Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
52/14.6TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: BANCO DE PORTUGAL
RESOLUÇÃO
SUCESSÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
Data do Acordão: 10/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
Doutrina:
- Mafalda Miranda Barbosa, Os Limites da Medida de Resolução, Boletim de Ciências Económicas, p.41.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 483.º, N.ºS 1 E 2.
LEI UNIFORME DO CHEQUE (LUCH): - ARTIGO 32.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 18.º, N.º 1, 202.º, 203.º E 205.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 30-03-2017, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 26-09-2017, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02-11-2017, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-03-2018, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-03-2018, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-05-2018, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-09-2018, PROCESSO N.º 3938/15.7T8VFR-A.P1.S2;
- DE 04-10-2018, PROCESSO N.º 25023/15.1T8LSB.L1.S1.
Sumário :

I – Face às deliberações do BP de 3/8/14 e de 11/8/14, era, desde logo, de entender que, em casos como o dos autos, não tinha o ...., primitivo demandado, que ser substituído pelo NB.

II – Na verdade, a responsabilidade extracontratual do ...., no caso, não se transferiu para o NB, sendo que se trata de uma responsabilidade litigiosa e contingente, desconhecida à data em que foi adoptada pelo BP a medida de resolução e em que foi proferido o despacho recorrido.

III – A eficácia daquela medida depende da capacidade que a autoridade responsável pela sua aplicação (o BP) tenha de poder conformar livremente o seu conteúdo, nomeadamente no que respeita à transferência de passivo para uma instituição de transição.

IV – Essa liberdade, no entanto, não é absoluta, nada impedindo que os tribunais comuns, nos litígios que oponham particulares entre si, procedam à interpretação do alcance da decisão do BP.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 – Relatório.

Na 1ª Secção Cível da Instância Central da Comarca de Lisboa, AA instaurou, em 13/1/14, acção declarativa de condenação com processo comum contra B...– B..........., S.A. e contra BB e CC, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe uma indemnização por danos decorrentes do não pagamento do cheque no montante de € 189.997,51, já incluídos os juros de mora desde 24/1/11 até 31/1213, bem como todos os que se vencerem até efectivo e integral pagamento.

Pede, ainda, a autora a condenação solidária dos 2º e 3º réus a pagarem-lhe uma indemnização por danos morais no valor de € 10.000,00, acrescida dos juros à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito, alega que celebrou contrato promessa de compra e venda com a sociedade de construção e urbanização Q............ de que os 2º e 3º RR. eram gerentes, para aquisição de duas fracções de um prédio então em construção, pelo preço de € 370.000,00, tendo entregue a título de sinal, em 08/06/08, o montante de€ 185.000,00.

Mais alega que, como garantia de devolução do sinal em caso de resolução do contrato, a promitente vendedora, procedeu à entrega à A. de um cheque subscrito pelos 2º e 3° RR. no montante de€ 185.000,00, sem data, para que esta em caso de incumprimento o datasse e cobrasse.

Alega ainda que o referido contrato promessa foi incumprido pela promitente vendedora, que nunca convocou a A. para a escritura, tendo ocorrido o incumprimento definitivo do contrato, pelo que a A. datou o cheque e apresentou-o a pagamento no prazo de oito dias a contar da data dele constante, tendo o 1 º R. recusado o pagamento indicando como motivo "cheque revogado com justa causa-extravio".

Mais alega que a comunicação só poderia ter sido efectuada pelos 2º e 3º RR., bem sabendo que tal declaração era falsa, visando impedir o pagamento do cheque, lançando a suspeita sobre o crédito e honra da A. e que o 1 º R. não podia desconhecer a falsidade de tal declaração, impondo-se-lhe ainda o dever legal de exigir junto da sociedade sacadora o comprovativo do alegado extravio, não actuando com a diligência de um gestor consciencioso.

Alega que esta actuação indicia antes a falta de fundos na conta do devedor e que o 1 º R., ao aceitar a declaração de extravio, permitiu que a sociedade devedora não ficasse obrigada a regularizar a situação, impediu a falta de comunicação da devolução de cheque por falta de provisão ao Banco de Portugal e privou a A. dos meios normais legais para pressionar a devedora ao pagamento, nomeadamente de o utilizar como título executivo ou de o apresentar de novo a pagamento.

Mais alega que, tendo intentado a notificação judicial avulsa da sociedade Q...... Lda., veio posteriormente a ter conhecimento da sua insolvência, tendo a A. reclamado na insolvência os seus créditos, reconhecidos pelo administrador pelo montante de € 167.479,50, estando a insolvência em fase final de liquidação e não tendo a A. recebido quaisquer valores inerentes ao cheque.

Por último, alega que sofreu danos materiais e morais com a conduta dos RR. e que o 1 º R. responde pela omissão dos seus deveres de diligência, agindo com culpa e que os demais RR. respondem a título pessoal, enquanto representantes da sociedade e a título individual pelos crimes de falsificação de documento, de burla e de difamação.

O .... contestou em 24/2/14, alegando que nunca lhe foi transmitido pelos demais RR. qualquer extravio de cheque, mas antes a sua anulação, com o fundamento de a data de validade do cheque estar ultrapassada, o que fizeram por comunicação datada de Julho de 2009, sendo a data de validade do cheque de 09/03/09.

Alega que devido a esta comunicação, o Banco R. decidiu devolver este cheque, logo que fosse apresentado a pagamento, com fundamento em "apresentação fora de prazo".

Mais alega que, em Julho de 2009, o sistema operativo do .... só tinha duas opções disponíveis para alerta de não pagamento - cheque anulado ou cheque extraviado - não podendo o funcionário do .... utilizar a primeira opção, por não ter o cheque em seu poder, tendo assim optado pela utilização da segunda opção, como alerta para não pagamento, caso o cheque viesse ser apresentado.

Alega ainda que apresentado o cheque a pagamento em Janeiro de 2011, o serviço de compensação do ...., constatando o alerta introduzido no sistema, veio a devolver o cheque com esse fundamento, por desconhecimento das verdadeiras razões para devolução do cheque em causa.  

Por último alega que o Banco pode recusar o pagamento e devolver o cheque, quando não tenha sido observado o respectivo prazo de validade, sendo que neste caso o cheque foi datado e apresentado a pagamento para além do prazo de validade que dele constava o que era do conhecimento da A., porque constante em dizeres legíveis no próprio impresso de cheque.

O 2º réu BB também contestou, em 5/5/14, alegando que, quer o cheque quer a declaração junta pela A., foram assinados por si na qualidade de legal representante da firma Q...... Lda., expirando o cheque em 09/03/2009.

Mais alega que nunca a referida sociedade acordou com a A. o preenchimento da data do cheque em apreço, tendo emitido e entregue o cheque na convicção de que este serviria de garantia de pagamento, no caso de qualquer das partes utilizar o direito de resolução do contrato promessa, o que nunca veio a acontecer.

Alega ainda, que a data limite para outorga do contrato prometido era o dia 09/03/09, razão pela qual a A. poderia preencher a data de emissão do cheque até essa data, conquanto fosse operada a resolução do contrato.

Mais alega que a sociedade acordou com a A. na venda das fracções em causa a um terceiro, devolvendo posteriormente o sinal entregue, devolução que não ocorreu por dificuldades financeiras da sociedade, a qual efectuou contactos e negociações com a A. no sentido de proceder ao pagamento em espécie, o que foi aceite apenas parcialmente por esta.

