Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
219/14.7TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: UNIÃO DE FACTO
EFEITOS PATRIMONIAIS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
DIREITO DE PROPRIEDADE
ÓNUS DA PROVA
COMPROPRIEDADE
BEM IMÓVEL
USUCAPIÃO
CONTA BANCÁRIA
TÍTULO DE AQUISIÇÃO
REGIME DE BENS
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 04/11/2019
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / COMPROPRIEDADE – DIREITO DA FAMÍLIA / CASAMENTO / EFEITOS DO CASAMENTO QUANTO ÀS PESSOAS E AOS BENS DOS CÔNJUGES / CONVENÇÕES ANTENUPCIAIS / REGIMES DE BENS / REGIME DA SEPARAÇÃO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, p. 481 ; Direito da Família, 5.ª Ed., vol. 1, Lisboa, Livraria Petrony, 1999, p. 160 e ss
- Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, p. 202;
- Castro Mendes, Família e casamento, Estudos sobre a Constituição, Jorge Miranda (coord.), vol. I, Lisboa, Livraria Petrony, 1977, p. 372;
- França Pitão, Uniões de Facto e Economia Comum: de acordo com a Lei n.° 23/2010, de 30 de Agosto, p. 156-162;
- Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, p. 79, 80 e 507;
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Ed. revista, vol. 1, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 559-568;
- Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 3.ª Ed., Lisboa, AAFDL, 2012, p. 724;
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, vol. II, Coimbra, Almedina, 2010;
- Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, 4.ª Ed., vol. 1, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 56.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.º 3, 608.º, N.º 2, 615.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E D), 635.º, N.º 4, 639.º E 666.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1403.º, N.º 1, 1714.º, 1730.º, N.º 1 E 1736.º, N.º 2.
Referências Internacionais:
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (DUDH): - ARTIGOS 12.º E 16.º.
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 8.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 24-03-2017, PROCESSO N.º 1769/ 12.5TBCTX.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 21-09-2017, PROCESSO N.º 526/14.9TBCNT.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-05-2018, PROCESSO N.º 175/ 05. 2TBALR.E1.S.1;
- DE 24-10- 2017, PROCESSO N.º 3712/15.0T8GDM.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE):


- DE 13-06-1979, CASO MARKX C. BÉLGICA;
- DE 18-12-1986, CASO JOHNSTON E OUTROS C. IRLANDA;
- DE 28-11-1987, CASO INZE C. ÁUSTRIA;
- DE 29-11-1991, CASO VERMEIRE C. BÉLGICA.
Sumário :
I - À liquidação e partilha dos bens adquiridos pelos membros de uma união de facto e à míngua de enquadramento normativo próprio não se aplica o regime do casamento nem o regime de dissolução de sociedades de facto (até porque este já foi eliminado pelo atual CPC), podendo-se, contudo, recorrer ao regime de compropriedade (caso ambos os conviventes tenham tido intervenção no acto de aquisição) ou ao instituto do enriquecimento sem causa (na hipótese em que apenas um dos conviventes conste do título aquisitivo, tendo, porém, ambos contribuído para aquisição do bem, directamente ou através da propiciação de poupanças significativas ao adquirente).

II - Impende sobre quem alega a exclusividade da titularidade do direito de propriedade incidente sobre determinado bem o ónus da prova dos pertinentes factos.

III - A titularidade de uma conta bancária não predetermina a propriedade dos fundos nela depositados.

IV - A mera coabitação do recorrente e da recorrida no imóvel é insuficiente para gerar a posse hábil a espoletar reconhecimento da sua aquisição originária por aquele.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório


1. AA intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, CC e DD, pedindo:

a) O reconhecimento da relação de união de facto mantida entre o Autor e a Ré BB, e a declaração de cessação da mesma durante o ano de 2009, ou outra data que se venha a apurar;

b) A condenação dos Réus a reconhecer o Autor como único e exclusivo proprietário dos bens descritos no artigo 165° da petição inicial, bem como de todos os seus frutos e rendimentos;

c) A condenação dos Réus a restituir ao Autor os bens exclusivamente pertença deste que se encontrem na posse ou titularidade dos Réus;

d) A declaração de invalidade/nulidade de todos e quaisquer negócios realizados pela Ré BB com os restantes Réus, respeitantes à transferência de bens do Autor para os Réus CC e DD, em particular as doações relativas aos imóveis descritos no artigo 162° da petição inicial, com o consequente cancelamento dos registos efetuados a favor dos mesmos Réus;

e) O averbamento oficioso a favor do Autor dos bens móveis sujeitos a registo, imóveis e participações sociais descritos no artigo 162° da petição inicial;

Subsidiariamente, para a hipótese de se considerar que bens próprios do Autor são apenas os que lhe advieram por sucessão, pediu que se declare que os bens identificados no artigo 162° da petição inicial, sendo comuns do Autor e da Ré BB, sejam partilhados na proporção de 2/3 para o Autor e 1/3 para a referida Ré;

Ainda subsidiariamente, pediu que se declare que os bens identificados no artigo 162° da petição inicial são comuns, em compropriedade e partes iguais, do Autor e da Ré BB;

Mais pediu o cancelamento de todos e quaisquer registos quanto aos bens imóveis e participações sociais que possam existir a favor dos Réus.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

Conheceu a Ré BB em 1965, tendo passado a viver em comunhão de mesa, cama e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, nascendo desse relacionamento os corréus CC e DD, respetivamente em 1967 e 1980.

A relação entre ambos terminou em 2009, altura em que a ré BB o impediu de entrar na habitação que havia constituído a casa de morada de família.

Durante a vida em comum, o autor auferiu rendimentos provenientes do seu trabalho de montante superior a EUR 2.000.000,00.

Por outro lado, por óbito de seus pais, adquiriu bens de valor superior a EUR 1.000.000,00, tendo ainda, em 1985, procedido à venda de um imóvel de sua pertença e adquirido, com o produto dessa venda, uma moradia sita na rua …, n° …, …, cujo valor é, hoje, superior a €715.000,00, embora no contrato de compra e venda a Ré BB tenha figurado como única compradora.

Além disso, o autor aforrou EUR 402 461,60, depositados em conta aberta em instituição bancária, titulada pelas Rés BB e CC, quantia de que a Ré BB se apropriou e transferiu para outras contas bancárias.

As despesas do agregado familiar eram superiores a €4.000,00, para as quais contribuía com pelo menos EUR 3.000,00; para que a Ré BB pudesse vir a beneficiar de reforma, inscreveu-a na segurança social como sua colaboradora, com o vencimento médio mensal equivalente a EUR 1.200,00, embora a mesma, de facto, jamais tenha prestado qualquer serviço.

A Ré BB deixou de exercer a sua atividade profissional a partir do nascimento dos filhos e só a partir de 2005 passou a auferir efetivo rendimento, correspondente à reforma que lhe foi atribuída. Por via sucessória, a mesma Ré recebeu apenas cerca de EUR 35.000,00, dos quais doou EUR 25.000,00 ao Réu DD.

A Ré BB, ao tomar conhecimento de uma outra ação que o ora autor instaurou contra si e a Ré CC, transferiu para os restantes corréus bens que lhe pertencem, procurando iludir os efeitos da provável procedência da ação. Nessa conformidade, invocou a nulidade de tais atos, por simulação, ou, pelo menos, por incidirem sobre bens alheios.

Finalmente, a título subsidiário, e tendo em vista a procedência da ação, invocou o instituto do enriquecimento sem causa.


2. Os Réus apresentaram contestação conjunta, arguindo a ilegitimidade processual dos réus CC e DD, o caso julgado, defendendo que o objeto processual da presente ação constitui repetição do objeto processual já definitivamente apreciado no âmbito da ação ordinária que correu termos sob o n° 68/11.4TVPRT e a prescrição do direito do autor fundado no enriquecimento sem causa, alegando que, desde a cessação da união de facto até à propositura da ação, decorreram mais de 3 anos.

