Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
473/12.9TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESTITUIÇÃO DO SINAL
MORA
RESOLUÇÃO
TERMO ESSENCIAL
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA PRINCIPAL E CONCEDIDA A SUBORDINADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO.
Doutrina:
- Antunes Varela, in RLJ, ano 118, p.55, nota (1), ano 119, p. 216.
- Baptista Machado, “Pressupostos de Resolução”, em Estudos de Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro, vol. II, Iurídica, pp. 343 e segs..
- Calvão da Silva, Sinal e Contrato-promessa, 11.ª ed., p. 118.
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, 4.ª ed., p. 235; Direito das Obrigações , 7.ª ed., p. 129.
- J. Baptista Machado, “ Obra Dispersa”, vol. I, pp. 187 a 193.
- Pessoa Jorge, Ensaio Sobre Pressupostos da Responsabilidade Civil, p. 290 nota 3.
- Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, vol. II (reimpressão), Almedina, 2001, p. 456.
- Vaz Serra, in RLJ, Ano 110, pp. 326 e 327.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 436.º, N.º1, 437.º, 442.º, N.º2, 793.º, 801.º, 802.º, 808.º, N.ºS 1 E 2.
Legislação Estrangeira:
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21.5.1998, BMJ 477-468.
-DE 10.12.97, DE 26.05.98 E DE 08.02.2009, IN CJ, ANO V, TOMO 3, P. 165, ANO VI, TOMO 2, P. 100, E ANO VII, TOMO 1, P. 72, RESPECTIVAMENTE, E DE 05.07.2007, DE 07.02.2008, DE 21.05.2009 E DE 10.09.2009, TODOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 22.06.2010, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 6.07.2011, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - O regime legal do sinal é inaplicável no caso de simples mora: a resolução do contrato promessa e as sanções de perda do sinal ou da sua restituição em dobro só têm lugar no caso de inadimplemento definitivo da promessa.

II - Os preliminares ao contrato promessa, que surgiu na sequência de um anúncio no jornal Expresso, além de não configurarem qualquer situação de responsabilidade pré-contratual por banda da ré, também deles não resulta, nem se pode concluir que a ré, por essa via, se tenha também obrigado a conseguir a eliminação dos 44 lugares de estacionamento público, que aliás, chegou a acontecer, mas só em 25-07-2012 (acta da sessão da CML) e, sobretudo porque tais obrigações não foram transpostas para o clausulado do contrato promessa que as partes subscreveram, sendo certo, no entanto, que as matérias relacionadas com o licenciamento do projecto inserem-se nas tais limitações relacionadas com o Projecto de Caracterização, normas e regulamentos urbanísticas aplicáveis que a cláusula 2.ª n.º 1 do contrato procurou salvaguardar e que as partes não podiam ignorar.

III - E, por isso, no contexto negocial em que as partes actuaram, mostra-se inadequado falar em incumprimento por banda da ré por violação de obrigações, que se prendem com as tais limitações, quando, da parte dela não consta contratualmente, nem tal vem provado, que se tenha vinculado, no sentido de se responsabilizar pelo licenciamento do projecto ou por garantir o mesmo dentro do calendário contratual.

IV - Tratando-se de um contrato em que não foi estipulado um prazo absoluto e do qual não decorre também a obrigação da ré em providenciar pelo licenciamento do projecto imobiliário em questão, tendo a autora apenas conferido mandato para a representar junto das entidades que tutelam o processo de licenciamento, os atrasos que porventura ocorram nesse processo, não configuram uma situação de mora da responsabilidade da ré e, daí que num contexto deste tipo, a invocada perda de interesse da autora configura apenas uma perda subjectiva de interesse, sem cobertura legal e sem acolhimento no critério de objectividade exigido pelo n.º 2 do art. 808.º do CC.

V - Não existindo uma situação de mora contratual da responsabilidade da ré e não existindo incumprimento definitivo nos termos invocados pela autora, esta não tem direito e consequente fundamento legal para resolver o contrato promessa de compra e venda com base na perda de interesse, que não logrou demonstrar em termos objectivos e conforme exige o citado normativo, ónus que sempre impendia sobre si, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC.

VI - E sendo assim a autora na qualidade de promitente compradora tem de assumir a responsabilidade pelo rompimento do contrato promessa em apreço, quando infundadamente resolveu o contrato, o que, no caso configura uma situação de incumprimento definitivo por banda da autora, circunstancialismo que, no caso dos autos, implica que a ré, como promitente vendedora, tenha direito a fazer seu o sinal entregue nos termos do art. 442.º n.º 2, do CC.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - Relatório


AA, LDA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário contra BB, SA pedindo que a Ré seja condenada a pagar à autora a quantia correspondente ao sinal em dobro, no valor de € 1.050.000 em consequência do incumprimento culposo do contrato promessa, ou subsidiariamente ser reconhecida a impossibilidade de cumprimento do contrato promessa, condenando-se a Ré à devolução do sinal em singelo à A e independentemente da procedência dos pedidos anteriores no pagamento de uma indemnização por responsabilidade civil pré-contratual em valor não inferior a € 1.320.325,31.

Alega, em síntese:

Celebrou com a Ré um contrato promessa de compra e venda, tendo como pressuposto a facilidade de licenciamento que a Ré conferia aos projectos e que tinha por objecto determinada parcela com as características definidas.

Porém, o que se veio a constatar é que a parcela não existia em termos registrais, sendo essencial para a A., facto que a Ré não ignorava, licenciar a obra com determinado prazo, o que não veio a ocorrer perdendo a A objectivamente interesse no negócio, existindo declarações falsas da ré no contrato quanto à parcela e lugares de estacionamento previstas na mesma, tornando-se impossível a prestação e ainda a responsabilidade dita pré-contratual que fixa no valor referido, contabilizando as despesas com os projectos, encargos vários inclusive financeiros e administrativos.


A Ré contestou, dizendo, em suma, que a A. conhecia a parcela e os lugares de estacionamento previsto para a mesma, não garantindo a ré que os licenciamento seriam efectuados de forma mais rápida, dado que tal competência pertence à CML, nem o prazo foi previsto tendo por base o começo da construção ou a essencialidade para a A. desse prazo.

 

Refere ainda que havendo lugar ao sinal em dobro não tem a A. direito a qualquer outro valor indemnizatório, nem se verifica qualquer impossibilidade da prestação, concluindo pelo incumprimento do contrato promessa por parte da A pedindo a improcedência da acção e, em reconvenção pede que seja declarado fundamentadamente resolvido o contrato pela R e perdido a seu favor o sinal entregue.


Replicou a Autora e treplicou a ré mantendo ambas as partes o alegado e impugnando o alegado por cada uma.


Após o saneamento do processo, a selecção dos factos assentes e os da base instrutória, realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à autora o valor de € 1.050.000,00, correspondente ao dobro do sinal e absolveu a Ré do demais peticionado.


A Ré não se conformou e interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo Acórdão de fls. 896 a 915, condenou a Ré a restituir á A o sinal recebido, mas em singelo.


A A não se confirmou com esta decisão e interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal.


A nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:


1. O Tribunal a quo, esteve bem ao concluir ter existido um incumprimento definitivo do contrato-promessa, em virtude da perda objectiva do interesse da Autora na prossecução do mesmo; entendeu, porém, erradamente, que o dito incumprimento não seria imputável à Ré, mas antes a um terceiro procedendo a uma errónea interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis em sede de incumprimento contratual.

2. Em suma, entendeu o Tribunal a quo que, muito embora tenha efectivamente existido um incumprimento imputável à Ré, como a Autora somente invocou a perda de interesse num momento posterior, esse incumprimento já não seria imputável à Ré, mas antes à Câmara Municipal de ….

3. No entendimento da Autora, o Tribunal a quo não ponderou devidamente, em termos de direito substantivo, os factos provados nas instâncias inferiores, tendo, por isso, feito uma equívoca interpretação e qualificação jurídica dos factos e uma errada subsunção destes às normas aplicáveis, nomeadamente, no que se refere à qualificação jurídica atribuída aos factos relevantes para efeitos de imputação do incumprimento do contrato-promessa à Ré.

4. O acórdão recorrido beneficia injustamente a Ré, que incumpriu a sua obrigação de, no prazo estipulado, vender um imóvel com determinadas características, as quais acordou e assegurou (à Autora) no contrato-promessa, sem quaisquer condicionalismos em relação a actos de terceiros.

5. O acórdão recorrido é ainda injusto porque deixa a Autora totalmente indemne em relação a uma série de custos em que teve de incorrer, confiando nas declarações da Ré e, por conseguinte, na celebração do contrato definitivo, custos estes que a Excelentíssima Juíza que contactou com a prova não hesitou em ressarcir através da devolução do sinal em dobro.

6. Acresce que a Autora se encontra privada do sinal que entregou à Ré há mais de 3 anos (!), o qual, recorde-se, deveria ter sido restituído à Autora aquando da resolução do contrato-promessa.

7. Aliás, não pode deixar a Autora de assinalar que a decisão de lª instância aplicou com exemplar cuidado e brilhantismo o direito aos factos apurados, pelo que deve ser mantida na íntegra.

8. Da tese sustentada pelo Tribunal a quo resulta que uma pessoa pode, a seu belo prazer, comprometer-se a vender uma determinada coisa, com certas características e prazo especificamente acordados, e incumprir tranquilamente essa obrigação, alegando que o incumprimento não lhe é imputável e deixando por ressarcir os prejuízos causados à outra parte. Basta, para este efeito, escudar-se atrás de actos de terceiros - sem que as partes tenham querido sequer mencionar tais actos no contrato ou conferido aos mesmos qualquer relevância no programa contratual das partes -, para que aquele incumprimento não lhe seja imputável.

9. Não é certamente desta forma que este Supremo Tribunal aprecia e julga o (in)cumprimento contratual em Portugal!

10. Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido confunde a perda do interesse da Autora, apreciada objectivamente com a imputabilidade do não cumprimento (no caso, do atraso causado pela Ré e que fez a Autora perder o interesse na celebração do contrato definitivo) à Ré, concluindo que, pelo facto de, num primeiro momento, a Autora ter mantido o interesse no contrato, então, mais tarde, essa perda de interesse já não poderia ser imputada à Ré.

11. Quando é evidente que uma questão é a circunstância concreta que conduz à perda do interessa da Autora, e que, por sua vez, conduz ao incumprimento definitivo do contrato-promessa, por já se encontrar, à data, em mora; outra, muito diferente, é a imputabilidade desse incumprimento à Ré.

12. Ora, dos factos provados, resulta claramente que a perda de interesse da Autora resulta do incumprimento culposo da Ré e que, portanto, lhe é imputável.

