurança Social; e,

2. Consequentemente:

i. Ser a Ré condenada a pagar ao autor a quantia relativa às prestações e valores vencidos e em divida, no valor total €9.132,62, acrescidos de juros moratórios vencidos desde o vencimento de cada uma prestação, até à propositura da presente ação, que se computam, já, em €608,83, tudo num total de €9.741,45 e de juros vencidos e vincendos, nos termos legais, até ao integral pagamento do valor peticionado;

ii. Ser a Ré condenada a pagar as prestações vincendas até ao início do pagamento de acordo com o peticionado, no montante equivalente à diferença entre 16,66 % do valor da pensão que for paga, mensalmente em cada momento, pela Segurança Social, e o valor que o Banco efetivamente pagar, acrescidas dos juros legais moratórios vincendos até integral pagamento.

iii. a suportar as custas processuais”.

A Ré contestou.

Por sentença de 13.09.2021, o Tribunal de 1º instância decidiu o seguinte:

III. Decisão

Julgo a presente ação procedente por provada, e decido condenar o Réu:

1. A reconhecer ao A. o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzido do valor correspondente à percentagem de 83,33%, que corresponde aos anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, devendo o banco, assim, pagar-lhe, mensalmente, a reforma de acordo com as regras do ACT, acrescida das diuturnidades e demais subsídios a que tenha direito, acrescida, por fim, do valor correspondente a 16,66% do valor total que, em cada momento, lhe for pago a título de pensão pela Segurança Social; e,

2. Consequentemente:

i. Condeno o R. a pagar ao autor a quantia relativa às prestações e valores vencidos e em dívida, no valor total €9.132,62, acrescida de juros moratórios vencidos desde o vencimento de cada uma prestação, até à propositura da presente ação, que se computam, já, em €608,83, tudo num total de €9.741,45 e de juros vencidos e vincendos, nos termos legais, até ao integral pagamento do valor peticionado;

ii. Condeno o R. a pagar as prestações vincendas até ao início do pagamento de acordo com o peticionado, no montante equivalente à diferença entre 16,66 % do valor da pensão que for paga, mensalmente em cada momento, pela Segurança Social, e o valor que o Banco efetivamente pagar.

iii. Tudo acrescido dos juros legais até efetivo e integral pagamento“.

A Ré interpôs recurso de apelação.

Por acórdão de 09.02.2022, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão recorrida.
A Ré interpôs recurso de revista excepcional, formulando as seguintes conclusões:

A. O recurso é de Revista Excecional – cfr. artigo 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi do disposto nos artigos 1.º n.º 2 alínea a) e 81.º n.º 6 do CPT – porquanto, não obstante a existência de dupla conforme nos presentes autos, o douto Acórdão recorrido está em contradição com o douto Acórdão do mesmo Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2016, proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado.

B. Verifica-se a contradição dos julgados, uma vez que:

I. Trata-se da mesma questão de direito com os mesmos pressupostos de facto, porquanto ambos os arestos decidiram sobre como apurar o benefício pago pelo regime geral de segurança social para o efeito da aplicação do disposto na cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 - Data de Distribuição: 24/01/2011) – atualmente cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário - quando, além da carreira contributiva ao serviço do Banco, o pensionista tem carreira contributiva anterior;

II. Trata-se de decisões expressas e opostas, pois o Acórdão recorrido decidiu, confirmando a sentença proferida pelo Tribunal da Primeira Instância, reconhecer ao Autor o direito a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzido do valor a liquidar a calcular por aplicação de uma “regra de três simples pura”, enquanto no Acórdão proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado, se decidiu, confirmando igualmente a sentença proferida pelo Tribunal da Primeira Instância, julgar totalmente improcedente a ação e absolver a Ré do pedido, o qual correspondia, designadamente, a reconhecer ao Autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzido do valor correspondente à percentagem de 13%, correspondente aos 2 anos e 7 meses de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, numa “regra de três simples pura”;

III. A oposição dos julgados concretiza-se, manifestamente, no sentido da decisão tomada em cada um deles, pois no Acórdão recorrido seguiu-se no sentido da aplicação da “regra de três simples pura” (pro rata temporis), condenando-se o Réu nesses termos e no Acórdão proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado, decidiu-se exatamente o contrário, ou seja, absolver o Réu do pedido de condenação a aplicar uma “regra de três simples pura”.