Pediram ainda a condenação do Autor, como litigante de má fé, no pagamento de uma indemnização no montante de EUR 100.000,00.

3. Houve réplica.

4. Proferido despacho saneador, foi declarada improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade processual dos Réus CC e DD e julgada procedente a exceção dilatória de caso julgado, com a consequente absolvição dos Réus da instância.

5. Interposto recurso da decisão que julgou procedente a exceção de caso julgado, a mesma veio a ser revogada pelo Tribunal da Relação do Porto, entendimento que este Supremo Tribunal de Justiça, na revista interposta, veio também a confirmar.

6. Prosseguindo os autos a sua tramitação, foi realizado o julgamento e proferida sentença com o seguinte dispositivo:

"I- Julgo a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência:

a. Declaro que a união de facto, que autor AAe ré BB mantiveram, cessou em 2009;

b. Declaro o autor AA comproprietário, na proporção de 1/2, dos seguintes bens:

i. Prédio urbano constituído por casa com 2 pisos, sita no Aldeamento …., n° …, …, …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n° 5…9-…, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo U-3324°-Quarteira;

i. Fração autónoma, designada pelas letras "AP", correspondente ao apartamento 8.1, sita no 8° andar do prédio sito na rua …, n° …°-A, …, descrita na Conservatória do Registo Predial do …. sob o n° 4…-…, e inscrita na respectiva matriz sob o artigo U-4….° ….;

II - Julgo a presente ação improcedente na parte restante.".

7. Desta decisão, apelou o autor, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão em que, julgando parcialmente procedente a apelação:

- Declarou que o autor é o titular do direito de propriedade sobre os bens móveis identificados a fls. 319 a 321 do apenso B, condenando a ré BB a restituí-los àquele;

- Quanto ao mais, confirmou a sentença recorrida.

8. De novo irresignado, veio o autor interpor recurso de revista normal e, subsidiariamente, de revista excecional.

9. Neste Supremo, a relatora proferiu despacho em que:

a) Não conheceu do objeto do recurso de revista normal, por se verificar uma situação equiparável à «dupla conforme», na medida em que a Relação proferiu uma decisão mais favorável para o apelante, do que a que havia sido enunciada na 1' instância;

b) Determinou a remessa dos autos à Formação de Juizes a que se refere o art.°. 672°, n°3, do CPC, para apreciação dos pressupostos de admissibilidade da revista excecional, interposta a título subsidiário.

10. A Formação proferiu acórdão a admitir a revista excecional, por se mostrar verificado o pressuposto previsto na al. a), do n°1, do art. 672°, do mesmo Código.

11. Nas alegações da revista, o autor formulou as seguintes conclusões:

I. As matérias objeto do presente recurso são suscetíveis de apreciação, mesmo em sede de revista normal, porque tratam de erro grave na aplicação de Lei imperativa, conforme se afirmou entre outros, no Acórdão de Supremo Tribunal de 21 de setembro de 2010, Proc. 358/ 08.3TBTCS. Cl. Sl.

Sem prescindir

II. - O Acórdão recorrido, no entender do Recorrente, decide questões de direito que assumem especial relevância social e cuja apreciação pela sua relevância jurídica é necessária para a melhor clarificação e até uniformização jurisprudencial tudo com vista à melhor aplicação de Direito.

III. O Acórdão recorrido, no entender do recorrente, decide sobre as mesmas questões de Direito, no âmbito de vigência da mesma legislação, em oposição com o decidido noutros Acórdãos de tribunais superiores, inclusive do Supremo Tribunal de Justiça, transitados em julgado.

IV. IV. São 3 as questões que o Recorrente coloca à apreciação do STJ, a saber:

A - A questão da melhor forma legal, recorrendo o Tribunal aos meios gerais de direito para destrinça de património de ex-conviventes de união de facto;

B - A questão da aplicabilidade pelo Tribunal do instituto do enriquecimento sem causa, mesmo sem ter sido invocado pelas partes;

C - A questão de não aplicabilidade do regime de presunção previsto no Registo Predial.

V.     O Recorrente no que concerne a tais questões concretas perfilha os entendimentos,

constantes dos acórdãos que indica como fundamento, considerando que o Acórdão recorrido errou na apreciação dessas questões, devendo, pois, no seu entender a decisão recorrida ser revogada, com todas as consequências legais, levando no caso concreto sempre à procedência da ação

VI. O Recorrente nestas conclusões seguirá também a cronologia que utilizou no tratamento das referidas questões, no âmbito das alegações precedentes.

VII. Antes de mais, verifica-se que o Acórdão recorrido enferma de invalidade/ nulidade, quer por oposição/ contradição entre a sua fundamentação e a sua decisão, quer por verdadeira omissão de pronúncia/denegação de justiça, vício que se deixa invocado, nos termos expostos.

VIII. O Acórdão recorrido viola igualmente as regras gerais do ónus da prova e sua repartição pelas partes.

IX.      A questão no entanto dos autos é claríssima - está demonstrado nos autos e o Acórdão recorrido reconhece e declara-o que o A. viveu em união de facto com a Ré ao longo de 40 anos (pelo menos).

X.       Ora, conforme atrás se demonstrou, a ação como a dos autos, visa não só o reconhecimento de tal realidade, como determinar o momento da cessação e, subsequentemente, dividir/destrinçar todo o património que tenha advindo aos dois titulares de tal relação durante o período em que ela se manteve.

XI. Ora, o Acórdão recorrido parte do pressuposto, que o ónus de prova da "titularidade” de todos os bens competia ao A., reconhecendo depois, de resto, a dificuldade de prova da titularidade "exclusiva" dos referidos bens.

XII. Porém nesta ação o que se pretende apurar (independentemente da posse ou do registo) é a quem pertencem TODOS os bens adquiridos na pendência da união.

XIII. Reconhecida a união de facto durante determinado período, o Tribunal para proceder à destrinça dos bens que advieram à titularidade dos componentes dessa família - não matrimonializada - deve aferir da razão de ser (a causa) da respectiva titularidade/ aquisição.

XIV. E, quanto a esses bens (todos eles), independentemente da respectiva titularidade formal, é mister questionar-se a que titulo advieram ao respectivo titular formal.

XV. O ónus de prova, neste caso concreto, deve entender-se repartido de acordo com a regra geral.

XVI. Assim, o Tribunal a quo, errou também no que se refere à repartição do ónus da prova e fê-lo, por maioria de razão, quando, esquecendo toda a matéria dada como assente, se socorreu da presunção derivada do registo (quanto ao dito imóvel).

XVII. Por outro lado, neste tipo de ação, a aplicação das regras do registo predial, em especial a presunção derivada do registo predial não é aplicável.

XVIII. Neste tipo de procedimento, nenhum dos ex-conviventes deverá beneficiar de tal presunção.

XIX. Cada ex-convivente deve alegar e provar os factos que justifiquem a aquisição exclusivamente próprio, ou "comum", do acervo de bens que existam à data da cessação da união de facto, competindo-lhes o ónus de provar os factos que invocar.

XX. Estando determinado e provado nos autos que um conjunto de bens (artigo 162° da p.i.) advieram à titularidade dos ex-conviventes (A. e 1a Ré BB) durante o período de união, só a repartição do respectivo ónus de prova é susceptivel de cumprir um razoável equilíbrio entre as partes com vista a apurar a quem pertencem os bens - apuramento este essencial à respectiva destrinça.

XXI. É aqui que a regra do ónus de prova deve ser a geral para cada um dos ex-conviventes - art.° 342 n° 1 do Cód. Civil - nem podia ser de outro modo.

XXII. Pois que a pensar-se diferentemente, se todos os bens próprios ou comuns de um convivente estivesse na posse do outro, este beneficiaria sempre de uma repugnante presunção de que estes lhe pertenciam....

