Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A2594
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FARIA ANTUNES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
CASO JULGADO
ADMISSÃO DO RECURSO
Nº do Documento: SJ200403160025941
Data do Acordão: 03/16/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4746/02
Data: 11/07/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário : 1- O caso julgado estende-se à decisão das questões preliminares que sejam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado.
2- Tendo a Relação ordenado a ampliação da matéria de facto, em processo de expropriação, na sequência e por causa da hermenêutica jurídica que fez dos critérios legais de avaliação vigentes ao nível do direito constituído, forma-se caso julgado formal, a observar quer pela 1ª quer pela 2ª instâncias, não só relativamente à decisão da anulação da decisão da matéria de facto, mas também sobre a prévia decisão jurídica que, directa e necessariamente, ditou a determinação da ampliação da matéria de facto.
3- Pertencendo à Relação, em processo de expropriação, a última palavra relativamente à interpretação dos critérios legais de indemnização e à fixação do seu montante, é lógico que, tendo-se pronunciado o seu acórdão anulatório a favor de determinada tese jurídica, com crucial importância para a determinação do quantum indemnizatur, esse entendimento jurídico passe a vincular para futuro, dentro do processo e após o trânsito em julgado, quer a 1ª instância quer a própria Relação, precavendo até a aplicação do disposto no artº. 675, nº. 1 da lei adjectiva e esconjurando o desprestígio que resultaria de decisões judiciais contraditórias no mesmo processo.
4- Embora não seja admissível recurso para o STJ da decisão da Relação que fixa o valor da indemnização devida em processo de expropriação, à luz do artº. 64º, nº. 2 do Código das Expropriações aprovado pelo DL 438/91, de 9/11, e do Assento nº. 10/97, do STJ, de 30.5.95 publicado no DR, I Série-A, nº. 112, de 15.5.97 (hoje com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência), e face ao artº. 66º, nº. 5 do actual Código das Expropriações (aprovado pela Lei nº. 168/99, de 18/9), pode porém o STJ sindicar a violação do caso julgado formal referido nos antecedentes itens 1 e 2, ao abrigo do 1º segmento do referido artº. 66º, nº. 5 do actual Código das Expropriações e do estatuído no nº. 2 do artº. 678º do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Nos autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante "A, S.A.", interpôs o expropriado "B" recurso da decisão arbitral que fixou a indemnização que lhe é devida em 26.610.000$00.
Na sentença que veio a ser proferida, e que deu parcial provimento ao recurso, foi a indemnização alterada para 48.550.000$00.
Inconformado, apelou o expropriado para a Relação de Lisboa, que, pelo acórdão de fls. 596 e segs., anulou a sentença, determinando nova avaliação para ampliação de matéria de facto que teve por relevante para a decisão.
Em cumprimento do decidido foi elaborado um quesito para os Peritos lhe responderem, tendo oportunamente sido proferida nova sentença que manteve a indemnização de 48.550.000$00.
Apelou novamente o expropriado para a Relação de Lisboa que confirmou a decisão recorrida, salvo no tocante à actualização do valor da indemnização, a efectuar, de harmonia com o disposto no artº. 23º do Código das Expropriações, até ao trânsito em julgado da decisão, de acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão nº. 7/2001, in DR I-A Série, de 25.10.2001.

É desse aresto que vem a presente revista interposta pelo "B", que formulou as seguintes
Conclusões:
1ª- O Acórdão não respeitou o caso julgado que se formou relativamente à classificação do terreno expropriado. O Tribunal da Relação, no primeiro Acórdão já havia assumido uma posição inequívoca relativamente ao sentido do artº. 24º, nº. 2, a) do Código das Expropriações de 1991: se viesse a demonstrar-se, como veio, que o terreno tinha acesso rodoviário a partir de estrada pavimentada a betuminoso com iluminação pública seria avaliado, pelo Direito das Expropriações, como solo apto para construção, isto é, como revestindo uma muito próxima aptidão urbanística.
Tendo os autos voltado ao Tribunal de Sintra, os Peritos confirmaram que o prédio expropriado dispunha de acesso rodoviário, ainda que sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente.
Deste modo, o Acórdão deveria ter considerado, porque vinculantes, estas duas circunstancias fundamentais:
a. Por um lado, a decisão transitada em julgado do primeiro Acórdão da Relação, segundo a qual a existência de acesso rodoviário ao terreno expropriado determina por si só, independentemente da existência das demais infra-estruturas referidas no artº. 24º, nº. 2, a) do C.Exp. de 1991, a classificação do mesmo como solo apto para a construção.
b. Por outro lado, o facto de os Peritos terem reconhecido a existência de acessos ao terreno expropriado a partir da estrada alcatroada que o circunda e com a qual confina.
O Acórdão não relevou estas duas referências essenciais e persistiu em qualificar o terreno expropriado como solo para outros fins, violando, assim, o caso julgado formal, pois este não abrange apenas a parte decisória mas também os fundamentos que determinam o sentido da decisão;
2ª- O Acórdão não respeitou o caso julgado formado relativamente à actualização da indemnização. Na Sentença do Tribunal de Sintra, de 21.07.2001, foi decidido, nos termos do artº. 23º, nº. 1, do C.Exp. de 1991, que a actualização deveria ser efectuada sobre a quantia de 46.124.000$00 desde a data da declaração de utilidade pública desta expropriação (cfr. fls. 865).