Por último, alega que nunca houve intenção de prejudicar a A. e que a comunicação ao banco alertando para o prazo de validade do cheque, se deveu a ter sido atingido este prazo, sem que o cheque tivesse sido presente a pagamento ou estivessem reunidas as condições para o ser e que os créditos da A. o são sobre a referida sociedade, reclamados já na insolvência da mesma, não existindo qualquer facto pessoal dos RR. que os constitua no dever de indemnizar a A.

Por requerimento de 25/2/15, o ...., alegando que, depois da apresentação da sua contestação, ocorreu um evento que fundamenta a sua ilegitimidade substantiva, já que, por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal (BP) de 3/8/2014, foi sujeito à aplicação de uma medida de resolução, por via da qual a responsabilidade eventualmente em causa nestes autos se transferiu para a sociedade B.........., S.A. (NB), nova entidade constituída nesse momento, requer que esta última seja investida na posição processual anteriormente assumida pelo requerente .....

Sobre esse requerimento recaiu o despacho proferido em 11/3/2015, que determinou a substituição nestes autos do .... pelo NB, ao abrigo do disposto no art.269º, nº2, do CPC.

Por requerimento de 7/4/2015, o NB pediu a reforma daquele despacho, por entender que não podia ter sido efectuada a aludida substituição processual com base no citado artigo.

Tal requerimento foi indeferido por despacho de 13/4/2015, onde se considerou que os fundamentos invocados não se integram no conceito de reforma, quer dos despachos, quer das sentenças.

Entretanto, foi admitida a alteração da causa de pedir requerida pela autora, no sentido de deixar de se ter por fundamento da responsabilidade dos réus singulares o ilícito decorrente de falsificação de documento, devendo a declaração de extravio ser tomada por declaração de anulação.

Após o saneador, foi proferido despacho onde se identificou o objecto do litígio e se mencionaram os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 14/1/2016, julgando a acção parcialmente procedente e condenando o NB a pagar à autora a quantia de € 166.300,00, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal de 4% desde 24/1/11 até integral pagamento, tendo os demais réus sido absolvidos do pedido, sendo que, tal sentença foi notificada ao NB em 25/1/16.

Antes dessa notificação, porém, por requerimento de 20/1/16, o NB, invocando as deliberações do BP de 29/12/15, publicadas no site do BP em 13/1/16, havia pedido que se determinasse a substituição da posição de sujeito processual passivo, ora ocupada pelo NB, pelo .....

Sobre este requerimento não chegou a recair qualquer despacho, já que, entretanto, o NB, ao ser notificado da sentença da 1ª instância, interpôs recurso de apelação da mesma, bem como do referido despacho de 11/3/15.

Foi, então, proferido o Acórdão da Relação de Lisboa, de 29/11/16 (fls.605 e segs.), onde, na procedência do recurso interlocutório, se decidiu:

- revogar o despacho recorrido;

- absolver o NB da instância;

- anular todos os actos praticados nos autos a partir da substituição do .... pelo NB, nos termos do art.269º, do CPC;

- ordenar o prosseguimento dos autos contra o ...., precisamente a partir daquele momento processual em que foi substituído pelo NB.

Inconformada, a autora interpôs recurso de revista daquele acórdão.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

 2 – Fundamentos.

2.1. A autora-recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

Deliberações do Banco de Portugal, de 03.08.2014 e de 11.08.2014

1. Não se trata, nos presentes autos, de "sindicar a validade formal e substancial da deliberação do Banco de Portugal", mas sim de interpretar e aplicar essa mesma deliberação - atividade que compete exclusivamente aos Tribunais [aqui comuns], para uma correta aplicação do Direito ao caso concreto;

2. O Tribunal da Relação de Lisboa, independentemente da validade formal ou substancial da deliberação do Banco de Portugal, tinha que a interpretar e aplicar, por forma a aferir se, no âmbito da mesma, se pode enquadrar ou não o direito [de crédito] da aqui A. e Recorrente;

3. A primeira conclusão a ser retirada, decorrente dos pontos 11, 12 e 16 da deliberação do Banco de Portugal, de 03.08.2014, é a de que, com a criação do B.........., o Banco de Portugal teve em vista a sucessão, nos direitos e obrigações do ...., para todos os efeitos legais e contratuais;

4.A segunda conclusão a ser retirada dos referidos pontos 11, 12 e 16 da deliberação do Banco de Portugal, de 03.08.2014, assim como da ordem com que vêm enumeradas [elemento sistemático] e conteúdo [elemento racional] das exceções [subalíneas i] a vii]] elencadas no alínea b] do Anexo 2], é a de que o objetivo das mesmas é proteger o B.......... da exposição ao universo do Grupo E........ (G....) e seus acionistas, obrigacionistas e administradores. Deste modo as exceções impostas nas subalíneas i] a vii] têm de ser vistas neste contexto, ou seja, em tudo o que se relacione com o G....., os seus acionistas, obrigacionistas, administradores e entidades do seu universo;

5. É que, vem a referida subalínea, no seguimento das anteriores, motivada [elemento racional] na necessidade de proteção do B.......... do G...e não do cidadão comum - como é o caso da aqui A. e Recorrente - , que manteve uma normal relação comercial com o ...., o qual, por sua vez, atuou no âmbito da sua normal atividade bancária- no caso, como banco sacado;

6. Em qualquer caso, mesmo que se entendesse que a subalínea v] se aplicava também ao dito cidadão comum - o que por mero hipótese se pondera, sem se conceder - sempre se diria que não está em causa nos presentes autos uma "fraude" ou "violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais";

7. O que está em causa é a violação de um direito ou interesse protegido do sacador do banco pelos artigos 32.º da Lei Uniforme do Cheque [LUCH] - do ramo do Direito Comercial - e 483 º n.º 2 do Código Civil - do ramo do Direito Civil - no âmbito do normal exercício da atividade bancário por parte do ....;

8. O cheque objeto dos autos foi sacado sobre uma conta contratualizada entre o B...e a "Sociedade de Urbanização e Construção, Q......., Lda.", sediado naquele banco. As relações inerentes à convenção de cheque entre o B... e a dita sociedade estendem-se às relações do banco com terceiros - nomeadamente à aqui A. e Recorrente - no que concerne aos direitos e deveres em matéria de pagamento de cheques emitidos sobre aquela conta;

9. O Tribunal de l.ª Instância não considerou estar em causa o cometimento de uma "fraude" ou a "violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais" por parte do ...., mos sim o mero incumprimento por parte deste de deveres no decurso da atividade bancária, como acontece em variados e normais situações do giro bancário;

10. O Tribunal de l.ª Instância considerou que houve erro do .... ou dos funcionários deste no tratamento do cheque dos autos. A norma violada foi a constante do artigo 32.º da LUCH - sendo o banco responsável nos termos previstos no artigo 14.º, 2.ª parte, do Decreto n.º 13004 - e do artigo 483.º, n.º 1, do Códiqo Civil. Estamos, assim, no domínio do Direito Comercial e do Direito Civil, mais propriamente, da responsabilidade civil por violação de um direito ou interesse legalmente protegido da A. e Recorrente;

11. Isto é, a sentença acima referida não condenou o B.......... por "violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais", mas sim por violação de normas dos ramos do Direito Comercial e Civil;