XXIII. Em todo o caso, mesmo na lógica do Acórdão recorrido, não aplicou adequadamente ao caso o regime dos direitos reais.

XXIV. O Acórdão recorrido, aliás, contraditoriamente, quanto ao imóvel vale-se apenas da presunção do registo predial; mas quanto aos bens móveis não se socorre da presunção legal inerente à sua posse.

XXV. Quer dizer, em função da mesma realidade, o Acórdão recorrido pretendendo aplicar as regras dos direitos reais, socorre-se, num caso de uma presunção, e no outro acaba por reconhecer com base nos mesmos factos provados, o direito de propriedade do A. (sobre um conjunto de bens móveis)

XXVI. Por outro lado, o Acórdão recorrido esquece todo o enquadramento restante, ou seja esquece a maior parte do regime dos direitos reais que pretende aplicar ao caso.

XXVII. Face à prova produzida sempre terá que se concluir que o A. também adquiriu originariamente - pela posse e fruição ao longo de 24 anos, com o intuito de domínio - a casa da Rua ….

XXVIII. Não podendo deixar de concluir-se que igualmente adquiriu o referido prédio sob a forma derivada, através da compra e venda.

XXIX. Haveria sempre o Tribunal que considerar ilidivel e ilidida a presunção do registo através da aquisição originária de A. e da I° Ré BB.

XXX. Mesmo na lógica do Acórdão recorrido, a solução só poderia ser a atribuição do prédio da Rua … ao A. (e no limite à 1a Ré BB, pelo menos em partes iguais).

XXXI. O Acórdão recorrido, por um lado, não teve em consideração a prova produzida e os factos dados como assentes.

XXXII. Assim como esqueceu - verdadeira omissão de pronúncia - os pedidos subsidiários formulados pelo A. - os bens em questão adquiridos pelos ex-conviventes durante a vigência da união de facto foram resultado dos recursos financeiros e rendimentos do A..
XXXIII. Face a esta realidade, que é inequívoca e repetidamente reconhecida, e que corresponde à matéria dada como provada, haveria o Tribunal, fixada a data do término da união de facto entre A. e Ré, encontrar a melhor solução jurídica para a determinação da titularidade sobre tais bens e sua destrinça.

XXXIV. O Tribunal a quo poderia e deveria, face aos factos dados como assentes, reconhecer que os bens descritos no art° 162 da p.i.- que não contemplou - máxime a casa da Rua … e o saldo da conta bancária n° 00….9 (do então Banco EE) ­pertenciam a ambos os ex-conviventes - embora em proporções diversas (o que também está pedido na ação).

XXXV. Este seria - é - o mínimo indispensável de uma solução razoável e justa e poderia desde logo o Tribunal a quo socorrer-se dos institutos gerais de direito que melhor proporcionassem uma solução equitativa e razoável de destrinça de tais bens.

XXXVI. Para destrinçar as partes de tal compropriedade, poderia e deveria o Tribunal socorrer-se desde logo das normas das sociedades irregulares (informais) que tem regras manifestamente adequadas para o efeito, v.g. art°s 157, 980 e segts., 992 e 1018, todos do Cod. Civil (como aliás anuncia na sua fundamentação de direito).

XXXVII. Dados os factos dados como assentes, deveria ter sido atribuída uma proporção na compropriedade de tais bens a cada um dos ex-conviventes em função de juízos de equidade ­pelo menos julgando-se procedente o 1° pedido subsidiário formulado pelo A. na alínea F) do petitório.

XXXVIII. É que estando dado como provado que pelo menos a esmagadora maioria dos recursos financeiros na aquisição de tal património, competiu ao A., deveria ter sido atribuído ao A. pelo menos 2/3 de tal compropriedade e 1/3 à 1' Ré BB -seria, é, mais do que razoável.

XXXIX. Mas, ainda que assim se não considerasse (ou seja se se estivesse perante um caso de ausência de prova), a Lei tem solução para o caso - a presunção da compropriedade em partes iguais.

XL. Por excesso de raciocínio, consideremos, no entanto, a hipótese de aplicação ao caso do imóvel do instituto da presunção predial.

XLI. É que, ao contrário do pretendido no Acórdão recorrido, o A. provou a aquisição, pelo menos em compropriedade, do referido imóvel, quer em sede de aquisição originária, quer em sede de aquisição derivada - vejam-se, em particular quanto a esta matéria, os pontos 28, 29, 30, 31, 32 e 33 dos factos provados.

XLII. Quanto a questão da melhor forma legal, recorrendo o Tribunal aos meios gerais de direito para destrinça de património de ex-conviventes de união de facto, o recorrente invoca os seguintes Acórdãos como acórdãos fundamento:

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.05.2003, processo 04B111;

Acórdão da Relação de Coimbra, de 25.05.2010, processo 64 / 03 .5TBTBU. Cl

Acórdão da Relação de Lisboa, de 23.11.2010, processo1638/08.3TVLSB.L1.1.

XLIII. Em último caso, se necessário, o Tribunal poderia/ deveria socorrer-se do instituto do enriquecimento sem causa, aplicando ao caso, independentemente de ser invocado, ou não, pelas partes, para lhe dar a melhor solução.

XLIV. E quanto à questão da aplicabilidade pelo Tribunal do instituto do enriquecimento sem causa, mesmo sem ter sido invocado pelas partes, o recorrente invoca o seguinte Acórdão fundamento:

- Acórdão da Relação de Coimbra, de 23.02.2011, processo 656/05.8TBPCV.C1.

XLV. Ora, no caso dos autos, como o próprio Acórdão recorrido reconhece, foi cabalmente demonstrado que os referidos bens advieram ao património dos elementos da comunidade conjugal informal, por virtude do esforço e dos recursos e património do A. - é o que resulta reconhecido por abundância no Acórdão recorrido e, de facto, não se vislumbra como possa ser de outra maneira.

XLVI. E se isto é assim no que concerne ao imóvel da Rua …, por maioria de razão o é quanto à famigerada conta bancária n° 008872500179 (do então Banco EE), que à data de Abril de 2010, tinha um saldo de 402 461,60 Euros, e quanto aos demais bens.

XLVII. Mesmo considerando-se a aplicação das regras dos direitos reais, a solução seria sempre totalmente diversa da propalada pelo Acórdão recorrido, nos termos expostos.

XLVIII. Antes de mais a Ré BB não pode beneficiar da presunção do registo, nos termos expostos, sendo certo que o A., não obstante ilidiu tal presunção pois que fez prova bastante da aquisição originária e derivada dos referidos bens.

XLIX. Quanto à questão da não aplicabilidade ao caso da presunção do registo o Recorrente invoca como Acórdãos fundamento Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.02.2005, processo 05A2709 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.12.2007, processo 07A2464

L. O recorrente, no que concerne a tais questões concretas de Direito perfilha os entendimentos dos Acórdãos que indica como fundamento, considerando que o Acórdão recorrido errou na apreciação de cada uma delas, devendo, pois, no seu entender a decisão recorrida ser revogada, e a ação intentada pelo Recorrente julgada sempre procedente por provada.

LI. Todas estas questões deverão ser reapreciadas como objeto da Revista Extraordinária (e até mesmo sob a forma normal, nos termos expostos)

LII. Violou assim a sentença recorrida por erro de interpretação um conjunto significativo de normas legais, nomeadamente os art°s 157, 203, 204, 205, 342, 344, 350, 980 e ss, 992 e 1018, 1268, 1299 do Código Civil e art° 7 do Código do Registo Predial.

Mais requer que o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos expostos, julgue a presente revista excecional de forma ampliada, por forma a assegurar uniformização de jurisprudência.

12. Nas contra-alegações, pugnou-se pela confirmação do acórdão recorrido.


***


13. Considerando que o recorrente requereu o julgamento ampliado da revista, foram os autos apresentados ao Exmo. Presidente do Supremo

Caixa de texto: 13Tribunal de Justiça, que, nos termos previstos no art. 686°, do CPC, proferiu decisão (definitiva) a indeferir o requerido.

14. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.°, n.°2, 635.°, n°4 e 639°, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas.

Por sua vez - como vem sendo repetidamente afirmado - os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal a quo.

Sendo assim, as únicas questões de que cumpre conhecer consistem em saber se:

a) o acórdão enferma de nulidade por omissão de pronúncia e/ou contradição entre a sua fundamentação e a sua decisão;

b) se verifica violação das normas que disciplinam a repartição do ónus da prova;

c) - O autor deve, ou não, ser declarado comproprietário na proporção indicada na petição inicial, em relação aos bens mencionados nas alegações da revista, com as consequências ali reclamadas.


***


II - Fundamentação de facto

15. As instâncias deram como provado que:

1- Autor e Ré BB conheceram-se em meados da década de 1960, na Escola de …., que ambos frequentavam como alunos.

2 - Na altura o Autor era, como ainda é, solteiro, enquanto a Ré BB era casada.

3 - A Ré BB separou-se judicialmente de pessoas e bens a 01 de abril de 1972.

4 - Em meados da década de 1960, Autor e Ré BB mudaram-se para Lisboa, onde o Autor concluiu a sua licenciatura em …. na Escola Superior ….

5 - Em Lisboa, Autor e Ré BB passaram a viver juntos, em comunhão de mesa, cama e habitação.

6 - Durante décadas, Autor e Ré BB partilharam a mesma habitação, tomaram refeições em conjunto, fora e dentro do seu agregado familiar, partilharam o leito e relacionaram-se com terceiros como se de marido e mulher se tratassem.

7 - Muito embora vivessem em condições análogas às dos cõnjuges, não era propósito de Autor e Ré BB contraírem matrimónio.

8 - Autor e Ré BB viveram conforme referido em 6- como verdadeiro projeto de vida, partilhando interesses e aspirações comuns, desenvolvendo atividades para o bem-estar de ambos, gerando rendimentos e realizando negócios e investimentos com vista ao bem-estar, proveito, sustento e aforro do autor e dos réus.

9 - ... Na sequência do que Autor e Ré BB desenvolveram diversas atividades profissionais e atividades económicas que visaram o desenvolvimento dos respetivos patrimónios.

10 - Do relacionamento que mantiveram autor e ré BB nasceram 2 filhos, os corréus CC e DD, respetivamente em 1967 e 1980.

11 - O relacionamento que Autor e Ré BB mantiveram teve vicissitudes várias, com altos e baixos, até que terminou, passando cada um a viver em moradas distintas, cessando a união de facto.

12 - A Ré BB, pelo menos em 2009, mudou as fechaduras da habitação em que durante anos ambos residiram, sita na Rua …, n° 224, …, definitivamente impedindo o autor de aí entrar.

13 - Em 2011, a Ré BB participou criminalmente contra o autor pela prática de crime de violação de domicílio, do que o Autor foi absolvido, no âmbito do processo n° 829/11.4PRPRT, do extinto … juízo criminal do Porto.

14 - Em janeiro de 2011, o Autor intentou ação declarativa contra as aqui Rés BB e CC, que correu termos pela extinta … vara cível do Porto sob o n° 68/11.4TVPRT.

15 - Entre 2005 e 2009, o autor continuou a frequentar a casa sita na Rua …, n° 224, …, aí permanecendo e praticando atos normais do seu quotidiano.

16 - Entre 2005 e 2009, as contas referentes a certos serviços, relativas à casa sita na rua …, n° 224, …, ainda eram emitidas em nome do Autor, tendo sido por este pagas.

17 - Os rendimentos ao longo das décadas aportados à união constituída por Autor e Ré BB foram angariados maioritariamente pelo Autor, assumindo a Ré BB a função de educação dos filhos.

18 - No período em que residiram juntos em Lisboa, até finais da década de 1960, Autor e Ré BB sobreviveram essencialmente graças a uma «mesada» atribuída ao Autor pelo pai deste, a uma bolsa de estudo auferida pela Ré BB, e ao rendimento auferido pelo Autor, primeiro pela frequência do curso de …, e, posteriormente, pelos honorários decorrentes da sua colaboração com outros arquitetos.

19 - No início da década de 1970, Autor e Ré BB regressaram à cidade do Porto, a partir daí ambos vivendo essencialmente graças aos honorários auferidos pelo Autor com o exercício da sua atividade de arquiteto, e ao retorno dos investimentos feitos pelo autor.

20 - O Autor veio a herdar de seu pai e de sua mãe bens (móveis; imóveis; dinheiro) de relevante valor.

21- Entre 1970 e 2007 o autor apresentou declarações fiscais indicando ter auferido os seguintes rendimentos:

Arquitetura Prediais Lucros de investimentos/Sociedades

1970 - 33 000$00

1971 - 118 000$00

1973 - 339 594$00

1975 - 284 215$00

1976 - 588 433$00

1977 - 168 000$00

1978 - 452 000$00

1979 - 411 500$00

1980 - 558 000$00

1981 - 643 000$00

1982 - 628 000$00

1983 - 638 600$00

1984 - 803 000$00

1985 - 1 034 100$00

1986 - 1 241 400$00

1987 - 1 318 925$00

1988 - 2 456 158$00

1989 - 2 348 000$00 - 113 532$00

1990 - 1 617 500$00 - 53 460$00

1991 - 2 320 000$00 - 172 575$00 - 9 500 000$00

1992 - 2 000 000$00 - 201 250$00 - 500 000$00

1993 - 3 080 000$00 - 113 304$00

1994 - 700 000$00 - 124 776$00

1995 - 500 000$00

1996 - 3 334 000$00 - 251 249$00

1997 - 2 200 000$00 - 256 949$00 - 4 000 000$00

1998 - 2 017 412$00 - 261 995$00

1999 - 1 500 000$00 - 232 840$00

2000 - 1 200 000$00 - 212 575$00


22 - O pai do Autor era «dono» de 2 fábricas têxteis.

23 - Em 1973, o Autor era cotitular do direito de propriedade sobre um terreno sito em …., Vila …..

24 - Em 1974/1975, com recurso a financiamento bancário, o Autor iniciou a construção de uma moradia, em …, …, que posteriormente foi afeta à residência do agregado familiar que constituiu com a Ré, moradia cujo direito de propriedade se mostrava inscrito a favor do Autor na Conservatória do Registo Predial.

25 - Em 1981, ocorre a aquisição de uma habitação localizada no primeiro piso do prédio sito na Rua …, n° 21, …, cujo direito de propriedade foi inscrito na Conservatória do Registo Predial em nome da Ré BB.

26 - Em 1983, ocorre a aquisição pelo Autor do direito a 1/2 da fração autónoma, afeta a escritórios, sita no 4° andar do prédio sito na Rua …, n° 21, ….

27 - Autor e Réus BB e DD são titulares das seguintes participações sociais:

a. quota no valor nominativo de 250 000$00, titulada pelo Autor, correspondente a 20% do capital social da sociedade "FF, Lda", NIPC 50…1;

b. quota no valor nominativo de € 2 000,00, titulada pelo Autor, correspondente a 40% do capital social da sociedade "GG, Lda", NIPC 50…11;

c. quota no valor nominativo de € 3 750,00, titulada pelo Autor, correspondente a 75% do capital social da sociedade "HH - Arquitectura e Planeamento, Lda", NIPC 50…68;

d. quota no valor nominativo de € 1 000,00, titulada pelo Réu DD, correspondente a 20% do capital social da sociedade "HH - Arquitectura e Planeamento, Lda", NIPC 50…68;

e. quota no valor nominativo de € 250,00, titulada pela Ré BB, correspondente a 5% do capital social da sociedade "HH - Arquitectura e Planeamento, Lda", NIPC 50….68;
f. quota no valor nominativo de € 4 250,00, titulada pelo Autor, correspondente a 85% do capital social da sociedade "II - Combustiveís e Lubrificantes, Lda", NIPC 50…67;

g. quota no valor nominativo de € 750,00, titulada pela Ré BB, correspondente a 15% do capital social da sociedade "II - Combustiveís e Lubrificantes, Lda", NIPC 50….67;

h. quota no valor nominativo de € 500,00, titulada pela Ré BB, correspondente a 10% do capital social da sociedade "JJ & Associados, Lda", NIPC 50…43;

i. quota no valor nominativo de € 4 500,00, titulada pelo Réu DD, correspondente a 90% do capital social da sociedade "JJ & Associados, Lda", NIPC 50…43.

28 - Em 1985, o Autor procedeu ao reembolso da totalidade da quantia cujo financiamento bancário havia solicitado para construção da moradia referida em 24.

29 - Dias após o referido o 28., o Autor procedeu à venda da moradia referida em 24..

30 - Com aplicação de, pelo menos, parte do produto da venda referida em 29., em 1985 ocorre a aquisição, pelo preço de 15.500.000$00, de uma outra moradia, sita na Rua …, n° 224, …, prédio descrito na 2a Conservatória do Registo Predial do … sob o artigo 2321°, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2120° da freguesia de …, …, negócio no qual a ré BB figura como compradora.

31 - A compra referida em 30. foi precedida da outorga de contrato-promessa entre o Autor e o anterior proprietário do imóvel, tendo entre ambos sido convencionado que o contrato prometido poderia ser celebrado pelo Autor ou por quem este viesse a indicar.

32 - O preço da compra referida em 30. (designadamente do sinal, reforço do sinal e preço remanescente) foi pago pelo Autor, antes da outorga do contrato prometido, através de cheques emitidos sobre conta bancária de que o Autor era titular.

33 - Foi o Autor que procedeu ao pagamento das despesas com o registo de aquisição da moradia referida em 30..

34 - Foi aberta uma conta bancária junto do "Banco EE", a que foi atribuído o n° 008…79, sendo sua titular a Ré BB e CC.

36 - Em abril de 2010, a conta bancária referida em 34. possuía um saldo disponível no valor de € 402. 461,60.

37- Essencialmente até à gravidez do filho mais velho do casal, nascido em 1967, a Ré BB exerceu atividade profissional como ….

38 - Autor e Ré BB, antes de habitarem a moradia referida em 30., tinham ao seu serviço empregada doméstica que desempenhava as normais tarefas domésticas (limpeza, tratamento das roupas, confeção de refeições, etc).

39 - Em gastos com o quotidiano do agregado familiar, educação dos filhos e viagens de lazer, Autor e Ré BB por mês despendiam valor não concretamente apurado.

40 - A Ré BB foi inscrita na segurança social como colaboradora de empresas em que o Autor tinha interesses económicos, sendo-lhe atribuído um vencimento mensal.

41 - Em 2005, a Ré BB requereu e obteve a reforma.

42 - Entre 1980 e 2008 a Ré BB apresentou declarações fiscais indicando ter auferido os seguintes rendimentos:

Ano Rendimento Entidade Pagadora


1980 360 000$00 FF

1981 245 000$00 FF

1982 190 000$00 KK, Lda

1983 482 000$00 KK, Lda

1984 240 000$00 KK, Lda

1985 240 000$00 KK, Lda

1986 324 000$00 FF

1987 340 000$00 FF

1988 486 000$00 Autor e FF

1989 757 000$00 Autor e HH

1990 1 050 000$00 HH

1991 2 450 000$00 HH

1992 2 900 000$00 HH

1993 3 509 000$00 HH

1994 348 000$00 HH

1995 408 000$00 HH

1996 547 527$00 HH

1997 1 552 000$00 HH

1999 1 500 00000 HH

2000 3 406 923$00 HH

2001 € 14 465,17 HH

2002 C 21 953,20 HH

2003 € 20 949,60 HH

2004 € 17 108,50 HH

2005 € 11 046,45 Pensões

2001      - C 11     967,00 C 1           156,52

2002      - C 18     115,42   1             775,9

2003      - € 26     864,90   € 1          091,38

2004      - C 27     932,76   € 1          101,20

2005      - € 25     294,84   € 1          124,85

2006      - € 26     000,00   1             081,98

2007-     € 28        000,00   € 1          258,69.

2006 - € 9 541,18 Pensões

2007 - € 9 763,18 Pensões

2008 - € 10 031,34 Pensões.

42 - Em 2009,

a. o direito de propriedade sobre o prédio urbano constituído por moradia sita na rua …, n° 224, …, descrito na 2a Conservatória do Registo Predial do … sob o n° 2321, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2120°, mostrava-se inscrito a favor da Ré BB na Conservatória do Registo Predial;

b. o direito de propriedade sobre o prédio urbano constituído por casa com 2 pisos, sita no Aldeamento …, n° 22, …, …., descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n° 5…9, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo U-3…4°-…, mostrava-se inscrito a favor do Autor e da Ré BB na Conservatória do Registo Predial;

c. a fração autónoma, designada pelas letras "AP", correspondente ao apartamento 8.1, sita no 8° andar do prédio sito na Rua …., n° 138°-A, …, mostrava-se inscrito a favor do Autor e da Ré BB na Conservatória do Registo Predial.

43 - Em 2009, existiam na moradia sita na Rua …, n° 224, …, os bens móveis identificados a fls. 319 a 321 do apenso B.

44 - Os bens móveis referidos em 43. advieram ao Autor por partilha da herança deixada por óbito de seus pais.

45 - Em 2009, existiam na moradia sita na Rua …, n° 224, …, para além dos bens móveis referidos em 43., os bens móveis indicados no artigo 162° da petição inicial, de valor não concretamente apurado.

46 - Em 2009, existiam na casa n° 22 do Aldeamento …, …, …, os bens móveis indicados no artigo 162° da petição inicial, de valor não concretamente apurado.


***


III - Fundamentação de direito 16. Da nulidade do acórdão recorrido

O recorrente arguiu a nulidade do acórdão recorrido, invocando o disposto nas alíneas c) e d), do n.° 1, do artigo 615.°, do CPC, normativo aplicável à 2a instância por força do estatuído no art. 666°, do mesmo Código, sustentando que "o acórdão recorrido entra em manifesta contradição consigo próprio (..), por um lado e, por outro, (..) peca por omissão - ou seja , não decide tudo aquilo que estava obrigado a decidir.".

Sem razão, como veremos.


As causas de nulidade da sentença são as que vêm taxativamente enumeradas no n° 1, do artigo 615.°, do CPC.

Nele se dispõe, no que aqui releva, que é nula a sentença quando "o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento" (al. d), do n°1, do art. 6151.

A nulidade em causa pressupõe a ocorrência de omissão de pronúncia relativamente às questões de que o Juiz podia e devia conhecer, representando a sanção legal para a violação do estatuído no n° 2, do artigo 608.°, do CPC, no qual se prescreve que o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

As questões a conhecer são, portanto, as que tenham sido suscitadas pelas partes ou que sejam de apreciação oficiosa, mas não, como se sabe, os argumentos invocados nem a mera qualificação jurídica dada pelas partes. Essencial é que o Tribunal se contenha no âmbito do objeto do recurso, delimitado pelas conclusões (cf. arts. 608.°, n.°2, 635.°, n°4 e 639°, do CPC).

Ora, no caso em apreço, não se vislumbra como imputar ao acórdão recorrido a nulidade por omissão de pronúncia, prevista na 1° parte da alínea d), do art. 615°, do CPC, uma vez que, como dele consta, se
procedeu a uma análise desenvolvida sobre as questões a decidir e, convocando a doutrina e a jurisprudência publicadas, se concluiu pela procedência parcial da apelação, quer no plano da reapreciação da decisão proferida sobre os factos, quer em sede de mérito da causa.

