Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3886/07.4TVLSB.L2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: LOCAÇÃO FINANCEIRA
OBRIGAÇÃO DE PAGAMANTO DAS RENDAS
RESPONSABILIDADE DO LOCADOR
VICIOS DA COISA LOCADA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS COMERCIAIS / LOCAÇÃO FINANCEIRA.
Doutrina:
- Fernando Gravato de Morais, Manual da Locação Financeira, 2006, p. 127.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1034.º.
D.L. N.º 149/95, DE 24-6 - REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA: - ARTIGOS 12.º E 13.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10/9/2015 , PROCESSO N.º1857/09.5TJVNF.S1.P1.
Sumário :
1. - A circunstância de a ratio decidendi do acórdão recorrido assentar num regime legal e não no conteúdo de determinada cláusula contratual geral torna irrelevante e inútil para a solução do litígio a questão da possível invalidade de tal cláusula: como é evidente, mesmo que se admitisse-se que a referida cláusula pudesse padecer da invocada nulidade (decorrente de nela se estipular uma inadmissível e excessiva desresponsabilização do locador financeiro), é manifesto que tal apenas determinaria, perante a invalidade da referida cláusula, a necessidade de solucionar o litígio através da interpretação e aplicação das normas legais reguladoras do regime da locação financeira- como se fez logo à partida no acórdão recorrido.

2. - Como regra geral no âmbito da locação financeira surge a exoneração do locador da responsabilidade pelos riscos provenientes de vícios ou deficiências técnicas da coisa fornecida que inviabilizem a utilização que o locatário lhe pretendia dar, salvo se for imputável ao locador a desconformidade entre o objecto adquirido e o acordado no âmbito do contrato de locação financeira.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA - Instituição Financeira de Crédito, S.A.. intentou contra BB - Comércio de Medeiras, Ldª acção declarativa, com processo comum ordinário, pedindo que a mesma seja julgada procedente por provada e, em consequência, decretada a resolução do contrato de locação financeira n.° 30018996 e determinado o cancelamento do registo de locação financeira junto da Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa que incide sobre o tractor John Deere, modelo 6620SE com a matrícula …-BC-....

Alega que, por contrato de locação financeira, deu em locação à ré, entre outros, o referido tractor, obrigando-se a adquiri-lo ao fornecedor escolhido e indicado pela ré.

O identificado tractor foi adquirido e pago pela autora ao fornecedor CC - Comércio de Peças e Reparações de Veículos, Ldª, assim como os restantes bens locados, pelo preço de € 55.938,00 acrescido de IVA -estando a propriedade do referido tractor registada, assim como a locação financeira do mesmo.

Adianta ainda que se obrigou a ceder à ré o gozo e a fruição de tal tractor, o que fez, enquanto a ré assumiu a obrigação de pagar à autora as rendas contratadas, mensal e sucessivamente, num total de 36, sendo a 1ª renda no valor de € 27.309,00 e as restantes de € 2.415,79 cada, acrescidas de IVA ,

Ora a ré deixou de pagar as rendas com datas de vencimento em 24.04.2006 e 24.05.2006, no valor cada de € 2.715,31.

Perante tal situação, sustenta a autora ter enviado à ré carta registada com a/r, interpelando-a para o cumprimento pontual das obrigações contratualmente assumidas – o que esta não fez, pelo que, por carta registada com a/r, datada de 03.08.2006, resolveu o contrato e reclamou o pagamento das prestações vencidas e não pagas e respectiva cláusula penal.

Finalmente, adianta que o tractor objecto do contrato já lhe foi entregue; no entanto, a ré não lhe entregou os documentos necessários ao cancelamento do registo do ónus de locação financeira.

A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção e sua consequente absolvição dos pedidos formulados pela autora.


Deduziu também reconvenção, tendo formulado contra a autora os pedidos de declaração de nulidade de todos os contratos celebrados, condenando-se a autora a devolver à ré todas as quantias que recebeu desta, bem como a condenação da autora e da chamada intervenientes nesta acção - CC - Comércio e Reparação de Veículos, Lda. - a pagarem à ré a quantia de € 35.000,00, pelos prejuízos sofridos e demais despesas suportadas, suscitando ainda a condenação por litigância de má fé dos administradores de tal entidade.

Em sede reconvencional e, em síntese, alegou que não negociou com a autora o contrato de locação financeira, mas antes com um responsável da sociedade CC - Comércio e Reparação de Veículos, Lda.

Se bem que tenha acabado por acordar a compra do equipamento apresentado na proposta da autora, alega que não aceitou o equipamento entregue pela CC, Lda, pois este nunca funcionou nos termos acordados com esta sociedade.

Quando começou a testar o equipamento, este não fazia as funções acordadas entre o gerente da CC, Lda e o gerente da autora, nomeadamente: - nomeadamente, o tractor não tinha capacidade (força) para subir no terreno; - a grua só fazia uma articulação quando deveria fazer seis articulações ao mesmo tempo.

Logo que viu que o equipamento não servia para os fins pretendidos e acordados, a ré disse ao legal representante da CC, Lda que só aceitaria este equipamento se, até ao dia 08.02.2006, modificasse a grua de modo a fazer todas as seis articulações, mudasse os motores do reboque de forma a terem potência para subir inclinações dos terrenos e mudasse os pneus da forma acordada.

Desde de 07.04.2006 e até hoje, o tractor e o restante equipamento estão na posse da sociedade CC, Lda, ou na posse da autora, sem que nada tivessem feito para resolverem a situação à ré.

Sucedendo que, até hoje, a sociedade CC, Lda não cumpriu nenhum dos acordos celebrados com a ré, o inicial e o de 08.02.2006, como a autora também não entregou os bens que diz ter locado à ré pois estes bens não existem daquela forma e modo como estão descritos.

Alega ter a autora inventado a locação de um equipamento que não existia e ainda hoje não existe, dado que a sociedade CC, Lda não entregou esse equipamento à ré, nem quando o contrato de locação financeira foi efectuado pela autora, nem quando foi entregue ao responsável da sociedade CC, Lda.

Houve réplica, na qual a autora invoca que a negociação que decorreu entre a ré e a empresa fornecedora do bem locado é irrelevante, por não dizer respeito à sua pessoa, desconhecendo os factos que a reconvinte alega a esse propósito.