C. Não obstante o tema já ter sido objeto de douta Jurisprudência do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, ainda não há ainda Jurisprudência uniforme sobre o tema e persiste – e bem – a divergência Jurisprudencial

D. Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido o disposto na cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011), cláusula em vigor à data da reforma do Recorrido e que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 94.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (BTE n.º 29 de 08/08/2016), os artigos 9º, 10º e 237º do Código Civil, os artigos 26º, 28º, 29º, 31º, 32º, 33º e 34º do Decreto-Lei n.º 187/2007 de 10/5 e os artigos 54º, 62º n.º 1 e 67º n.º 1 da Lei das Bases Gerais do Sistema de Segurança Social (Lei n.º 04/2007 de 16/1).

E. Ao contrário do Acórdão fundamento, o Acórdão recorrido entende (incorretamente) que o Recorrente deduz da pensão de reforma que é paga pela Segurança Social ao Recorrido um montante acima do que seria admissível face ao estabelecido na Cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego, 1ª Série, n.º 29 de 08.08.2016, determinando que para o cálculo do valor da pensão paga pela Segurança Social a reter pelo Recorrente deverá ter-se única e exclusivamente em consideração o tempo relevante para a formação da pensão, dividindo-se esta pelo critério pro rata temporis.

F. A questão em análise nos presentes autos está relacionada com a coordenação entre regimes previdenciais (o regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem e o regime previdencial dos bancários previsto no na regulamentação coletiva do setor bancário) quanto à prestação a atribuir na eventualidade de velhice, entendendo (e, salvo o devido respeito por opinião em contrário, mal) o Acórdão recorrido que no cálculo do valor da pensão a reter pelo Recorrente se terão que considerar os 42 anos de carreira contributiva registada na Segurança Social e não apenas os 39 anos que para a própria Segurança Social relevaram quer para a taxa de formação da pensão, quer para o cálculo da remuneração de referência, aplicando-se única e exclusivamente o critério pro rata temporis.

G. O Recorrido esteve enquadrado no regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem entre dezembro de 1966 e fevereiro de 1969 e entre outubro de 1969 e junho de 2007, sendo que entre dezembro de 1966 e fevereiro de 1969 e entre outubro de 1969 e novembro de 1973 não prestou atividade para instituições bancárias e entre dezembro de 1973 e junho de 2007 prestou atividade para o Recorrente, tendo em cada um dos períodos de dezembro de 1966 a fevereiro de 1969 e de novembro de 1973 a junho de 2007 sido registados na segurança social “períodos com contribuições”, sendo que à exceção do ano 1967, todas as retribuições auferidas pelo Recorrido e registadas na segurança social em cada um dos anos entre dezembro de 1973 e junho de 2007, foram de montante superior às pelo mesmo recebidas entre dezembro de 1966 e fevereiro de 1969 e entre outubro de 1969 e novembro de 1973.

H. A remuneração de referência considerada para cálculo da pensão de velhice da segurança social devida ao Recorrido foi determinada de acordo com dois critérios: (i) o primeiro critério corresponde à soma das 10 remunerações anuais mais elevadas auferidas pelo Recorrido nos últimos 15 anos da sua carreira contributiva, (ii) o segundo critério corresponde à soma das remunerações anuais mais elevadas auferidas pelo Recorrido, “até ao limite de 40”

I. A taxa de formação da pensão de velhice da segurança social devida ao Recorrido foi, por aplicação do artigo 34º do D.L. n.º 187/2007, de 80%, correspondendo esses 80% a 40 anos de carreira contributiva, cada um deles valorizado à taxa de 2%, correspondendo esses 80% ao máximo de anos civis – 40 – admitidos pelo artigo 32º do D.L. n.º 187/2007.

J. A pensão de velhice atribuída pela Segurança Social ao Recorrido foi determinada considerando 40 anos de contribuições, sendo que 33 dos 39 anos considerados foram cumpridos no período de dezembro de 1973 a junho de 2007 (cfr. fls. 2 – “determinação da remuneração de referência” - do Doc. N.º 3 junto com a PI), ou seja, durante o período durante o qual o Recorrido se encontrava ao serviço do Recorrente.

K. Na cláusula 94ª n.º 1 do ACT do Setor Bancário estabelece-se que “As instituições de crédito garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no n.º 3 da cláusula 92ª, bem como aos demais titulares de pensões e subsídios neles previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços da Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições de crédito a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta Secção”.

L. Ainda com o propósito de coordenar os benefícios do sistema previdencial da Segurança Social (no caso, a pensão de velhice da segurança social) e as prestações da mesma natureza com origem no Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancários, no n.º 2 da cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário esclarece-se que “para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 103.ª”

M. Tendo em consideração as regras convencionais supra referidas, há que as coordenar com as regras legais em vigor por forma a proceder ao cálculo do remanescente da pensão paga pela Segurança Social ao Recorrido e que deverá ser retida pelo Recorrente.

N. A Lei (artigo 26º do Decreto-Lei n.º 187/2007 de 10.05) enumera os factos relevantes para o cálculo da pensão estatutária de velhice, a saber: (i) remuneração de referência; (ii) taxa global de formação da pensão; e (iii) fator de sustentabilidade, quando a ele haja lugar.

O. O artigo 28º do D.L. 187/2007 determina que a remuneração de referência considera toda a carreira contributiva até ao limite de 40 anos e que, quando o número de anos civis com registo de remunerações for superior a 40, para apuramento da remuneração de referência se considera a soma das 40 remunerações anuais, revalorizadas, mais elevadas.

P. Por força da Lei, apenas as 40 remunerações anuais mais elevadas são consideradas para efeitos de formação da remuneração de referência, sendo que, no caso do Recorrido, 33 dessas 39  remunerações mais elevadas foram pagas pelo Réu, pelo que tais remunerações contribuíram em 96,22% no apuramento da remuneração de referência relevante para o cálculo da pensão estatutária de velhice do Recorrido.

Q. Acresce que, considerando a situação dos beneficiários – como é o caso do Recorrido – inscritos na Segurança Social até 31.12.2001 (artigo 33º n.º 1 do D.L. 187/2007) para o cálculo da remuneração de referência também é considerado “o total das remunerações dos 10 anos civis a que correspondam as remunerações mais elevadas, compreendidos nos últimos 15 anos da carreira contributiva até ao mês de início da pensão, com registo de remunerações” – artigo 28º n.º 3 do D.L. 187/2007.

R. Nos últimos 15 anos da sua carreira contributiva o Recorrido prestou a sua atividade no setor bancário ao serviço do Recorrente, pelo que neste segundo critério de cálculo, a totalidade da remuneração de referência relevante para o cálculo da pensão estatutária de velhice foi auferida pelo Recorrido ao serviço do Recorrente, pelo que é por demais evidente que a retribuição auferida pelo Recorrido em atividade fora do Recorrente não contribuiu em mais de 3,78% para o apuramento da sua remuneração de referência

S. No que respeita à (ii) taxa global de formação da pensão, de acordo com artigo 29º do D.L. n.º 187/2007, na taxa de formação da pensão o número máximo relevante de anos é 40 (quarenta), sendo esta regra reafirmada nos artigos 31º e 32º do D.L n.º 187/2007.