Por seu turno, no que respeita aos pedidos subsidiários, e como resulta do acórdão recorrido, a solução legal ali plasmada prejudicou o conhecimento dos demais pedidos formulados pelo autor/recorrente.

É, assim, inquestionável que o acórdão recorrido não enferma da nulidade invocada.


***


Veio, ainda, o recorrente arguir a nulidade do acórdão, por alegada oposição dos fundamentos com a decisão.

Esta nulidade, prevista no art. 615°, n°1, al. c), 1a parte, do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença.

Como se sabe, a sentença deve conter os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (cf. art. 607°, n°3, do CPC).

Constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade - como tem sido unanimemente afirmado na doutrina e na jurisprudência - só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído.

Ora, no caso dos autos, não se depreende qualquer relação de exclusão formal entre a fundamentação de facto e de direito e o dispositivo do acórdão recorrido.

O que sucede é que o recorrente discorda da consistência dos fundamentos e dos argumentos em que se apoia a decisão tomada, mas isso constitui já uma questão de mérito a apreciar em sede própria.

Improcede, pois, a arguição das nulidades imputadas ao acórdão recorrido.

17. Dos efeitos patrimoniais decorrentes da cessação da união de facto

Com a Constituição da República Portuguesa de 1976 dá-se um importante passo no reconhecimento jurídico das uniões de facto. Com efeito, o seu artigo 36.°, n.° 1, proclama o "direito de contrair casamento e de constituir família em condições de plena igualdade", preceito que, no entender de alguns autores, confere dois direitos: o direito de contrair casamento e o direito de constituir família.1

Por seu turno, Gomes Canotilho e Vital Moreira sustentam que no art. 36° da CRP se reconhece não só a família fundada no casamento, mas também a família emergente das "comunidades constitucionalmente protegidas" - onde se insere a união de facto -, havendo, por conseguinte, "uma abertura constitucional - se não mesmo uma obrigação ­de conferir relevo jurídico às uniões de facto.2

Já Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira entendem que a união de facto corresponde a uma manifestação do direito ao desenvolvimento da personalidade, previsto no artigo 26.°, n.° 1, da CRP.3

No plano internacional, a DUDH4, no seu art. 12° tutela o respeito pela vida familiar e no art. 16° estabelece o direito a casar e a constituir família e à proteção desta, entendida como elemento natural e fundamental da sociedade, quer por esta quer pelo próprio estado.

Também a CEDH5 estabelece no seu art. 8° consigna o direito ao respeito pela vida privada e familiar e no art. 12° salvaguarda o direito de casar e constituir família.

Por sua vez, o TEDH ter vindo a interpretar o art. 8° da CEDH no sentido de que se reporta não só às famílias constituídas com base no casamento, mas também às famílias de facto, assumindo, como critério relevante, a "efetividade de laços interpessoais.6

Neste contexto, compreende-se que o legislador português tenha reconhecido determinados efeitos à união de facto, enquanto forma de comunhão de vida distinta do casamento, o que sucedeu no âmbito da Reforma do Código Civil em 1977, em que se faz, pela primeira vez, uma alusão à união de facto, através da consagração de um direito a alimentos ao membro sobrevivo da união de facto.

Posteriormente, vários foram os diplomas avulsos que consagraram efeitos jurídicos à união de facto, em diversos domínios.

Foi, porém, a Lei n.° 135/99, de 28 de Agosto que veio, de uma forma sistematizada, consagrar medidas de proteção da união de facto, tendo sido, mais tarde, revogada pela Lei n.° 7/2001, de 11 de Maio, entretanto alterada pela Lei n.° 23/2010, de 30 de Agosto, que se mantém em vigor e tem aplicação ao caso dos autoS(doravante LUF).

No seu artigo 3°, a LUF atualmente em vigor, atribui determinados direitos aos membros da união de facto. Todavia, no plano dos efeitos patrimoniais, o legislador preferiu não estabelecer um regime patrimonial geral, relativamente aos bens dos membros da união de facto, nem definir regras sobre a administração e disposição desses bens, as dívidas contraídas pelos conviventes e a liquidação e partilha do património, em virtude da dissolução da união.

É certo que não pode falar-se da existência de um património comum, tal como o perspetivamos no casamento. No entanto, a comunhão de vida gerada pela união de facto, com a contribuição de ambos os membros, quer com o rendimento do seu trabalho, quer com receitas de outra proveniência, quer ainda com a sua participação nas tarefas da vida familiar, geram situações que deviam merecer a atenção do legislador.

Neste quadro difuso, importa, começar por assinalar que não há lugar à aplicação analógica do regime do casamento, pois estão em causa institutos materialmente distintos7, o que, atendendo à dimensão material do princípio da igualdade (artigo 13.°, n.° 1, da CRP), desde logo impediria que fossem tratados da mesma forma.

Aliás, em rigor, nem poderá afirmar-se que se esteja perante uma lacuna em sentido próprio, a integrar através do recurso ao regime jurídico do casamento, já que o legislador, tendo oportunidade de regular a matéria, optou - deliberadamente - por não o fazer.

Além disso, não havendo, em regra, por parte dos conviventes de facto uma manifestação de vontade reveladora de que pretenderiam regular os efeitos patrimoniais da relação segundo um regime de bens semelhante ao previsto para o casamento, dificilmente se poderia preencher eventual «lacuna», impondo-lhes efeitos jurídicos que não tivessem sido claramente admitidos/pretendidos pelos interessados.8

Finalmente, dir-se-á que o regime patrimonial do casamento é constituído por algumas normas excecionais, estando, por isso mesmo, vedada a sua aplicação analógica, por força do art. 11.° do CC.

Em suma: na vigência da união de facto, os conviventes podem efetuar livremente compras e vendas entre si, dado que não estão abrangidos pela proibição legal prevista no n.° 2 do art. 1714.° do CC. Podem igualmente, em princípio, realizar doações sem qualquer limitação (ao

contrário das doações entre cônjuges que estão sujeitas a um regime especial previsto nos arts 1761.° a 1766.° do CC), estando apenas sujeitos ao regime geral da doação, previsto nos arts. 940.° a 979.° do CC.8

Neste cenário, tendo em vista disciplinar os efeitos patrimoniais da cessação da união de facto, a doutrina e a jurisprudência têm analisado a matéria procurando encontrar soluções no plano do direito comum.

Segundo alguns, a resolução dos casos de divisão do acervo patrimonial constituído no seio da união de facto, poderá fazer-se através do recurso ao regime previsto para as sociedades de facto, desde que verificados os respectivos pressupostos.


No entanto, para além de outras limitações resultantes de diferenças essenciais nas situações de facto em presença, a Lei n.° 41/2013, de 26/06, que aprovou o novo Código de Processo Civil, eliminou o Processo Especial de Liquidação Judicial de Sociedades de Facto, designadamente as normas constantes dos arts. 1122° a 1130° do anterior CPC.

Assim sendo, parece inviável recorrer agora a um instrumento que a lei processual expressamente afastou.

O recurso ao instituto da compropriedade (cf. arts 1403° e ss., do CC) tem sido igualmente convocado para a divisão do património adquirido no seio da união de facto.

Importa, porém, ter em atenção que, ao contrário do que sucede no casamento em que o património comum dos cônjuges se reparte entre eles por quotas ideias - os cônjuges são, nas palavras de Pereira Coelho e Guilherme de

Oliveiral, titulares de um único direito sobre o património coletivo, sendo este uno e indivisível,

em regra, até à dissolução do casamento —, na compropriedade podem fixar-se quotas quantitativamente diferentes, apesar de qualitativamente iguais, presumindo-se, no entanto, a igualdade quantitativa de quotas quando do título constitutivo não conste indicação em contrário (cf. n.° 2 do art. 1403°, do CC).