Mais alegou que, nos termos do contrato celebrado entre ambas, a ré a exonerou de qualquer responsabilidade relativa à entrega atempada do bem, à correspondência com as especificações contratadas ou possíveis a vícios que a coisa locada apresentasse.

A ré treplicou.

A ré - que tinha requerido a intervenção provocada da sociedade CC -Comércio e Reparação de Veículos Lda - viu a sua pretensão ser indeferida; agravou desse despacho de indeferimento, agravo que, apesar de admitido, foi julgado deserto por falta de alegações .

Também a autora requereu a intervenção provocada da sociedade CC -Comércio e Reparação de Veículos, Lda, que foi admitida

Citada, a CC, Lda veio invocar o estatuto de assistente para exercitação oportuna de todas as faculdades, direitos e obrigações inerentes a esta sua posição processual .

Foi proferido saneador- sentença julgando:

a) A acção procedente por provada, declarando-se a resolução do contrato celebrado entre a autora e a ré referente ao veículo com a matrícula …-BC-… e determinando-se o cancelamento do encargo de locação financeira (n.° de ordem …, de 6-3-2006), referente ao mesmo veículo;

b) A reconvenção totalmente improcedente por não provada, absolvendo-se a autora deste pedido.

Inconformada com tal decisão, dela apelou a ré, tendo a Relação julgado procedente a apelação, revogando o saneador-sentença e ordenando o prosseguimento do processo.

Após audiência de discussão e julgamento proferiu-se sentença, decidindo:

 Julgar inteiramente procedentes os pedidos da A./ AA - Instituição Financeira de Crédito, S.A.. e, em consequência:

- Declara-se validamente resolvido o contrato de locação financeira celebrado entre a autora e a ré BB - Comércio de Madeiras Lda, subscrito pela primeira em 29 de Dezembro de 2005, relativo ao tractor da marca John Deere, modelo 6620SE, com a matrícula …-BC-…, reboque Herculano com tracção, modelo HFT 14.000, com grua florestal modelo FC 80/1900 R 410.°.

- Determina-se o cancelamento do registo de locação financeira que incide sobre o tractor acima identificado.

Julgar integralmente improcedente o pedido reconvencionai deduzido pela ré BB - Comércio de Madeiras Lda e dele absolver a autora AA - Instituição Financeira de Crédito, S.A.. e a interveniente acessória CC - Comércio e Reparação de Veículos Lda.

- Julgar igualmente improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé.


2. Uma vez mais inconformada com tal decisão, a ré interpôs recurso de apelação, impugnando, desde logo, a decisão proferida quanto à matéria de facto; tal impugnação foi julgada improcedente, o que determinou a estabilização do seguinte quadro factual:

1 - A autora é proprietária do trator da marca John Deere, modelo 6620SE, com a matrícula …-BC-....

2 - Por acordo subscrito pela autora em 29.12.2005 e pela ré, com efeitos a partir de 24.12.2005 para efeitos de registo, e durante 36 meses, a autora cedeu à ré o tractor da marca John Deere, modelo 6620SE, com a matrícula …-BC-…, reboque Herculano com tracção, modelo HFT 14.000 com grua florestal modelo FC80/1900 R 410.° mediante contrapartida monetária mensal, no que denominaram contrato de locação financeira.

3 - Autora e ré acordaram nos termos da cláusula 1.» das condições gerais que "o contrato tem por objecto o bem descrito nas condições particulares, o que foi escolhido pelo locatário de sua livre vontade, tendo sido previamente acordados entre este e o fornecedor todos os aspectos referidos nas condições particulares, nomeadamente as suas especificações técnicas, preço, prazo de entrega e condições de pagamento".

4 - Autora e ré acordaram nos termos da cláusula 5.a das condições gerais que "o locatário receberá o bem locado em nome da locadora, sendo considerada como data de entrega do mesmo a data mencionada no auto de recepção, assinado pelo fornecedor e pelo locatário, anexo ao presente contrato e no n.° 2 que o auto de recepção deverá certificar que o bem entregue ao locatário está de acordo com a encomenda e constitui uma autorização à locadora para pagamento do preço ao fornecedor

5 - Autora e ré acordaram nos termos da cláusula 7.a das condições gerais que "a locadora fica exonerada de qualquer responsabilidade inerente à entrega atempada do bem, no local convencionado, à sua correspondência com as especificações indicadas pelo locatário, a quaisquer vícios que apresente, bem como pela falta de registo, matrícula ou licenciamento no caso de o fornecedor não ter habilitado a locadora com a documentação necessária".

6 - Autora e ré acordaram nos termos do n.° 2 da cláusula 7.° que "competirá ao locador usar os meios judiciais e/ou extrajudiciais para reagir a qualquer incumprimento do fornecedor".

7 - Autora e ré acordaram nos termos do n.° 3 da cláusula 7.a que "a não entrega do bem pelo fornecedor, bem como da documentação necessária, a actos de registo, matrícula ou licenciamento, quando tal seja necessário, ou mesmo a falta de conformidade com as especificações convencionadas nas Condições Particulares, não exoneram o locatário das suas obrigações face à locadora, nem lhe conferem qualquer direito face a este".

8 - A autora adquiriu o equipamento a CC - Comércio de Peças e Reparações de Veículos, Lda

9 - 0 fornecedor CC - Comércio de Peças e Reparações de Veículos, Lda, bem como o equipamento, foram escolhidos pela ré.

10 - A CC - Comércio de Peças e reparações de Veículos Lda entregou à ré o equipamento que a autora acordou ceder a esta.

11 - Esse equipamento foi entregue à ré em 8 de Fevereiro de 2006.

12 - 0 reboque herculano com tracção, modelo HFT 14.000 não tinha força suficiente para subir o terreno a que se destinava.

13 - A grua florestal modelo FC80/1900 R 410.° acordada ceder, só fazia uma articulação.

14 - Por carta datada de 3/8/2006, que a ré recebeu a 7 seguinte, a autora declarou àquela outra, com referência ao acordo entre ambas celebrado, que "(...) tendo em vista o decurso do prazo referido na nossa última carta e o incumprimento continuado por parte de V. Ex.as , vimos pela presente informar que consideramos resolvido o contrato supra referido (...). Assim, reclamamos a V. Ex.as que procedam à imediata restituição dos equipamentos Tractor John Deere 6620SE/…-BC-…, bem como ao pagamento das quantias devidas por força da resolução do Contrato, previstas no seu clausulado".