13. Desde logo, a Ré obrigou-se, nos termos do contrato-promessa celebrado entre as partes, a vender a parcela de terreno 3.19 com as seguintes características prévia e expressamente acordadas e negociadas pelas partes: uma área de implantação do edificado acima do embasamento de 750 m2, e a área bruta de construção ou de pavimento de 5.250 m2, com a criação de 30 lugares de estacionamento privado, até ao dia 15 de Outubro de 2011.

14. O prazo e as características específicas, designadamente a eliminação da componente pública do estacionamento, foram expressamente negociadas pelas partes previamente à celebração do contrato e constituíram condições essenciais e expressamente referidas pela Autora para celebrar o aludido contrato-promessa, facto que a Ré sabia e aceitou.

15. Tanto que a Ré fez crer à Autora que a eliminação dos estacionamentos públicos estava assegurada e que, à data da celebração do aludido contrato-promessa, o imóvel já possuía as características acordadas, tendo a Ré para este efeito remetido à Autora a ficha de caracterização do imóvel - a qual constitui uma garantia dos parâmetros de um determinado lote de terreno - já sem os lugares de estacionamento público, a qual ficou anexa e como parte integrante do referido ao contrato.

16. Assim, no mínimo, a Ré estava contratualmente vinculada a criar todas as condições para que o projecto pudesse ser aprovado pela Câmara Municipal de …, com as características acordadas, nomeadamente, sem a exigência de lugares de estacionamento público.

17. Na verdade, das negociações e das declarações efectuadas pela Ré, resulta que esta assegurou e efectivamente garantiu a eliminação da componente pública dos lugares de estacionamento, tendo-se vinculado a vender o imóvel prometido, com as características acordadas, e assumindo assim o risco de inexistências das mesmas na data prevista para a celebração do contrato definitivo.

18. Em todo o caso, a verdade é que a Ré não logrou promover em tempo útil a alteração das condições de licenciamento para fazer com que a inclusão desses lugares de estacionamento público fosse eliminada, conforme se tinha comprometido, nem tão-pouco actuou diligentemente nesse sentido.

19. Acresce que as partes não condicionaram o cumprimento e/ou a possibilidade de cumprimento do contrato-promessa a qualquer facto de terceiro, designadamente, à actuação da Câmara Municipal de …, não resultando essa circunstância da vontade das partes, nem encontrando a mesma qualquer apoio no texto do contrato.

20. Na verdade, em parte alguma do clausulado acordado se faz qualquer alusão à necessidade de obter autorizações de entidades terceiras para o cumprimento daquela obrigação. Nem podia a Autora ter sequer previsto qualquer condicionamento, uma vez que a Ré lhe assegurou, não só a existência do imóvel à data da celebração do contrato-promessa, como ainda que o imóvel já possuía as características expressamente acordadas entre as partes.

21. Por outro lado, e conforme reconhecido pelo Tribunal de 1ª instância, a Ré fazia constar dos contratos por si celebrados, sempre que tal fosse necessário, uma menção à necessidade de obtenção de autorização de terceiros. No presente caso, não só a Ré não sujeitou a sua obrigação a qualquer condição, como ainda comunicou à Autora, faltando censuravelmente à verdade, que o prédio já possuía as características acordadas e expressamente identificadas no projecto de caracterização.

22. Sucede ainda que, à data da celebração do contrato-promessa, o imóvel não se encontrava registado - inexistindo juridicamente -, apenas tendo sido registado em 1 de Março de 20] ], ainda com a previsão dos 44 lugares de estacionamento público.

23. Como bem reconheceu o tribunal de 1ª instância, "não há que olvidar a normal celeridade dada a projectos que envolvessem a Ré e o motivo que levou a A. a contratar, o que neste caso concreto foi totalmente defraudada, por facto também imputável à Ré, pois nem sequer informou a A. da necessidade ainda de registo, de reparcelamento e aprovação camarária", sendo que, "( . .) uma das condições que era essencial para a aquisição do imóvel por parte da A., facto que a Ré sabia. era a eliminação da componente pública dos lugares de estacionamento afectos à parcela em questão, e não tendo a Ré comunicado que esta questão a  nível dito administrativo não estaria nem resolvido, nem existindo ainda qualquer pedido formal nesse sentido entendo que existe incumprimento imputável à Ré".

24. A Ré incumpriu culposamente a sua obrigação de vender um imóvel com certas características até 15 de Outubro de 2011: primeiro, pela ausência de registo do imóvel e consequente atraso na entrega da certidão do registo predial para a instrução do pedido de informação prévia à Câmara Municipal de …; depois, pelo atraso grosseiro na apresentação do pedido de alteração da ficha de caracterização para aprovação da Câmara, apenas em 10 de Novembro de 2011 já depois do prazo estipulado para a celebração do contrato-promessa.

25. Em consequência da actuação e atrasos da Ré, a Autora perdeu objectivamente o interesse na prossecução do contrato-promessa.

26. Por outro lado, é manifestamente incorrecta a conclusão retirada pelo Tribunal a quo de que o incumprimento não seria imputável à Ré pelo facto de as partes não terem incluído no contrato-promessa uma referência ao facto de as fichas de caracterização não estarem aprovadas pela Câmara Municipal.

27. É que, as partes não quiseram nem podiam ter incluído uma tal referência, porque a Ré fez crer à Autora que as fichas já estavam aprovadas pela C.M. ..

28. Também não se pode permitir, como o fez o Tribunal a quo, que a Ré, unilateralmente, e em momento posterior à celebração do contrato-promessa, condicionasse o cumprimento das suas obrigações - e a sua responsabilidade - a um acto de terceiro.

29. É evidente que a Ré não pode, unilateralmente, sujeitar o cumprimento da sua obrigação a um acto de terceiro, para assim se escudar de responsabilidade pelo incumprimento contratual, quando um tal acto não foi previsto nem acordado pelas partes.

30. Andou, igualmente, mal o Tribunal a quo ao considerar que pelo facto de a Autora não ter invocado a perda do interesse para resolver o contrato-promessa por incumprimento da Ré logo que tomou conhecimento da situação registrai do imóvel - que não se encontrava regularizada - e de que a ficha de caracterização não estava aprovada pela Câmara Municipal, aquele incumprimento deixa de ser imputável à Ré, tendo a Autora, supostamente, aceitado todas as vicissitudes contratuais.

31. Em primeiro lugar, a Ré ainda nem sequer se encontrava àquela data (Março de 2011) em mora quanto ao cumprimento da prestação principal - venda do imóvel com certas características até 15 de Outubro de 2011 - pelo que, qualquer perda do interesse nesta fase não seria juridicamente relevante para efeitos de resolução do contrato-promessa.

32. Por outro lado, e sem prejuízo do anteriormente exposto, quando em Março de 2011 tomou conhecimento da situação registral do imóvel, a mesma ainda não sabia, nem lhe era possível prever, todas as consequências advenientes daquele atraso no programa contratual das partes. Desde logo, as partes ainda não conheciam concretamente o atraso efectivo para a realização do projecto.

33. Acresce que a Autora expressamente ressalvou que o pagamento do reforço do valor do sinal - a que estava contratualmente vinculada - não implicava a confirmação ou aceitação das consequências que para ela poderiam decorrer dos atrasos verificados por culpa da Ré e, portanto, que não renunciava aos direitos legais a que lhe assistiam, como seja, a resolução do contrato por incumprimento da Ré com fundamento na perda do interesse da Autora.

34. Também não se pode esquecer nem ignorar, que na execução do contrato-promessa, a Autora incorreu em custos elevados, pelo que é evidente que fez os possíveis e os impossíveis para que o imóvel pudesse ser adquirido nos termos acordados entre as partes e para que aquela transacção se concretizasse. Nem é de todo razoável que a Autora pudesse ser prejudicada por ter actuado de boa fé, realizando todos os esforços que lhe eram exigíveis - ao contrário do evidenciado pela Ré - para manter o contrato, quando a Ré incumpriu culposamente as suas obrigações.

35. Por outro lado, o incumprimento do contrato-promessa pela Ré é-lhe, efectivamente, imputável, pois o mesmo resultou de actos culposos desta. Com efeito, o que concretamente levou à perda do interesse da Autora não foi uma actuação da Câmara, mas sim a actuação da Ré.

36. De facto, da factualidade dada como provada resulta que a Ré não só não informou a Autora de que a situação registral e as características do imóvel não estavam conformes ao contrato, como não entregou atempadamente a certidão do registo predial necessária à instrução do pedido de informação prévia junto da Câmara Municipal de .... . Mais, quando finalmente entregou a referida certidão do registo predial, a mesma ainda fazia referência à existência dos lugares de estacionamento público, motivo pelo qual o pedido foi aprovado pela Câmara Municipal de … à condição de posterior alteração do projecto.

37. Num incumprimento verdadeiramente grosseiro, a Ré só requereu junto da Câmara Municipal de … a aprovação da alteração à ficha de caracterização cm 10 de Novembro de 2011 - i.e., quase um mês após o termo do prazo para a celebração do contrato definitivo (!") -, motivo pelo qual aquela alteração apenas foi aprovada em 25 de Julho de 2012.

38. Mas ainda que assim não fosse - sem de forma alguma conceder - não se pode esquecer a presunção de culpa inerente à responsabilidade (artigo 799.° do Código Civil). Ora, olhando para a factualidade assente facilmente se descortina que a Ré não logrou provar quaisquer factos conducentes à elisão da presunção de culpa que sobre si recaía. Decidiu mala Tribunal a quo ao não considerar sequer o efeito material do ónus da prova que incidia sobre a Ré.

39. Por todo o supra exposto, é inegável, que a Ré incumpriu culposamente as obrigações contratuais a que estava adstrita e que esse incumprimento é-lhe imputável.

40. O incumprimento do contrato pela Ré causou prejuízos à Autora que o Acórdão recorrido deixa por ressarcir relativos aos custos em que a Autora incorreu no cumprimento do contrato.

41. Verificando-se o incumprimento definitivo e culposo da Ré, a indemnização a pagar à Autora é determinada nos termos dos n. 2 do artigo 442.° do Código Civil, pelo que deve a Ré ser condenada a devolver o sinal em dobro à Autora.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente e, em consequência, ser revogado o douto acórdão proferido em 15 de Maio de 2014 pelo Tribunal da Relação de Lisboa e confirmar-se o conteúdo da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.


Perante o recurso da autora, a Ré acabou por interpor recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões:


1. Na apreciação da matéria de facto com vista à aplicação do regime jurídico adequado, terá de ser considerada e levada em conta a significação e necessidade da concertação dos elementos de facto fixados pelo Tribunal recorrido, nomeadamente os nºs 17, 38, 40, 41, 42 e 55 de factos provados, na consideração também do exposto na secção II supra.2

2. A declaração de resolução tem de indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo. A declaração de resolução de 20/12/2011, efectuada pela A., tornou-se eficaz nessa data, art°s. 230° n. 1, 342° n. 1, 432° e 436 n° 1 do C.C..