Em todo o caso, a aplicação do regime da compropriedade implica a intervenção de ambos os conviventes de facto no momento da aquisição do bem, como decorre do disposto no art. 1403.°, n.° 1, do CC., ao contrário do que ocorre na comunhão conjugal em que, por força do art. 1730°, n°1, do CC, os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer disposição em sentido diverso.

Ora, sucede muitas vezes que apenas um dos membros da união de facto consta como adquirente no título de aquisição. Nestes casos, o proprietário é quem efetivamente constar no título de aquisição do bem, não funcionado uma presunção de compropriedade semelhante à que vigora no casamento para o regime de separação de bens para os bens móveis (art. 1736.°, n.° 2, do CC).

Por outro lado, se a aquisição do bem se mostrar registada em nome de um dos conviventes, o titular do direito inscrito beneficia da presunção prevista no art. 7°, do CRP.

Perante as dificuldades que a dissolução da união de facto suscita no plano das relações patrimoniais, a doutrinar e a jurisprudêncial2 têm ainda lançado mão do enriquecimento sem causa, previsto nos arts. 473.° e ss., do CC


Como ensina Antunes Varela," o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista: pode traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, numa diminuição do passivo, numa poupança de despesas, etc. A vantagem patrimonial pode ser direta (quando se assiste a uma deslocação patrimonial direta do empobrecido para o enriquecido) ou indireta (quando o enriquecimento é apenas um reflexo ou um efeito de uma prestação diferente efetuada pelo empobrecido).

Desta forma, o convivente que tenha contribuído igualmente para a aquisição de bens mas, não obstante isso, não conste no título aquisitivo como proprietário, poderá pedir a restituição da parcela por si investida na exata medida do enriquecimento sem causa do outro convivente.

Poderá também haver obrigação de restituir nos casos em que o membro da união de facto, ainda que titular do direito de propriedade de bens imóveis ou móveis adquiridos na constância da união de facto (e cujo preço até pode ter sido suportado exclusivamente à custa do seu património), beneficiou em grande medidado esforço/colaboração/participação do outro membro em prol da vida em comum (v.g., por via do trabalho doméstico, da criação e educação dos filhos, etc.), proporcionando, desta forma, poupanças significativas e facilitando/incrementando a carreira profissional de um deles.
Feito este breve enquadramento, retornemos ao caso concreto.

Na presente revista, o recorrente pretende que se reconheça como único titular do direito de propriedade sobre os bens imóveis, móveis, saldo de conta bancária e participações sociais que identifica na petição inicial, ou, se assim não for entendido, como comproprietário (juntamente com a ré BB), na proporção de 2/3 para o autor e 1/3 para a referida ré, ou, no limite, em partes iguais para cada um.

Não foi essa, contudo, a posição sufragada pela Relação do Porto que fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:

"A especificidade da situação factual descrita revela a aquisição de imóveis na pendência da união de facto, um registralmente inscrito a favor da Ré BB e dois registralmente inscritos a favor do Autor e da Ré BB, embora esta tenha, entretanto, doado a sua quota aos filhos, aqui também demandados.

Quanto ao primeiro prédio, que foi comprado pela Ré BB, beneficia a mesma da presunção derivada da inscrição a seu favor no registo predial, porque o artigo 7° do Código do Registo Predial estatui que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.

Logo, para provar o seu direito de propriedade sobre esse imóvel caberia ao Autor elidir tal presunção, demonstrando que o mesmo lhe pertence em virtude de uma das vias de aquisição do direito de propriedade. Tal como referencia a sentença recorrida, a aquisição do direito de propriedade está submetida ao princípio da tipicidade e só pode ocorrer por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos expressamente previstos na lei (artigo 1316° do Código Civil).

(•)
No tocante ao prédio urbano correspondente à casa 22 do Aldeamento …, …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n° 5…9- …, foi a sua aquisição inscrita no registo predial a favor do Autor e da Ré BB, beneficiando, portanto, aquele da presunção de compropriedade do imóvel, na proporção de 1/2. Também quanto a este prédio não invocou o demandante um qualquer modo de aquisição do direito de propriedade sobre a totalidade do imóvel e que, relativamente ao 1/2 da Ré BB, para poder recorrer à usucapião, ocorreu um qualquer ato de inversão do título de posse.

Idênticos são os considerandos expostos quanto ao pedido de declaração de exclusiva propriedade formulado pelo Autor relativamente à fração autónoma designada pelas letras "AP", correspondente ao 8° andar do prédio sito na rua …, n° 138-A, descrito na Conservatória do Registo Predial do …. sob o n° 442-…. Do mesmo modo, por força da inscrição no registo da aquisição de 1/2 em compropriedade com a Ré BB beneficia o Autor da presunção da cotitularidade. E mais do que a declaração correspondente nunca poderia alcançar, pois a propriedade exclusiva suporia, como acentuámos, a prova de uma forma de aquisição desse direito, nem sequer alegada. Exigiria mesmo a prova de uma forma de aquisição originária do direito de propriedade e, a ser a usucapião, a inversão do título de posse relativamente ao 1/2 adquirido pela Ré BB. ".

E, mais adiante, sobre as participações sociais a que se alude no ponto 27, dos factos provados e o saldo da conta bancária de que são titulares as ora rés (cf. pontos 34 e 35), acrescentou:

"O pacto social das indicadas sociedades define a titularidade de uma participação social e a qualidade de sócio, pelo que sempre seria inidónea para transmitir o direito de propriedade das participações sociais a alegada circunstância de o demandante ter suportado o respetivo encargo financeiro, o que, ainda assim, não demonstrou.

Sendo idêntico o seu posicionamento recursivo quanto ao dinheiro depositado na conta bancária n° 00….79 e a cuja propriedade se arroga em exclusivo, sabemos apenas que, em abril de 2010, essa conta apresentava um saldo de 402 461,60e. Não provou, contudo, o Autor, como lhe incumbia (artigo 342°/ 1 do Código Civil), a titularidade desse dinheiro."

Finalmente, quanto aos bens móveis, considerou-se no acórdão recorrido que:

"No que respeita aos bens móveis existentes, em 2009, data da cessação da união de facto, na moradia sita na Rua …, n° 224, …, deu este Tribunal da Relação por demonstrado que existiam nessa moradia os bens móveis identificados a fls. 319 a 321 do apenso B e que advieram ao Autor por partilha da herança deixada por óbito de seus pais (n. °s 43 e 44 dos fundamentos de facto). Tais bens, porque ingressaram no seu património por via sucessória, são pertença exclusiva do Autor e, nessa medida, tem ele direito à sua restituição. Medida em que procede a apelação e se revoga a sentença recorrida.

Relativamente aos bens móveis existentes, nessa mesma data, na casa n° 22 do aldeamento …, …, …, e na moradia da Rua … (com exclusão dos que foram declarados da exclusiva propriedade do Autor), todos de valor não concretamente apurado (n. °s 45 e 46 dos fundamentos de facto), não há uma presunção de compropriedade.

( •

Não foi alegado um qualquer acordo acerca da compropriedade desses bens e a compropriedade não se presume. É que, ao contrário do que acontece no casamento, no âmbito do qual, no regime da comunhão de adquiridos, os bens adquiridos a título oneroso na constância do matrimónio se consideram comuns independentemente de qualquer prova, na união de facto tem efetivar-se tal prova. Ora, o Autor sobre essa matéria limitou-se a alegar que esses bens são comuns, mas não alegou nem provou que os tenha adquirido ou tenha comparticipado na sua compra ou que tenha participado com generalizada contribuição para a aquisição de bens dessa natureza. ".

Como decorre do que acima se deixou consignado a propósito das regras de direito a convocar na resolução de casos como o dos autos, o entendimento plasmado na decisão recorrida merece a nossa inteira concordância, reafirmando-se agora, de novo, que sobre o autor impendia o ónus de demonstrar os factos constitutivos do direito alegado (cf. arts. 342° e 344°, n°1 do CC), prova que, como resulta do elenco factual, não logrou fazer.

Por seu turno, no que se refere ao depósito bancário, muito embora a titularidade da conta bancária não predetermine a propriedade dos fundos nela depositados que podem pertencer apenas a algum ou alguns dos seus titulares ou mesmo até porventura a um terceiro, a verdade é que, conforme referido no acórdão recorrido, o autor não logrou provar factualidade que pudesse conduzir ao reconhecimento desse direito em exclusivo ao recorrente.14

O recorrente alega ainda que a presunção decorrente do art. 7°, do CRP, segundo o qual o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, sempre deveria considerar-se ilidida face à aquisição por usucapião pelo autor e pela ré BB, do imóvel sito na Rua ….

No entanto, esta sua pretensão não tem manifestamente viabilidade.

Efetivamente, tal como afirmado no ac. do STJ de 21.9.2017, proferido no proc. 526/14.9TBCNT.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, "basta ter em conta que a aquisição do direito de propriedade por usucapião exige que se mantenha

durante um certo tempo uma posse correspondente ao direito de propriedade, boa para usucapião (artigo 1287° do Código Civil).
Como se recordou no acórdão de 3 de Fevereiro de 2011, www.dgsi.pt, proc. n° 1045/ 04.7TBALQ.L1.S1, "para se adquirir, por usucapião, um direito susceptível de ser adquirido por essa via, é essencial ter a posse correspondente ao direito em causa, por certo lapso de tempo (que varia, segundo as circunstâncias da posse), nos termos do artigo 1287° do Código Civil; no caso presente, a posse correspondente ao direito de propriedade. Como decorre do disposto no artigo 1251° do mesmo Código, haverá essa posse quando se "actua por forma correspondente ao exercício" desse direito (corpus da posse), independentemente de se ser ou não titular do mesmo, e, segundo alguns (embora com diversas construções), quando essa actuação (ou seja, o exercício de poderes de facto sobre a coisa, salvo se tratando-se de posse derivada, que se pode revelar por outras formas) seja acompanhada da "intenção de agir como beneficiário do direito" (art° 1253°, al. a), do Código Civil) - animus da posse. "A posse pode ainda ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta, nas palavras do artigo 1258° do Código Civil, relevando as diversas modalidades, desde logo, para ser possível a aquisição por usucapião e, para além disso, para a determinação do prazo necessário para esse efeito (cfr. artigos 1294° e segs. Código Civil e, por exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Fevereiro de 1999, disponível em www.dgsi.pt, processo n° 9881043)."

Ora, aplicando os ditos princípios ao nosso caso, o que a prova revela é que, como é natural numa situação de vida em comum, o recorrente e a ré moraram na referida casa (cf. ponto 37). Porém, não se tendo invocado, alguma vez neste processo, nenhum dos pressupostos da usucapião, designadamente que tivesse havido inversão do título da posse (artigo 1265° do Código Civil), e muito menos provado, naufraga inevitavelmente a sua alegação.

De igual forma, não tem qualquer fundamento a sua alegação no sentido de ver reconhecida a propriedade de determinado prédio, através de compra e venda, a qual tem como efeitos essenciais a mera transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito (art. 879°, do CC).

O recorrente suscita ainda a questão da presunção da posse para, por essa via, justificar a aquisição da propriedade de bens móveis (cf. conclusão xxiv).

No entanto, essa matéria configura (igualmente) uma questão nova, pois não foi oportunamente suscitada nas instâncias, nem o Tribunal da Relação sobre ela se pronunciou. De todo o modo, há que dizê-lo, não ficou provada facticidade que pudesse sustentar a pretensão do recorrente, sendo certo que - como se decidiu no já mencionado ac. do STJ de 21-9-2017, a mera coabitação não cria posse, nem sequer no âmbito do casamento.

Uma nota final sobre a aplicação ao caso em apreço do regime jurídico do enriquecimento sem causa:

Já vimos que o instituto pode ser chamado a resolver as situações em que se discutam os efeitos patrimoniais da dissolução da união de facto.

Não assim, no caso dos autos.

Na verdade, na petição inicial o autor, não obstante aludir genericamente ao enriquecimento sem causa, não só não articulou os factos integradores da correspondente causa de pedir, como nem sequer deduziu pedido relativo a qualquer obrigação de restituir um qualquer eventual enriquecimento, tendo optado por formular pedidos de reconhecimento de direitos no âmbito dos direitos reais e de declaração de invalidade/nulidade de atos jurídicos.


Por outro lado, na resposta que então ofereceu à contestação apresentada pelos ora recorridos (em que estes, prevenindo a hipótese de se entender que o autor deduzira qualquer pretensão de restituição de enriquecimento sem causa, excecionavam a correspondente prescrição), declarou expressamente, que "quanto a esta matéria, sempre se dirá que, efetivamente, do pedido não consta qualquer restituição de bens com base no instituto do enriquecimento sem causa" — cf. art. 95 da resposta à contestação.

Improcede, pois, a sua alegação, também nesta parte.


***


IV - Decisão

18. Nestes termos, negando provimento à revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa,11.4.2019


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relatora)

José Sousa Lameira

Helder Almeida

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1 Em sentido contrário, defendendo que o artigo 36.° atribui apenas um direito, v. Castro Mendes, "Família e casamento", in Estudos sobre a Constituição, Jorge Miranda (coord.), vol. I, Lisboa, Livraria Petrony, 1977, p. 372; Antunes Varela, Direito da Família, 5' ed., vol. 1, Lisboa, Livraria Petrony, 1999, pp. 160 e ss
2 Cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4" ed. revista, vol. 1, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 559-568.
3 Cf Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, 4" ed., vol. 1, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 56.
4 Adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, publicada no DR N.° 57, Série 1, 9 Março 1978.
5 Aprovada a 4 de Novembro de 1950 e ratificada por Portugal pela Lei n.° 65/ 78, de 13 de Outubro.
6 V. Ac. Markx c. Bélgica (13/ 06/ 1979); Johnston e outros c. Irlanda (18/ 12/ 1986); Inze c. Áustria (28/ 11/ 1987) e Vermeire c. Bélgica (29/ 11/ 1991).
7 Como afirma Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 202, "dois casos dizem-se análogos quando neles se verifique um conflito de interesses paralelo, isomorfo ou semelhante - de modo a que, o critério valorativo adotado pelo legislador para compor esse conflito de interesses, num dos casos seja, por igual ou por maioria de razão, aplicável ao outro (cf. o ri.02, do art. 10° do CC)."
8 Cf., a propósito, Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 3' ed., Lisboa, AAFDL, 2012,pág. 724.
° Cf, porém, o disposto no art. 2196.'3, n.° 1, do CC.
1° Cf Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, pág. 507.
11 Cf França Pitão, Uniões de Facto e Economia Comum: de acordo com a Lei n.° 23/2010, de 30 de Agosto, págs. 156-162; Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. cit., págs. 79-80; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, vol. II, Coimbra, Almedina, 2010.
12 CJ. - r,entre outros, os acs. do STJ de 3.5.2018, proferido na revista n.°175/ 05. 2TBALR.E1.S 1 ,de24.10. 2017, proferido na revista n.° 3712/15.0T8GDM.P1.S1,de24.3.2017,proferido na revista n.° 1769/ 12.5TBCTX.E1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
13 In Das Obrigações em Geral, Almedina, p. 481.
14 Cf., a respeito desta problemática, o ac. do STJ de 24.3.2017, proferido no proc. 1769/ 12. 5TBCTX.El.S1,in www.dgsi.pt
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Revista n° 219/ 14.7TVPRT.P1.S1

Relatora: Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado

Adjuntos: Juiz Conselheiro José Sousa Lameira

Juiz Conselheiro Helder Almeida