15 - No procedimento cautelar apenso a este processo foi ordenado o cancelamento do encargo de locação financeira referente ao tractor com a matrícula …-BC-….

16 - 0 tractor foi entregue à autora.


3. Passando a apreciar o mérito da apelação, a que negou provimento, após ter considerado improcedentes as nulidades imputadas à sentença recorrida, aderiu inteiramente a Relação no acórdão recorrido ao teor da sentença apelada:

Tal agregado de factos contém o essencial da definição do contrato de locação financeira, prevista, à data dos referidos acordos, no art. 1.° do Dec. Lei n° 149/95 de 24 de Junho [na redacção dada pelo Decreto Lei n.° 285/2001 de 3 de Novembro, adiante referida salvo outra menção expressa] nos seguintes moldes (...).

Como se viu do excurso supra, a ré pugna pela invalidade desse contrato (nulidade ou anulação), mas, adiantando razões, fá-lo sem fundamento.

Do ponto de vista da sua forma externa, o referido contrato, que teve por objecto, também, um bem móvel sujeito a registo (o tractor de marca John Deere) é válido, posto que foi celebrado por escrito nos termos do n.° 2 do art. 3.° do diploma acima referenciado [cfr. ainda art. 3.°n.° ij.

No que concerne à respectiva validade substancial, nada vem provado (ou foi sequer enunciado em termos de facto na defesa da ré) que configure um vício - necessariamente contemporâneo da contratação - determinante da anulabilidade ou nulidade do contrato.

(...)

Demonstrou-se na acção que o objecto imediato da locação financeira foi um tractor da marca John Deere, com uma determinada referência de modelo e matrícula, um reboque com tracção e uma grua florestal (n.° 1 da factualidade provada supra). A autora adquiriu o equipamento com essas especificações técnicas à interveniente acessória CC, Ld.a que o entregou à ré (n.°s 8 a 11 da factualidade provada).

(...)

Ora, tendo presente a prova que se fez na acção, a autora (através da fornecedora e interveniente acessória CC, Ld.a) não entregou coisa diversa ou desconforme do que a demandada com ela acordou. O equipamento entregue foi aquele cujo uso a demandada pediu à autora.

A autora cumpriu assim as suas obrigações legais de adquirir ou mandar construir o bem a locar e conceder p gozo do mesmo à ré (alíneas a) e b) do n.° 1 do art. 9.° do Decreto-lei n.° 149/95 de 24 de Junho).

Diversamente, o que se demonstrou foi que um dos componentes do equipamento cedido tinha um vício relevante. Com efeito, o reboque "Herculano" não tinha força suficiente para subir o terreno a que se destinava (n.° 12 da factualidade provada).

Questionando-nos se a A. pode ser responsabilizada por esse vicio material da coisa locada, a resposta flui da letra da lei.

De acordo com o art. 12.° do Decreto-Lei n.° 149/95 de 24 de Junho, o locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação aos fins do contrato, salvo o disposto no art. 1034.° do Código Civil.

Já o art. 13.° do mesmo regime prevê que o locatário possa exercer directamente contra o vendedor todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda.

(...)

Essa isenção legal resulta da constatação de que o locador intervém numa posição meramente financiadora e não locatícia, sendo o bem escolhido pelo locatário, que escolhe também o respectivo fornecedor, como sucedeu no caso vertente.

(...)

Não deixando o locatário desprotegido, o legislador fez acompanhar a referida exoneração da atribuição àquele dos direitos que ao locatário caberiam como comprador, de que se destacam os prioritários de reparação da coisa e substituição da mesma caso essa reparação não seja possível e a coisa fungível (art. 914.° do Código Civil).

(...)

Perante esse enquadramento e conforme flui do citado art. 12.° do Decreto Lei n.° 145/95, a existência de vício na coisa locada, por si só, nenhum efeito tem no cumprimento da locação financeira.

Em concreto e no que releva para este litigio, o locatário financeiro não pode deixar de cumprir a obrigação de pagamento das rendas pelo facto de o bem locado apresentar vícios.

(...)

Cabe assim à ré (como aliás o fez, ainda que esses dados não resultem da factualidade selecionada para a discussão) exigir da vendedora do equipamento, a interveniente acessória, CC, Ld.a, a reparação do vício de que o equipamento padecia.

Não assistia, por contraponto, à ré, a faculdade de recusar o pagamento das rendas devidas à autora o que nos conduz à conclusão de que não houve incumprimento do contrato pela locadora, mas antes, pela locatária.

Tendo a ré deixado de pagar à autora as rendas da locação financeira, a segunda começou por interpelá-la para o fazer em prazo (fls. 28 da providência cautelar) e face à persistência do incumprimento declarou à contraparte a resolução do contrato (n.° 14 da factualidade provada).

A resolução foi exercida em conformidade com o disposto no art. 17.° do Decreto Lei n.° 149/95 de 24 de Junho, tendo observado o estipulado na cláusula 14.a n.°l alínea a) e n.° 2 do escrito negocial e ainda o art. 808.° n.° 1 do Código Civil.

O exercício do correspondente direito potestativo é, pois, de ter como válido.

A resolução do contrato opera a destruição retroactiva dos efeitos do negócio (sendo, nos termos do art. 433.° do Código Civil equiparada à nulidade e anulabilidade), sem prejuízo de nos negócios de execução continuada (como é o dos autos) não abranger as prestações já efectuadas (art. 434.° do mesmo código).

Um dos efeitos dessa destruição retroactiva é (além da devolução da coisa locada, que foi obtida extrajudicialmente) o cancelamento do registo da locação financeira.

Devem, pois, proceder integralmente os pedidos formulados pela autora, a saber: a declaração de validade da resolução contratual operada e o cancelamento do registo da locação financeira.

Refira-se que o primeiro dos pedidos, que vem textualmente formulado como "decretamento da resolução do contrato", é de convolar juridicamente para reconhecimento da validade da resolução extrajudicial operada, pois que tendo a autora exercido esse concreto direito e não dependendo o mesmo da declaração judicial, ocorre apenas uma apreciação da regularidade e validade do acto, sendo a sentença, nessa parte, de mera apreciação (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Novembro de 1993, in CJ 1993, V, pág. 228.