A "A, S.A." não recorreu desta Sentença e o Expropriado não questionou esta dimensão decisória no recurso que interpôs (a metodologia e o valor a actualizar; no recurso só foi questionada a taxa a aplicar para o efeito), pelo que o Acórdão ao ter determinado diferente metodologia e objecto da actualização indemnizatória violou também esta dimensão do caso julgado e o artº. 684º, nº. 4, do CPC;
3ª- A Sentença da 1ª Instância não fez uma adequada leitura de toda a factualidade que resulta do processo e que aponta para o reconhecimento de uma muito próxima ou efectiva potencialidade urbanística, não se tendo o Acórdão recorrido pronunciado sobre esta questão levantada nas alegações e nas conclusões do recurso, pelo que é nulo por omissão de pronúncia (artº. 668º, nº. 1, d) do CPC);
4ª- O Acórdão não considerou todos os factos que resultam dos autos com influência na determinação das normas jurídicas aplicáveis e no sentido da decisão a proferir quanto à justa indemnização, o que envolve a violação do direito fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais (artº. 20º da Constituição), e dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização tutelados nos artºs. 13º, 62º, n.º 2 e 266º da Constituição .
Devendo o processo voltar à 2ª instância para ampliação da matéria de facto em ordem a constituir base suficiente para a decido de direito.
Relembre-se, por exemplo, que o Acórdão aderiu à indemnização calculada pelos Peritos do Tribunal com base na classificação do prédio expropriado como espaço de lazer, de protecção a núcleos edificados ou área de enquadramento paisagístico, sem que exista nos autos qualquer facto, elemento ou documento que suporte esta classificação;
5ª- O Acórdão não se pronunciou relativamente à muito próxima ou efectiva aptidão urbanística do prédio expropriado, para efeitos indemnizatórios, resultante da sua integração numa zona urbanisticamente infra-estruturada e edificada e pela sua localização na periferia das cidades da Amadora e de Lisboa, onde se faz sentir uma constante pressão urbanística.
A 200/300 m existem dois núcleos habitacionais, Águas Livres e Rio de Sapos, dotados de todas as infra-estruturas urbanísticas ligados às respectivas redes gerais de distribuição de água e electricidade, drenagem de esgotos e telefones, no prédio contíguo ao prédio expropriado foram construídas e encontram-se em exploração instalações de floricultura servidas por rede domiciliária de electricidade e telefones, o prédio expropriado situa-se na Área da Grande Lisboa a cerca de dois quilómetros de Belas, um de A-da-Beja, quatro de Caneças e Amadora, a 6 Km do Estádio da Luz, em zonas muito próximas do prédio expropriado, designadamente a 200 m, vêm-se diversos empreendimentos urbanísticos de grande qualidade e dimensão e servidos por todas as infra-estruturas urbanísticas.
Os autos também provam que caso reunisse as autorizações e licenças necessárias, o prédio expropriado, se fosse dotado das necessárias infra-estruturas, teria aptidão potencial para nele serem construídos edifícios, nomeadamente de carácter industrial, habitacional, turístico ou desportivo (centro de estágio para atletas), que é notória a pressão urbanística na zona envolvente em função do elevado número de edifícios que estão em construção, que a procura de edifícios para escritórios é maior que a oferta e os novos grandes empreendimentos imobiliários habitacionais (Aroeira, Belas, Montado, Stº. Estevão, etc.) e de escritórios tendem a deslocalizar-se para a zona periférica de Lisboa (facto notório e Doc. 25 junto às Alegações de 24.05.2001 a fls. 757 e 758 dos autos).
A não consideração destes elementos indispensáveis á correcta classificação do solo e consequente fixação da justa indemnização importa a violação dos princípios da igualdade, designadamente na repartição dos encargos públicos, da proporcionalidade, da justiça e da justa indemnização constitucionalmente tutelados nos artºs. 13º, 62º, nº. 2 e 266º da Constituição;
6ª- O Acórdão não se pronunciou relativamente á questão da muito próxima ou efectiva aptidão urbanística do prédio expropriado resultante de à data da declaração de utilidade pública não existir qualquer impedimento, limitação ou condição, legal ou regulamentar, ao aproveitamento urbanístico-edificativo do prédio expropriado, sendo portanto nulo por omissão de pronúncia e violando os princípios da igualdade, designadamente na repartição dos encargos públicos, da proporcionalidade, da justiça e da justa indemnização constitucionalmente tutelados nos artºs. 13º, 62º, nº. 2 e 266º da Constituição;
7ª- Não se pronunciou, ainda, relativamente à questão da muito próxima ou efectiva aptidão urbanística do prédio expropriado resultante de os Peritos do Tribunal terem reconhecido que caso reunisse as autorizações e licenças necessárias, o prédio expropriado, se fosse dotado das necessárias infra-estruturas (que existiam, algumas, no prédio contíguo e todas as demais a 200/300 m) teria aptidão potencial para nele serem construídos edifícios, nomeadamente de carácter industrial, habitacional, turístico ou desportivo (centro de estágio para atletas), pelo que é nulo por omissão de pronúncia;
8ª- A questão prévia que se suscitou nas Alegações de 11.03.2003 prende-se com a recorribilidade para o STJ, relativamente a questões estritamente indemnizatórias, de um acórdão da Relação que fixou a indemnização devida a um expropriado. O STJ vem entendendo que, em princípio, este recurso não é admissível, pois envolveria um 4º grau de jurisdição.