3. A aferição do direito de resolução pela A. terá sempre de ser efectuada em função (apenas) dos fundamentos pela mesma invocados naquela declaração de 20/12/2011, os quais não têm sustentação jurídica nem factual Com efeito,

4. Não se verificou qualquer alteração das circunstâncias passível de fundamentar essa resolução nos termos do art° 437° do C.C.. Inexiste notícia sequer de que financiamento bancário assegurado seja, quer que tal alegado financiamento estivesse alicerçado em que prazos fossem e, muito menos, que o mesmo constituísse base do contrato-promessa, quer, tão pouco, que alguma entidade bancária o tivesse suspendido ou recusado. Em suma, tal resolução apresenta-se ilícita.

5. A posterior invocação pela A., passados 40 dias, aos 30/01/2012, de outra (diferente) situação, de fundamento resolutivo diverso ("perda objectiva de interesse na prestação"), traduz-se na adução de factualidade nova, introduzida em momento ulterior ao exercício do direito potestativo (de resolução), e a qual, por isso, não fundamentou aquela declaração de resolução (de 20/12/2011), não podendo nessa medida ser considerada na aferição desse direito exercido (tomado eficaz) aos 20/12/2011.

6. Subsidiariamente, mesmo a admitir-se, na tese do douto acórdão recorrido, que a resolução deveria ser aferida de acordo com os fundamentos invocados na posterior carta da A. de 30/01/2012, não ficou demonstrada a perda objectiva de interesse na prestação por parte desta. Com efeito,

7. A A., seja em finais de Setembro de 2011, seja no mínimo em Dezembro de 2011 - uma vez que solicitou à R. o adiamento da escritura para nunca antes 31/1212011 - mantinha assim incólume o interesse no negócio, na outorga do contrato prometido. Efectivamente, quando instou a esse adiamento a A. sabia e teve em conta: (i) ainda não se encontrarem eliminados os lugares de estacionamento público; (ii) sendo a escritura efectuada depois dessa eliminação, da conclusão do processo de licenciamento e sempre depois de 31/1212011, tal significava que a construção nunca estaria concluída no início do ano lectivo 2012/2013.

8. Aos 16/12/2011, data do e-mail da R. que (alegadamente) despoletou a declaração de resolução da A. de 20/1112011: (i) era mútua e sobejamente conhecido que a escritura só se realizaria em 19/12/2011 se entretanto a Câmara Municipal já tivesse aprovado a eliminação dos lugares de estacionamento público; (ii) na negativa seria subsequentemente outorgada, após essa aprovação; (iii) a anterior previsão e posição da A. era a que essa escritura nunca seria realizada antes de 31/1212011.

9. Inexiste portanto, não se tendo provado, perda objectiva de interesse pela A. na prestação, pelo que a dita (segunda) resolução - com os fundamentos invocados na carta de 31/01/2012 - seria sempre ilícita, seja pela falta de prévia interpelação admonitória, seja pela inexistência de perda de interesse, art° 808° do C. C ..

10. Sendo a declaração (da A.) de resolução do contrato-promessa ilícita, o que resulta é a respectiva manifestação inequívoca, expressa e reiterada (aos 20/12/2011 e aos 30/01/2012) que não outorgaria o contrato prometido.

11. Constitui jurisprudência e doutrina pacífica o entendimento que tal manifestação (por parte da declarante- A.) torna desnecessária e inútil a interpelação (pela declaratária-R.) para cumprir dentro de um prazo razoável, ficando desde logo aquela declarante em incumprimento definitivo, arts. 801 ° e 808° do Cod. Civil.

12. Assim, a R. podia resolver o contrato-promessa e fazer seu o sinal entregue, ou seja, € 525.000,00, como peticionou em reconvenção, pelo que este pedido deve ser julgado procedente com a consequente perda de sinal a favor da R., nos termos dos arts. 801° e 442° do Cod. Civil.

Pelo exposto e pelo que doutamente for suprido, deve ser alterada a decisão recorrida, em conformidade com o ora defendido, dando-se provimento ao recurso e, em consequência, julgando-se improcedente a acção e procedente a reconvenção.

Assim se espera por ser de justiça.


A A apresentou contra- alegações relativamente ao recurso subordinado formulando as seguintes conclusões:

 

1. A interposição do recurso subordinado pela Ré com vista a reter o sinal pago pela Autora é apenas mais uma das muitas manifestações da sua má fé que deixa a Autora absolutamente incrédula com O descaramento demonstrado.

2. Resulta dos factos provados que esse sinal só foi entregue à Ré porque esta "enganou" (não há outra forma de o dizer) a Autora, fazendo-lhe crer que os lugares de estacionamento públicos já haviam sido eliminados à data do contrato-promessa, facto que sabia ser essencial para a Autora.

3. No fundo, o presente recurso subordinado demonstra que a Ré quer colher um benefício patrimonial dessa "mentira", mantendo na sua posse € 525.000,00, que nunca devia ter recebido.

4. Ora, dos factos provados' pelas instâncias inferiores - os quais já não são passíveis de alteração - resulta, não só que a Ré assumiu uma obrigação de resultado específica perante a Autora, no sentido de, até ao dia 15 de Outubro de 2011, vender um imóvel com determinadas características, entre as quais, 30 lugares de estacionamento, todos eles privados, como que a Ré induziu a Autora em erro quanto à própria existência desse mesmo imóvel nos termos contratados logo com a celebração do contrato-promessa.

5. Estando igualmente provado que, não obstante o integral e pontual cumprimento da Autora - que, apesar dos atrasos da Ré, tudo fez para conseguir a celebração da escritura em tempo útil face ao que era o seu objectivo, e o qual era do conhecimento da Ré, - a Ré, por factos que lhe são exclusivamente imputáveis, incumpriu a sua obrigação.

6. Tanto que, a eliminação dos lugares de estacionamento público - facto que a Autora julgava já ter ocorrido quando celebrou o contrato-promessa - só veio a ocorrer em 25 de Julho de 2012, cerca de um mês antes da data em que a residência estudantil deveria entrar em funcionamento (Setembro de 2012) e quase um ano, após a data limite prevista no contrato-promessa para a celebração da escritura pública (15 de Outubro de 2010).

7. Isto é, por si só, suficiente para afirmar que o presente recurso de revista subordinado não tem qualquer razão de ser.

8. Acresce, no entanto, que os fundamentos ora invocados pela Ré para tentar ludibriar o Tribunal de que afinal quem teria incumprido o contrato-promessa era a Autora, não têm qualquer fundamento de facto - atenta a factualidade considerada provada pelas instâncias inferiores -, nem de direito.

9. Tanto que, como que querendo "vestir pele de cordeiro", perante este egrégio Tribunal, começa a Ré por alegar que, afinal até se teria conformado com o acórdão recorrido, tentando fazer esquecer que há mais de três anos que retém ilicitamente na sua posse o valor de € 525.000,00, valor que, de acordo com as instâncias inferiores, deveria ter sido devolvido à Autora aquando da resolução do contrato-promessa por incumprimento!

10. Para fazer vencer a sua tese, a Ré, a coberto de uma alegada' ponderação da "apreciação e raciocínio desenvolvidos pela Relação na fixação dos factos materiais, nomeadamente para o efeito, na aplicação do direito, seja de uma mais adequada compreensão de quanto assim ficou provado, seja de uma (eventual) necessidade de concertação entre factos/segmentos dessa matéria fixada", tenta, encapotadamente, impugnar a decisão da matéria de facto e confundir o douto Tribunal quanto à factualidade dos autos.

11. Sucede que, o Supremo Tribunal de Justiça somente conhece de matéria de facto nos casos excepcionais e expressamente previstos nos artigos 647,°, n. 3 e 682.°, n. 2 do NCPC, o que manifestamente não se verifica no caso, pelo que, deve o presente recurso ser julgado dentro dos limites factuais definidos pelas instâncias inferiores.

12. A Ré assenta a sua tese nas seguintes premissas: a declaração de resolução da Autora de 20 de Dezembro de 2011 era vinculante; essa declaração seria alegadamente ilícita; não haveria perda de interesse nesse contrato pela Autora; pelo que o que existiria era um incumprimento definitivo por parte da Autora e, como tal haveria lugar à perda do sinal a favor da Ré.

13. Ora, como ficou sobejamente demonstrado e foi, de resto, fundamentadamente decidido pelas instâncias inferiores, a resolução do contrato-promessa promovida pela Autora foi realizada licitamente, existindo uma fundada perda objectiva do interesse.

14. É, aliás, evidente, que a Ré somente pretende aproveitar-se do facto de a primeira carta de resolução, posteriormente confirmada, ter sido elaborada pelo Senhor Engenheiro CC, que não tem qualquer formação jurídica, não obstante saber, com certeza, que na apreciação e qualificação dos factos conducentes à resolução, o Tribunal não eleve estar limitado pelas expressões utilizadas por quem não se sabe exprimir em termos jurídicos da forma mais adequada.

15. Ainda assim, a verdade é que, ao contrário do ora alegado pela Ré, os factos que fundamentam quer a carta de 20 de Dezembro de 2011, como a de 30 de Janeiro de 2012 não são, de todo, distintos, assentando ambas as cartas na mesma factual idade, apenas divergindo na qualificação jurídica atribuída pela Autora, na pessoa do Senhor Engenheiro CC.

16. Com efeito, o conteúdo da carta de 20 de Dezembro de 2011 é bem ilustrativo de que o que a Autora fez naquela missiva mais não foi do que descrever o continuado incumprimento contratual da Ré, que levou, efectivarnente, a que a Autora perdesse objectivamente todo o interesse na celebração do contrato.

17. Ora, o mero lapso na qualificação jurídica da resolução efectuada pela primeira carta remetida pela Autora não torna aquela resolução ilícita: não só os factos subjacentes à resolução são os mesmos em ambas as cartas, como a Autora rectificou a qualificação jurídica atribuída à aludida resolução, através de um complemento ou rectificação da declaração de vontade emitida em 20 de Dezembro de 201l.

18. A Autora teve ainda o cuidado de, nessa mesma carta, mencionar expressamente que a mesma se referia aos motivos da resolução operada em 20 de Dezembro de 2011, complementando-os e clarificando-os.

19. Acresce que, a própria Ré, ao receber a primeira carta de 20 de Dezembro de 2011, perante os factos relativos à inexecução do contrato que aí lhe são comunicados, mostrou compreender perfeitamente a fundamentação jurídica da resolução aí operada pela Autora, num seu "incumprimento" ou "atraso", tendo na resposta procurado refutar estes fundamentos.