Importa uma última palavra para registar que os pedidos formulados pela reconvinte contra a interveniente acessória não têm qualquer base adjectiva legal, posto que, como é consabido, a posição daquela na demanda é exclusivamente de auxiliar da autora (a quem foi chamada a assistir), nos termos dos arts. 332.° N.°l, 337.° n.°l e 341.° todos do Código de Processo Civil, na versão em vigor à data da intervenção.


4. Novamente inconformada, a R./reconvinte interpôs a presente revista excepcional, que encerra com as seguintes conclusões:

1) - Conforme resulta de fls., a Autora instaurou a presente Ação Declarativa sob a forma de Processo Ordinário, contra a Ré/Recorrente, peticionando a resolução do contrato e o cancelamento do encargo de locação financeira;

2) - A Ré deduziu contestação/reconvenção, a Autora replicou o constante de fls. e, em resposta à réplica apresentada, a Ré respondeu;

3) - Não conformada com a Sentença de fls., a Recorrente recorreu e em Acórdão decidiu-se: "…Julgar procedente a apelação e, por isso, se revoga o saneador-sentença recorrido, devendo o processo prosseguir com a observância no artigo 511º do CPC".

4) - Findos os articulados, foi realizada a Audiência de Julgamento, onde se produziu toda a prova, sendo que por Sentença de fls., decidiu a Meritíssima Juiz a quo o que acima se transcreveu;

5) - Não conformada a Recorrente interpôs recurso, apresentando as conclusões acima transcritas:

6) - Em sede de recurso, foi deliberado no Acórdão recorrido o que acima se transcreveu;

7) - Não podemos estar de acordo com o decidido no Acórdão recorrido: I - Da identificação das Questões suscitadas no Recurso de Revista: a) Da ilegalidade das cláusulas contratuais do contrato de locação financeira:

8) - As cláusulas das condições gerais do contrato de locação financeira (nomeadamente a 7ª), tratam-se, de cláusulas contratuais gerais, sujeitas ao regime estabelecido no Decreto-Lei n° 446/85, de 25 de outubro e foi com razão que a Recorrente, desde logo, peticionou a nulidade das cláusulas sub judice.

9) - Tais cláusulas são absolutamente proibidas face ao disposto na alínea h), do artigo 21° daquele Decreto-Lei, uma vez que, podendo surgir conflitos entre o locador e o locatário, por virtude da aplicação conjugada da ressalva estabelecida no artigo 12° do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho - que estabeleceu o regime de locação financeira - com os artigos 1034° e 1032° do Código Civil - que incidem sobre a responsabilidade do locador em geral no caso de haver vícios da coisa locada - a manutenção daquelas cláusulas podia implicar a renúncia por parte do locatário ao direito de ação que se ajustasse ao caso concreto.

10) - O regime do artigo 12° do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho compreende-se na medida em que o locador financeiro desenvolve um papel diferente do mero locador, pelo que, como regra geral, surge a exoneração do locador no tocante aos riscos provenientes da desconformidade da coisa fornecida.

11) - Sendo este um princípio geral, NÃO DEVE considerar-se que a isenção da responsabilidade do locador financeiro é absoluta em sede de desconformidade da coisa com o locado, ou seja, em sede de vícios de facto ou materiais, porque:

a) - na parte final do artigo 12° do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho prevê-se alguns casos de responsabilização do locador;

b) - em sede de cumprimento defeituoso do contrato, "podem sempre figurar-se hipóteses em que a desconformidade da coisa é imputável ao locador financeiro, designadamente às suas instruções. Imagine-se, v.g., que o locador comprou um trator de maior cilindrada ou que a máquina adquirida, porque de potência superior à indicada, acarreta para o locatário custos excessivos" — vide Fernando Gravato de Morais, in "Manual da Locação Financeira", 2006, página 129;

12) - Deve considerar-se que o locador financeiro garante a exata correspondência entre o específico bem indicado pelo locatário e o bem adquirido ou construído. Neste âmbito, o locador permanece responsável perante o locatário;

13) - E o que sucede no caso dos presentes autos, devendo o locador ser responsabilizado perante a locatária, aqui Recorrente, em sede de VÍCIOS DE FACTO, visto que, conforme já foi dado como provado:

a.- Por acordo subscrito pela autora em 29/12/2005 e pela Ré/Recorrente, com efeitos a partir de 24/12/2005, a Recorrida cedeu à Recorrente o trator em causa, reboque com grua florestal (facto provado n° 1);

b.- Esse equipamento foi apenas entregue à Ré/Recorrente em 08/02/2006 (facto provado n° 11);

c.- O reboque não tinha força suficiente para subir o terreno a que se destinava (facto provado n° 12);

d.- A grua florestal só fazia uma articulação (facto provado n° 13);

14) - Não só foram tardiamente entregues os bens em causa, assim como o foram entregues encontrando-se defeituosos, tendo em conta que o reboque não correspondia ao fim a que se destinava e a grua apenas fazia uma articulação;

15) - Tais desconformidades tornaram-se bem patentes aquando do ensaio realizado no dia 6 de Fevereiro de 2006 pela fornecedora;

16) - O cumprimento pressupõe um duplo requisito, nomeadamente, a entrega e a conformidade;

17) - É de estranhar o facto de, quer na Sentença, quer no Acórdão ora recorrido, não se ter em conta as OBRIGAÇÕES DO LOCADOR FINANCEIRO, constantes artigo 9o do DL 149/95, e que têm todo o interesse para o presente caso, visto que não foram observados pela aqui Recorrida. São elas:

a) adquirir ou a mandar construir o bem a locar;

b) conceder o gozo do bem para os fins a que se destina, abstendo-se de qualquer ato perturbador;

c) vender o bem ao locatário financeiro, caso este exerça a opção de compra findo o contrato (artigo 9o, n.° 1, alíneas a), b) e c) do Decreto-Lei n.° 149/95), daí que a posição do locador financeiro se aproxime, quer no plano económico, quer no plano jurídico, da posição do credor detentor da propriedade a título de garantia;

d) defender a integridade do bem, nos termos gerais de direito;

e) examinar o bem, sem prejuízo da atividade normal do locatário financeiro; e o de fazer suas, sem compensações, as peças ou outros elementos acessórios incorporados no bem pelo locatário financeiro (artigo 9°, n.° 2, alíneas a), b) e c) do Decreto-Lei n.° 149/95);