No entanto, seja porque o Acórdão Arbitral não se pronunciou, abordou ou decidiu as questões que agora se pretendem submeter ao STJ, seja porque cada uma dessas questões, como questão jurídica, implica uma prévia actividade hermenêutica das normas jurídicas conexas e a subsunção da factualidade relevante em determinadas previsões normativas com o objectivo de aplicar a uma situação concreta os correspondentes efeitos jurídicos, e não foi objecto de tratamento jurídico (análise e decisão segundo métodos e critérios jurídicos) na arbitragem, as decisões que o STJ vai tomar nunca envolverão um quarto grau de jurisdição;
9ª- A metodologia e critério indemnizatório adoptados no Acórdão ofendem as exigências constitucionais e legais da justa indemnização, pois o valor de 1.300$00/m2 determinado pelos Peritos do Tribunal assentou na qualificação do prédio expropriado como espaço de lazer, de protecção a núcleos edificados ou área de enquadramento paisagístico, sem que tenham fundamentado esta qualificação, sem que existam nos autos, na lei ou em regulamentos qualquer indicação nesse sentido e contrariando os elementos de facto existentes e a ausência de qualquer impedimento ou limitação ao aproveitamento urbanístico-edificativo do prédio expropriado, que, a existirem, determinariam a aplicação do artº. 26º, nº. 2, do Código das Expropriações e a ponderação de um índice de construção de 0,25 reconhecido pela "A, S.A." como correspondendo ao índice médio da zona.
Ao considerar que os elementos dos autos não permitem reconhecer ao prédio expropriado uma concreta potencialidade edificativa, o Acórdão não fez uma adequada leitura de toda a factualidade do processo e que aponta para o reconhecimento de uma muito próxima ou efectiva potencialidade urbanística, critério consagrado pelo Tribunal Constitucional: O «ius aedificandi», sem embargo de não possuir tutela constitucional directa no direito de propriedade, deverá ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa - Acórdãos do Tribunal Constitucional nº. 131/88, de 88.06.08 (DR, I Série, nº. 148, de 29.06.88, BMJ 378/168, com anotação de Osvaldo Gomes, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 48, pág. 905) e nº 52/90, de 90.03.07 (DR, I Série, de 30.03.90, BMJ 395/91, com anotação de Osvaldo Gomes, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 51, pág. 191);
10ª- O Acórdão interpretou e aplicou o artº. 24º, nº. 2, a), do C.Exp. de 1991 no sentido de que para um terreno expropriado poder ser classificado como solo apto para construção terá que ser servido por todas as infra-estruturas aí referidas, mas uma adequada interpretação conjugada dos seus artºs. 24º, nº. 2, a), e 25º, nºs. 2 e 3 determina que para um terreno ser classificado como apto para construção é suficiente, atendendo à localização e envolvência do terreno que nos ocupa, que seja servido por acesso rodoviário (artº. 25º, nº. 2), só relevando a existência das restantes infra-estruturas para um maior valor indemnizatório nos termos do artº. 25º, nº. 3.
Assim, o prédio expropriado deverá ser avaliado de acordo com o artº. 25º, sendo essa avaliação suportada na existência de acessos rodoviários directos ao prédio expropriado a partir da rodovia pavimentada e com iluminação pública que lhe é contígua, na existência de redes gerais de electricidade e de telefones no prédio contíguo e na existência de todas as restantes infra-estruturas urbanísticas a cerca de 200/300 m.
A interpretação do artº. 24º, nº. 2, a), do C.Exp. de 1991 no sentido aplicado pelo Acórdão implica a violação dos princípios da igualdade, designadamente na repartição dos encargos públicos, da proporcionalidade, da justiça e da justa indemnização constitucionalmente tutelados nos artºs. 13º, 62º, nº. 2 e 266º da Constituição;
11ª- A muito próxima ou efectiva aptidão urbanística do prédio expropriado resulta do próprio projecto expropriante em que a declaração de utilidade pública fundamentou esta expropriação - construção e exploração de auto-estrada - e da utilização que a beneficiária da expropriação faz do prédio expropriado para além dessa auto-estrada: exploração de infra-estruturas de telecomunicações. A não consideração deste elemento envolve a violação dos artºs. 2º, 13º e 62º da Constituição, e em especial dos princípios da proporcionalidade, da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos e da igualdade da relação indemnizatória;
12ª- As vantagens económicas e financeiras que a entidade beneficiária da expropriação, os seus accionistas (grupos financeiros nacionais e estrangeiros) e os operadores de telecomunicações que exploram a rede de cabo de fibra óptica implantada na parcela expropriada não podem ser irrelevantes na relação indemnizatória que se estabelece entre o Expropriado e a "A, S.A.", sob pena de um intolerável enriquecimento sem causa desta à custa daquele.