T. É, pois, mais uma vez por demais evidente que a taxa de formação da pensão de velhice do Recorrido apenas considerou, por imposição legal, 40 dos 42 anos da sua carreira contributiva, sendo que, como acima referido, os anos civis relevantes para o cálculo da remuneração de referência são aqueles em que, até ao limite de 40 anos, foram pagas a remunerações anuais revalorizadas mais elevadas (artigo 28º n.º 3 do D.L. 187/2007).

U. No caso do Recorrido, 33 dos 39 anos com remunerações mais elevadas verificaram-se ao serviço do Recorrente.

V. Deste modo, é inquestionável que no que respeita aos critérios relevantes para a formação da pensão estatutária do Recorrido que:

i. 96,22% da remuneração de referência foram registados no período em que o Recorrido trabalhou para o Recorrente (cfr. Doc. N.º 3 junto com a PI e Doc. N.º junto com a Contestação);

ii. a taxa de formação da pensão foi limitada aos 40 anos com remunerações anuais mais elevadas, sendo que no caso do Recorrido a Segurança Social apenas considerou 39 anos com registo de remunerações, sendo que 33 desses 39 anos foram precisamente ao serviço do Recorrente.

W. Entender-se – como a Sentença recorrida entende e o Acórdão recorrido acolhe – que o Recorrido ao reter 96,22% da pensão de velhice da segurança social desconsidera a totalidade da carreira contributiva do Recorrido carece de fundamento e de sentido. Na verdade, tal “desconsideração” não decorre da vontade do Recorrido e a existir decorre única e exclusivamente da Lei que limite a 40 anos (os que correspondem às 40 remunerações anuais mais elevadas) o período de carreira contributiva a atender para efeitos de determinação da remuneração de referência e da taxa de formação da pensão. Deste modo, é inquestionável que o Recorrente se “limita” a seguir, nos seus precisos termos, os comandos legais em vigor sobre esta matéria. Cumpre ainda sublinhar que não se poderá entender como violado o artigo 63.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. Nesta disposição determina-se que “todo o tempo de trabalho contribui (…) para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez”, tal sucede sempre “nos termos da Lei”, ou seja, de acordo com as previsões legais em vigor (incluindo, naturalmente, no que respeita aos limites máximos impostos).

Y. No que respeita ao cálculo da pensão de reforma devida ao Recorrido, cumpre recordar que o sistema de segurança social português tem como princípio basilar o princípio da contributividade. Este princípio determina que o cálculo da pensão tem por base os rendimentos de toda a carreira contributiva (com o limite das 40 remunerações mais elevadas), tendo o Decreto-Lei 187/2007 de 10.05 (cfr. artigo 33º) introduzido uma nova fórmula de cálculo da pensão estatutária, consagrando um regime específico para os trabalhadores (como é o caso do Recorrido) inscritos na Segurança Social até 31.12.2001.

Z. Esta forma de cálculo encontra-se espelhada no Doc. N.º 3 junto com a PI (campo “cálculo da pensão estatutária”, quadro “ao abrigo do DL 187/2007 art. 33º”). Num dos regimes – a designada P1 - a pensão calculada considera como “N” o “número de anos civis contados para o efeito. Esta taxa tem como limite máximo 80%” (cfr. Doc. N.º 3 junto com a PI campo “cálculo da pensão estatutária”, quadro “ao abrigo do DL 187/2007 art. 34º”); o outro regime – a designada P2 – considera o número de anos civis até ao limite de 40 (cfr. Doc. N.º 3 junto com a PI . campo “cálculo da pensão estatutária”, quadro “ao abrigo do DL 187/2007 art. 32º”).

AA. Ou seja, a Lei não atribui relevância ao período da carreira contributiva para além dos 40 anos.

BB. É, pois, forçoso concluir que, as remunerações registadas em nome do Recorrido pagas pelo Recorrente – sob a forma de “remuneração de referência” – e o tempo de serviço prestado pelo Recorrido ao Recorrente – traduzido na “taxa de formação da pensão” – contribuíram 96,22% para determinação do montante da pensão de velhice da segurança social.

CC. Assim, para efeitos de aplicação da Cláusula 94ª n.º 1 do ACT do Setor Bancário, o valor dos benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 103.ª corresponde a 96,22% do valor total da pensão de reforma da segurança social a que o Recorrido tem direito

DD. Deste modo, por aplicação da cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário, o Recorrente tinha – e tem – direito a deduzir 96,22% do valor da pensão de reforma paga pela Segurança Social, sendo, pois, imperioso concluir que os cálculos do Recorrente respeitam as regras legais e convencionais em vigor e seguem os mesmos fundamentos adotados pelo Acórdão fundamento.

EE. Face ao exposto e por ter efetuado uma errada interpretação da cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário, violando os artigos 9º, 10º e 237º do Código Civil, os artigos 26º, 28º, 29º, 31º, 32º 33º e 34º do Decreto-Lei n.º 187/2007 de 10/5, e os artigos 54º, 62º n.º 1 e 67º n.º 1 da LBGSSS, o Acórdão recorrido deverá ser revogado, reconhecendo-se a correção do método de cálculo adotado pelo Recorrente (tal como se verifica no Acórdão fundamento), bem como a correção dos cálculos efetuados, não sendo o Recorrente devedor de qualquer quantia ao Recorrido, nem estando obrigado a apenas deduzir 83,33% do valor da pensão paga pela Segurança Social.

Por acórdão da Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil foi a revista excepcional admitida.
x
Cumpre apreciar e decidir.
Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como única questão em discussão, a de saber como deve ser calculada a dedução da pensão a que se refere a cláusula 136º do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário, cláusula entretanto substituída pela cláusula 94.ª do ACT do sector bancário, publicado no BTE, 1ª série, nº 3, de 22.01.2011,
x
Mostra-se fixada a seguinte matéria de facto:

A. O Réu é uma instituição de crédito e exerce a atividade bancária.

B. Participou nas negociações e outorgou o ACT do Sector Bancário, cuja versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1ª Série, n.º 29, de 08/08/2016, instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte.

C. O Autor encontra-se filiado no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, onde figura como o sócio n.º ...

D. O A. foi admitido ao serviço do R. em 15 de Outubro de 1974.

E. O Autor passou à situação de reforma por invalidez em 1 de Julho de 2007.

F. O Autor foi posteriormente informado por carta do Centro Nacional de Pensões datada de 20 de Outubro de 2017, de que “A pensão por VELHICE tem início em 2017-11-12, sendo o seu valor actual 1.503,61 Euros (…)”.

G. O Autor passou à situação de reforma integrado no nível 11 do ACT para o Sector Bancário, passando a auferir uma pensão de reforma, pagável 14 vezes por ano, com a mensalidade base de, e segundo as sucessivas atualizações: a. €1.313,93 em Dezembro de 2017; b. €1.323,78 de Janeiro a Dezembro de 2018 c. €1.334,37 de Janeiro a Dezembro de 2019; d. € 1.338,37 daí em diante.

H. Acrescidas de diuturnidades no valor de:

a. €289,94 em Dezembro de 2017;

b. €292,11 de Janeiro a Dezembro de 2018;

c. €294,42 de Janeiro a Dezembro de 2019;

d. e, daí em diante, no valor de € 295,33.

I. O Réu só abonou o Autor até ao limite máximo da pensão recebida pela Segurança Social, fazendo sua a totalidade desse montante, considerando, como como limite máximo para a reforma os 40 anos de descontos.

J. Os Bancários ex-Totta sempre descontaram para a Segurança Social.

K. O Banto Totta e Açores foi integrado no Banco Santander, tendo esses bancários passado a integrar os quadros deste banco.

L. O Banco Santander adianta a pensão de reforma, de acordo com os cálculos do referido IRCT, recebendo, depois, a totalidade do valor pago pela Segurança Social, através de instrumento emitido pelo bancário para esse desiderato.

M. Ao A. foi atribuída uma pensão da CNP no valor de € 1.503,61 €, que corresponde a 42 anos de descontos para a Previdência.

N. A pensão teve as seguintes atualizações: a. € 1.503,61 de Dezembro de 2017 a Dezembro de 2018 b. € 1.519,10 de Janeiro de 2019 a Dezembro de 2019 c. €1.525,23 a partir de Janeiro de 2020.

O. O Autor contestou o valor que o Banco lhe paga a título do montante da pensão.

P. Todas as reclamações assentam no mesmo princípio:

O trabalhador, aqui A., entende que tem direito a receber 7/42 avos da pensão paga pela Segurança Social, considerando que trabalhou e descontou durante 42 anos.

Q. O R. pretende fazer sua 96,22 % do valor da pensão paga pelo Centro Nacional de Pensões ao A.

R. O A. teve uma carreira contributiva com dois momentos distintos de descontos:

a. De 12/1966 até 02/1969 e de 10/1969 a 11/1973 (7 anos), descontou para a Segurança Social por trabalho efetuado fora do sector bancário;

b. De 12/1973 até 06/2007 (35 anos), descontou para a Segurança Social por trabalho efetuado no sector bancário, ao serviço da R.

x
- o direito:

A questão da interpretação das cláusulas 136.ª do anterior ACT Bancário e 94ª do ACT Bancário publicado em 22.01.2011 ou 98º do ACT do Montepio publicado em 28/02/2017, já foi objecto, neste Supremo Tribunal e secção social, de várias decisões- v.g., entre vários e a título meramente exemplificativo, os Acórdãos desta Secção Social de 08.06.2021, P. 2276/20.8T8VCT.S1, de 29.09.2021, P. 17792/19.6T8PRT.P1.S1, de 23.06.2021, P. 2115/20.0T8VFR.S1, e de 29.09.2021, P. 23235/19.8T8LSB.L1.S1, e. mais recentemente, de 01.06.2022, proc. 3817/19.9T8MTS.P1.S1 e de 11/05/2022, proc. 2722/20.0T8CSC.S1.

Os pedidos deduzidos nestes autos pelo Autor, bem como a respetiva causa de pedir, coincidem, no essencial, com tudo aquilo que estava em causa nesses outros processos nos quais foi demandado quer a mesma Ré, quer outras instituições bancárias.

Assim sendo, dada essa similitude e por aderirmos à respetiva argumentação, passamos a citar a seguinte passagem do citado aresto de 08.06.2021:

“(…)

A mencionada cláusula 136.ª do ACT do setor bancário tinha o seguinte teor:

Cláusula 136.ª

“Âmbito

1. As Instituições de Crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta Secção aos respetivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste Acordo.

2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das Cláusulas 17.ª e 143.ª.

3. As Instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este Acordo tiverem direito, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza.”[…]

É a partir da interpretação desta cláusula e invocando os elementos literal, sistemático e teleológico que o Recorrente conclui que “a “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP” (Conclusão 6.ª), defendendo também que “porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas” (Conclusão 25.ª).

Este Tribunal tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei.

A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se á letra da lei, afirma, depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete  o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação  do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas  e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).

A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.

Ora da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social respeitantes a períodos que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito.

A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições […]. E quando se refere no seu n.º 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de Segurança Social.

Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei n.º 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o Recorrente.

Uma vez que a tese do Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula, como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar recentemente […], torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo.

Acrescente-se, apenas, que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nesta cláusula a qual se limita a cumprir o desiderato constitucional do aproveitamento integral de todo o tempo de trabalho […] para o cálculo da pensão (artigo 63.º n.º 4 da Constituição).”

Sem necessidade de mais considerações, há que concluir no sentido da improcedência da revista.

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Decisão:

Nos termos expostos, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Lisboa, 29/11/2022

Ramalho Pinto (Relator)

Mário Belo Morgado

Júlio Gomes

Sumário (da responsabilidade do Relator e reproduzindo o constante do acórdão de 01/06/2022, proc. 3817/19.9T8MTS.P1.S1).