18) - Por força do n.° 2 do artigo 9° do Decreto-Lei n.° 149/95, a posição jurídica do locador financeiro fica ainda marcada por todos os deveres gerais previstos no regime da locação simples que não se mostrem incompatíveis com o disposto no Decreto-Lei n.° 149/95 (cfr. O artigo 1031° do Código Civil);

19) - Quando o vendedor entrega o bem que foi adquirido para ser objecto do contrato de locação financeira, deve fazê-lo livre de vícios, só assim será um cumprimento pleno — vide Fernando Gravato MORAIS, Manual de Locação Financeira, ob cit. p.122;

20) - Tal não ocorreu, tendo havido um claro incumprimento dos termos acordados, o qual não poderá ser imputado à aqui Recorrente;

21) - Se o locador pode ser responsável, perante o locatário em sede de vícios de facto, também o pode ser em sede de VÍCIOS DE DIREITO, e aqui verifica-se "na esfera do locador, responsabilizando-o (exclusivamente) perante o locatário" - vide Fernando Gravato de Morais, in "Manual da Locação Financeira", 2006, página 160. O regime está estabelecido na parte final do artigo 12° do Decreto-Lei 149/95, que remete para o artigo 1034° do Código Civil;

22) - Preenchidos os requisitos de aplicabilidade da norma, o locador é agora responsável perante o locatário pelo vício (jurídico) da coisa, podendo invocar junto dele os respectivos meios de defesa. Portanto, a existência de uma cláusula contratual que afaste a responsabilidade do locador deve considerar-se nula, em razão de ser contrária a uma norma de carácter imperativo (artigo 294° do Código Civil);

23) - De acordo com o disposto na alínea h), do artigo 21°, do citado Decreto-lei 446/85, são absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que "excluam ou limitem de antemão a possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contraentes'";

24) - Este normativo tem como finalidade principal evitar um comprometimento genérico de um contraente destinado a excluir ou a limitar antecipadamente o seu direito de ação, garantido na lei ordinária pelo artigo 2° do Código de Processo Civil e que deriva do princípio geral do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, estabelecido no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa;

25) - As cláusulas contratuais acima referidas estabelecem, manifestamente, uma exclusão genérica e antecipada da responsabilidade da locadora perante o locatário e a responsabilidade da locadora não pode ser completamente previsível em termos concretos, pelo que o englobamento desta concreticidade na generalidade da exclusão constante das cláusulas em causa necessariamente acarretaria uma renúncia antecipada a direitos, necessariamente ilegal e inconstitucional;

26) - Estabelecer genericamente que qualquer atuação da Recorrida, mesmo com as ressalvas estabelecidas no artigo 12°, do Decreto Lei 149/95, não daria origem a responsabilidade da locadora perante o locatário, implicaria necessariamente o reconhecimento da renúncia ao direito de ação, em oposição a normas legais e constitucionais acima referidas.

27) - Mal se decidiu nas instâncias ao não considerar tais cláusulas nulas e ao não condenar a aqui Recorrente a abster-se de as utilizar em todos os contratos de locação financeira (contratos-tipo) que no futuro e no presente venha a celebrar com os clientes;

28) - Não se compreende como se decidiu em Sentença primeiramente recorrida e no Acórdão ora recorrido, não se encontrando, inclusivamente, fundamentado de forma suficiente no que diz respeito também a esta matéria, devendo o mesmo ser revogado, com todas as consequências legais daí resultantes;

29) - B) Da obrigação da locadora na entrega da coisa locada: Pelas instâncias foi considerado, como ponto de partida, o pressuposto de que a obrigação da entrega do bem locado e seus componentes não pertencia à locadora, aqui Recorrida;

30) - Tal posição não se compreende, tendo em conta a melhor doutrina e jurisprudência que têm sido veemente aplicadas no nosso país, tanto mais da forma como se decidiu, não se fundamentando suficientemente quanto a esta matéria;

31) - Menezes Cordeiro pronuncia-se sobre este assunto de forma breve e é da opinião que "o locador deve assegurar a entrega da coisa", referindo um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de acordo com o qual "o locador, para conceder ao locatário o gozo da coisa, tem a obrigação de lhe assegurar a entrega, cumprindo-lhe fazer a prova deste facto" - Acórdão do STJ, de 22 de Novembro de 1994 (PAIS DE SOUSA), disponível em http://www.dgsi.pt;

32) - Calvão da Silva considera que incide sobre o locador a obrigação de entregar a coisa ao locatário, uma vez que, de acordo com o autor, "não se pode conceder o gozo da coisa sem a entrega da mesma ao locatário";

33) - Há uma instrumentalidade da entrega da coisa face à obrigação da concessão do gozo, em que uma pressupõe, obrigatoriamente, a outra e, portanto, conclui o autor, o locador deve entregar a coisa locada para conceder o gozo da mesma ao locatário pelo prazo do contrato;

34) - Raquel Tavares dos Reis considera que a obrigação de entrega da coisa impende sobre o locador, pelo que não nos restam dúvidas que faz parte do contrato de locação financeira a obrigação do locador financeiro de entrega da coisa ao locatário financeiro para que este a possa gozar;

35) - Quanto à jurisprudência portuguesa: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20 de Outubro de 2005, em que se considera que concessão de gozo da coisa só é concretizada pela entrega do bem ao locatário, quer esta seja "feita directamente ou através da cooperação do fornecedor", partilhando, assim, a posição de Calvão da Silva. Também no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Janeiro de 1998 se refere que "Não tendo o fornecedor feito a entrega do bem ao locatário, o locador é responsável perante aquele por força do preceituado no n° l do citado artigo 800, do que resulta incumprimento da obrigação de entrega da coisa e de proporcionar o gozo da coisa";

36) - Pela doutrina e jurisprudência supra enunciadas, a ocorrer alguma questão quanto à entrega do bem (se atrasada, ou se desconforme ao acordado), a responsabilidade deverá imputar-se à locadora, aqui Recorrida, pois a ela impede a obrigação de entregar o bem locado, bem como os seus deveres a essa obrigação inerentes;

37) - Assim estipula no n.°2 do artigo 9º do DL 149/95, uma remissão para o regime da locação, sendo aplicáveis os "direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma", o que nos leva a analisar os artigos 1022° e seguintes do Código Civil, em especial os relativos às obrigações do locador (artigos 1031° e seguintes do mesmo código);

38) - Da alínea a) do artigo 1031° do Código Civil consta que é obrigação do locador entregar a coisa locada ao locatário.