20. Sem prejuízo, sempre se dirá que, se a primeira resolução fosse inválida - sem de forma alguma conceder - não produziria quaisquer efeitos, pelo que não extinguiria o contrato-promessa.

21. Qualquer outra solução seria, de resto, contrária ao regime da execução específica do contrato-promessa, a qual nunca seria admissível se uma resolução ilícita extinguisse o contrato.

22. Assim, mesmo que se considerasse que a declaração de 20 de Dezembro de 2011 "não operou a resolução do contrato, a Autora sempre teria resolvido eficazmente o contrato-promessa celebrado pelas partes" com base no incumprimento definitivo e culposo da Ré.

23. Por outro lado, da primeira declaração de resolução emitida pela Autora não se pode retirar qualquer "manifestação inequívoca, expressa e reiterada" de que aquela não outorgaria o contrato prometido, deste logo, porque atentos os factos provados, é notório que a Autora tinha fundadas razões para a resolução do contrato-promessa.

24. De resto, inexistem nos autos quaisquer indícios que permitam sequer equacionar que a resolução pretensamente ilícita da Autora se traduziria num comportamento inequívoco de recusa de cumprimento. não tendo, a Ré logrado prová-lo - nem se vislumbra como o conseguisse fazer -, pelo que não pode agora invocar um alegado incumprimento definitivo da Autora.

25. Em todo o caso, a Ré também não declarou a resolução do contrato-promessa com fundamento no (alegado) incumprimento da Autora - após a primeira declaração de resolução -, pelo que a segunda declaração de resolução produziria sempre os seus efeitos.

26. Em face do exposto, é forçoso concluir que a Autora resolveu licitamente o contrato-promessa celebrado com a Ré.

27. Acresce que, ao contrário do alegado pela Ré - numa tentativa desesperada de manter o valioso sinal que a Autora de boa fé lhe entregou - resulta sem margem para dúvidas da factualidade assente que existiu uma efectiva perda objectiva do interesse na prestação por parte da Autora - isso mesmo foi afirmado, quer pelo Tribunal de primeira instância, quer pelo Tribunal da Relação.

28. Com efeito, a Ré faltou à verdade ao induzir dolosamente na Autora a convicção de que o imóvel já existia juridicamente e já tinha as características acordadas no contrato, sendo que estas irregularidades acabaram por ditar atrasos da Ré no cumprimento do contrato.

29. Mais, já depois de a Autora ter comunicado à Ré que somente celebraria a escritura após a resolução das questões de licenciamento - e portanto, após a alegada manifestação da manutenção do interesse da Autora - veio a Autora saber que, afinal, a Ré apenas se dignou a requer junto da Câmara Municipal de … a aprovação da alteração à ficha de caracterização em 10 de Novembro de 2011 i.e., quase um mês após o termo do prazo para a celebração do contrato definitivo.

30. Assim, perda de interesse mais objectivamente verificável será difícil de encontrar: a Ré apenas veio a estar em condições de vender a parcela - tal como esta tinha sido configurada no contrato-promessa -, a partir de 25 de Julho de 2012; ora, sabendo que ainda faltaria, depois, aprovar os projetos de especialidades, lançar o concurso para os empreiteiros, adjudicar a obra e construir (o que duraria, no mínimo, 14 meses), a residência apenas poderia ser aberta, no mínimo, no início do ano lectivo de 2014.

31. O chocante é que, ao afirmar que, do facto de a escritura não se realizar na data por si agendada para 19 de Dezembro de 2011 não "se vislumbra qualquer elemento ou alteração que permita considerar prejudicada a manutenção do interesse da A. na prestação tal como havia manifestado", a Ré pretende fazer acreditar ao Tribunal que estes atrasos eram indiferentes à Autora, quando a própria Ré reconhece que sabia que a Autora pretendia abrir a residência, no início do ano lectivo 2012/2013.

32. No fundo, resulta da argumentação apresentada pela Ré que o facto de a Autora ter, de boa fé, tentado levar a cabo o negócio e, portanto, de em tempos, ter sido tolerante com os atrasos da Ré, é suficiente para afirmar que não haveria perda objectiva de interesse- o que é simplesmente absurdo.

33. Saliente-se, aliás, que a tolerância demonstrada pela Autora relativamente aos atrasos da Ré em nada impede que aquela perca objectivamente o interesse na realização da prestação, sendo, por isso, irrelevante, que em Setembro de 2011 a Autora ainda tivesse interesse no negócio,

34. Um entendimento contrário permitiria à Ré retirar de um mero acto de tolerância a manutenção do interesse da Autora em prosseguir com a relação contratual, no limite, ad eternum, e independentemente dos sucessivos incumprimentos da Ré.

35. Em bom rigor, quando em Setembro a Autora comunicou que apenas celebraria a escritura após a resolução dos problemas de licenciamento - o que, no entender da Ré, se traduz numa manifestação do interesse da Autora na prestação -, a Ré ainda não se encontrava em mora quanto ao cumprimento da prestação principal, pelo que, qualquer perda do interesse nesta fase nem seria juridicamente relevante para efeitos de resolução do contrato-promessa.

36. Também não se pode ignorar que a Autora incorreu em custos elevados na execução do contrato-promessa, motivo pelo qual fez os possíveis e os impossíveis para que o imóvel pudesse ser adquirido nos termos acordados entre as partes e para que aquela transacção se concretizasse.

37. Com a comunicação de 16 de Dezembro de 2011, ficou definitivamente claro que seria impossível recuperar o plano e calendário de investimento subjacente ao contrato-promessa, deixando o projecto da Autora de ser viável.

38. Em face daquela comunicação, a Autora deixou (justificada e definitivamente) de confiar no cumprimento do contrato pela Ré, visto que esta se limitava a apontar para um incerto e hipotético agendamento da eliminação dos estacionamentos,

39. Por todo o supra exposto, resulta que - tal como decidido pelas instâncias inferiores, os atrasos derivados da actuação culposa da Ré levaram a uma perda objectiva do interesse da Autora na conclusão do negócio, improcedendo assim a argumentação da Ré.

40. De resto, é indiscutível que, caso estivéssemos perante o contrato definitivo de compra e venda, tendo a Ré assumido a obrigação de vender à Autora um imóvel com determinadas qualidades e não o tendo feito, haveria incumprimento da Ré, não se descortinando razões para se chegar a uma solução diversa por se tratar de um contrato-promessa.

41. É decorrência lógica de todo o atrás exposto que a argumentação da Ré referente à matéria da reconvenção não pode ser aceite.

42. Mesmo que se entendesse que faltariam motivos à Autora para resolver o contrato, sempre caberia à Ré provar que a resolução pretensamente ilícita da Autora se traduziria num comportamento de recusa de cumprimento, o que nem sequer tentou.

43. Em todo o caso, diga-se, sempre seria abusivo a Ré fazer seu o sinal pago, provado que está que esta não poderia cumprir as suas obrigações contratuais até, pelo menos 25 de julho de 2012.

Termos em que deve o presente recurso de revista ser julgado subordinado inteiramente improcedente.


A A fez juntar aos autos um Parecer do Professor Doutor Paulo Mota Pinto.


Colhidos os vistos, cumpre apreciar:


II - Fundamentação:


Factos provados:


1. A Autora é uma sociedade que se dedica às actividades de "compra, venda, compra para revenda e administração de prédios rústicos e urbanos; aromoção e o desenvolvimento imobiliário" (cf. certidão comercial junta a fls. 55 e 56);

2. A R. é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, tendo como objecto social "a concepção, execução, construção, exploração e desmantelamento da Exposição Internacional de Lisboa de 1998, abreviadamente designada por EXPO 98, bem como a intervenção na reordenação urbana da zona de intervenção da Exposição"( cf. diploma DL nº 88/93, de 23/03);

3. A Ré fez publicar um anúncio de venda no jornal "Expresso", nos termos constante de fls. 76, cujo teor se reproduz, no qual se referia, além do mais, "Parque das Nações Lote de terreno para Equipamento" e a indicação, entre outras menções, de que a parcela a vender dispunha de uma área total de 750 m2 e que esta iria ser vendida por venda directa, sendo que o período para apresentação de propostas duraria até 18 de Janeiro de 2010;

4. O mesmo anúncio referia, ainda, que o imóvel em causa se destinaria a "Equipamentos de Utilização Colectiva", e ainda a seguinte informação: "Nº de lugares de estacionamento- Privados 30; Públicos-44";

5. Em resposta a este anúncio, o sócio-gerente da A. CC, apresentou uma proposta, no dia 18 de Janeiro de 2010, referindo que "será proposta a construção de um equipamento colectivo de grande qualidade, fazendo uso de modernas tecnologias e tendo como objectivo vir a ser uma referência no respectivo domínio de sua actividade" - cfr. cópia da proposta junta a fls. 77 e 78 cujo teor se reproduz;

6. Na sequência da selecção da A., em Maio de 2010, encontrava-se em curso a elaboração de "um estudo prévio de arquitectura para aprofundamento das potencialidades da parcela", da iniciativa de CC;

7. O mencionado estudo prévio foi elaborado pelo atelier do Arquitecto EE e identificava o projecto como "Residência de Estudantes Parque EXPO '98 S.A.» - cf. documento de fls. 108 a 115;

8. Do estudo de arquitectura aludido resultou que se construíssem duas caves, a cave inferior apenas teria espaço apenas para 19 lugares de estacionamento, a cave superior poderia albergar 17 lugares de estacionamento e o estudo prévio incluía, para além disso, 7 lugares de estacionamento no piso 0;

9. CC enviou, então, uma carta, em 14.09.2010, à R., junta a fls. 116 e 117 cujo teor se reproduz, fazendo notar, além do mais, o seguinte: "A dimensão do espaço em cave para estacionamento, não é susceptível de comportar fisicamente o número de lugares previstos, situação agravada pelo facto dos estacionamentos para uso público requererem de zonas de acesso e circulação de maior dimensão, e da cave ter um pé- direito de cerca de 4, 7 m, o que ultrapassa o limiar regulamentar para este uso. Nestas circunstâncias e de acordo com o nosso estudo, é comportável na 2° e 3° cave, incluir o número de estacionamentos previstos para uso privado, em número de 30, ou mesmo um número ligeiramente superior. Este excedente de estacionamentos é no entanto demasiado reduzido para se poder admitir a viabilidade económica de uma exploração pública.", concluindo a referida carta com a seguinte frase -" Muito agradecíamos a ponderação de V. Exa. destes dois aspectos, em tempo útil para serem incorporados no prazo previsto para o cr. C. v.";

10. A R. respondeu à A. pelo e-mail enviado pela R. em 1.10.2010 (cuja cópia se dá por reproduzido a fls. 118 a 120), no qual se lê, além do mais, o seguinte: "Segue a ficha já sem os lugares de estacionamento público. À outra questão, já aprovada, é uma mera questão de apreciação do projecto que não tem enquadramento nestas fichas";

