Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
863/21.6YRLSB-B
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO ILEGAL
EXTRADIÇÃO
ACÓRDÃO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
FALTA DE ENTREGA
CASO DE FORÇA MAIOR
COVID-19
SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DA ENTREGA
Data do Acordão: 07/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça




I. RELATÓRIO

AA, detido no Estabelecimento Prisional ..., no âmbito do processo de extradição nº 863/21…, veio requerer em 29 de junho de 2021 a providência de HABEAS CORPUS, invocando o art. 223º, do Código do Processo Penal[1], nos termos e com os seguintes fundamentos: (transcrição):

«O peticionante foi detido em Portugal desde 12 de abril de 2021, no âmbito de processo de extradição.

Com efeito, as autoridades ... emitiram mandado de detenção internacional, correndo o respetivo processo no Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do artigo 49º da Lei nº 144/99, de 31 de agosto.

Desde então, o peticionante encontra-se detido em Portugal.

Seja qual for a perspetiva que se adote, no momento atual, a prisão é ilegal.

Já anteriormente, em sede de habeas corpus, o peticionante havia requerido a sua libertação, tendo sido proferido acórdão, no dia 24 de junho de 2021.

Depois de se excluírem as razões invocadas pelo peticionante, o aresto concluiu ainda que a libertação se inviabilizava pois a decisão sumária a homologar a declaração efetuada por AA e a determinar a sua extradição foi proferida em 8 de junho de 2021 notificada ao mandatário em 6 de junho de 2021 e ao extraditando em 11 de junho de 2021, pelo que, notoriamente, também não se esgotaram os 20 dias após o seu trânsito (n° 11 do acórdão, na sua página 8).

Sucede que agora se mostram ultrapassados esses 20 dias, a que alude a Lei n° 144/99 de 31 de agosto.

A decisão transitou em julgado. Assim se conclui dos n°s 3 e 4 do artigo 49º e do n° 1 do artigo 58º da Lei n° 144/99, de 31 de agosto, conjugados com o artigo 401º do CPP.

A decisão não foi proferida contra o arguido nem contra o Ministério Público.

Trata-se de homologação de declaração de consentimento na extradição prestado pelo detido, que é irrevogável, na sequência de promoção pelo Ministério Público de audição judicial, em conformidade com os seguintes preceitos da Lei n° 144/99, de 31 de agosto:

- nº 1 do artigo 64º

- nºs 4 e 5 do artigo 40º

- primeira parte do n° 2 do artigo 54º

Dito de outra forma. O Ministério Público promoveu a apresentação judicial do detido, para que a sua extradição: n° 1 do artigo 64º da Lei n° 144/99, de 31 de agosto. O detido declarou que consente na extradição: nºs 4 e 5 do artigo 40º e primeira parte do n° 2 do artigo 54º. A homologação equivale a decisão final, que não é desfavorável ao Ministério Público nem ao detido.

Está assegurada a ilegitimidade quer do Ministério Público quer do detido, no que concerne à interposição de recurso.

Ainda que assim não se entendesse, faleceria o interesse em agir.

O arguido não concebe que possa ser proferida decisão jurisprudencial, estabelecendo que cabe recurso de decisão homologatória de consentimento na extradição, ainda que sob a forma de raciocínio para explicar a manutenção da detenção do peticionante.

Corresponderia a jurisprudência completamente inovadora, autêntico case study que mereceria o mais amplo debate nos meios académicos e forenses.

A decisão é irrecorrível e transita em julgado com a sua prolação.

Qualquer outro entendimento implicaria considerar que, caso o Ministério Público ou o detido dela interpusessem recurso, o mesmo teria de ser admitido. Uma viragem absolutamente revolucionária, um estratagema nada hábil, que não convenceria ninguém.

Forçar artificialmente a detenção do peticionante, ficcionando a recorribilidade de uma decisão que não é desfavorável, para simular uma dilatação do trânsito em julgado, prolongando a prisão, equivaleria a ofender os artigos 5° e 6º da convenção europeia dos direitos humanos.

Não valeria invocar léxico relacionado com o verbo desligar, que não corresponde à terminologia legal e acima de tudo, contrariaria o disposto no nº 2 do artigo 60º e no artigo 27º da Lei nº 144/99, de 31 de agosto. Tem de ser fixada uma data de entrega, o que não ocorreu. Nem pode já vir a ocorrer, porque a data de entrega tem de ser estabelecida até ao limite de 20 dias a contar do trânsito.

A petição de habeas corpus é meio adequado a que seja ordenada a libertação que aqui se impõe: artigo 31º da Constituição e artigo 222º do CPP.

Trata-se de "providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade" (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 5ª edição, Lisboa, 2011, p. 339),

O peticionante encontra-se privado da liberdade no estabelecimento prisional de ....

EM CONCLUSÃO:

I. Encontra-se excedido o prazo de duração máxima da detenção.

ii. O arguido encontra-se ilegalmente preso em violação do artigo 401º do CPP e dos seguintes preceitos da Lei n° 144/99, de 31 de agosto: nºs 4 e 5 do artigo 40°, n°s 3 e 4 do artigo 49º, n° 1 do artigo 58°, n° 1 do artigo 52º, n° 3 do artigo 54º, artigo 57º e n° 2 do artigo 60º.

Termos em que: segundo o disposto nos artigos 222º e 223º do código de processo penal, deve ser ordenada a imediata libertação do arguido.