39) - O contrato de locação financeira é um contrato em que existem duas partes, uma delas, proprietária de determinado bem que, mediante retribuição, será cedida à contraparte, logo facilmente se compreende a estipulação legal da obrigação do locador em entregar o bem, sobre o qual tem domínio material, pois de outra forma mais ninguém poderia ceder legitimamente, o bem objecto do contrato;

40) - O locador não cede simplesmente um bem seu, mas antes vai adquirir um bem propositadamente para satisfazer as necessidades de um terceiro - o locatário, pelo que tal entrega é instrumental da obrigação de concessão do gozo do bem objecto do contrato (esta sim, resulta expressamente da lei - artigo 9.°, nº 1 al. a) do DL 149/95) e, de facto, quando se entrega algo a alguém tem-se em vista conceder o gozo desse algo, pois o que se pretende é garantir o uso pacífico do bem para o fim pactuado na vigência do contrato;

41) - No caso, não ficou garantida a devida e acordada entrega à locatária, aqui Recorrente e, ao terem ocorrido várias questão quanto à entrega do bem (se atrasada, ou se desconforme ao acordado, etc.), a responsabilidade deverá imputar-se à locadora, aqui Recorrida, pois a ela impede a obrigação de entregar o bem locado, bem como os seus deveres a essa obrigação inerentes;

42) - Pelo que se impõe a revogação do Acórdão recorrido, também nesta parte, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

43) - II - Da verificação dos pressupostos do Recurso de Revista: Da admissão do Recurso de Revista, em virtude da necessária apreciação da questão juridicamente relevante, para melhor aplicação do direito e em virtude de interesses de particular relevância social: No presente Recurso, na primeira parte do mesmo, discutem-se os seguintes pontos: - Ponto a): Da ilegalidade das cláusulas contratuais do contrato de locação financeira;- Ponto b): Da obrigação da locadora na entrega da coisa locada;

44) - Foram suscitadas questões que, pela sua relevância jurídica, torna-se vital uma melhor aplicação do direito, nos termos acima extensamente requeridos, e verifica-se que está em causa uma apreciação de elevada complexidade, ou pelo menos de complexidade superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou até mesmo pela necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, tendo as presentes matérias suscitados dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência, quer ao nível da doutrina;

45) - Os presentes autos podem ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, estando em causa uma questão que revela especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio, nunca esquecendo que a Recorrente foi tratada de forma desigual, prejudicada e privada do direito de exercer a sua atividade comercial;

46) - A admissão do presente recurso pode servir de sanção à primeira para que, no futuro, não proceda da mesma maneira a tantos futuros clientes locatários portugueses, pois tais questões poder-se-ão suscitar-se em casos futuros, adquirindo alcance geral, ou seja, extravasando os limites do caso individual da Recorrente, justificando-se, pois a capacidade de expansão da controvérsia e, consequentemente, a admissão de revista;

47) - Da admissão do Recurso de Revista em virtude de Acórdão em contradição com outro já transitado em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito: Relativamente ao ponto a) da primeira parte do presente recurso, há que trazer aos autos o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 13/10/2011, no Processo n° 851/09.0TJLCB.L1.S1, em caso análogo, no qual se lê a tomada de uma posição com contradição com a tomada no Acórdão recorrido, conforme fotocópia do mesmo que se junta como doc. n° 1;

48) - Considerou-se neste caso análogo, em julgar nulas as cláusulas gerais contratuais, em razão de serem contrárias às normas de caráter imperativo;

49) - O Acórdão recorrido está em contradição com o agora junto e já transitado em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, pelo que deverá o presente recurso ser recebido e, consequentemente, dar-se provimento ao mesmo, o que se requer;

50) - III - E ainda do Recurso: No Acórdão recorrido não se procedeu a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como se efetuou uma incorreta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, sofrendo o Acórdão recorrido de nulidade por violação do disposto nas al. c) e d) do n.° 1 do artigo 615° do CPC, nulidade que aqui se invoca;

51) - Existe uma clara contradição entre a matéria dada que foi dada como provada, a sua motivação e consequente decisão e atendendo à prova dada como provada e por todas as razões acima expostas, não se compreende como é que o Tribunal recorrido decidiu como decidiu;

52) - Lendo atentamente a decisão recorrida, verifica-se que não se indicam factos concretos verdadeiramente suscetíveis de revelar, informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo da não procedência da pretensão da Recorrente;

53) - No Acórdão recorrido não fundamentou de facto e de direito a sua decisão e a Lei proíbe tal comportamento, tanto mais que se bastou por remeter para a decisão emitida pela Ia instância, não apreciando as questões relevantes acima mencionadas;

54) - Na decisão sob recurso viola-se o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 615° do Código do Processo Civil, uma vez que não apreciou a totalidade das questões como o deveria ter feito, sendo por esse facto nula, tanto mais que o direito da Recorrente é um direito legal e constitucional;

55) - A decisão recorrida viola o disposto no artigo 205° da C. R. P., uma vez que segundo esta disposição Constitucional, "As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei" e a decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada;

56) - A decisão recorrida viola o disposto no artigo 204° da C. R. P., uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem "os princípios nela consignados";

57) - A decisão recorrida viola os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente consignados nos artigos 13° e 20°;

58) - A decisão recorrida viola o disposto no artigo 202° da C.R.P., nomeadamente o n.° 2, uma vez que: "na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos...e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados" e neste caso essa circunstância não se verifica; 

59) - O Tribunal, com a decisão recorrida, não assegurou a defesa dos direitos da Recorrente, em não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar a as normas legais aplicáveis ao caso em concreto;

60) - O Tribunal recorrido, salvo devido respeito, limitou-se a emitir uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões sem ter em conta: a prova produzida em Julgamento, os documentos juntos, os elementos constantes no processo, a contraditoriedade da matéria dada como provada e não provada, deixando de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas;