11. Por documento particular e com data de 15 de Outubro de 2010 A e ré subscreveram um contrato denominado "contrato-promessa de compra e venda" que tinha por objecto uma parcela de terreno situado na Zona de Intervenção da Expo '98, estando a mesma assinalada no desenho da Planta de Implantação do Plano de pormenor junto no Anexo I, o qual também fazia parte do contrato, nos termos constantes de fls. 57 a 75 cujo teor se dá por reproduzido;

12. Nos termos da n. 1 da cláusula segunda do contrato, a R. prometeu vender à A., que prometeu comprar, a parcela de terreno identificada "livre de ónus, encargos, pessoas e bens, ou quaisquer outras limitações ao direito de propriedade, salvo as expressamente previstas no presente contrato, no acima referido Projecto de Caracterização, nas normas e regulamentos de disciplina urbanística especificamente aplicáveis e de quanto decorra da superveniente aprovação de projectos e licenciamento de obras e utilização";

13. No Anexo II ao contrato – fls. 74 - identificava-se a parcela objecto do contrato, como sendo 3.19, figurando como área de implantação do edificado acima do envasamento de 750m2, a área bruta de construção ou de pavimento de 5.250 m2, sendo que, desses 5.250 m2, 3.000 rf destinar-se-iam a abrigar um equipamento de utilização colectiva e os restantes 2.250 m2 estariam reservados a estacionamento, imediatamente abaixo, na parte relativa ao "nº de lugares de estacionamento", a "Ficha de Caracterização do Lote" prevê apenas a criação de 30 lugares de estacionamento, todos eles privados;

14. A A. prometeu comprar à R., nos termos do contrato referido, uma parcela de terreno com a identificação e as características definidas no contrato, por um valor de € 1.050.000,00, e quanto ao modo de pagamento do preço, nos termos da cl. 38 do contrato, a A. entregaria: (i) 30 do preço, ou seja € 315.000,00 no momento da celebração do contrato, a título de sinal e princípio de pagamento do preço; (ii) € 210.000,00, correspondente a 20, a título de reforço de sinal, no prazo de seis meses a contar da data de celebração do contrato ou com a aprovação do Estudo Prévio do Empreendimento, se esta ocorresse antes; e (iii) os restantes € 525.000,00, correspondente a 50, no acto de realização da escritura pública de compra e venda;

15. Nos termos da cláusula quinta do contrato, a A. conferiu um mandato à R. "para a representar junto das autoridades administrativas competentes para se pronunciarem no processo de /licenciamento de execução das obras de edificação";

16. A A. ficou encarregada, nos termos da cláusula sexta, de elaborar e apresentar à R. um pedido de informação prévia dirigido à Câmara Municipal de …, que, incluindo estudo preliminar de volumes e de alçados, preparasse e antecipasse instrumentalmente o projecto der aproveitamento e edificação para execução na parcela em questão;

17. No número um da cláusula quarta do contrato promessa lê-se o seguinte:

“ Não havendo superveniente convenção escrita com diferente sentido e alcance que derrogue pontualmente o conteúdo desta disposição, a escritura pública com que se formaliza a ora prometida compra e venda deve mostrar-se realizada antes de transcorridos 12 (doze) meses sobre a data de subscrição do presente contrato ou com a aprovação do Projecto de Arquitectura se esta ocorrer primeiro”.

18. A elaborou o estudo preliminar e enviou-o à R , em 7.12.2010, para que esta emitisse o seu parecer prévio, que instruiria posteriormente o pedido de informação prévia à Câmara Municipal de …;

19. O parecer veio a ser emitido pela Ré em 13.01.2011, nos termos constantes dos documentos de fls. 125 a 128;

20. Para o pedido de informação prévia, era necessária a certidão do registo predial do imóvel objecto do contrato, tendo a A solicitado este elemento à R em 7.12.2010, ou ainda perguntando se este podia ser substituído pela ficha e caracterização da parcela. Cfr. cópia do e-mail de fls.130 e no dia 7.02.2011, insistiu a A com a R para a entrega da certidão ou documento em falta . cfr. cópia do e mail junto a fls. 137.

21. Em 18. 02.2011 a A comunica o seguinte à R : “ O Projectista de Arquitectura não consegue fazer a entrega no Pedido de Informação Prévia na Câmara de … . Falta a certidão Predial do Lote ou caso a parcela não esteja registada, uma certidão negativa emitida pela conservatória do Registo Predial”. Cfr. cópia do email de fls. 138;

22. Após a entrega condicional do pedido de informação prévia, a A enviou um e mail para a R informando-a da recepção condicional do pedido de informação prévia e dizendo ainda que “(…) o processo entregue está omisso quanto à certidão predial. Temos vindo a solicitar este documento à Parque Expo ( Srª DD) desde a primeira semana de Dezembro, sendo que até à data não nos foi entregue . Julgamos que a falta do documento no processo entregue possa vir a atrasar a resolução do despacho da CM … a, pelo que agradecemos qualquer acção útil que possa fazer”. Cfr. doc. de fls. 140 cujo teor se reproduz

23. Em 10.03. 2011 a R enviou à A a certidão do registo predial e a caderneta fiscal referente ao imóvel.

24. Da certidão do registo predial junta a fls.143 e 144, cujo teor se reproduz, resulta a descrição do imóvel como correspondendo ao lote 3.19.01 com área de 750 m2 , matriz nº 4784-P e pela AP. 8 de 04/03/1996 e aquisição pela ré e pela ap.3154 de 1.03.2011 figura uma operação de reparcelamento parcial e constituído o lote de terreno 3.19. 01 destinado a construção de equipamento colectivo ( residência estudantil) e estacionamento privado e público, com 4 pisos acima do solo ou embasamento, 1 piso de embasamento e 2 pisos abaixo do solo.

25. A A procedeu à entrega da certidão do registo predial junto da CML e foi notificada em 13.05.2011 da emissão de parecer favorável condicionado ao projecto proferido em 11.05.2011, referindo-se que as condições de homologação de parecer favorável condicionado à revisão do projecto em sede de pedido de comunicação prévia para cumprimento do disposto no PU- Plano de Urbanização-ou condicionado À aprovação do projecto de caracterização que contemple as áreas brutas e lugares de estacionamento” constantes do projecto- cfr. documento de fls. 149 a 152 cujo teor se reproduz;

26. Em 14.11.2011 a R informou a A de que “ de acordo com as informações da CM … , todas as alterações de arquitectura e especialidades devem ser agora entregues.

No que se refere aos prazos não vai atrasar nada uma vez que a CML ainda está a fazer a informação do projecto de reparcelamento. Cfr. cópia do email junto a fls. 261.

27. No dia 16.12.2011 a A recebeu um e-mail da R comunicando que o “ O projecto de caracterização da parcela encontra-se agendado para a reunião da Câmara no próximo dia 11 de Janeiro. Cfr. fls. 263 cujo teor se reproduz.

28. A A por carta registada datada de 20.12.2011 sob o assunto “ resolução do contrato-promessa de compra e venda relativo à parcela 3.19 por alteração das circunstâncias” comunicou À Ré que “ o projecto idealizado e preparado perla AA encontra-se, tal como é do conhecimento da Parque Expo, devidamente alicerçado num financiamento bancário assegurado para o efeito e em conformidade com os timings acordados no C:P:C:V: com a Parque Expo. A AA deixou de dispor de condições de financiamento que permitam a realização do projecto. Com efeito, as condições de acesso a crédito bancário para projectos de investimento imobiliário não estão a ser aceites pelo sistema bancário, com forte evidência para os últimos cerca de 2 meses", "Nestas condições, a AA constata que, por razões imputáveis exclusivamente à Parque Expo, a AA não tem condições para prosseguir com o projecto, devido ao longo atraso e à mudança dramática de condições no sector financeiro, associada a uma alteração inexorável da situação económica e financeira do país e das instituições bancárias, inclusive ao nível europeu", "Tal circunstância constitui, a par das acima expostas, uma alteração anormal às circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar e leva a AA a notificar V. Exas da resolução unilateral do C.P.C.V., por alteração das circunstâncias, nos termos do disposto no artigo 437 do Código Civil", " .... pelo que a AA considera ao C.P.C.V. resolvido, com efeitos a partir da data da recepção da presente missiva" ( cf. doe, de fls. 264 a 268 );

29. A ré respondeu à A. nos termos constantes da carta de 10/0112012, junta a fls. 159 a 162 cujo teor se dá por reproduzido;

30. A autora por carta datada de 30/01/2012, enviada à ré e cuja cópia foi junta a fls. 269 a 272, dando-se por reproduzido, veio além do mais reiterar a impossibilidade de manutenção do contrato, quer por alegada impossibilidade objectiva, quer por alegado incumprimento da ré e ainda que "face ao vosso incumprimento tenhamos perdido objectivamente interesse na realização do contrato pelo que procedemos à sua resolução";

31. Há vários anos que o senhor Engenheiro CC, actualmente sócio gerente da A., explora projectos urbanísticos na zona de Lisboa correspondente à zona de intervenção da Expo'98;

32. O registo de inscrição do lote 3.19.01 como prédio novo, para efeitos de IMI, foi requerido pela ré em 18/02/2011;

33. A A. pagou a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de 525.000€.

34. No âmbito dessa actividade, o sócio-gerente da A. desenvolveu, ao longo dos anos, uma relação comercial duradoura e de grande confiança com a R. a qual assegurava aos processos de licenciamento naquela Zona uma maior celeridade e previsibilidade;

35. Foi também essa característica que levou o sócio-gerente da A. a investir em projetos naquela zona da cidade, em detrimento de outras zonas que, apesar de mais atrativas do ponto de vista comercial e financeiro, tinham processos de licenciamento, em regra, mais morosos e imprevisíveis;

36. Em 14.12.2010 a A tinha já reunido todos os elementos para a apresentação do pedido à Câmara Municipal de …, faltando apenas a referida certidão predial do imóvel, que a Ré ainda não tinha entregue;

37. Se aquando do contrato promessa em causa o lote estivesse registado tal como consta do registo datado de 1.03.2011, a A não teria celebrado o contrato promessa (redacção introduzida pela Relação)

38. No imóvel prometido comprara autora pretendia construir uma residência estudantil a qual deveria estar pronta e a funcionar no início do ano lectivo de 2012/2013, facto que a Ré sabia;

38. A. Em 14 de Março de 2011 a A reconhece que com o atraso na apreciação do Estudo Prévio, por razões que a transcendem, o calendário da realização do empreendimento para abertura em Setembro de 2012 já está comprometido. Porém em Setembro do mesmo ano solicita à Ré o adiamento da data para a celebração da Escritura e última parcela do lote, até que se encontre concluído o processo de licenciamento da construção mas nunca antes de 31 de Dezembro do corrente ano, na expectativa de que o processo de licenciamento decorra de forma normal, sem mais atrasos alheios ao Dono da Obra e da responsabilidade da parque Expo”. (introduzido pela Relação)

39. No projecto em causa e em execução do acordado, ao dar o seu parecer prévio ao pedido de informação prévio, a Ré corroborou a previsão de apenas 30 lugares de estacionamento.

40. Foi de acordo com a cláusula de execução previsto no contrato e prazo previsto para a celebração do contrato definitivo que a A tomou a decisão de investir no projecto em questão.

41. O orçamento para a construção da residência estudantil do imóvel em causa tinha como base o início da constituição em Março de 2011

42. A Ré tinha conhecimento que a A pretendia que o projecto estivesse concluído em 2011.

43. E uma das condições que era essencial para a aquisição do imóvel por parte da autora, facto que a Ré sabia, era a eliminação da componente pública dos lugares de estacionamento afectos à parcela em questão.

44. Foi por acta de sessão da CML de 25 de Julho de 2012, que ficou aprovada a revisão do projecto de caracterização do Lote 3.19 de acordo com o requerido pela Ré, nomeadamente com a eliminação dos 44 lugares de estacionamento públicos e eliminação de um piso em cave destinado a estacionamento.

45. Só a partir da resolução dos problemas com o licenciamento é que a A poderia promover o concurso para a construção da obra e adjudica-la a um empreiteiro.

46. Sendo o período de construção mínimo de 3 , aproximadamente 14 meses .

47. Provado o que consta do ponto 38-A ( introduzido pela Relação)

48. A Ré comunicou à A dar o seu acordo ao adiamento da escritura, a realizar no dia 19/12/2011 no pressuposto da aprovação da eliminação dos lugares de estacionamento público pela Câmara, sendo a sua confirmação efectuada nos termos do nº2 da cláusula 4ª do contrato – promessa (Introduzido pela Relação)

48. A Em 16.12.2011 a Ré envia à A um e mail comunicando-lhe que o projecto de caracterização da parcela se encontra agendado para reunião da Câmara no próximo dia 11 de Janeiro, ou seja em 2012 ( fls. 263)

49. Em face dos atrasos na celebração do contrato definitivo e perante o plano de negócios da A de Novembro de 2011, prevê-se um atraso de exploração da residência por dois anos, significando a perda de receitas relativas a dois anos de funcionamento da residência estudantil

50. A A procedeu ao estudo prévio de arquitectura, de forma a inteirar-se das possibilidades oferecidas pelo lote em questão, pelo qual pagou a quantia de e 3.025,00 à FF - Formação e Arquitectura, Ldª

51. Pelo projecto de arquitectura confiado ao atelier do Arquitecto EE, cuja valor ascenderia a e 165.000,00, mais Iva a A já pagou até á data €181.830.00.

52. Toda a componente técnica de elaboração e na análise do projecto também implicou custos, como os relativos às sondagens no terreno, avaliações, certificações técnicas e vistorias, tendo a A pago as quantias de € 159, 27 à GG – Associações Certificadoras de Instalações Eléctricas b) € 276, 75 à PT - Comunicações SA por assessoria técnica ao projecto c) € 10.947,00 à HH relativos aos trabalhos de sondagem geotécnica desenvolvidos na parcela.

53. Foram ainda despendidos os seguintes montantes, pela A., relativos a custos legais e outros: a) € 160,00 com o registo da marca "RESIDÊNCIA DE ESTUDANTES II"; b) € 1.137,75 com honorários de advogados, c) € 1.440,00 com encargos de licenciamento das obras de edificação na parcela 3.19;

54. O investimento da A. neste projeto implicou uma imobilização de capital, que poderia ter sido investido noutros projetos;

55. O planeamento temporal constante da cláusula 6a do C.P.C.V. foi estabelecido no interesse da R. em razão do especial objectivo daquela em os projectos urbanísticos se concretizarem observando elevados padrões de qualidade e em tempo útil.

56. A aprovação pela Câmara Municipal de Projecto de Caracterização contemplando os lugares de estacionamento propostos no projecto ( da A) não obrigava a uma alteração do PP3

57. A solução que viria a ser consensualizada com os técnicos da Câmara e subsequentemente proposta pela R e aprovada em 25 de Julho de 2012, consistiu na transferência de 9 dos 44 lugares de estacionamento públicos para o lote 3.27.03 e dos restantes 35 para espaço público.  


Apreciando:


Como e sabido, é pelas conclusões das alegações do recorrente que se delimita o âmbito do recurso.

Significa que tirando as questões de conhecimento oficioso, só das questões suscitadas naquelas conclusões pode conhecer o tribunal ad quem.


No caso dos autos surge como questão fulcral a decidir saber se deve ou não ter- se  por incumprido definitivamente pela Ré, o contrato promessa em apreço que celebrou com a autora, por esta em consequência da mora ter pedido o interesse na prestação.


As instâncias deram respostas diferentes


Assim, a 1ª instância concluiu pelo incumprimento por banda da Ré, que legitimou a resolução levada a cabo pela A, dada a essencialidade dos prazos e celeridade que a A pretendia e cuja expectativa a Ré criou e cuja essencialidade não desconhecia. Por outro lado ficou sobejamente demonstrada a perda de interesse objectiva da prestação da autora, o que legitima a resolução da mesma, não por qualquer alteração de circunstâncias como a A referia na primeira carta de 20.12.2012, mas, sim, por incumprimento e preenchimento do art. 808 do C. Civil como a A aludiu na carta de 30.01.2012 e nessa medida condenou a Ré a pagar à autora o valor de € 1.050.000$00 correspondente ao dobro do sinal e absolveu a Ré do demais peticionado.


Por seu turno, a Relação embora tenha concluído pelo incumprimento definitivo do contrato promessa, com perda objectiva do interesse da A na prossecução da mesmo, considerou, no entanto, que esse incumprimento não era imputável à R, mas a um terceiro, neste caso, à Câmara Municipal de Lisboa e nessa perspectiva condenou a Ré a restituir em singelo à autora o sinal.


Vejamos:


Como vem sendo largamente sufragado por este Supremo o entendimento de que o incumprimento definitivo (e o consequente pedido resolutivo) constitui pressuposto do funcionamento do nº 2 do art. 442 do C. Civil.

Significa que o regime legal do sinal é inaplicável no caso de simples mora: a resolução do contrato promessa e as sanções de perda do sinal ou da sua restituição em dobro só têm lugar no caso de inadimplemento definitivo da promessa.

Efectivamente, havendo sinal passado., as várias soluções derivam do art. 442, onde se proporciona um tríplice alternativa á escolha do contraente não faltoso.

Assim :

a) Uma delas consiste na perda do sinal ou na sua restituição em dobro, consoante a parte que não cumpriu foi a que o entregou ou recebeu ( art. 442 nº 2 1ª parte).

b) Se o contrato prometido incidir sobre uma coisa e se houver verificado a sua tradição antecipada para a contra-parte, pode esta, quando o incumprimento seja imputável à outra, em vez do sinal dobrado, optar pelo valor da coisa ou do direito a transmitir ou a constituir sobre ela «determinado objectivamente, com dedução do preço estabelecido, mas acrescentando –se à restituição do sinal e da parte do preço ( art. 442 nº 2  2ª parte) ;

c) Em alternativa às soluções anteriores também há possibilidade do contraente fiel requerer a execução específica do contrato nos termos do art. 830 ( art. 442 nº2  1ª parte)


Vigoram para o contrato-promessa as normas gerais respeitantes ao cumprimento das obrigações e portanto também as regras atinentes à falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor ( art. 798 e segs. , 801º, 804º e 808º todos do C. Civil.


A resolução por incumprimento – é dela que se trata- tem a sua sede legal em termos gerais nos arts. 801º nº 2, 802º e 793º do C. Civil.


A resolução por inadimplência consiste no poder que cada um dos contraentes têm de pôr termo ao contrato bilateral não executado pela contraparte. Opera mediante simples declaração à outra parte nos termos do art. 436 nº1 do CCivil.

Só o incumprimento definitivo do contrato promessa confere ao contraente fiel o direito à resolução do contrato ( art. 801 do C Civi) e desencadeia a aplicação das sanções do citado art. 442, nº 2 ( sinal em dobro ou a perda da sinal passado)- cfr. Galvão Telles Direito das Obrigações  7ªed. pag. 129 , Calvão da Silva - Sinal e Contrato-promessa 11ªeds. Pag. 118 e A. Varela RLJ ano 119 pag. 216.

Havendo uma situação de mora, esta só se converte em incumprimento definitivo na hipótese prevista do art. 808 nº1 do CC ou seja, quando o credor em consequência da mora perder o interesse que tinha na prestação se esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor “.  A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente ( nº 2).


Feito este enquadramento importa fazer o confronto com a realidade material que vem provada:


Segundo o contrato promessa outorgado pelas partes em 15.10.2010 a Ré obrigou-se a vender a parcela de terreno 3.19 como uma área de implantação do edificado acima do envasamento de 750 m2 e a área bruta de construção ou de pavimento de 5.250 m2, sendo que, desses 5.250 m2, 3000 destinar-se-iam a abrigar um equipamento de utilização colectiva e os restantes 2.2250 m2 estariam reservados a estacionamento, sendo que a “ficha de caracterização” prevê apenas a criação de 30 lugares de estacionamento, todos eles privados sendo que a escritura era para ser realizada transcorridos 12 meses sobre a data da subscrição do contrato ou com a aprovação do projecto de Arquitectura se esta ocorrer primeiro ( cf. nºs 11, 13, 17 dos factos provados).

Nos termos da cláusula 2ª nº1 a Ré prometeu vender à A, que prometeu comprar, a parcela identificada “ livre de ónus, encargos, pessoas e bens, ou quaisquer outras limitações ao direito de propriedade, salvo as expressamente previstas no presente contrato, no acima referido Projecto de Caracterização, as normas e regulamentos urbanísticas especificamente aplicáveis e de quanto decorra da superveniente aprovação de projectos e licenciamento de obras e utilização”( 11).

Daqui resulta desde logo, que as limitações decorrentes por exemplo, do Projecto de Caracterização do lote, das normas e regulamentos urbanísticos especificamente aplicáveis de quanto decorra da superveniente aprovação e licenciamento de obras e utilização, constituem matérias que o contrato procurou salvaguardar.


Também importa referir que em termos de prazo para a realização da escritura, resulta que a mesma era para ser feita transcorridos doze meses da subscrição do mesmo, ou com a aprovação do Projecto de Arquitectura, sendo certo também que a este nível vem provado que em Setembro de 2011 a A solicitou à Ré o adiamento da data da realização da escritura até que se encontre concluído processo de licenciamento da construção, mas nunca antes de 31 de Dezembro de 2011 (38-A), circunstancialismo que retira o carácter peremptório do prazo.

           

Como refere Vaz Serra in RLJ , Ano 110, pags. 326 e 327.


“ A estipulação de um prazo para a execução de um contrato não tem sempre o mesmo significado. Pode querer dizer que, decorrido o prazo, a finalidade da obrigação não pode já ser obtida com prestação ulterior, caducando por isso o contrato; mas pode também ser apenas uma determinação do termo que não obste à possibilidade de uma prestação ulterior, que satisfará ainda a finalidade da obrigação, caso em que o termo do prazo não importa a caducidade do contrato, mas tão somente a atribuição ao credor do direito de resolvê-lo.

Na primeira hipótese, estamos perante um negócio fixo absoluto.

Na segunda, estamos perante um negócio fixo, usual, relativo ou simples (cfr.. também sobre a mesma matéria J. Baptista Machado, “ Obra Dispersa” vol. I pags. 187 a 193).


Podemos, então, adquirir que, no caso em apreço, não estamos perante um negócio fixo, absoluto, no sentido de que o prazo para a escritura não era absoluto ou peremptório, tanto assim é que as partes acordaram até num adiamento da realização da escritura, que estava temporalmente prevista.


A A imputa à Ré o incumprimento do contrato traduzido no seu dizer entre outros fundamentos na ausência do registo do imóvel que provocou atraso na instrução da informação prévia à Câmara, no atraso no pedido de alteração da ficha de caracterização para aprovação da Câmara, no facto de vender um imóvel com determinadas características, que acordou e assegurou, sem quaisquer condicionalismos em relação a actos de terceiros, factores que levaram a autora a perder obejectivamente o interesse na prossecução do contrato promessa.

Conforme se constata, estamos, aqui, no domínio das matérias limitativas a que se refere a citada cláusula 2ª nº1 do contrato, que as partes, como conhecedoras do negócio imobiliário em causa, obviamente não podiam  ignorar.


A este respeito importa também fazer o histórico do contrato promessa em apreço:


Conforme o que vem provado o contrato promessa surgiu na sequencia de um anúncio de venda no jornal “ Expresso “ no qual se referia além do mais “ Parque das Nações Lote de Terreno para Equipamento” e a indicação entre outras menções de que a parcela a vender dispunha de uma área total de 750 m2 e que esta iria ser vendida por venda directa, sendo que o período para a apresentação de propostas duraria até 18 de Janeiro de 2010, sendo que o mesmo anúncio se referia que o imóvel em causa se destinaria a “ Equipamento de Utilização Colectiva “ e ainda a seguinte informação: Nº de lugares de estacionamento – Privados – 30 – Públicos 44.


A A através do seu sócio gerente CC respondeu ao anúncio e apresentou proposta em 18.1.2010 referindo que “ será proposta a construção de um equipamento colectivo de grande qualidade, fazendo uso de modernas tecnologias e tendo como objectivo a ser uma referência no respectivo domínio da sua actividade “ .


Face à selecção da proposta da autora e a respeito do estacionamento, CC enviou em 14.09.2010 uma carta à R a respeito do estacionamento referindo que “ a dimensão do espaço em cave para estacionamento, não é susceptível de comportar fisicamente o número de lugares previstos, situação agravada pelo facto dos estacionamentos para uso público requerem zonas de acesso e circulação de maior dimensão”. Carta que a Ré respondeu por e-mail em 1.10.2010 nos termos seguintes: segue a ficha já sem os lugares de estacionamento público “( nºs 9 e 10)..


Constata-se, assim, que verdadeiramente não chegou a haver entre as partes uma negociação prévia ao contrato, porque o que vem provado é que o contrato surgiu na sequência do anúncio da parcela feita no jornal Expresso.

O que houve depois foi uma adaptação da Ré à proposta da autora relativamente aos estacionamentos, mas tal adaptação não corresponde a uma assunção em termos contratuais por parte da Ré da obrigação de garantir a eliminação dos lugares de estacionamento públicos.

O que foi consignado no contrato promessa a este respeito foram os 30 lugares de estacionamento privados.


Isto para dizer que esses preliminares ao contrato promessa além de não configurarem qualquer situação de responsabilidade pré- contratual por banda da Ré, também deles não resulta, nem se pode concluir que a Ré por essa via se tenha também obrigado a conseguir a eliminação dos 44 lugares de estacionamento público, que aliás, chegou a acontecer, mas só em 25//7/2012 (acta da sessão da CM) e, sobretudo porque tais obrigações não foram transpostas para o clausulado do contrato promessa que as partes subscreveram.

Acresce também que as matérias relacionadas com o licenciamento do projecto inserem-se nas “tais limitações relacionadas com o Projecto de Caracterização, normas e regulamentos urbanísticas aplicáveis que a cláusula 2ª do contrato procurou salvaguardar e que as partes não podiam ignorar.


E sendo assim no contexto negocial em que as partes actuaram, mostra-se inadequado falar em incumprimento por banda Ré por violação de obrigações, que se prendem com as tais limitações, quando da parte dela não consta contratualmente, nem tal vem provado, que se tenha vinculado no sentido de se responsabilizar pelo licenciamento do projecto ou por garantir o mesmo.

Efectivamente, nem o clausulado do contrato, nem a matéria fáctica provada permite a responsabilização da Ré pelas vicissitudes que tenham surgido no decurso do licenciamento do projecto.


Neste capítulo sublinhe-se que a A apenas conferiu mandato à Ré “ para representar junto das autoridades administrativas competentes para se pronunciarem no processo de licenciamento de execução das obras de edificação” em conformidade com o estipulado na cláusula 5ª do contrato.


Mas o certo é que o contrato não se realizou na data contratualmente prevista, embora não resulte por falta de prova nesse sentido que as partes tenham expressa ou determinado como essencial a fixação de um prazo para a escritura de modo a que o decurso do mesmo fizesse acionar o mecanismo resolutivo do nº 2 do art. 801.

É certo que a Ré tinha conhecimento que a A pretendia que o projecto estivesse concluído em 2011 e que uma das condições que era essencial para a aquisição do imóvel por parte da A era a eliminação da componente pública dos lugares de estacionamento afectos à parcela em questão.

Também só a partir da resolução dos problemas com o licenciamento é que a A poderia promover o concurso para a construção da obra e adjudicá-la a um empreiteiro ( 42, 43 e 45).

Acontece que que foi por acta de sessão da CML de 25 de Julho de 2012, que ficou aprovada a revisão do projecto de caracterização do Lote 3.19 de acordo com o requerido pela Ré, nomeadamente com a eliminação dos 44 lugares do estacionamento público e eliminação de um piso em cave destinada a estacionamento.


Resulta é certo que o projecto negocial da autora em termos dos prazos contratuais ( prazo de execução) podia estar em risco, nomeadamente quando se pretendia que o empreendimento estivesse a funcionar no ano lectivo de 2012/2013, mas, neste domínio não se pode ignorar que não vem provado, nem se pode fundamentar através do clausulado do contrato promessa, como acima se referiu, que esses atrasos sejam imputáveis e da responsabilidade da  Ré, o que à partida retira fundamento à resolução por esse motivo.


Vejamos, então, se no caso dos autos se verifica a alegada perda de interesse na prestação da autora.

Os motivos da resolução estão expressos na carta registada de 20.12.2011 que a A dirigiu à Ré sob o assunto“ resolução do contrato-promessa de compra e venda relativa à parcela 3.19 por alteração das circunstâncias” em que comunicou à Parque Expo” o projecto idealizado e preparado pela AA encontrava-se, tal como é do conhecimento da Parque Expo devidamente alicerçado num financiamento bancário assegurado para o efeito e em conformidade com os timings no CPCV com a parque Expo . A AA deixou de dispor de condições de financiamento que permitiram a realização do projecto. Com efeito, as condições de acesso a crédito bancário para projectos de investimento imobiliário não estão a ser aceites pelo sistema bancário, com forte evidência para os últimos cerca de 2 meses. “ nestas condições a AA constata por razões imputáveis exclusivamente à Parque Expo , a AA não tem condições para prosseguir com o projecto, devido ao longo atraso e á mudança dramática de condições no sector financeiro, associada a uma alteração inexorável da situação económica e financeira do país e das instituições bancárias , inclusive ao nível europeu.” Tal circunstância constitui, a par das acima expostas, uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar e leva a AA a notificar V. Exas da resolução unilateral do CPCV por alteração das circunstâncias, nos termos do art. 437 do Código Civil”, pelo que a AA considera o CPCV resolvido com efeitos a partir da data da recepção da presente missiva ( facto nº 28).


Por carta de 30 de Janeiro de 20012 a AA veio, reiterar a impossibilidade de manutenção do contrato, quer por alegada impossibilidade objectiva, quer alegando incumprimento por parte da Ré e ainda que “ face ao vosso incumprimento tenhamos perdido objectivamente interesse na realização do contrato pelo que procedemos à sua resolução ( facto nº 30).


No que respeito à aplicação do art. 808 nº1 do C. Civil:


A perda de interesse do credor é apreciada objectivamente, o que significa que o valor da prestação deve ser aferida pelo Tribunal em função das utilidades que a prestação teria para o credor, tendo em conta a justifica-lo “ um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas “e a sua correspondência à “ realidade das coisas “ – art. 808 nº 2 - Cfr. Pessoa Jorge, Ensaio Sobre Pressupostos da Responsabilidade Civil, pag. 290 nota 3; Galvão Telles Obrigações 4ª ed. 235, Ac. STJ de 21/5/de 98 BMJ 477-468) .

Como se referiu no Ac deste Supremo de 6.07.2011 acessível via www.dgsi.pt “ a superveniente falta de utilidade da prestação, ou até eventual prejuízo, para o accipiens terá que resultar objectivamente das condições expectativas concretas que estiveram na origem da celebração do negócio- cf. art. 808 nº 2 - bem como das que, posteriormente venham a condicionar a sua execução, inscrevendo-se no contexto daquilo que Calvão da Silva chama o respectivo “ programa obrigacional”..

Por outro lado, não basta a simples diminuição do interesse do credor, exigindo-se uma perda efectiva desse interesse, ou seja, impõe-se uma perda subjectiva do interesse com justificação objectiva.

Também como refere o Baptista Machado in Pressupostos de Resolução “Estudos de Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro vol. II Iurídica pag. 343 e segs “ deverá em princípio, ser considerada grave e, como tal, susceptível de fundamentar o direito de resolução toda aquela inexecução ou inexactidão do cumprimento ( quer sob a forma de atraso no cumprimento, quer sob a forma de inexactidão quantitativa ou qualitativa da prestação ) que torne inviável um certo emprego do objecto da prestação ou que impossibilite o credor de o aplicar ao uso especial que ele tinha em mira”.


Como acentua A. Varela: a perda do interesse na prestação não pode assentar numa simples mudança de vontade do credor, desacompanhada de qualquer circunstância além da mora- ou seja não pode o credor alegar como fundamento da resolução de, não tendo o devedor cumprido a obrigação na altura própria, o negócio não ser já do seu agrado, exigindo a apreciação objectiva da situação algo mais dom que esse puro elemento subjectivo que é alteração da vontade do credor, apoiada na mora da outra parte- e a de que também não basta, para fundamenta a resolução, qualquer circunstância que justifique a extinção do contrato aos olhos do credor. A perda do interesse há- de ser justificada segundo o critério da razoabilidade, próprio do comum das pessoas in RLJ 118 pag. 55 nota (1).

Com essa exigência da apreciação objectiva da perda do interesse do credor, fica, pois, o devedor defendido contra meras interpretações subjectivas deste, contra eventuais caprichos do mesmo. E essa perda de interesse deve ser apreciada, como refere também A. Varela, em função do critério de um homem de bom senso e razoável que, numa ponderação global do caso, entre em linha de conta com a duração da mora, o comportamento do devedor e o propósito subjectivo do próprio credor ( cfr. Ribeiro Faria - Direito das Obrigações vol. II ( reimpressão ) Almedina - Março de 2001 pag. 456 e nota e Acs deste Supremo de 10.12.97, de 26.05.98 e de 08.02.2009 in CJ ano V, tomo 3pag. 165, ano VI t2, pag. 100e ano VII t1pag. 72 respectivamente e ainda os de 05.07, 2007 , de 07.02,2008 e de 21.05.2009 e de 10.09.2009 acessíveis via www.dgsi.pt.


Postas estas considerações importa agora confrontá-las com o caso dos autos.


Desde logo importa referir que ao contrário do decidido pelo Acórdão recorrido a matéria facto que vem provada não chega para concluir pela perda de interesse da autora no contrato, à luz do critério estatuído no citado art. 808 nº2 do C Civil.

E isto porque não podendo a Ré ser responsabilizada em termos contratuais pelos atrasos (sublinhe-se não existe no contrato, nem se provou que a Ré se tenha obrigado a providenciar pelo licenciamento, bem como a garantir o mesmo) a autora não lhe pode imputar qualquer comportamento que comprometa em termos definitivos o contrato promessa, a ponto de sustentar a perda de interesse da autora no negócio nos termos em que o invoca.


Neste domínio, também não se pode ignorar que em Setembro de 2011, a autora solicitou à Ré o adiamento da escritura para nunca antes de 31/12/2011, o que revela que a cerca de dois meses da realização da escritura a autora mantinha intacto o seu interesse no negócio, sendo certo que nessa data ainda não se encontravam eliminados os lugares de estacionamento público, circunstância que pelos vistos à data não retirou o interesse à autora.

Acresce também que de acordo com os ditames da boa fé, o certo é que a autora , mesmo depois da carta de 30.01.2012 nada disse ou informou da sua vontade de “rescisão” do contrato, nomeadamente junto da CML a ponto de esta, ignorando a rescisão do contrato, em 25.07.2012 ainda aprovou o projecto com a eliminação dos 44 lugares de estacionamento público.  


Saliente-se também que não existe qualquer prova no sentido de que a Ré tenha feito crer que à data da celebração do contrato- promessa os lugares de estacionamento público já estavam eliminados.

O mesmo se passa com a regularização registral do imóvel, pois, também não vem provada qualquer matéria no sentido de que a Ré tenha à data da celebração do contrato garantido essa regularização.

Sublinhe-se que sempre incumbia à autora fazer essa demonstração ( art. 342 nº1 do C. Civil).


No que toca à invocação da alteração a das circunstâncias nos termos do art. 437 do C. Civil carece igualmente de fundamento probatoriamente sustentável.

Efectivamente, neste domínio também nada vem provado no sentido de que o contrato em apreço, alguma vez tenha tido como pressuposto o financiamento bancário.

Como se diz no Acórdão recorrido, apenas se tem como “comprovado um estudo para um possível financiamento bancário e nada mais do que isto”.


E no contexto negocial desenvolvido pelas partes a declaração resolutiva emitida nos termos acima transcritos, equivale a uma recusa do cumprimento do contrato por banda da autora?


Como se refere também o Ac. deste Supremo de 22.06.2010 acessível via www.dgsi.pt “ deve considerar-se, em homenagem ao princípio do pontual cumprimento dos contratos- art. 406 nº 1 do C. Civil é a confiança que os contraentes depositam no cumprimento das prestações recíprocas, que constitui fundamento para a resolução do contrato a violação grave do princípio de boa fé, que abrange os deveres acessórios de conduta, sobretudo nos casos em que o devedor evidencie uma clara e inequívoca vontade de não cumprir.

E acrescenta “ esta clara vontade de não cumprir pode não ser expressa, admite-se que possa resultar de uma declaração negocial tácita, de comportamento concludentes apreensíveis pela actuação da parte inadimplente, em função dos deveres coenvolvidos na sua prestação, sendo de atender o grau e intensidade dos actos por si perpetrados na inexecução do contrato, desde que objectivamente revelem inquestionável censura, não sendo justo que o credor -por mais tolerante que tenha sido na expectativa do cumprimento- esteja atido à vontade do devedor.


Neste particular compreende-se a posição do Acórdão recorrido quando considerou desnecessária a interpelação admonitória nos termos do art. 808 nº1 e 2 do C Civil, face aos termos em que a autora coloca a questão nas cartas de 20.12.2011 e 301.2012 e, isto porque a autora já não estava interessada em clarificar o cumprimento ou não cumprimento do contrato, mas tão só em destruir vínculo contratual.

Na verdade aquelas cartas resolutivas da autora mais não são do que a expressão da sua vontade de não cumprir o contrato, o que inutiliza qualquer procedimento admonitório com vista a clarificar a situação do contrato.

De facto, impunha-se que a promitente compradora perante algumas vicissitudes no processo de licenciamento que provocavam atrasos no seu projecto, utilizasse antes a interpelação admonitória nos termos do nº1 do art. 808 do C. Civil, com vista a clarificar o posicionamento das partes relativamente ao cumprimento ou não do contrato.


Tratando-se de um contrato em que não foi estipulado um prazo absoluto e do qual não decorre também a obrigação da Ré em providenciar pelo licenciamento do projecto imobiliário em questão, tendo a autora apenas conferido mandato para a representar junto das entidades que tutelam o processo de licenciamento, os atrasos que porventura ocorressem nesse processo, não configuravam uma situação de mora da responsabilidade da Ré e, daí que num contexto deste tipo a invocada perda de interesse da A configura apenas uma perda subjectiva de interesse, sem cobertura legal e sem acolhimento no critério de objectividade exigido pelo  nº 2 do art. 808 do C. Civil não dá cobertura.


Não se provando uma situação de mora contratual da responsabilidade da Ré e inexistindo incumprimento definitivo nos termos invocados pela autora, esta não tem direito a resolver contrato com base na perda de interesse, que não logrou demonstrar em termos objectivos e conforme exige o citado normativo, ónus que sobre si impendia nos termos do art. 342 nº1 do C. Civil.


E sendo assim a autora tem de assumir as sua responsabilidade pelo rompimento do contrato na forma como o fez, circunstância que faz com que seja procedente a reconvenção deduzida pela Ré no sentido de fazer seu o sinal entregue ( art. 442 nº2 do C. Civil).


Conclusão:


1 - o regime legal do sinal é inaplicável no caso de simples mora: a resolução do contrato promessa e as sanções de perda do sinal ou da sua restituição em dobro só têm lugar no caso de inadimplemento definitivo da promessa.

2 - Os preliminares ao contrato promessa, que surgiu na sequência de um anúncio no jornal Expresso, além de não configurarem qualquer situação de responsabilidade pré- contratual por banda da Ré, também deles não resulta, nem se pode concluir que a Ré por essa via, se tenha também obrigado a conseguir a eliminação dos 44 lugares de estacionamento público, que aliás, chegou a acontecer, mas só em 25//7/2012.( acta da sessão da CML) e, sobretudo porque tais obrigações não foram transpostas para o clausulado do contrato promessa que as partes subscreveram, sendo certo, no entanto, que as matérias relacionadas com o licenciamento do projecto inserem-se nas “tais limitações relacionadas com o Projecto de Caracterização, normas e regulamentos urbanísticas aplicáveis que a cláusula 2ª nº1 do contrato procurou salvaguardar e que as partes não podiam ignorar.

3 - E por isso, no contexto negocial em que as partes actuaram, mostra-se inadequado falar em incumprimento por banda Ré por violação de obrigações, que se prendem com as tais limitações, quando da parte dela não consta contratualmente, nem tal vem provado, que se tenha vinculado, no sentido de se responsabilizar pelo licenciamento do projecto ou por garantir o mesmo dentro do calendário contratual.

4 -Tratando-se de um contrato em que não foi estipulado um prazo absoluto e do qual não decorre também a obrigação da Ré em providenciar pelo licenciamento do projecto imobiliário em questão, tendo a autora apenas conferido mandato para a representar junto das entidades que tutelam o processo de licenciamento, os atrasos que porventura ocorram nesse processo, não configuram uma situação de mora da responsabilidade da Ré e, daí que num contexto deste tipo, a invocada perda de interesse da A configura apenas uma perda subjectiva de interesse, sem cobertura legal e sem acolhimento no critério de objectividade exigido pelo nº 2 do art. 808 do C. Civil.

5 -Não existindo uma situação de mora contratual da responsabilidade da Ré e não existindo incumprimento definitivo nos termos invocados pela autora, esta não tem direito e consequente fundamento legal para resolver o contrato- promessa de compra e venda com base na perda de interesse, que não logrou demonstrar em termos objectivos e conforme exige o citado normativo, ónus que sempre impendia sobre si, nos termos do art. 342 nº1 do C. Civil.

6 - E sendo assim a autora na qualidade de promitente compradora tem de assumir a responsabilidade pelo rompimento do contrato promessa em apreço, quando infundadamente resolveu o contrato, o que, no caso configura uma situação de incumprimento definitivo por banda da autora, circunstancialismo que no caso dos autos implica que a Ré, como promitente vendedora, tenha direito a fazer seu o sinal entregue nos termos do art. 442 nº 2 do C. Civil.



III - Decisão:



Nestes termos e considerando o exposto acordam os Juízes deste Supremo em negar a revista interposta pela autora e concedendo provimento ao recurso subordinado interposto pela Ré, revogam o Acórdão recorrido, julgando-se a acção improcedente e procedente a reconvenção.


Custas pela A recorrente.


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 15 de janeiro de 2015


Tavares de Paiva (Relator)


Abrantes Geraldes


Bettencourt Faria