Devem instruir o presente, pelo menos, cópias do auto de audição do arguido perante o Tribunal da Relação de Lisboa, da sua declaração de consentimento, da homologação datada de 8 de junho de 2021 e do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de junho de 2021.

2. A Exmº Desembargadora Relatora do Tribunal da Relação de Lisboa exarou a informação a que alude o artigo 223º, nº 1, do CPP, em 29JUN21 nos seguintes termos: (transcrição)

«I. Veio, pela segunda vez, o Extraditando, AA, cidadão ..., devidamente identificado nos autos, ao abrigo do disposto nos artºs 222º e 223º do CPP, requerer Habeas Corpus alegando que se encontra excedido o prazo máximo da sua detenção, invocando os artºs 40º nºs 4 e 5, 49º nºs 3 e 4, 52º nº 1, 54º nº 3, 57º, 48º nº 1 e 60º nº 2 da Lei nº 144/99 de 31-08 bem como o artº 401º do Código de Processo Penal.

Os autos demonstram o seguinte:

- AA foi detido por forças policiais às 21:30 do dia 12 de Abril de 2021, ao abrigo do disposto no artº 39º da Lei nº 144/99 de 31-08 (cfr. expediente junto ao requerimento de 13-04-2021 com a refª …161);

- AA foi ouvido nesta Relação (pela signatária) às 11:45 do dia 14 de Abril de 2021 tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva (cfr. acta com a refª …071);

- Nessa audição, o extraditando AA declarou aceitar a sua extradição para a sua terra natal, ..., contudo não renuncia à regra da especialidade (cfr. acta com a refª …071);

- Em 19-04-2021, o Estado requerente, ..., declarando a sua intenção de pedir a extradição de AA, pede prorrogação do prazo (de 18 dias) para 40 dias para formalizar esse pedido (cfr. e-mail de 19-04-2021 com a refª …754);

- Esse pedido de prorrogação, após algumas vicissitudes[2], foi deferido por despacho de 03-05-2021, com a refª …295;

- o pedido formal de extradição entrou em 18-05-2021, através da refª …443, confirmado pelo ofício da PGR em 19-05-2021 com a refª …579, ou seja, dentro dos 40 dias sobre a detenção de AA;

- em 25-05-2021, o extraditando AA pede a sua imediata libertação invocando a ultrapassagem do prazo de 40 dias sobre a sua detenção (cfr. requerimento com a refª …071);

- sobre tal pedido recaiu o despacho de 28-05-2021, com a refª …520, indeferindo a pretensão de AA, e cujo teor é:

“Concorda-se com a análise jurídica constante da douta promoção em referência.

Assim, e porque o pedido de extradição foi formalmente apresentado pelo Estado Membro respectivo dentro dos 40 dias do prazo de que dispunha, por força da prorrogação concedida pelo despacho de 03-05-2021 (refª …295), e porque há que aguardar os prazos previstos no artº 48º da Lei nº 144/99 de 31-08, não tendo sido ultrapassado o prazo legal máximo permitido para o detido se manter em prisão preventiva, indefiro, por ora, o requerido pelo detido no seu requerimento de 25-05-2021 (refª …499). Aguardem os autos os prazos previstos no artº 48º da Lei nº 144/99 de 31-08, conforme doutamente promovido.

Notifique o detido através do seu ilustre mandatário enviando, para cabal compreensão, cópia deste despacho e do douto parecer que antecede.”

- Em 07 de Junho de 2021 o Mº Pº pede seja proferida decisão a determinar a extradição de AA, uma vez que se encontravam reunidos os requisitos materiais e formais exigidos por lei, tendo a Exmª Srª Ministra da Justiça declarado admissível o pedido de extradição por despacho de 02 de Junho de 2021 (cfr. requerimento de 07-06-2021 com a refª …069);

- Assim, em 08-06-2021 foi proferida Decisão Sumária com a refª …733 a homologar a declaração efectuada por AA aquando da sua audição em 14-04-2021 e, consequentemente, a determinar a extradição do mesmo;

- o ilustre mandatário do extraditando, ao tempo (Dr. BB), foi notificado da decisão sumária por acto praticado via citius em 06-09-2021 (refª …340), tendo o extraditando AA sido notificado mais tarde, em virtude da necessidade de traduzir a decisão, tendo seguido a sua notificação por acto praticado em 11-06-2021 com a refª …595;

- o GNI informou que as autoridades de ... pretendem pedir prorrogação na entrega uma vez que não têm ainda plano de voo estabelecido – cfr, cota de 29-06-2021 com a refª …201.

II. Afigura-se-nos muito modestamente que não se verifica a violação de nenhum dos prazos legais previstos para a detenção do extraditando.

O mesmo foi detido às 21:30 do dia 12-04-2021 e foi ouvido nesta Relação dentro das 48 horas sobre a sua detenção, tendo sido ouvido às 11:45 do dia 14-04-2021.

O pedido de extradição, ao qual havia sido conferida uma prorrogação legal nos termos do artº 38º nº 5 da Lei nº 144/99 de 31-08, foi apresentada dentro dos 40 dias de que o Estado requerente dispunha para apresentar esse pedido, contados da detenção do extraditando.

Os prazos previstos, respectivamente, nos nºs 1 e 2 do artº 48º da Lei nº 144/99 de 31-08 mostram-se também respeitados uma vez que o pedido de extradição deu entrada em 18-05-2021, a Exmª Srª Procuradora-Geral formulou a informação prevista no nº 1 do artº 48º da Lei nº 144/99 de 31-08 em 31-05-2021 (cfr. 1º anexo junto ao requerimento de 07-06-2021 com a refª …69), a Exmª Srª Ministra da Justiça decidiu sobre o pedido em 02-06-2021 (cfr. último anexo junto ao requerimento de 07-06-2021 com a refª …069).

Como se mostra cumprido o prazo previsto no artº 52º da Lei nº 144/99 de 31-08 uma vez que a decisão sumária prolatada nos autos, decidindo o objecto dos mesmos, foi proferida em 08-06-2021, ou seja, dentro dos 65 dias posteriores à detenção do extraditando.

A decisão foi notificada ao ilustre mandatário em 09-06-2021 e ao extraditando em 11-06-2021 pelo que ainda está a decorrer o prazo previsto nos artºs 60º e 61º da Lei nº 144/99 uma vez que, ainda que se considere que o trânsito da decisão é imediato por não haver interesse em recorrer, quer pelo extraditando, quer pelo MºPº, em face ainda do disposto no artº 40º nº 5 da Lei nº 144/99 de 31-08, ainda não decorreram os 20 dias previstos em tais preceitos legais, uma vez que, a nosso ver, o trânsito ocorre apenas aquando da notificação da decisão sumaria ao arguido, pelo que a contagem dos 20 dias deve ser efectuada a partir da notificação do arguido da decisão devidamente traduzida o que terá ocorrido em 11-06-2021.

Por fim, interpelado o GNI, através de cota de 29-06-2021 (refª …228) a informação prestada pelo mesmo é a de que as autoridades de ... pretendem pedir uma prorrogação da entrega por falta de plano de voo.

Ora, o prazo dos 20 dias previsto no artº 60º da Lei nº 144/99 de 31-08 é para se efectuar o agendamento da entrega e não para se fazer a entrega.

III. Face ao exposto, e uma vez que os autos se mostram devidamente instruídos, notifique e após subam os autos ao Venerando STJ».

3. Convocada a secção criminal, notificados o Ministério Público e o mandatário do requerente, realizou-se a audiência (artigos 223.º, nºs 2 e 3, e 435.º do Código de Processo Penal).


***


II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos documentos juntos aos autos e do teor da informação prestada resultam apurados os seguintes factos e ocorrências processuais, com relevância para a decisão da providência requerida:

1.1. AA com base em «notícia vermelha da interpol» foi detido por forças policiais às 21:30 horas do dia 12 de abril de 2021, ao abrigo do disposto no art. 39.º da Lei nº 144/99 de 31.08 (detenção não diretamente solicitada).

1.2. AA foi ouvido no TRL pela desembargadora a quem o processo foi distribuído com início às 11:45 horas do dia 14 de abril de 2021, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva (cf. ata com a refª …071).

1.3. AA declarou aceitar a sua extradição para o ..., não renunciando à regra da especialidade (cf. ata com a refª …071).

1.4. Foi ordenado pela desembargadora relatora que os autos aguardassem o decurso do prazo de 18 dias até a prestação da informação a que se refere o art. 64.º/2, Lei 144/99 (cf. parte final da ata com a refª …071).

1.5. Em 19.04.2021, o Estado requerente, ..., declarando a sua intenção de pedir a extradição de AA, pediu prorrogação do prazo (de 18 dias) para 40 dias tendo em vista formalizar esse pedido (cfr. e-mail de 19.04.2021 com a refª …754);

1.6. Esse pedido de prorrogação não foi logo aceite; convidado o Estado requerente a apresentar os motivos/razões para o pedido de prorrogação (despacho da desembargadora relatora de 28.04.2021), e esclarecidas as razões (email de 30.04.2021), veio o pedido de prorrogação a ser deferido (despacho de 03.05.2021, com a refª ...295)

1.7. O pedido formal de extradição entrou em 18.05.2021, (refª ...443, confirmado pelo ofício da PGR em 19-05-2021 com a refª ...579), ou seja, antes de esgotados os 40 dias sobre a detenção de AA.

1.8. Em 07 de Junho de 2021 o M.º P.º pede seja proferida decisão a determinar a extradição de AA, uma vez que se encontravam reunidos os requisitos materiais e formais exigidos por lei, tendo a Ministra da Justiça declarado admissível o pedido de extradição por despacho de 02 de junho de 2021 (cfr. requerimento de 07.06.2021 com a refª ...069).

1.9. Em 08.06.2021 foi proferida Decisão Sumária (refª ...733) a homologar a declaração efetuada por AA aquando da sua audição em 14.04.2021 e, consequentemente, a determinar a extradição do mesmo.

1.10. O mandatário do extraditando, foi notificado da decisão sumária em 06.06.2021 (refª ...340, com correção do lapso relativo ao mês pois constava «06.09.2021» notificação via citius), tendo o extraditando AA sido pessoalmente notificado em 11-06-2021, (refª ...595).

1.11. O peticionante em intentou a providência de habeas corpus alegando que se encontrava detido ilegalmente, porquanto se encontravam excedidos os prazos para a entrega desde a data da sua detenção em 12.04.2021, providência que veio a ser indeferida por falta de fundamento legal, por acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, em 24 de junho de 2021, no âmbito do processo nº 863/21.6YRLSB-A.S.

1.12. Por despacho da ora relatora neste Supremo Tribunal de Justiça, de 01JUL21 foi solicitada ao TRL informação sobre se encontrava agendada a entrega do extraditando, uma vez que se encontrava a decorrer o prazo para a respetiva entrega.

1.13. Em 01JUL21 foi junto aos autos o E-mail de 01-07-2021 (refª ...431), das autoridades …..., nos seguintes termos, na parte que aqui releva:

«O Ministério da Justiça, dos Direitos Humanos e das Minorias do ... apresenta os seus cumprimentos ao Ministério da Justiça da República Portuguesa e, tendo sido notificado pelo Gabinete de INTERPOL Podgorica de que foi autorizada a extradição para ..... de AA, que tem de ser realizada até 9 de julho de 2021, tem a honra de solicitar à autoridade competente da República Portuguesa a prorrogação por mais 20 dias do prazo para a extradição.

Nomeadamente, atendendo à situação causada pela pandemia do Coronavírus, com redução significativa do tráfego aéreo, e tendo em consideração o facto de não haver voos diretos entre os dois países, pelo que a extradição tem necessariamente de ser feita através de um Estado terceiro, cujo consentimento para o trânsito tem de ser requerido. Simultaneamente, solicitamos o envio da decisão relativa à extradição, que é necessária para solicitarmos autorização para o trânsito através de um Estado terceiro.

O Ministério da Justiça, dos Direitos Humanos e das Minorias do ... aproveita esta oportunidade para reiterar ao Ministério da República Portuguesa os protestos da sua mais elevada consideração».

1.14. O Exmº Procurador-Geral Adjunto no TRL promoveu em 01-07-2021 (refª ...546), a concessão da requerida prorrogação de prazo.

1.15. Em 01 de julho de 2021 foi proferido o seguinte despacho da Exmª Desembargadora Relatora do TRL (Refª …571): (transcrição)

«Extradição

E-mail de 01-07-2021 (refª ...431) e douta promoção de 01-07-2021 (refª ...546):

Vêm as autoridades de ... pedir a prorrogação do prazo de entrega do arguido AA alegando dificuldades de transporte aéreo fruto da propalada pandemia em torno da doença COVID que levou à redução do tráfego aéreo, sendo também que não existem voos diretos entre ... e Portugal o que dificulta a organização de um plano de voo pois vais implicar o consentimento de terceiros países.

O Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto promove a concessão da requerida prorrogação de prazo.

Analisando e decidindo.

Afigura-se-nos plenamente justificada o pedido de prorrogação considerando os fundamentos invocados e que são notórios. Essa prorrogação afigura-se-nos viável nos termos do disposto no artº 61º nº 3 da Lei nº 144/99 de 31-08, integrando-se os fundamentos apresentados no conceito de “força maior”.

No entanto, afigura-se-nos também que o novo prazo de 20 dias não pode ser contado a partir de 09-07-2021 mas a partir de amanhã, dia 02-07-2021 pelos seguintes motivos:

Não havendo lugar a recurso porque a decisão proferida foi uma decisão homologatória, não havendo, consequentemente, qualquer interesse em recorrer, quer por parte do Mº Pº, quer por parte do arguido, sendo ainda certo que este afirmou nos autos que não iria interpor recurso (cfr. requerimento de 18-06-2021, com a refª ...623 junto ao apenso A) o trânsito deve ser considerado com a notificação da decisão homologatória ao arguido.

Ora, o arguido foi notificado pessoalmente em 11-06-2021 (cfr. e-mail do EP de 15-06-2021 com a refª ...967) e através do seu então ilustre mandatário, Dr. BB, em 09-06-2021 (refª ...340).

Considerando que à data da notificação do ilustre mandatário é preciso ainda acrescentar 3 dias, a notificação considera-se efetuada em 14 de Junho porquanto, pelo meio, surge um fim-de semana.

Se adicionarmos os 20 dias previstos no artº 60º nº 2 da Lei nº 144/99 de 31-08 verifica-se que o prazo termina em 04 de Julho.

Mas, se contarmos o prazo de 20 dias a partir da notificação pessoal do arguido, ocorrida em 11-06-2021, verifica-se que o prazo termina hoje, dia 01 de Julho.

É princípio fundamental do Direito que ao arguido deve sempre ser contabilizado o prazo que lhe é mais favorável.

Neste caso, não estando em causa um prazo de recurso (pois aí seria mais favorável o prazo contado a partir da notificação do seu mandatário) mas um prazo de privação da liberdade, não há dúvida que é mais favorável ao arguido contabilizar-se o prazo de 20 dias a partir da sua notificação pessoal.

Assim, a conceder-se a prorrogação de 20 dias, conforme solicitado pelas autoridades …, o mesmo termina 21 de Julho de 2021.

Em conclusão:

Considerando os fundamentos oferecidos pelo Estado ….... para pedir prorrogação de entrega do arguido AA, os quais se revelam válidos e compreensíveis, fruto de um estado excepcional que se verifica em todo o mundo e que, por isso, pode ser considerado de “força maior”, concedo a requerida prorrogação de entrega do arguido AA.

Atento o disposto no artº 61º nº 3 da Lei nº 144/99 de 31-08 esse prazo não deve exceder os 20 dias, sendo que o prazo começa amanhã, uma vez que se considera que o prazo originário dos 20 dias (previsto no artº 60º nº 2 da mesma Lei nº 144/99 de 31-08) termina hoje.

Começando o novo prazo de 20 dias amanhã, o mesmo termina no dia 21 de Julho de 2021.

Com copia deste despacho, bem como do e-mail de 01-07-2021 (refª ...431) e da douta promoção de 01-07-2021 (refª ...546) notifique o arguido e o GNI, dando-se ainda conhecimento ao Venerando STJ, atento o pedido por este formulado hoje, através da refª ...428.

Atento o pedido pelas autoridades de ... no doc. 1 junto com o e-mail do GNI do dia de hoje (refª ...431) envie certidão da decisão homologatória a fim de permitir ao Estado de ... pedir autorização para trânsito através de terceiro Estado».


***


III. O DIREITO

O art. 27º, da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à liberdade pessoal, como direito fundamental, é de aplicação direta e vincula todas as entidades públicas e privadas e a sua limitação, suspensão ou privação apenas opera nos casos e com as garantias da Constituição e da lei – arts. 27º, nº 2 e 28º, da CRP, e art. 5º, da Convenção Europeia dos Direitos do Humanos.

O art. 31º, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Habeas Corpus”, consagra no seu nº 1 que «Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente».

Conforme entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça «É uma providência urgente e, expedita, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação, destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação direta, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação.

“Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o “habeas corpus” testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade”. (JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigo 1º a 107º, 4ª edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, p. 508).

E escrevem os mesmos autores (ibidem, V, p. 510): “(…) (1) a providência do “habeas corpus” é uma providência à margem do processo penal ordinário; (2) configura-se como um instituto processual constitucional específico com dimensões mistas de ação cautelar e de recurso judicial. (…)”[3]

E no acórdão do STJ de 30NOV16, conclui-se:

«Em suma:

A previsão - e precisão - da providência, como garantia constitucional, não exclui, porém, a sua natureza específica, vocacionada para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, como remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, traduzidas em abuso de poder, ou por serem ofensas sine lege ou, grosseiramente contra legem, traduzidas em violação direta, imediata, patente e grosseira dos pressupostos e das condições da aplicação da prisão, que se apresente como abuso de poder, concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável»[4].

Em conformidade com os citados preceitos constitucionais, a providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excecional para proteger a liberdade individual, revestindo caráter extraordinário e urgente «medida expedita» com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei: em caso de detenção ilegal, nos casos previstos nas quatro alíneas do n.° 1 do artigo 220.° do CPP e quanto ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, nas situações extremas de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.° 2 do artigo 222.° do CPP. [5]

Por outro lado, de acordo com o princípio da atualidade é necessário que a ilegalidade da prisão seja atual, sendo atualidade a reportada ao momento em que é necessário apreciar o pedido.

O art. 222º, do CPP, sob a epígrafe, «Habeas Corpus em virtude de prisão ilegal», estabelece quais os fundamentos da providência resultante da ilegalidade da prisão, ou seja:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial».


No caso subjudice o requerente invoca que se encontra excedido o prazo de duração máxima da detenção; o arguido encontra-se ilegalmente preso em violação do artigo 401º do CPP e dos seguintes preceitos da Lei n° 144/99, de 31 de agosto: nºs 4 e 5 do artigo 40°, nºs 3 e 4 do artigo 49º, n° 1 do artigo 58°, n° 1 do artigo 52º, n° 3 do artigo 54º, artigo 57º e n° 2 do artigo 60º, requerendo a sua a imediata libertação, de harmonia com o disposto nos artigos 222º e 223º do CPP.


Vejamos, se lhe assiste razão:

Retomando as ocorrências processuais relevantes para a decisão da presente providência:

1.1. AA com base em «notícia vermelha da interpol» foi detido por forças policiais às 21:30 horas do dia 12 de abril de 2021, ao abrigo do disposto no art. 39.º da Lei nº 144/99 de 31.08 (detenção não diretamente solicitada).

1.2. AA foi ouvido no TRL pela desembargadora a quem o processo foi distribuído com início às 11:45 horas do dia 14 de abril de 2021, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva (cf. ata com a refª ...071);

1.3. AA declarou aceitar a sua extradição para ....., não renunciando à regra da especialidade (cf. ata com a refª ...071);

1.4. Foi ordenado pela Desembargadora Relatora que os autos aguardassem o decurso do prazo de 18 dias até a prestação da informação a que se refere o art. 64.º/2, Lei 144/99 (cf. parte final da ata com a refª ...071).

1.5. Em 19.04.2021, o Estado requerente, ..., declarando a sua intenção de pedir a extradição de AA, pediu prorrogação do prazo (de 18 dias) para 40 dias tendo em vista formalizar esse pedido (cfr. e-mail de 19.04.2021 com a refª ...754);

1.6. Esse pedido de prorrogação não foi logo aceite; convidado o Estado requerente a apresentar os motivos/razões para o pedido de prorrogação (despacho da desembargadora relatora de 28.04.2021), e esclarecidas as razões (email de 30.04.2021), veio o pedido de prorrogação a ser deferido (despacho de 03.05.2021, com a refª ...295)

1.7. O pedido formal de extradição entrou em 18.05.2021, (refª ...443, confirmado pelo ofício da PGR em 19-05-2021 com a refª ...579), ou seja, antes de esgotados os 40 dias sobre a detenção de AA.

1.8. Em 07 de junho de 2021 o M. º P. º pede seja proferida decisão a determinar a extradição de AA, uma vez que se encontravam reunidos os requisitos materiais e formais exigidos por lei, tendo a Ministra da Justiça declarado admissível o pedido de extradição por despacho de 02 de junho de 2021 (cfr. requerimento de 07.06.2021 com a refª ...069).

1.9. Em 08.06.2021 foi proferida Decisão Sumária (refª ...733) a homologar a declaração efetuada por AA aquando da sua audição em 14.04.2021 e, consequentemente, a determinar a extradição do mesmo.

1.10. O mandatário do extraditando, foi notificado da decisão sumária em 06.06.2021 (refª ...340, com correção do lapso relativo ao mês pois constava «06.09.2021» notificação via citius), tendo o extraditando AA sido pessoalmente notificado em 11-06-2021, (refª ...595).

1.11. O peticionante intentou anteriormente uma providência de habeas corpus alegando que se encontrava detido ilegalmente, porquanto se encontravam excedidos os prazos para a entrega desde a data da sua detenção em 12.04.2021, providência que veio a ser indeferida por falta de fundamento legal, por acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, em 24 de junho de 2021, no âmbito do processo nº 863/21.6YRLSB-A.S.

1.12. Por despacho da ora relatora neste Supremo Tribunal de Justiça, de 01JUL21 foi solicitada ao TRL informação sobre se encontrava agendada a entrega do extraditando, uma vez que se encontrava a decorrer o prazo para a respetiva entrega.

1.13. Em 01JUL21 foi junto aos autos o E-mail de 01-07-2021 (refª ...431), das autoridades ....., nos seguintes termos, na parte que aqui releva:

«O Ministério da Justiça, dos Direitos Humanos e das Minorias do ... apresenta os seus cumprimentos ao Ministério da Justiça da República Portuguesa e, tendo sido notificado pelo Gabinete de INTERPOL Podgorica de que foi autorizada a extradição para  ..... de AA, que tem de ser realizada até 9 de julho de 2021, tem a honra de solicitar à autoridade competente da República Portuguesa a prorrogação por mais 20 dias do prazo para a extradição.

Nomeadamente, atendendo à situação causada pela pandemia do Coronavírus, com redução significativa do tráfego aéreo, e tendo em consideração o facto de não haver voos diretos entre os dois países, pelo que a extradição tem necessariamente de ser feita através de um Estado terceiro, cujo consentimento para o trânsito tem de ser requerido. Simultaneamente, solicitamos o envio da decisão relativa à extradição, que é necessária para solicitarmos autorização para o trânsito através de um Estado terceiro.

O Ministério da Justiça, dos Direitos Humanos e das Minorias do ... aproveita esta oportunidade para reiterar ao Ministério da República Portuguesa os protestos da sua mais elevada consideração».

1.14. O Exmº Procurador-Geral Adjunto no TRL promoveu em 01-07-2021 (refª ...546), a concessão da requerida prorrogação de prazo.

1.15. Em 01 de julho de 2021 foi proferido o seguinte despacho da Exmª Desembargadora Relatora do TRL (Refª ....571): (transcrição)

«Extradição

E-mail de 01-07-2021 (refª ...431) e douta promoção de 01-07-2021 (refª ...546):

Vêm as autoridades de ... pedir a prorrogação do prazo de entrega do arguido AA alegando dificuldades de transporte aéreo fruto da propalada pandemia em torno da doença COVID que levou à redução do tráfego aéreo, sendo também que não existem voos diretos entre ... e Portugal o que dificulta a organização de um plano de voo pois vais implicar o consentimento de terceiros países.

O Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto promove a concessão da requerida prorrogação de prazo.

Analisando e decidindo.

Afigura-se-nos plenamente justificada o pedido de prorrogação considerando os fundamentos invocados e que são notórios. Essa prorrogação afigura-se-nos viável nos termos do disposto no artº 61º nº 3 da Lei nº 144/99 de 31-08, integrando-se os fundamentos apresentados no conceito de “força maior”.

No entanto, afigura-se-nos também que o novo prazo de 20 dias não pode ser contado a partir de 09-07-2021 mas a partir de amanhã, dia 02-07-2021 pelos seguintes motivos:

Não havendo lugar a recurso porque a decisão proferida foi uma decisão homologatória, não havendo, consequentemente, qualquer interesse em recorrer, quer por parte do Mº Pº, quer por parte do arguido, sendo ainda certo que este afirmou nos autos que não iria interpor recurso (cfr. requerimento de 18-06-2021, com a refª ...623 junto ao apenso A) o trânsito deve ser considerado com a notificação da decisão homologatória ao arguido.

Ora, o arguido foi notificado pessoalmente em 11-06-2021 (cfr. e-mail do EP de 15-06-2021 com a refª ...967) e através do seu então ilustre mandatário, Dr. BB, em 09-06-2021 (refª ...340).

Considerando que à data da notificação do ilustre mandatário é preciso ainda acrescentar 3 dias, a notificação considera-se efetuada em 14 de Junho porquanto, pelo meio, surge um fim-de semana.

Se adicionarmos os 20 dias previstos no artº 60º nº 2 da Lei nº 144/99 de 31-08 verifica-se que o prazo termina em 04 de Julho.

Mas, se contarmos o prazo de 20 dias a partir da notificação pessoal do arguido, ocorrida em 11-06-2021, verifica-se que o prazo termina hoje, dia 01 de Julho.

É princípio fundamental do Direito que ao arguido deve sempre ser contabilizado o prazo que lhe é mais favorável.

Neste caso, não estando em causa um prazo de recurso (pois aí seria mais favorável o prazo contado a partir da notificação do seu mandatário) mas um prazo de privação da liberdade, não há dúvida que é mais favorável ao arguido contabilizar-se o prazo de 20 dias a partir da sua notificação pessoal.

Assim, a conceder-se a prorrogação de 20 dias, conforme solicitado pelas autoridades ..., o mesmo termina 21 de Julho de 2021.

Em conclusão:

Considerando os fundamentos oferecidos pelo Estado …... para pedir prorrogação de entrega do arguido AA, os quais se revelam válidos e compreensíveis, fruto de um estado excepcional que se verifica em todo o mundo e que, por isso, pode ser considerado de “força maior”, concedo a requerida prorrogação de entrega do arguido AA.

Atento o disposto no artº 61º nº 3 da Lei nº 144/99 de 31-08 esse prazo não deve exceder os 20 dias, sendo que o prazo começa amanhã, uma vez que se considera que o prazo originário dos 20 dias (previsto no artº 60º nº 2 da mesma Lei nº 144/99 de 31-08) termina hoje.

Começando o novo prazo de 20 dias amanhã, o mesmo termina no dia 21 de Julho de 2021.

Com copia deste despacho, bem como do e-mail de 01-07-2021 (refª ...431) e da douta promoção de 01-07-2021 (refª ...546) notifique o arguido e o GNI, dando-se ainda conhecimento ao Venerando STJ, atento o pedido por este formulado hoje, através da refª ...428.

Atento o pedido pelas autoridades de ... no doc. 1 junto com o e-mail do GNI do dia de hoje (refª ...431) envie certidão da decisão homologatória a fim de permitir ao Estado de ... pedir autorização para trânsito através de terceiro Estado».


O art. 40.º, da Lei nº 144/91, de 31 de agosto, sob a epígrafe «Extradição com consentimento do extraditando», consagra o seguinte:

«1 - A pessoa detida para efeito de extradição pode declarar que consente na sua entrega ao Estado requerente ou à entidade judiciária internacional e que renuncia ao processo de extradição regulado nos artigos 51.º a 62.º, depois de advertida de que tem direito a este processo.

2 - A declaração é assinada pelo extraditando e pelo seu defensor ou advogado constituído.

3 - O juiz verifica se estão preenchidas as condições para que a extradição possa ser concedida, ouve o declarante para se certificar se a declaração resulta da sua livre determinação e, em caso afirmativo, homologa-a, ordenando a sua entrega ao Estado requerente, de tudo se lavrando auto.

4 - A declaração, homologada nos termos do número anterior, é irrevogável.

5 - O ato judicial de homologação equivale, para todos os efeitos, à decisão final do processo de extradição.

6 - Salvo tratado, convenção ou acordo que dispense a apresentação do pedido de extradição, o ato de homologação tem lugar após a decisão do Ministro da Justiça favorável ao seguimento do pedido, caso em que o processo prossegue para efeitos daquela homologação judicial.”


Por seu turno o art. Artigo 60.º, da mesma Lei, sob a epígrafe, «Entrega do extraditado», determina que:

«1 - É título necessário e suficiente para a entrega do extraditado certidão da decisão, transitada em julgado, que ordenar a extradição.

2 - Após o trânsito em julgado da decisão, o Ministério Público procede à respetiva comunicação aos serviços competentes do Ministério da Justiça para os efeitos do artigo 27.º, disso dando conhecimento à Procuradoria-Geral da República. A data da entrega é estabelecida até ao limite de 20 dias a contar do trânsito».


E o artigo 61.º, sob a epígrafe, «Prazo para remoção do extraditado», consagra o seguinte:

«1 - O extraditado deve ser removido do território português na data que for acordada nos termos do artigo 60.º

2 - Se ninguém aparecer a receber o extraditado na data referida no número anterior, será o mesmo restituído à liberdade decorridos 20 dias sobre aquela data.

3 - O prazo referido no número anterior é prorrogável na medida exigida pelo caso concreto, até ao limite máximo de 20 dias, quando razões de força maior, designadamente doença verificada nos termos do n.º 3 do artigo 35.º, impedirem a remoção dentro desse prazo.

4 - Pode deixar de ser atendido novo pedido de extradição da pessoa que tenha deixado de ser removida no prazo referido no n.º 2 ou, havendo prorrogação, decorrido o prazo desta.

5 - Após a entrega da pessoa são efetuadas as necessárias comunicações ao tribunal e à Procuradoria-Geral da República».


No caso subjudice, muito embora o prazo para a entrega do peticionante a que alude o nº 2 do art. 60º, da Lei 144/99, de 31 de agosto tenha atingido o seu limite, no dia 01 de julho, no entanto, por E-mail desse mesmo dia 01 de julho de 2021 (refª ...431), o Ministério da Justiça, dos Direitos Humanos e das Minorias do ..., tendo sido notificado pelo Gabinete de INTERPOL Podgorica de que foi autorizada a extradição para ..... de AA, que tem de ser realizada até 9 de julho de 2021, solicitou à autoridade competente da República Portuguesa a prorrogação por mais 20 dias do prazo para a extradição, atendendo à situação causada pela pandemia do Coronavírus, com redução significativa do tráfego aéreo, e tendo em consideração o facto de não haver voos diretos entre os dois países, pelo que a extradição tem necessariamente de ser feita através de um Estado terceiro, cujo consentimento para o trânsito tem de ser requerido. Simultaneamente, solicitamos o envio da decisão relativa à extradição, que é necessária para solicitarmos autorização para o trânsito através de um Estado terceiro.

Por despacho da Exmª Desembargadora Relatora, de 01 de julho de 2021, com a promoção do Ministério Público, junto do TRL, veio a ser deferido o pedido de prorrogação, ao abrigo do disposto no artº 61º nº 3 da Lei nº 144/99 de 31 de agosto, porquanto os fundamentos apresentados e que são notórios, se integram no conceito de “força maior”, afigurando-se plenamente justificada o pedido de prorrogação.


Porém, a Exmª Desembargadora Relatora, considera que o novo prazo de 20 dias não pode ser contado a partir de 09-07-2021 mas a partir de 02-07-2021 pelos seguintes motivos:

«Não havendo lugar a recurso porque a decisão proferida foi uma decisão homologatória, não havendo, consequentemente, qualquer interesse em recorrer, quer por parte do Mº Pº, quer por parte do arguido, sendo ainda certo que este afirmou nos autos que não iria interpor recurso (cfr. requerimento de 18-06-2021, com a refª ...623 junto ao apenso A) o trânsito deve ser considerado com a notificação da decisão homologatória ao arguido.

Ora, o arguido foi notificado pessoalmente em 11-06-2021 (cfr. e-mail do EP de 15-06-2021 com a refª ...967) e através do seu então ilustre mandatário, Dr. BB, em 09-06-2021 (refª ...340).

Considerando que à data da notificação do ilustre mandatário é preciso ainda acrescentar 3 dias, a notificação considera-se efetuada em 14 de Junho porquanto, pelo meio, surge um fim-de semana.

Se adicionarmos os 20 dias previstos no artº 60º nº 2 da Lei nº 144/99 de 31-08 verifica-se que o prazo termina em 04 de Julho.

Mas, se contarmos o prazo de 20 dias a partir da notificação pessoal do arguido, ocorrida em 11-06-2021, verifica-se que o prazo termina hoje, dia 01 de Julho.

É princípio fundamental do Direito que ao arguido deve sempre ser contabilizado o prazo que lhe é mais favorável.

Neste caso, não estando em causa um prazo de recurso (pois aí seria mais favorável o prazo contado a partir da notificação do seu mandatário) mas um prazo de privação da liberdade, não há dúvida que é mais favorável ao arguido contabilizar-se o prazo de 20 dias a partir da sua notificação pessoal.

Assim, a conceder-se a prorrogação de 20 dias, conforme solicitado pelas autoridades ..., o mesmo termina 21 de Julho de 2021.

Em conclusão:

Considerando os fundamentos oferecidos pelo Estado ….... para pedir prorrogação de entrega do arguido AA, os quais se revelam válidos e compreensíveis, fruto de um estado excecional que se verifica em todo o mundo e que, por isso, pode ser considerado de “força maior”, concedo a requerida prorrogação de entrega do arguido AA.

Atento o disposto no artº 61º nº 3 da Lei nº 144/99 de 31-08 esse prazo não deve exceder os 20 dias, sendo que o prazo começa amanhã, uma vez que se considera que o prazo originário dos 20 dias (previsto no artº 60º nº 2 da mesma Lei nº 144/99 de 31-08) termina hoje.

Começando o novo prazo de 20 dias amanhã, o mesmo termina no dia 21 de Julho de 2021.


Assim sendo, considerando que foi prorrogado o prazo para a entrega do peticionante ao abrigo do disposto no artº 61º nº 3 da Lei nº 144/99 de 31 de agosto, por despacho judicial, proferido pela Exmª Desembargadora Relatora, porquanto foi considerado que os fundamentos apresentados e que são notórios se integram no conceito de “força maior” pelas autoridades ..., prorrogação essa por 20 dias, cujo terminus ocorre no dia 21 de Julho de 2021, não se mostra excedido o prazo de detenção do extraditando.

Não se verifica assim, qualquer excesso de prazo.

Os fundamentos invocados pelo requerente, não cabem na previsão normativa do art. 222º, nº2, do CPP, e designadamente não se verifica o fundamento de habeas corpus, a que alude a alínea c) do n.° 2 do artigo 222º do CPP, subjacente aos motivos invocados pelo requerente.


***


IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a petição de habeas corpus, por falta de fundamento bastante, nos termos do art. 223º, nº 4, al. a), do CPP.

Custas pelo requerente fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Ucs.

Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


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Lisboa, 07 de julho de 2021



Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Nuno Gonçalves

Pires da Graça (Presidente da Secção)

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[1] Doravante designada pelas iniciais CPP
[2] Uma vez que no pedido original de prorrogação do prazo para apresentar pedido formal de extradição o Estado requerente não justificou nem indicou qualquer motivo para esse pedido de prorrogação, foi primeiro proferido o despacho de 28-04-2021 (data em que a conclusão foi aberta) com a refª …493, tendo o Estado requerente vindo, em 30-04-2021, através de e-mail com a refª …300, fornecido, então, os respectivos motivos que o levaram a pedir a prorrogação.
[3] Vide AC do STJ de 07JUN17 (relator Pires da Graça), AC de 15FEV17 (relator Raul Borges) proferido no proc. nº 7459/00.4TDLSB-M.S1 e os arestos ali citados; ACS de 22.06.2017 e de 20.12.2017 (relator Manuel Braz), proferidos no mesmo processo.
[4] Vide AC do STJ de 30NOV16 (relator Pires da Graça), proferido no proc. nº 66/14.6GBLSB-A.S1.
[5] Vide AC de 15FEV17 (relator Raul Borges) proferido no proc. nº 7459/00.4TDLSB-M.S1.