61) - O Acórdão recorrido tem de ser Revogado, porque não está devidamente fundamentado, tanto de facto como de direito, além de fazer uma errada interpretação das normas legais que enumera, tendo em conta o disposto no n.° 1 do artigo 154° do C.P.C., cometendo, também aqui, uma nulidade;

62) - Impõe-se a Revogação do Acórdão recorrido;

63) - O Acórdão sob recurso violou:

a) O Regime estabelecido no Decreto-Lei n° 446/85, de 25 de Outubro, nomeadamente a alínea h), do artigo 21°;

b) O disposto nos artigos 9o e 12°, do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho;

c) O disposto nos artigos 294°, 1022° e seguintes, 1034° e 1032° do Código Civil;

d) O disposto nos artigos 154°, 413°, 607°, 615°, 662°, 674°, n° 3, 682°, 2 do NCPC;

e) Artigos 13°, 20°, 202°, 204° e 205° da Constituição da República Portuguesa;

f) Os deveres gerais previstos no regime da locação simples que não se mostrem incompatíveis com o disposto no Decreto-Lei n.° 149/95 (cfr. O artigo 1031° do Código Civil);

g) O direito de ação garantido na lei ordinária pelo artigo 2o do Código de Processo Civil;

h) O princípio geral do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, estabelecido no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa;

Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se a V. Exas. a REVOGAÇÃO do Acórdão recorrido, por se de LEI, DIREITO e JUSTIÇA.


A recorrida, na contra alegação apresentada, pugna pela confirmação da decisão recorrida.

Como é evidente – e resulta naturalmente do acórdão proferido nos autos pela formação, tratando-se de acção iniciada em 2007, não é aplicável o regime limitativo de acesso ao STJ, decorrente do estabelecimento, na reforma dos recursos de 2008, da exigência da dupla conforme, pelo que se aplica obviamente o regime de recorribilidade anterior a tal reforma, nada obstando, assim, atento o valor da causa e da sucumbência, à apreciação da revista interposta pela parte vencida.


5. Note-se liminarmente que carece manifestamente de fundamento a imputação ao acórdão recorrido de vícios ou nulidades, nomeadamente no plano da fundamentação e da apreciação efectiva das questões colocadas pelo apelante: a solução jurídica adoptada mostra-se devidamente estruturada e fundada concludentemente na interpretação e aplicação das normas referentes ao regime da locação financeira, tendo sido apreciada e julgada a impugnação dirigida contra a matéria de facto; a circunstância de, ao apreciar o mérito do recurso, a Relação ter aderido, no essencial, ao discurso argumentativo constante da sentença não traduz obviamente o cometimento de qualquer nulidade, já que nada obsta a que a fundamentação de certa decisão judicial possa ser feita por adesão ao teor de outra decisão jurisdicional, que dê resposta tida por adequada às objecções e oposição fundamentalmente deduzidas pelo recorrente…

Não se mostram, deste modo, violados os direitos de acesso à justiça ou ao recurso, bem como as demais normas constitucionais arroladas pelo recorrente.

Importa, em segundo lugar, realçar que a argumentação da recorrente não tem, na devida conta, quer o quadro factual definitivamente provado, quer a verdadeira e efectiva ratio decidendi da solução jurídica encontrada pelas instâncias.

Assim, em primeiro lugar, a matéria de facto apurada é a que atrás foi reproduzida, resultando fixada em consequência de a Relação ter rejeitado a impugnação deduzida contra o julgamento da matéria de facto em 1ª instância; significa isto que não pode obviamente a recorrente invocar em seu favor factualidade que foi considerada não provada – como ocorre com a constante das alíneas b), e) e f) e g) da fundamentação de facto ( cfr. fls. 831): ou seja. não ficou provado que A. e R. tivessem acordado que o equipamento em causa devesse ser entregue até 31/12/05, que as partes tivessem acordado que a grua devesse fazer seis articulações ou que os pneus acordados ceder fossem florestais, enquanto os efectivamente fornecidos fossem agrícolas.

É isto que justifica que – como as instâncias afirmaram ( cfr. fls. 836) – o que se demonstrou foi que um dos componentes do equipamento cedido tinha um vício relevante: Com efeito, o reboque Herculano não tinha força suficiente para subir o terreno a que se destinava ( nº 12 da factualidade provada).

È, pois, este o único vício material, efectivamente demonstrado, a afectar a coisa locada – importando fundamentalmente determinar, na relação trilateral que integra o contrato de locação financeira, a quem deve o mesmo ser imputado.

Por outro lado, a argumentação da recorrente, centrada prioritariamente na arguição de ilegalidade da cláusula 7ª do contrato de locação financeira, na óptica do regime das cláusulas contratuais gerais, não tem em conta que, para dirimir o litígio, as instâncias não se fundaram na invocação e conteúdo das ditas cláusulas contratuais, mas antes – e directamente - nos preceitos legais que contêm a regulação do contrato de locação financeira, muito em particular nas normas constantes dos arts. 12º e 13º do DL 149/95 e no art. 1034º do CC, para que aquela remete – afirmando-se, aliás, de forma explícita, que a resposta à questão da responsabilidade da A. pelo referido vício material da coisa locada  flui da letra da lei  ( e não da invocação e aplicação de quaisquer cláusulas do contrato de locação financeira).

A circunstância de a verdadeira ratio decidendi do acórdão recorrido assentar num regime legal e não no conteúdo de determinada cláusula contratual geral torna obviamente irrelevante e inútil para a solução do litígio a questão da possível invalidade de tal cláusula: como é evidente, mesmo que se admitisse-se que a referida cláusula 7º pudesse padecer da invocada nulidade (decorrente de nela se estipular uma inadmissível e excessiva desresponsabilização do locador financeiro, por contrária ao regime fixado pelo citado art. 12º), é manifesto que tal apenas determinaria, perante a invalidade da referida cláusula, a necessidade de solucionar o litígio através da interpretação e aplicação das normas legais reguladoras do regime da locação financeira- como se fez logo à partida no acórdão recorrido…

Sempre se referirá todavia que não parece que – como sustenta a entidade recorrida – a controvertida cláusula 7ª , se devidamente interpretada, possa conter uma exclusão cabal, genérica e antecipada da responsabilidade da locadora perante o locatário, susceptível de a inviabilizar mesmo nos casos em que a mesma pudesse resultar do preceituado no art. 1034º do CC – não se vendo a menor analogia entre o caso dos autos e a situação dirimida no Ac.- de 13/10/11, junto pela recorrente a fls. 995, em que uma das cláusulas banidas estabelecia que o locatário renunciava expressamente a qualquer acção contra o locador, ficando este exonerado quanto à construção, instalação, funcionamento ou rendimento do bem locado.