A entender-se de forma diferente, violar-se-iam os artºs. 2º, 13º e 62º da Constituição, bem como os princípios referidos e tutelados no artº. 266º da mesma Lei Fundamental, em especial o princípio da proporcionalidade, da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos e da igualdade da relação indemnizatória desta expropriação ao permitir que um terreno com as referidas utilização e vantagens económicas seja indemnizado como solo agrícola ou zona de protecção e enquadramento, permitem-se só vantagens para a comunidade e para a entidade beneficiária da expropriação ("A, S.A.") concentrando-se todos os prejuízos no expropriado;
13ª- Nos termos do artº. 25º do C.Exp., a fórmula correcta para determinar o valor indemnizatório do terreno é a seguinte: At x Ic x Cc/m2 x If (em que At = Área do terreno; Ic = Índice de construção; Cc/m2 = Custo de construção por m2; e If = índice fundiário - artº. 25º, nºs. 2 e 3, do CE). De acordo com os valores apurados a indemnização devida ao "B" não poderá ser inferior a 35.480 m2 (área do prédio) x 89.300$00 (custo da construção à data da DUP) x 0,25 (índice de construção reconhecido pela própria "A, S.A.") x 0,25 (índice fundiário) = 198.022.750$00, o que determinada um valor do terreno de 5.581$00/m2, muito inferior ao valor de mercado de terrenos da zona.
Foi esta a metodologia indemnizatória adoptada pelo Perito Eng. C, pelo que, sendo a única que respeita os critérios legais e constitucionais, deve ser a adoptada.
Nos termos do artº. 732º-A do CPC, aplicável ex vi art. 16º, nº. 2, do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, requer-se o julgamento ampliado desta revista relativamente às questões que ficaram enunciadas na conclusão 10ª, pois o Acórdão adoptou solução jurídica em oposição a toda a jurisprudência referida nas págs. 33 e ss. das Alegações de 31.01.2002 e nas págs. 26 e ss. das Alegações de 11.03.2003, e na Conclusão 1ª, pois o Acórdão recorrido adoptou solução jurídica em oposição a toda a jurisprudência referida nas págs. 18 e 19 das Alegações de 11.03.2003.

Contra-alegou a recorrida, pedindo a rejeição liminar do recurso, por não serem recorríveis as decisões fixadas em processo de expropriação pelo Tribunal da Relação.
Por decisão do Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que concordou com os fundamentos constantes do parecer exarado nos auto pelo relator do processo, o julgamento não será feito com intervenção do plenário das Secções Cíveis.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

A Relação deu como provados os seguintes factos:
1- Em 9 de Fevereiro de 1993 por delegação de Sua Excelência o Senhor Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações foi proferido despacho por Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado declarando a utilidade pública (D.U.P.) e urgente da expropriação das parcelas de terreno destinadas à construção do sub-lanço Queluz/Belas da CREL entre as quais uma parcela designada como nº. 39 (composta por três fracções a que foram atribuídas os nºs. 39, 39.1 e 39.2 com as áreas respectivas de 4.840 m2, 1.585m2 e 10.496m2 a destacar do prédio descrito na 1ª Secção da Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o número 51.924 a fls. 118 do Livro B-133 e inscrito na matriz cadastral sob o artigo 1 da Secção da freguesia da Mina com a área total de 35.480 metros quadrados;
2- O prédio referido em 1 pertence ao "B" tendo-lhe sido doado em 28 de Fevereiro de 1968;
3- No dia 12 de Maio de 1993 pelo perito permanente D foi feita a vistoria "ad perpetuam rei memoriam" das parcelas de terreno nº. 39, 39.1 e 39,2 referidas em 1 (ver fls. 50/52 dos autos);
4- Em 24 de Maio de 1993 a entidade expropriante tomou posse administrativa das parcelas denominadas 39, 39.1 e 39.2 do prédio expropriado (ver fls. 63 e 64);
5- Por decisão de 4 de Janeiro de 1995, notificada sem que dela fosse interposto recurso, foi decidido haver lugar à expropriação total do prédio (ver fls. 154/158 dos autos);
6- Por decisão de 6-2-1995, corrigida por decisão de 15 de Março de 1995, foi adjudicada ao Estado Português a propriedade do prédio referido em A) bem como das parcelas desse prédio relativamente às quais não havia sido tomada posse administrativa nos termos referidos em D);
7- Em 16 de Dezembro de 1993, pelos árbitros nomeados, foi elaborado relatório e proferido acórdão (ver fls. 84/93) nos termos do qual foi deliberado atribuir o montante indemnizatório de 12.690.750$00 às parcelas 39, 39,1 e 39,2 e os montantes de 5.637.750$00 e 8.281.500$00 às duas parcelas sobrantes;
8- No dia 12-5-1993, data da vistoria referida em 3, as parcelas em causa e o prédio de onde seriam destacadas apresentavam-se como terreno inculto resultante que foi sujeito a recente corte de eucaliptal sendo que o prédio era circundado, a nascente, sul e poente, por estrada alcatroada - com a qual confinava e a partir da qual havia acessos ao terreno - sem redes de água, esgotos e electricidade, existindo postes de iluminação publica nas estradas;
9- Na data da referida vistoria o prédio referido em 1 integrava-se num enquadramento florestal, em encosta, sem qualquer enquadramento habitacional, exceptuada a existência de núcleos habitacionais pequenos e modestos a cerca de 200/300 metros das povoações de Águas Livres e Rio de Sapos dotadas de distribuição de água e electricidade, drenagem de esgotos e telefones, existindo a norte, no prédio contíguo, um grupo de estufas de uma exploração de floricultura;
10- À data da DUP o prédio expropriado não possuía distribuição de electricidade em baixa tensão, rede telefónica, esgotos ou distribuição de água sendo atravessado por linhas aéreas de transporte e distribuição de energia eléctrica em média e alta tensão sendo que as estufas referidas em 9 tinham rede domiciliária de electricidade e telefones, não tinham abastecimento público de água, provindo a mesma de poço artesiano e os esgotos descarregavam para fossa séptica;
11- À data da DUP o prédio expropriado encontrava-se fora de qualquer aglomerado urbano, nomeadamente o de Águas Livres e Rio de Sapos, estando a cerca de 2 Km de Belas, um de A-de-Beja e 4 Km de Caneças e Amadora;
12- A data da DUP não existia plano de ordenamento do território que abrangesse a área do prédio expropriado o qual não se integrava na reserva agrícola nacional;
13- Em zona próxima do prédio expropriado mas que não o integra vêm-se desenvolvendo diversos empreendimentos urbanísticos de grande qualidade e dimensão;
14- O valor utilitário do prédio referido em 1 era de 1.300$00 por metro quadrado em Outubro de 1996.

Traçado o iter processual relevante, e desenhado o quadro factual tido como adquirido pela Relação, importa antes de mais decidir a questão prévia da admissibilidade da revista, suscitada na contra-minuta recursória.
Deu-se, aliás, o próprio recorrente ao cuidado de abordar antecipadamente essa questão, postergando a aplicabilidade do assento de 30.5.95 (hoje com o valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, "ut" artº. 17º, nº. 2 do DL nº. 329-A/95, de 12/12), publicado no DR, I Série-A, nº. 112, de 15.5.97, segundo o qual o Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 438/91, de 9 de Novembro, consagra a não admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que tenha por objecto decisão sobre a fixação do valor da indemnização devida.
Partiu o recorrente, para tal, do pressuposto de que é aplicável na dilucidação da questão o anterior Código das Expropriações, aprovado pelo DL nº. 438/91, de 9/11, cujo artº. 64º, nº. 2 determinava que da sentença proferida no recurso da decisão da arbitragem podia ser interposto recurso com efeito meramente devolutivo para o tribunal da Relação, normativo que, segundo o recorrente, teria apenas o intuito de fixar o efeito de tal recurso, não o condão de obstaculizar o recurso do acórdão da Relação para o STJ.
Todavia, a Lei nº. 168/99, de 18/9, que entrou em vigor em 18.11.99 (ut artº. 4º) veio aprovar o novo Código das Expropriações, em cujo artº. 66º, nº. 5, se textua que: «Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida».
Com a ressalva inicial que tal preceito estabelece, é pois hoje em dia inadmissível o recurso para o STJ das decisões da Relação que, nos processos de expropriação, fixam o quantum indemnizatur.
A 1ª sentença proferida nestes autos, de 10.11.1999, anterior à entrada em vigor do actual Código das Expropriações, foi anulada pelo 1º acórdão da Relação, de 2.11.2000.
Mas a 2ª sentença - após pronúncia dos Peritos sobre o novo quesito elaborado em obediência ao determinado no acórdão anulatório - e o acórdão da Relação que sobre ela recaiu e aqui está em crise, foram já proferidos na vigência do novo Código das Expropriações, tal como o dito acórdão anulatório.
Destarte, mesmo que fosse de aceitar, à luz do anterior Código das Expropriações, a inaplicabilidade da doutrina do mencionado acórdão uniformizador - e não é! - isso em nada interferiria na solução da questão prévia, visto a norma que regula a matéria da admissibilidade da presente revista ser a do artº. 66º, nº. 5 do actual Código das Expropriações, e não os dispositivos legais que o precederam.
Com efeito, como expende Manuel de Andrade ao abordar a aplicação das leis processuais sobre recursos no tempo (Noções Elementares de Processo Civil, Edição de 1976, pág. 49), deve aplicar-se a nova lei que regula a admissibilidade dos recursos a todas as decisões que venham a ser proferidas nas causas pendentes.
E Antunes Varela e Outros (Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Actualizada, pág. 57) opinam também que em relação às decisões que venham a ser proferidas (no futuro) em acções pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis, porquanto as expectativas criadas pelas partes ao abrigo da legislação anterior já não tinham razão de ser na altura capital em que a decisão foi proferida e, por isso, já não justificam o retardamento da aplicação da nova lei.
Proferidos, quer o acórdão da Relação de 2.11.2000, anulatório da decisão da matéria de facto, quer a 2ª sentença, quer o acórdão recorrido já no domínio da vigência da nova lei das expropriações, é sobre esta que nos temos de debruçar, resultando estéril qualquer exegese a que se procedesse com referência ao antecedente direito, único em que o recorrente se moveu, mas que é inaplicável quanto ao ponto que agora nos preocupa.
A este respeito, observa Fernando Alves Correia com muita propriedade (na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 132º, pág. 300), que com o artº. 66º, nº. 5 do novo Código das Expropriações deixou de ter razão de ser a controvérsia acerca da admissibilidade de recurso para o Supremo com relação ao número de graus de jurisdição em matéria de fixação da indemnização nas expropriações.
Porém, a despeito de o que vem sendo dito poder, primo conspectu, apontar para a total rejeição do presente recurso, este é parcialmente admissível, ao invés do defendido na contra-minuta de recurso.
É que o recorrente coloca a questão da violação de dois casos julgados formais, tratada nas alegações recursórias e anteriormente apresentada no requerimento de interposição da revista como sendo um dos seus fundamentos (artº. 687º, nº. 1 e fls. 1207).

O conceito de caso julgado, utilizando as palavras de Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 82) retira-se dos artºs. 671º e 672º, em conjunto com os artºs. 497º e 498º, impondo-se, para que se possa recorrer com fundamento na ofensa de caso julgado, que a decisão recorrida seja contrária a outra anterior, transitada em julgado, proferida entre as mesmas partes, incidindo sobre o mesmo objecto e apoiada na mesma causa de pedir.
É mister apreciar e decidir se ao recorrente assiste ou não razão quanto ao invocado fundamento da ofensa dos casos julgados formais, único fundamento de que se pode tomar conhecimento ("ex vi" 1º segmento do nº. 5 do artº. 66º do actual Código das Expropriações), sendo inadmissível a revista quanto à restante matéria suscitada nas conclusões (ut segmento final do mesmo normativo), o que desde já se decide.
Por outras palavras, enquanto pretensão de que o terreno expropriado seja qualificado pelo STJ como apto para a construção, revestido de uma muito próxima aptidão urbanística, para, por essa via, obter a alteração para mais do valor do m2 do solo expropriado, o recurso é inadmissível.
O que - refira-se - não viola a Constituição da República Portuguesa , designadamente os seus artºs. 13º e 20º, como decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão nº. 259/97, publicado a fls. 681 e segs. do 36º volume dos Acórdãos do Tribunal Constitucional.
Só na medida em que o recorrente sustenta que há ofensa de decisões transitadas, proferidas no mesmo processo, é que a revista é admissível, sendo-o, por conseguinte, apenas quanto à problemática traçada nas duas primeiras conclusões recursórias, já que no que concerne às demais, incluindo as que versam nulidades do acórdão, do que o recorrente trata é de intentar alterar para mais o montante da indemnização, designadamente através da consideração de factos que sustenta estarem espelhados nos autos e que no aresto em crise não terão sido atendidos.
No recurso só admissível com fundamento em ofensa de caso julgado, o conhecimento pelo STJ fica rigorosamente limitado à questão de saber se ocorreu ou não essa ofensa.
Destarte, apenas procede parcialmente a citada questão prévia, urgindo averiguar se houve ou não violação de casos julgados formais, e nada mais.
E isso será feito em revista não ampliada, como já se disse, por decisão do Exmo. Presidente do STJ.
Mas será que houve qualquer ofensa de caso julgado formal (artº. 672º do CPC)?

Entendemos quanto a um dos casos apontados, que sim, e quanto a outro, que não, como passamos a justificar.
A 1ª sentença foi anulada pelo acórdão da Relação de 2.11.2000, a fls. 596 e segs., onde se expendeu, no que agora importa, o seguinte:
«... Perfilhando-se a orientação que ... tem vindo a ser seguida ... Da conjugação da al. a) do nº. 2 do artº. 24º com os nºs. 2 e 3 do artº. 25º do Código das Expropriações (DL nº. 438/91) resulta que deve classificar-se como "terreno apto para a construção aquele que disponha apenas de acesso rodoviário, sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente".
... Para o solo ser classificado como apto para construção não é necessário que disponha de todas as infra-estruturas referidas na al. a) do nº. 2 do artº. 24º do C. Exp., não se tratando de uma enumeração cumulativa.
... A existência de demais infra-estruturas releva para efeitos do cálculo do valor do solo apto para construção, mas não para a sua qualificação...
... Na sentença recorrida ... Referindo embora ser o prédio em causa circundado por estrada alcatroada, mostram-se, todavia, quer a decisão recorrida, quer o relatório em que a mesma se baseou, de todo omissos, nomeadamente quanto ao facto de, na data considerada, dispor, ou não, aquele de acesso rodoviário, ainda que sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente.
Circunstância essa que ... na interpretação adoptada do ... artº. 24º, nº. 2, do C. Exp. de 1991, reveste por si só, ou seja, independentemente da existência dos demais requisitos a que tal preceito se reporta (cfr. artº. 25º, nº. 2, cit. dip.), fundamental relevância, no que concerne à possibilidade de classificação de um prédio como solo para construção - e, consequentemente, ao cálculo do respectivo valor, para efeito da determinação do quantitativo indemnizatório devido ao expropriado
... Pelo acima exposto, se acorda em ... anular a sentença recorrida, determinando-se a efectivação de nova avaliação, tendo em vista suprir a apontada matéria factual relevante para a decisão».
Em cumprimento do assim decidido, o Mmº. Juiz titular do processo formulou o seguinte quesito:
"o prédio expropriado dispõe de acesso rodoviário ainda que sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente?»
A este quesito responderam os Peritos (fls. 607 e 631) que o terreno expropriado era circundado e confinava com estrada alcatroada, a partir da qual existiam acessos directos ao terreno expropriado e que esta circunstância já tinha sido ponderada aquando da avaliação constante dos relatórios periciais.
Sustenta o recorrente que, tendo o acórdão anulatório da Relação, de 2.11.2000, transitado em julgado, e tendo nele ficado decidido que para a qualificação do terreno expropriado como solo apto para a construção só dependia de ter acesso rodoviário, ao não o considerarem como tal violaram as instâncias o caso julgado formal, visto o entendimento jurídico da Relação supra referido ter sido antecedente lógico necessário da decisão de anulação da sentença, estando como tal abrangido pelo dito caso julgado.
Antunes Varela e Outros (ob. cit., pág. 714 e 715), entendem que só se constitui caso julgado sobre a decisão final, sobre a pretensão concretizada no pedido e coada através da causa de pedir, e não também sobre os julgamentos feitos na sentença, quer sobre a matéria de facto, quer sobre as questões de direito que, por não estarem compreendidos na decisão final, embora integrem os seus fundamentos, não são abrangidos pela eficácia do caso julgado, apenas podendo e devendo ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, esta sim coberta pelo caso julgado.
Doutrina diferente, porém, sustentou o STJ no acórdão de 10.7.97 (CJSTJ, 1997, II vol., pág. 165) ao decidir que o caso julgado material se estende à decisão das questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão de parte dispositiva do julgado, desde que se verifiquem os demais requisitos do caso julgado.
No mesmo sentido decidiu, entre outros, o aresto do STJ, de 24.4.02, na Revista 671/02 (Relator Cons. Oliveira Barros), nos Sumários de Acórdãos Cíveis, edição anual de 2002, do Gabinete dos Juízes Assessores, pág. 148.
Afigura-se-nos dever ser adoptado este entendimento, visto o antecedente lógico indispensável à anulação da decisão da matéria de facto, com o objectivo de a alargar, ter sido a resolução, no âmbito do exercício da função jurisdicional, de uma verdadeira questão de direito prejudicial, cuja solução, pelo trânsito em julgado, dada a sua natureza jurídica, se tornou definitiva no processo pendente, sendo vinculante para o tribunal inferior, de comarca, como para a própria Relação.
Ao decidir anular a decisão da matéria de facto, para ampliação desta, mercê de um prévio julgamento ao nível do direito constituído, formou-se, com o trânsito em julgado, caso julgado formal, quer sobre a decisão de anulação da decisão da matéria de facto, quer sobre a prévia decisão jurídica que ditou directa e necessariamente tal anulação.
A expropriante "A, S.A." não recorreu do acórdão anulatório da 1ª sentença, que mandou ampliar a matéria de facto, nem podia recorrer pois a Relação tinha competência para o efeito, não sendo a decisão anulatória sindicável pelo STJ como resulta analogicamente do acórdão de uniformização de jurisprudência, nº. 4/99, de 14.4.99 (DR, I-A Série, nº. 165, de 17.7.99), segundo o qual nas causas julgadas com aplicação do Código de Processo Civil de 1961, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº. 242/85, de 9 de Julho, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pelo que respeita à organização da especificação e questionário (cfr. hoje em dia o nº. 6 do artº. 712º da lei adjectiva, porém não aplicável no caso vertente).
E a hermenêutica jurídica dos artºs. 24º e 25º do Código das Expropriações de 1991 operada naquele acórdão anulatório era obrigatória para a 1ª instância, porque, como expende Miguel Teixeira de Sousa, nos Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 583, no âmbito de um processo pendente, as decisões definitivas proferidas pelos tribunais superiores sobre o regime jurídico aplicável são vinculativas para os tribunais recorridos.
A 1ª instância estava obrigada a ampliar a matéria de facto nos termos determinados pelo primeiro acórdão da Relação, e também a subsumir juridicamente os factos com que a causa viesse a emergir, segundo o entendimento jurídico expressamente manifestado pela mesma Relação.
Na verdade, em matéria de indemnização e de critérios indemnizatórios, nos processos de expropriação, é a Relação que tem a última palavra, quer à luz do artº. 66º, nº. 5 do actual Código das Expropriações, quer conforme havia já sido entendido pelo STJ no Assento nº. 10/97, de 30.5.95 (DR I-A, nº. 112, de 15.5.97), segundo o qual o Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº. 438/91, de 9 de Novembro, consagra a não admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que tenha por objecto decisão sobre a fixação do valor da indemnização devida.

Quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, impera aquilo que a Relação decidir, apenas se ressalvando os casos em que é sempre admissível recurso, como estipula o nº. 5 do artº. 66º supra referido.
Pertencendo à Relação, em processos de expropriação, a última palavra relativamente à interpretação dos critérios legais de indemnização e à fixação do seu montante, é lógico que, tendo-se pronunciado o seu acórdão anulatório a favor de uma determinada tese jurídica, com crucial importância para a determinação do montante indemnizatório, essa perspectiva jurídica passe a vincular para futuro, dentro do processo e após o trânsito em julgado, quer a 1ª instância, quer a própria Relação (precavendo até a aplicação do disposto no artº. 675º, nº. 1 do CPC).
Diferente seria se fosse facultado recurso para o STJ, que pode, nas condições legalmente previstas (artº. 730º, nº. 1, do CPC), definir o regime jurídico aplicável e mandar julgar novamente a causa de harmonia com ele.
Também num recente caso de contornos semelhantes ao presente, tratado no acórdão do STJ, de 7.10.03, na Revista 3978/02 (Relator o Conselheiro Barros Caldeira e Adjuntos os aqui Relator e 1º Adjunto), se considerou que, tendo um acórdão da Relação decidido que, à data da declaração de utilidade pública da expropriação, o terreno era legalmente divisível em duas parcelas, e ordenado, em face disso, a ampliação da matéria de facto, esse acórdão, transitado em julgado, fixou aquela divisibilidade, por forma a vincular quer a 1ª instância, na sentença que proferiu após a nova avaliação, quer a Relação, no recurso dela interposto.
Assim, e revertendo ao caso que nos prende, o acórdão recorrido, tal como a decisão da 1ª instância sobre que recaiu, não respeitou o antecedente jurídico lógico necessário da decisão anulatória constante do primeiro acórdão da mesma Relação, interpretativo dos artºs. 24º e 25º do Código das Expropriações de 1991.
Terá por conseguinte o acórdão recorrido de ser revogado e de ser substituído por outro que respeite o caso julgado formal.
Só assim se evitará a contradição de julgados proveniente de decisões do mesmo Tribunal no mesmo processo e sobre a mesma questão, e se esconjurará o desprestígio das decisões judiciais e os prejuízos daí decorrentes, designadamente para as partes.
Será pois de cumprir o acórdão de fls. 596 a 601, datado de 2.11.2000, quanto ao sobredito antecedente lógico necessário da decisão anulatória, também ele coberto pelo caso julgado formal (artº. 672º do CPC).

Sustenta ainda o "B", na 2ª conclusão recursória, que o acórdão recorrido não respeitou o caso julgado que se formou no processo relativamente à actualização da indemnização porquanto, segundo diz, a 2ª sentença da 1ª instância (de 21.7.01) decidiu, nos termos do artº. 23º, nº. 1 do Código das Expropriações de 1991, que a actualização deveria ser efectuada sobre a quantia de 46.124.000$00 desde a data da declaração de utilidade pública desta expropriação.
Todavia, compulsada a referida sentença, a fls. 865, constata-se que nela se procedeu à actualização do quantum indemnizatur de 46.124.000$00 com referência a Outubro de 1996, até Outubro de 1999.
Não actualizou aquela verba a partir da data da declaração de utilidade pública (2.3.1993) mas sim a partir de Outubro de 1996!
E o acórdão recorrido, quanto à actualização da indemnização, limitou-se a dizer que ela se deve efectuar até ao trânsito em julgado desse acórdão, de harmonia com a jurisprudência fixada pelo Ac. uniformizador nº. 7/2001, de 12.7.2001, DR I-A de 25.10.2001.
Quanto ao método da actualização, esclareceu a Relação, a fls. 1204, que rege o critério perfilhado na sentença, que não foi posto em causa no recurso.
Inexiste, destarte, qualquer violação de caso julgado formal, neste aspecto, pois a Relação apenas se limitou a ampliar o termo ad quem da actualização, o que só podia beneficiar o expropriado/recorrente.

Considerando que o recurso é admissível apenas no tocante à problemática da violação dos casos julgados formais (artºs. 66º, nº. 5 do Cód. Expropriações e 678º, nº. 2 do CPC), sendo inadmissível relativamente às questões carreadas para as conclusões 3ª e segs., que visam alterar o quantum indemnizatur e não consubstanciam qualquer dos casos que, segundo o artº. 678º, nºs. 2 a 6 do CPC, admitem sempre recurso, acordam em conceder parcialmente a revista, revogando o acórdão recorrido e determinando que o processo baixe à 2ª instância para, em novo acórdão, tanto quanto possível pelos mesmos Exmos. Desembargadores, novamente ser sindicada a sentença recorrida, em função dos factos com que a causa ficou a emergir após o acórdão anulatório proferido pela Relação, e de acordo com o entendimento jurídico expresso nesse acórdão que conduziu à necessidade de ampliação da matéria de facto.
Custas pelo recorrente e pela recorrida, na proporção de metade cada um.

Lisboa, 16 de Março de 2004
Faria Antunes
Moreira Alves
Alves Velho