12. O Banco de Portugal, ao transferir, no âmbito da resolução do ...., toda a atividade deste para o B.........., com exceção da associada às outras entidades do GES, transferiu para o B.......... toda a atividade inerente à conta bancária da "Sociedade de Urbanização e Construção, Q......, Lda." e, como não podia deixar de ser, incluindo quaisquer responsabilidades com ela conexas;

13. Em face do teor da sentença proferida pelo Tribunal da l.ª Instância, que condena com base na LUCH, não há qualquer razão que justifique a manutenção da dívida no ...., ao invés de a transferir para o B..........;

14. Assim, a responsabilidade dos presentes autos não é uma responsabilidade que caiba na subalínea v] do alínea b] do Anexo 2 e, portanto, foi efetivamente transferida para o B........... De onde se conclui que a responsabilidade decorrente do não pagamento do cheque se transferiu para o B.........., devendo, por isso, ser totalmente revogado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu absolver da instância o R. B.........., SA., confirmando-se assim, o teor do despacho proferido em 11.03.2015 pelo Tribunal da l.ª Instância, quanto à substituição do B...SA. pelo B.........., SA, como parte (Réu] nesta ação;

Deliberação do Banco de Portuqal, de 29.12.2015

15. O que assistimos, na realidade, com a deliberação tomada pelo Banco de Portugal, em 29.12.2015, foi a uma pessoa coletiva de direito público (administração], no exercício da função administrativa do Estado, substituir-se ao juiz, quando estava em causa o proferimento de decisões judiciais;

16. Com o referida deliberação, veio o Banco de Portugal criar uma espécie de "catálogo", no qual insere processos em que os juízes devem decidir pela legitimidade do B... em vez do B..........[!];

17. O que decorre da nossa lei - nomeadamente do Código do Processo nos Tribunais Administrativos - é que os tribunais julgam do cumprimento pela administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não o contrário, isto é, não é a administração [Banco de Portugal] que julga as ações pendentes nos tribunais ou quem é parte nelas, que visam dirimir conflitos entre particulares;

18. É aos tribunais que incumbe não só decidir litígios entre particulares, no âmbito de interesses privados - como é o caso dos presentes autos, em que se contrapõem interesses de uma entidade bancária [seja ela o B....ou o B..........] e da A. e Recorrente -, como também conflitos de interesses públicos e privados;

19. É aos tribunais que cabe decidir se esse interesse público se deve sobrepor ao interesse privado, caso a caso, designadamente em cada processo judicial em curso. Que o Banco Portugal manifeste a sua vontade em pretender colocar e retirar o B... o B.......... de processos judiciais em curso, é uma coisa; que essa vontade seja imposta aos tribunais é outra bem diferente;

20. Por outro lado, conforme decorre do artigo 205.º da CRP, são as decisões dos tribunais que se impõem a quaisquer outros entidades e não o contrário, isto é, que as decisões de autoridades administrativas [aqui do Banco de Portugal] se impõem aos tribunais;

21. Uma deliberação que imponha aos tribunais uma decisão quanto à legitimidade processual do .... ou do B.......... nos processos que constam do referido "catálogo" torna, desde logo, a deliberação de 29.12.2015 absolutamente inconstitucional, ou nula, por violação direta dos princípios do Estado de Direito e da separação de poderes, consagrados nos artigos 2.º, lll.º, 202.º e 205.º da CRP;

22. Aquilo a que assistimos, na realidade, é a uma inaceitável ingerência do poder administrativo no poder judicial, a qual colide, também, com o princípio da independência deste, consagrado no artigo 203.º da CRP;

23. Por isso, não pode o conselho de administração do Banco de Portugal reunir-se para deliberar sobre quais os processos judiciais pendentes em que deve ser dada legitimidade processual ao ...., absolvendo-se da instância o B........... Essa é uma tarefa que compete aos tribunais, no âmbito do exercício da Função jurisdicional, que lhe está constitucionalmente cometida.

24. Ao Banco de Portugal cumpre a tarefa de proferir deliberações de resolução de bancos nacionais. Aos tribunais cumpre interpretar essas mesmas deliberações – interpretação legislativa, com recurso aos elementos literal, sistemático e racional – e decidir pela sua aplicação ou não ao caso concreto.

25. Além disso, o "catálogo" de processos constante da deliberação do Banco de Portugal, de 29.12.2015, surge depois da resolução do ...., quando vários processos judiciais já estavam em curso, alguns deles com decisões judiciais proferidas, habilitando o B.......... nos processos no lugar do .... ou decidindo do mérito da causa condenando o B.......... no cumprimento de obrigações, como no caso dos autos;

26. O que quer dizer que a referida decisão do Banco de Portugal surge convenientemente, para alterar a composição subjetiva dos litígios em curso, pondo ainda em causa a confiança que as partes têm no decurso da marcha processual, "desviada" para a "absolvição do B.......... e sem qualquer fundamento, o que viola o princípio do Estado de direito, ínsito no artigo 2º da CRP;

27. 0 exposto vale, igualmente, para as normas ao abrigo das quais o Banco de Portugal tomou as deliberações em apreço. Nesse sentido, os artigos 144.º e seguintes, do RGICSF não podem ser interpretados e aplicados como permitindo ao Banco de Portugal determinar em que processos judiciais concretos o banco resolvido [aqui o ....] é parte ou é substituído pelo banco novo [o B..........], muito menos quando esses processos estão em curso, o banco novo já substituiu o banco resolvido e há decisão condenatória do banco novo no cumprimento de obrigações, sob pena dessas normas serem inconstitucionais por violação daquelas disposições constitucionais;

28. Assim, e por maioria de razão, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa sustentado a decisão recorrido na deliberação do Banco de Portugal, de 29.12.2015 - não o fazendo de forma expressa, mas subscrevendo a posição adotada em sede de alegações de recurso, pelo R. e aí Recorrente B.......... -, feriu-a inelutavelmente de inconstitucionalidade, ou de nulidade, por violação daquelas disposições constitucionais, cuja declaração aqui se reclama, para todos os efeitos legais:

29. Mas não é só pela violação do princípio da separação de poderes que a deliberação do Banco de Portugal, de 29.12.2015, e, consequentemente, a decisão recorrido, padecem de inconstitucionalidade, ou de nulidade;

30. O Banco de Portugal tomou a deliberação de 29.12.2015 com base num alegado interesse público. Compreende-se que haja interesse público em libertar o B.......... dos "ativos de má qualidade" relacionados com a exposição do B.... ao G...., e aos seus acionistas, obrigacionistas, administradores e entidades do seu universo -, que alegadamente contribuíram para o descalabro económico-financeiro do banco;

31. Acontece, porém, que o direito [de crédito] da R. e Recorrente não é um "ativo de má qualidade", antes pelo contrário, decorre da normal atividade bancária do B...., e não de uma hipotética relação com o G..... seus acionistas, obrigacionistas, administradores e entidades do seu universo. Ou, por outro, se é um "ativo de má qualidade", o Banco de Portugal, até à presente data, não o disse expressamente;

32. Não basta ao Banco de Portugal dizer que é do interesse público. É preciso demonstrá-lo inequivocamente, sob pena da decisão ser considerada – como o é pela aqui A. e Recorrente - arbitrária;     

33. Ora, o Banco de Portugal nem fundamentou a decisão de inserir o número do processo a que respeitam os presentes autos no "catálogo" dos processos que devem ficar no ...., nem notificou a A. e Recorrente da decisão de inclusão do processo no dito catáloqo - só vindo a mesma a ter conhecimento da existência desse "católogo'' por via das alegações de recurso do R. B..........;

34. Assim, o Banco de Portugal violou igualmente os deveres de fundamentar e comunicar à A. e Recorrente o ato administrativo que afetou diretamente o seu direito, consagrados no artigo 268.º, n.º l e 3 da CRP;

35. E, conforme decorre do artigo 18.º, n.º l da CRP, "Os preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas ";

36. Pelo exposto, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa sustentado a decisão recorrida na deliberação do Banco de Portugal, de 29.12.2015 - não o fazendo de forma expressa, mas subscrevendo a posição adotada em sede de alegações de recurso, pelo R. e aí Recorrente B.......... -, feriu-a inelutavelmente de inconstitucionalidade, ou de nulidade, por violação das referidas disposições constitucionais, cuja declaração aqui se reclama, para todos os efeitos legais.

Termos em que, e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente:

a) Ser mantido o despacho proferido pelo Tribunal de l.ª Instância de 11.03.2015, o qual ordenou a substituição do B...., SA. pelo B.........., SA. como parte [Réu] nesta ação,

E, consequentemente

b) Ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, para apreciação dos fundamentos do recurso principal interposto pelo R. B.........., SA.

2.2. O recorrido NB contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

1ª - De acordo com o artigo 1.º da Lei Orgânica do B...., aprovada pela Lei 5/98, de 31 de Janeiro, 0 Banco de Portugal é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e património próprio”.

2ª - E nos termos do artigo 17.º A dessa mesma Lei Orgânica "compete ao Banco de Portugal desempenhar as funções de autoridade de resolução nacional, incluindo, entre outros poderes previstos na legislação aplicável, os de elaborar planos de resolução, aplicar medidas de resolução e determinar a eliminação de potenciais obstáculos à aplicação de tais medidas, nos termos e com os limites previstos na legislação aplicável".

3.ª - Essa legislação aplicável é aquela que consta do RGICSF, e que em 03.08.2014 constituía o Capítulo IV - Resolução - do Título VIII - Intervenção correctiva, administração provisória e resolução (artigos 145.º A a 145.º-Q).

4.ª - Assim, o Conselho de Administração do Banco de Portugal, enquanto Autoridade de Resolução Nacional, decidiu, em 03.08.2014, no usos dos poderes que legalmente lhe foram conferidos, aplicar ao .... a Medida de Resolução, prevista, ao tempo em que foi proferida, no artigo 145.2-A do RGICSF, nos termos do qual "o Banco de Portugal pode aplicar, relativamente às instituições de crédito com sede em Portugal a medida de resolução, nos termos do presente capítulo (o mencionado capítulo IV), com o objectivo de prosseguir qualquer das seguintes finalidades:

a) Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais;

b) Acautelar o risco sistémico;

c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público;

d) Salvaguardar a confiança dos depositantes."

5.ª - O prosseguimento dessas finalidades com a medida de resolução aplicada ao .... estão bem patentes nos considerandos da deliberação do BdP de 03.08.2014, que dão conta de uma situação insustentável e inadiável de falta de liquidez do B...., provocada por várias razões que ali se referem, entre elas, a decisão do B... de suspensão do B..., como contraparte de operações de política monetária, o que passou a impedir o B... de recorrer ao financiamento junto do B....

6.ª - Factos aqueles que, segundo o B..., colocaram o B... numa situação de risco sério e de grave incumprimento a curto prazo das suas obrigações, o que poderia desembocar numa entrada em processo de liquidação, "o que representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira" (vide considerando 7. da deliberação).

7.ª - A Medida de Resolução adaptada em 03.08.2014, teve como objectivo salvaguardar o interesse público, que sairia fortemente abalado com uma situação de o B...entrar em processo de liquidação, devido às inultrapassáveis faltas de liquidez em que se encontrava, que não lhe permitiriam honrar os seus compromissos, o que geraria danos irreparáveis para a generalidade dos depositantes, lançando a destabilização financeira e o alastramento da falta de confiança dos cidadãos e das empresas no sistema financeiro em geral, com graves consequências de dimensão imprevisível, nomeadamente de elevada perturbação no funcionamento da economia e prejuízos para o erário público.

8.ª - No âmbito daquela medida de resolução do B..., o BdP deliberou criar o B.........., como um banco de transição e de transferir para o mesmo um conjunto concreto de activos, passivos, elementos extra patrimoniais e activos sob gestão do B..., que foram elencados no Anexo 2 àquela deliberação.

9.ª - No uso dos seus poderes como autoridade de resolução nacional, por deliberação de 11 de Agosto de 2014, o B... procedeu ao ajustamento e clarificação do perímetro dos activos, passivos, elementos extra patrimoniais e activos sob gestão do B..., transferidos deste para o B...........

10.ª - E, em 29.12.2015, o Bd... procedeu a novos ajustamentos e clarificações daquele perímetro, aprovando as seguintes duas Deliberações:

a) Deliberação relativa à clarificação e tratamento de responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas, nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014, bem como à sua retransmissão para o B..., no caso de entretanto ter ocorrido, em alguma situação, a transferência daquelas responsabilidades contingentes e desconhecidas para o B.......... ("Deliberação Contingências").

b) Deliberação que procede a um novo ajustamento do perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, transferidos do B... para o B.........., actualizando e consolidando o texto do Anexo 2 à Deliberação do Bd... de 03.08.2014, que define aquele perímetro - "Deliberação Perímetro"].

11.ª - A "Deliberação Contingências" procedeu, em particular, àquelas clarificações, constando da respectiva fundamentação o facto de o B... ter considerado "ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do B... (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra­ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do B... nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.!l 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo B.......... e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo B...." (vide n.º 7).

12.ª - Considerou também aquela deliberação ser importante "clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do B... (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais}, independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do B...S, estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o B.........." (vide n.º 9).

13.ª - Entre os passivos excluídos da transferência do B... para o NB, contam-se, nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à deliberação do Conselho de Administração do BdP de 3 de Agosto de 2014, com as alterações no mesmo introduzidas pela deliberação do mesmo Conselho de 11 de Agosto de 2014, "quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente (sublinhado nosso) as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais".

14.ª - As clarificações e ajustamentos feitos ao perímetro dos activos e passivos transferidos do B... para o N.. estão incluídos nos poderes legalmente conferidos ao BdP como autoridade de resolução nacional.

15.ª - A Medida de Resolução aplicada ao B...oi, nos termos do considerando 16 da deliberação do BdP de 03.08.204, classificada de "manifesto e urgente interesse público".

16.ª - No âmbito dos presentes autos, a Recorrente, invoca direitos indemnizatórios, por alegada violação dos artigos 32.º da LULL e 483.º, n.º 2 do CC, por alegados actos ocorridos em 24.01.2011, ou seja, há mais de 4 anos e muito antes de o aqui Recorrido ter sido criado.

17.ª - Como sempre foi sustentado pelo Recorrido nos presentes autos, a eventual existência do direito indemnizatório invocado pela Recorrente é uma responsabilidade contingente, litigiosa concretizada no facto de o tribunal poder (ou não) condenar o ...., no pagamento da indemnização pedida pela Recorrente, responsabilidade contingente essa que se manteve no B... e nunca foi transferida para o Banco ora Réu.

18.ª - Essa posição do N... foi ainda mais reforçada pelo conteúdo da Medida de Resolução, à luz das deliberações do BdP, de 29 de Dezembro de 291s, acima mencionadas.

19.ª -  Em primeiro lugar, nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n.2 1 do Anexo 2 à Medida de Resolução, aprovada pela deliberação do Co1selho de Administração do BdP de 3 de Agosto de 2014, com as alterações no mesmo introduzidas pela deliberação do mesmo Conselho de 11 de Agosto de 2014, este excluiu da transferência do .... para o B.......... "quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente (sublinhado nosso) as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais".

20.ª - Tal entendimento foi absolutamente confirmado, quer pela "Deliberação Contingências" do BdP de 29.12.2015 [vide alínea A], quer pela "Deliberação Perímetro", também do BdP, da mesma data, [vide alínea A) do seu Anexo 2C], ali se clarificando que "[n]os termos da alínea b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do .... para o B.......... quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do .... que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registados na contabilidade do ...." (realce nosso).

21.ª - Em segundo lugar, mas ainda mais decisivo para a exclusão de responsabilidade do B.........., na alínea B) da “Deliberação Contingências” e na alínea B) do Anexo 2C da “Deliberação Perímetro”, ambas de 29.12.2015, é feita uma delimitação, em particular, da não transferência de responsabilidades do .... para o B.........., de onde decorre que “[qualquer responsabilidade que seja objeto de qualquer dos processos descritos no Anexo I” (realce nosso) ficou excluída da transferência para o B...........

Ora nesse Anexo I consta relacionado em I.1. - Processos existentes a 3 de Agosto de 2014, a pág. 9 da deliberação, na posição 17.ª dessa página, o processo 52/14.6TVLSB, que é justamente o presente processo.

22.ª - Em terceiro lugar, as deliberações do BdP, ao definirem o perímetro dos activos, passivos, elementos e extrapatrimoniais e activos sob gestão do .... que foram transferidos para o NB, patente no Anexo 2 à deliberação de 03.08.2014, nunca se referem a transmissão de contratos, nem de direitos e obrigações, mas apenas a transferência de activos, de elementos extrapatrimoniais, de passivos e de activos sob gestão.

23.ª - Por outro lado, essa transferência ocorreu "ope legis" e não em virtude de cessão da posição contratual, que tem um regime específico, envolvendo, nomeadamente, a necessidade de consentimento das partes contratantes, nos termos do artigo 424.º do Código Civil, conforme expressamente consta do Acórdão recorrido.

24.ª - De onde se conclui, sem margem para dúvidas, que o B.......... nunca poderia ser responsabilizado, como pretende a Recorrente, pelos factos por ela alegados nos presentes autos, ainda que houvesse alguma responsabilidade do .... - no que também não se concede.

25.ª - Além de as deliberações do BdP de 29.12.2015, na parte que interessa aos presentes autos, configurarem uma interpretação autêntica do teor da Medida de Resolução, ambas constituem deliberações proferidas pelo órgão competente da autoridade de resolução nacional, com competência legal para o efeito (o BdP), com valor normativo e às quais, por tudo o exposto, os Tribunais devem obediência.

26.ª - As responsabilidades que se discutem nos presentes autos são contingentes e reportam-se a factos/actos anteriores a 3 de Agosto de 2014.

27.ª - Por isso, não foram transferidas para o B.........., e, em consequência, radicam na esfera jurídica do ...., de onde não saíram e aí se mantiveram.

28.ª - A Recorrente, imputa às Deliberações do BdP de 29.12.2015 ilegalidades várias para, subsequentemente, peticionar ao Tribunal ad quem que as declare nulas e/ou anuláveis, mas, em primeiro lugar, como bem referido na douta decisão recorrida, fá-lo junto de jurisdição absolutamente incompetente para apreciar da validade das deliberações do BdP.

29.ª - O BdP é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, ao qual compete, em especial, no âmbito dos poderes de resolução, desempenhar as funções de autoridade de resolução nacional, incluindo, entre outros poderes previstos na legislação aplicável, os de elaborar planos de resolução, aplicar medidas de resolução e determinar a eliminação de potenciais obstáculos à aplicação de tais medidas, nos termos e com os limites previstos na legislação aplicável (cfr. artigo 17.2-A da Lei n.2 5/98).

30.ª - Quando exerce os poderes de resolução, o BdP age no exercício de poderes de autoridade, sendo-lhe aplicáveis as disposições do Código do Procedimento Administrativo ("CPA") e quaisquer outras normas e princípios de âmbito geral respeitantes aos actos administrativos do Estado (cfr. artigo 64.º da Lei n.º 5/98).

31.ª - As deliberações do BdP de 29.12.2015, que a Recorrente pretende ver declaradas nulas, foram tomadas pelo BdP, no exercício daqueles poderes de resolução, enquanto deliberações que visam esclarecer a Medida de Resolução, adaptada em 03.08.2014 e complementada em 11.08.2014.

32.ª - Por isso, os Tribunais a quo e ad quem não são competentes para sindicar a validade formal e substancial dos actos do BdP, reservada à jurisdição administrativa, nos termos do artigo 4.º/1 al. d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do artigo 40.º/1 da Lei n.2 62/2013, de 26.08.

33.ª - De todo o modo, as deliberações do BdP de 29.12.2015 não violam os princípios do Estado de Direito, da separação de poderes, da independência do poder judicial e do princípio da confiança, nem as normas do RGICSF atinentes às medidas de resolução, o direito à fundamentação, o princípio de salvaguarda dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e o princípio da prossecução do interesse público.

34.ª - O BdP não se substituiu a qualquer Tribunal, nem limitou o poder jurisdicional dos Tribunais, uma vez que o que resulta das suas deliberações, para o que interessa aos presentes autos, é que as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do ...., à data da criação do B.........., S.A., em 03.08.2014, não foram transferidas para o Recorrido, mantendo-se na esfera jurídica do .....

35.ª - As deliberações do BdP não limitam o poder jurisdicional dos Tribunais de decidirem da forma como os mesmos entenderem ser de Justiça, limitando-se, dentro da competência normativo-regulamentar que lhe compete, a definir, por deliberação, o perímetro dos activos e passivos que se transferiram do .... para o NB, tendo os Tribunais plena competência e liberdade, como não podia deixar de ser num Estado de Direito, de interpretarem as deliberações do BdP e de as aplicarem com esse conteúdo interpretativo.

36.ª - Em momento algum, a CRP ou a Lei ordinária impõem que conste da fundamentação a ponderação dos interesses públicos e privados em presença, nem tal seria exequível quando o acto em causa abrange uma pluralidade enorme de sujeitos.

37.ª - Na fundamentação - direito dois particulares e dever da Administração - deve constar, com clareza, suficiência e coerência, os fundamentos do próprio acto, devendo poder-se reconstituir o iter cognoscitivo do procedimento, que terminou na prática daquele acto. Em momento algum se exige, no texto constitucional ou na Lei ordinária, que a fundamentação reflicta a ponderação dos interesses públicos e privados em presença.

38.ª - As deliberações do BdP não afectaram qualquer direito de crédito da Recorrente, pois a mesma não era titular de nenhum direito (de crédito) à data em que quaisquer umas das Deliberações do BdP foram proferidas. De facto, os direitos que a Recorrente invoca não pré-existiam na sua esfera jurídica, à data da Medida de Resolução e, como tal, não podem ter sido prejudicados, afectados, restringidos ou suprimidos pelas deliberações do BdP.

39.ª - Assim, as deliberações do BdP, nomeadamente as de 29.12.2015, não são inconstitucionais, por violação do princípio da separação de poderes, da independência do poder judicial ou da violação do princípio da confiança.

40.ª - E não violaram o dever de fundamentação plasmado na Constituição ou o princípio da imparcialidade.

41.ª - O douto Acórdão recorrido não merece qualquer censura, não tendo violado qualquer norma, pelo que deve manter-se na íntegra.                     

2.3. A questão fulcral que importa apreciar no presente recurso, consiste em saber se o despacho proferido em 11/3/15 merece censura, por ter determinado «a substituição nestes autos do ...., S.A. pelo B.........., S.A. (art.269º nº2 do C.P.C.)».

Assim, o aludido despacho é do seguinte teor:

«Tendo em atenção o requerimento junto aos autos com a data de 25 de Fevereiro de 2015 e o texto da deliberação igualmente junta com o mesmo requerimento, entende-se que efectivamente se transmitiu para o B.......... S.A. o eventual crédito que venha a ser reconhecido à autora, determinando-se assim a substituição nestes autos do ...., S.A. pelo B.........., S.A. (art.269º nº2 do C.P.C.)».

No referido requerimento de 25/2/15, o .... havia defendido o entendimento de que, face às deliberações do BP de 3/8/14 e de 11/8/14, nos termos e para os efeitos previstos no art.269º, nº2, do CPC, deve o réu .... ser substituído pelo B.........., S.A., assumindo este a posição processual que aquele assumia neste processo.

O mencionado despacho foi revogado pelo acórdão ora recorrido, com base na seguinte argumentação:

«Sabemos que o B........../recorrente foi constituído por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, tomada em reunião extraordinária de 3-8-2014, nos termos do n° 5 do artigo 145°-G do Regime Legal das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras/RLICSF como uma nova sociedade, habilitada a desenvolver a actividade bancária, completamente autónoma e independente do B..........., SA.

Nova deliberação da mesma entidade/BdP de 11-8-2014 transferiu para o B........../NB os activos e passivos, devidamente constituídos e consolidados pelo respectivo valor contabilístico.

Segundo o n° 5 do texto consolidado do Anexo 2 à deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3-8-2014, ficam excluídas quaisquer responsabilidades ou contingências do B....../B... - cfr. subalínea (v) da alínea (b) do Anexo 2 à referida deliberação do Banco de Portugal de 3-8-2014, na redacção que lhe foi conferida pela deliberação do mesmo Conselho de 11-8- 2014.

Precisando, o Banco de Portugal determinou a exclusão das responsabilidades do .... que não constituam passivo consolidado e quaisquer contingências do âmbito da transferência para o B.......... - cfr. considerando 21 da deliberação do BdP de 11-8-2014.

Defende a recorrida/A, nuclearmente:

“a responsabilidade objecto dos autos não se integra na violação de quaisquer disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais sendo uma responsabilidade decorrente da violação de um direito ou interesse protegidos pelos artigos 32 da LUCH e 4830 n. º 2 do Código Civil no exercício normal da actividade do ....”.

Contrapõe o recorrente R/B.........., com pertinência, que:

"O BdP, através da sua deliberação de 29.12.2015 ("Contingências") veio, a páginas 5 da mesma, confirmar, em absoluto, o entendimento do aqui Recorrente acima expresso, ao, na respectiva alínea A), "clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do .... para o B.......... quaisquer passivos ou elementos extra patrimoniais do .... que, às 12:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do ....; um dos objectivos dessa deliberação é, nos termos da mesma (vide n.º 19, alínea a.) "clarificar o tratamento de responsabilidades contingentes e desconhecidas do .... (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contenciosos pendente ou contingências decorrentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra­ordenacionais, independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do ...., nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n. o 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto"; é absolutamente esclarecedor, no que toca àquela clarificação, o que, quanto aos respectivos fundamentos se refere no n.º 7 daquela deliberação do BdP: "o Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do .... (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e, responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatôrias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do .... nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n. o 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo B.......... e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo ...."; e absolutamente esclarecedor é, também, quanto ao alcance dessa clarificação, o conteúdo do n." 9 da mesma deliberação: "Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do .... (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra­ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do ...., estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n. o 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o B.......... "; para além da clarificação atrás referida, feita pela deliberação do BdP de 29.12.2015 ("Contingências") que constitui uma interpretação autêntica feita pelo Conselho de Administração do BdP, este, naquela sua deliberação, Alínea 8), determina ainda que "em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do .... para o B.......... (..) (vii) qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos no Anexo 1"; ou seja, nos termos daquela deliberação são "responsabilidades litigiosas" não transferidas para o B.......... (cfr. alínea 8), (vii), ou, se efectivamente Banco, retransmitidas deste para o .... (cfr. alínea C) da mesma deliberação), transferidas para o Novo designadamente aquelas que são objecto dos processos descritos no respectivo Anexo 1; ora nesse Anexo 1 consta relacionado em 1.1. - Processos existentes a 3 de Agosto de 2014, a pág. 9 da deliberação, na posição 17. ° dessa página, o processo 52/14. 6 TVLSB, que é justamente o presente processo; o que significa que a deliberação do BdP de 29.12.2015 ("Contingências") clarifica de forma concreta e individualizada, que as responsabilidades que a Autora imputava ao .... nestes autos, não foi transferida para o aqui Recorrente B..........",

Na esteira do que já foi decidido neste Tribunal de Recurso e nesta mema Secção (1ª)"a alegada transferência para o B.........., SA., de todas as responsabilidades do B..........., SA., perante terceiros que constituam passivos deu-se, não por virtude dum qualquer negócio jurídico celebrado entre estas duas entidades - cuja validade formal e substantiva carecesse de ser sindicada oficiosamente pelo tribunal (nos termos do cito art.356°, n°.1, ai. b), do CPC em vigor), mas por acto de autoridade praticado pelo Banco de Portugal, no exercício de poderes de autoridade que lhe são conferidos pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras" - vide, pº 656/10.6TVLSB-A.L1, (Relator: Desembargador Torres Vouga/1º Adjunto nestes autos) e pº 2575/10. 7YXLSB-A.L1 (relatora: Rosário Gonçalves/2° Adjunto nestes autos).

Não cabe, em abstracto ao Tribunal Comum, e concretamente, ao Tribunal a quo, por onde corre o processo onde se discutem as responsabilidades assacadas pela A. ao ...., SA, sindicar a validade formal e substancial da deliberação do Banco de Portugal que determinou a referida transferência de responsabilidades - cfr. art.145°-H n09 do RGICSF, onde se preceitua, explicitamente, que: "a decisão de transferência produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade".

Tal competência é exclusiva dos Tribunais Administrativos, atento ao estabelecido no n° 1 do artigo 145.0 - AR1482 Meios contenciosos e interesse público -, do Regime Legal das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras/RLICSF:

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 12° (legislação específica que rege a actividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras) as decisões do Banco de Portugal que apliquem medidas de resolução, exerçam poderes de resolução ou designem administradores para a instituição de crédito objecto de resolução estão sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, com ressalva das especialidades previstas nos números seguintes, considerando os interesses públicos relevantes que determinam a sua adopção (e que não se aplicam a este caso).

Pelo que fica dito e nos termos das deliberações do BdP acima enunciadas, não podia o R. iniciallB........... ser substituído pelo B.........., nos termos do artº269° do CPC.

Destarte, verifica-se uma excepção dilatória inominada impeditiva do conhecimento do mérito da causa em relação ao B.........., por falta de interesse deste em contradizer a presente, na qualidade de R ..

Como refere Antunes Varela, "o interesse em agir, consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção" - in, Manual de Processo Civil, 2a edição, pág. 179 e ss.

O autor ou o réu só têm interesse processual, quando a situação de carência, em que se encontre, necessite da intervenção dos Tribunais.

Nas palavras de Manuel de Andrade, "embora a nossa lei não considere explicitamente este requisito, todavia, ele pode abonar-se com o artº662°, nº3 do CPC de 1961", disposição equivalente ao art.610°, n° 3 do actual CPC, cuja doutrina se explica justamente por faltar no caso o interesse processual - in, suas Noções Elementares de Processo Civil.

Face ao explicitado entendimento jurisprudencial e doutrinal, impõe­-se: Revogar a decisão recorrida em apreço; absolver da instância o R./B.......... e ordenar o prosseguimento da acção contra o primitivo R/...., o que pressupõe a anulacão de todos os actos posteriores à sindicada substituição do B........... pelo B..........».

Vejamos, agora, as razões invocadas pela recorrente para justificar a sua pretensão de ver mantido o despacho proferido pela 1ª instância em 11/3/15.

Alega a recorrente que não se trata, nos presentes autos, de «sindicar a validade formal e substancial da deliberação do Banco de Portugal», mas sim de interpretar e aplicar essa mesma deliberação, pelo que o Tribunal da Relação tinha que a interpretar e aplicar, por forma a aferir se, no âmbito da mesma, se pode enquadrar ou não o direito de crédito da recorrente.

Resulta do disposto no art.139º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), na redacção que lhe foi dada pelo DL nº31-A/12, de 10/2, que o BP, tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro, pode adoptar as medidas sujeitas aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como a gravidade das respectivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.

Sendo que, na adopção dessas medidas, o BP não se encontra vinculado a observar qualquer relação de precedência, estando habilitado, de acordo com as exigências de cada situação e os referidos princípios, a combinar medidas de natureza diferente (art.140º, do RGICSF).

Ora, de entre as medidas possíveis – intervenção correctiva, administração provisória ou medida de resolução – o BP optou, no caso do ...., por esta última (cfr. o art.144º, do RGICSF).

Mais optou o BP, no âmbito dos poderes que lhe são atribuídos e atento o disposto no art.145º-E, nº1, do RGICSF, por transferir a totalidade da actividade prosseguida pelo .... e um conjunto dos seus activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão para o NB, entidade criada transitoriamente para este efeito, que é exclusivamente detida pelo Fundo de Resolução, no qual participam todas as instituições de crédito com sede em Portugal.

Assim, o BP, no uso dos poderes que o RGICSF lhe confere (cfr., entre outros, os arts.139º, 140º, 145º-C, 145º-O, 145º-AB e 145º-AT) e também nos termos previstos nos arts.1º, 17º e 17º-A da sua Lei Orgânica, aprovada pela Lei nº5/98, de 31/1, deliberou quais as responsabilidades e contingências do .... que não seriam transferidas para o NB.

Deste modo, na reunião extraordinária do Conselho de Administração do BP, realizada no dia 3/8/14, pelas 20 horas, foi deliberado o seguinte:

Ponto Um – Constituição do B.........., SA

É constituído o B.........., SA, ao abrigo do nº5 do art.145º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aporvado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.

Ponto Dois – Transferência para o B.........., SA, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do B..........., SA

São transferidos para o B.........., SA, nos termos e para os efeitos do disposto no nº1 do artigo 145º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de dezembro, conjugado com o artigo 17º-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do B..........., SA, que constam dos Anexos 2 e 2ª à presente deliberação.

Ponto Três – Designação de uma entidade independente para avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o B.........., SA

Considerando o disposto no nº4 do artigo 145º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de dezembro, o Conselho de Administração designa a sociedade PricewaterhouseCoopers & Associados – Sociedade de Revisores de Contas, Lda (PwC SROC), para, no prazo de 120 dias, proceder à avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o B.........., SA.

No anexo 2, sob a alínea a), enumeram-se os critérios de acordo com os quais serão transferidos para o NB os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do ...., registados na contabilidade.

Sob a alínea b), do mesmo anexo, determina-se que «As responsabilidades do .... perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o B.........., SA, com exceção dos seguintes (“Passivo Excluído”)».

Para o que aqui interessa, há que ter em conta o passivo excluído na subalínea V daquela alínea b), do seguinte teor:

«Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais».

Posteriormente, na reunião extraordinária do Conselho de Administração do BP, realizada no dia 11/8/14, pelas 17 horas, foi deliberado, além do mais, clarificar e ajustar o perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do ...., transferidos para o NB, passando a referida subalínea V a ter a seguinte redacção:

«Quaisquer responsabilidades ou contingências nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais».

Na verdade, considerou-se no ponto 21 dos considerandos da deliberação de 11/8/14, que deve ser definido de modo mais preciso as exclusões constantes da aludida subalínea V.

Quando foi proferido o despacho recorrido – 11/3/15 – eram aquelas as deliberações que havia que ter em conta, aliás invocadas pelo .... quando requereu a sua substituição pelo NB.

Face a tais deliberações, há quem desde logo conclua, como se concluiu no Acórdão do STJ, de 2/11/17, disponível in www.dgsi.pt, que ficaram excluídas da transferência para o NB eventuais obrigações derivadas de “contingências”, designadamente das que possam eventualmente resultar da resolução de conflitos sujeitos a apreciação jurisdicional em processos pendentes.

Mas em casos como o dos autos, parece evidente, à luz das normas e deliberações atrás referidas, que a responsabilidade imputada ao .... não se transferiu para o NB.

Assim, note-se que, como se diz na sentença da 1ª instância, a autora peticionou o valor titulado por um cheque e respectivos juros, o qual teria sido recusado pelo .... com o fundamento nele inscrito de «cheque revogado por justa causa-extravio», na sequência de comunicação do emitente do mesmo, que pediu a sua anulação por estar ultrapassado o prazo de validade inscrito no referido cheque.

Ou seja, como também se diz naquela sentença: «Situa assim a A. a conduta dos RR. no âmbito da responsabilidade civil extra-contratual, nomeadamente por violação dos deveres decorrentes para o banco da apresentação do cheque a pagamento dentro do respectivo prazo (…)».

Ora, no que respeita à responsabilidade extracontratual, resultando ela de um facto ilícito e culposo e não pressupondo uma prévia obrigação que deixou de ser cumprida, não há qualquer associação a créditos cujo destino fica traçado pela conformação da medida de resolução.

Isto é, a ideia de imputação determina que o responsável não coincida com aquele que detém a obrigação, mas com aquele que actua de forma reprovável.

Por isso que, existindo uma situação geradora de responsabilidade, a imputação deverá ser feita em relação ao banco objecto da resolução e não em relação à instituição de transição.

Claro que seria pensável a transmissão dessa responsabilidade. No entanto, a decisão contrária não é ilegítima, já que não está em causa a sua exclusão mas sim a sua permanência na instituição de origem.

Note-se que, no caso dos autos, estamos perante uma responsabilidade litigiosa e contingente, desconhecida à data em que foi adoptada pelo BP a medida de resolução.

Sendo que, a eficácia desta medida fica dependente da capacidade que a autoridade responsável pela sua aplicação tenha de poder conformar livremente o seu conteúdo.

Nomeadamente, no que respeita à transferência de parte dos activos e passivo para uma instituição de transição, é fundamental que tal entidade possa selecionar, como base de determinação do valor do passivo e do activo, os créditos e obrigações a transferir.

É certo que essa liberdade não é absoluta, pois há que respeitar não só a teleologia do regime de resolução, como também os princípios normativos e a conformação das relações privadas que, antes da intervenção, se estabeleceram entre o banco e os diversos sujeitos que com ele interagiam (cfr., neste sentido, Mafalda Miranda Barbosa, in «Os Limites da Medida de Resolução», Boletim de Ciências Económicas, pág.41).

No entanto, não se vê que, no caso dos autos, as deliberações do BP de 3/8/14 e de 11/8/14 sejam atentatórias daqueles princípios e das finalidades do regime da resolução.

Segundo a recorrente, o Tribunal da Relação tinha que interpretar e aplicar a deliberação do BP, por forma a aferir se, no âmbito da mesma, se pode enquadrar ou não o seu direito de crédito.

Mas foi isso que se fez no acórdão recorrido, onde se concluiu que, nos termos das deliberações do BP (de 3/8/14, 11/8/14 e 29/12/15), não podia o réu inicial/.... ser substituído pelo NB, nos termos do art.269º, do CPC.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 30/3/17, in www.dgsi.pt, o BP actua no exercício de poderes que lhe estão conferidos por lei e as suas decisões, salvo se afastadas por via de decisão judicial para a qual é competente o contencioso administrativo, são vinculativas para os seus destinatários, por isso que se fala, em sede administrativa, na força do caso decidido em sentido formal, quando se pondera o paralelismo entre o acto administrativo e a sentença.

Pode, todavia, suceder, acrescenta-se no citado acórdão, que o alcance de decisão proferida pela entidade supervisora seja objecto de interpretação pelos tribunais no âmbito de determinada acção judicial, caso em que, se tal decisão vier a transitar em julgado, pode, por força do caso julgado proferido, impor-se a observância dessa decisão com a inerente interpretação.

Isto é, nada impede que os tribunais comuns, nos litígios que oponham particulares entre si, procedam à interpretação do alcance da decisão do BP.

Só que, no caso, tal interpretação concluiu pelo entendimento de que o eventual crédito da autora, ora recorrente, não se transmitiu para o NB, pelo que não podia o .... ser substituído pelo NB.

E não se diga que o objectivo da deliberação de 3/8/14 é o de proteger o NB do Grupo Espírito Santo (GES) e não do cidadão comum.

Na verdade, não é isso que resulta do teor daquela deliberação e dos respectivos considerandos, onde são contempladas várias situações que não têm a ver com o GES.

E também não se diga que, mesmo que se entendesse que a já referida subalínea V se aplicava também ao cidadão comum, não está em causa, nos presentes autos, uma fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais, pelo que, não sendo uma responsabilidade que caiba naquela subalínea, foi transferida para o NB.

 É que a subalínea V, na redacção que lhe foi dada pela deliberação de 11/8/14, alude expressamente a quaisquer responsabilidades ou contingências, para, depois, exemplificar, utilizando o vocábulo «nomeadamente», as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais.

Assim, não pode a recorrente socorrer-se daquela exemplificação para concluir que só as situações contempladas nos exemplos são abrangidas pela previsão da citada alínea V.

Por conseguinte, como já se referiu, face às deliberações do BP de 3/8/14 e de 11/8/14, únicas existentes à data em que foi proferido o despacho recorrido, já era de concluir que a responsabilidade imputada ao .... nos presentes autos não se transferiu para o NB.

 Ulteriormente, na reunião do Conselho de Administração do BP, realizada no dia 29/12/15, foi deliberado (Deliberação Perímetro), além do mais, alterar novamente a formulação da referida subalínea V, que passou a ter a seguinte redacção:

«Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou de violação de disposições ou determinações regulatórias, fiscais, penais ou contraordenacionais, com exceção das contingências fiscais ativas».

Por seu turno, a Deliberação Contingências, da mesma data, veio «Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do .... para o B.......... quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do .... que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registados na contabilidade do ....» (cfr. a al.A da deliberação).

Na al.B da mesma deliberação, clarificou-se desde logo, em particular, não terem sido transferidos do .... para o B.........., designadamente, «Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos no Anexo I» (subalínea VII).

Sendo que, o presente processo, com o nº 52/14.6TVLSB, faz parte dessa listagem.

Verifica-se, assim, que, no caso dos autos, as referidas deliberações do BP de 29/12/15, quer na parte em que foi dada nova redacção à subalínea V, quer na parte em que se procedeu à aludida clarificação, mais não fizeram do que confirmar a conclusão que já se retirava das deliberações de 3/8/14 e de 11/8/14.

Ou seja, ainda que não tivessem sido adoptadas tais deliberações, nomeadamente com indicação do presente processo como sendo um dos que tem por objecto responsabilidade que não foi transferida do .... para o NB, sempre a solução seria no sentido dessa não transferência, como resulta do atrás exposto.

Assim sendo, as questões suscitadas pela recorrente a respeito de eventuais inconstitucionalidades, seja da deliberação de 29/12/15, seja das normas ao abrigo das quais tal deliberação foi tomada, bem como das respectivas consequências, não carecem de ser resolvidas, uma vez que a decisão de tais questões está prejudicada pela solução dada à questão colocada face às deliberações do BP de 3/8/14 e de 11/8/14 (cfr. o art. 608º, nº2, 1ª parte, do CPC).

De todo o modo, sempre se dirá que, no caso dos autos, como já se acentuou, estamos perante uma responsabilidade extracontratual, pelo que não se colocam aqui problemas relacionados, designadamente, com responsabilidade pré-contratual, responsabilidade pela confiança ou pela violação de deveres decorrentes da boa fé (numa relação contratual).

Dir-se-á, ainda, que as questões de inconstitucionalidade que têm sido suscitadas perante este Supremo Tribunal, a propósito da referida deliberação do BP de 29/12/15, têm merecido, invariavelmente, resposta negativa, como se pode ver pelos seguintes Acórdãos do STJ:

- de 26/9/17, in www.dgsi.pt

- de 2/11/17, in www.dgsi.pt

- de 23/3/18, in www.dgsi.pt

- de 22/5/18, in www.dgsi.pt

- de 18/9/18, proferido no proc. nº3938/15.7T8VFR-A.P1.S2 – 6ª Secção

- de 4/10/18, proferido nos procs. nºs 25023/15.1T8LSB.L1.S1 e 25023/15.1T8LSB-A.L1.S1 – 6ª Secção.

Refira-se que em todos os citados acórdãos se considerou que as obrigações em causa não podiam considerar-se transferidas para o NB (no mesmo sentido, podem, ainda, ver-se os Acórdãos do STJ, de 30/3/17 e de 13/3/18, ambos disponíveis in www.dgsi.pt).

Haverá, assim, que concluir que não merece censura o acórdão recorrido, por ter revogado o despacho proferido em 11/3/15, que havia determinado a substituição nestes autos do .... pelo NB.

Improcede, pois, o recurso, devendo manter-se aquele acórdão, embora com fundamentação não inteiramente coincidente com a aí exarada.

3 – Decisão.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso de revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 16 de Outubro de 2018

Roque Nogueira (Relator)

Alexandre Reis

Pedro Lima Gonçalves