Na verdade, a referida cláusula apenas visaria prescrever o regime geral segundo a qual, na locação financeira, o locador está efectivamente exonerado da responsabilidade por possíveis vícios ou defeitos da coisa locada quando haja fornecido precisamente o bem escolhido ou indicado pelo locatário, sem naturalmente pretender apagar ou precludir os casos excepcionais em que essa responsabilidade emerge do regime legal do contrato ou é imposta pelo princípio da boa fé. De qualquer modo, se não fosse essa a interpretação fixada para a dita cláusula, tal apenas determinaria a necessidade de realizar a operação que as instâncias, logo à partida e directamente fizeram – ou seja, a aplicação, sobre o regime constante da referida cláusula, das normas legais reguladoras da responsabilidade do locador financeiro perante o locatário…


Invoca ainda a recorrente que – no contrato de locação financeira – incumbe ao locador a entrega do bem locado ao locatário, para que este dele possa fruir – só se concretizando a concessão do gozo da coisa com a entrega do bem objecto do contrato.

Tal argumentação mostra-se, porém, totalmente desfocada da especificidade da matéria litigiosa: na verdade, o que está em causa não é a omissão de entrega à locatária financeira dos bens locados, estando consignado nos factos provados (pontos 10 e 11) que o fornecedor CC entregou à R. o equipamento que a A./locadora financeira acordou ceder a esta em 8/2/06: a substância do litígio traduz-se antes na circunstância de um dos veículos entregues padecer de um vício ou deficiência técnica que impossibilitava o uso a que a locatária o destinava: o reboque adquirido, segundo escolha da própria R. não tinha força suficiente para subir o terreno a que se destinava (pontos 9 e 12 da matéria de facto).

Ora, como é óbvio, a problemática da responsabilidade pela existência de tal deficiência técnica do veículo locado nada tem a ver com a obrigação de entrega do mesmo à locatária financeira – constituindo questões perfeitamente diferenciadas, a resolver em funções de diferentes normas do regime da locação financeira.

E, com este enquadramento, entende-se que nenhuma censura merece o decidido pelas instâncias, ao considerar que não eram da responsabilidade do locador financeiro, face ao regime estipulado , desde logo, no citado art. 12º, as consequências da ocorrência do referido vício técnico do bem locado, implicando a sua inadequação aos fins concretamente pretendidos pela locatária, num caso em que foi esta a escolher, quer o fornecedor, quer o próprio equipamento objecto da locação financeira .


Como nota a decisão recorrida, a solução peculiar deste litígio passa pela norma do art. 13ºdo DL 145/95, que faculta ao locatário o exercício directo contra o vendedor de todos os direitos relativos ou bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ( incluindo o eventual direito à resolução do contrato, quando os respectivos pressupostos se verifiquem, como se decidiu no recente Ac.do STJ  de 10/9/15 , proferido no P.1857/09.5TJVNF.S1.P1).

Como tem sido notado, este regime – constante do citado art. 12º - compreende-se- por se mostrar perfeitamente adequado à funcionalidade peculiar da locação financeira, na medida em que “o locador financeiro desenvolve um papel totalmente diferente do mero locador. Financia o gozo da coisa (que concede ao locatário) entregando o montante mutuado ao vendedor. Desinteressa-se do objecto, que desconhece e que não passa sequer pela sua mão, pois é entregue directamente pelo fornecedor ao locatário” (Fernando Gravato de Morais “in” Manual da Locação Financeira, 2006, página 127)

Assim e como regra geral surge a exoneração do locador no tocante aos riscos provenientes da desconformidade da coisa fornecida.

Ou seja, “a disciplina traçada coloca, como princípio geral, o locador financeiro à margem de qualquer conflito resultante da compra e venda. Daí que um eventual litígio relativo a um defeito da coisa locada (e anteriormente vendida) deva ser dirimido entre o vendedor e o locatário financeiro (e não, como é regra, entre alienante e adquirente” – página 129

Deste modo, para se verificar alguma situação especial de responsabilização do locador financeiro por vícios da coisa locada seria necessário que se mostrasse preenchida alguma das situações tipificadas no art. 1034º do CC ou, pelo menos, que se identificasse em sede de cumprimento defeituoso do contrato alguma das hipóteses em que a desconformidade da coisa fosse imputável ao locador financeiro, designadamente às suas instruções. Imagine-se, v.g., que o locador comprou um tractor de maior cilindrada ou que a máquina adquirida, porque de potência superior à indicada, acarreta para o locatário custos excessivos. Da mesma sorte, suponhamos que o locador sabia da existência de um defeito da coisa e, ainda assim, a adquiriu, tendo cedido posteriormente o seu gozo ao locatário” – página 129.


Pelo que “deve, pois, considerar-se que o locador financeiro garante a exacta correspondência entre o específico bem indicado pelo locatário e o bem adquirido ou construído. Neste âmbito, o locador permanece responsável perante o locatário” – página 130.

Ora, mais uma vez perante a matéria de facto provada, nada disto se verifica no caso dos autos: na verdade, não ficou provado que a locadora tenha cumprido a obrigação de entrega relativamente a coisa diversa ou desconforme com o que com ela foi acordado – não se mostrando obviamente demonstrado que o referido vício ou defeito técnico do reboque tivesse a sua origem em indicações ou instruções imputáveis à própria locadora financeira – que se limitou a adquirir o bem escolhido pela locatária ao fornecedor por esta indicado ( pontos 8/11 da matéria de facto).

E, assim sendo, não sendo o referido vício técnico da responsabilidade do locador financeiro, é evidente que não podia a recorrente – sob pena de violar o contrato, cessar os pagamentos acordados como contrapartida da locação, restando-lhe naturalmente exercer, contra o vendedor, os direitos decorrentes da existência do referido defeito na coisa locada.


6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando inteiramente o decidido no acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 22 de outubro de 2015


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor