Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B1640
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOITINHO DE ALMEIDA
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
PATENTE DE INVENÇÃO
PRESUNÇÃO
ACORDO EUROPEU
INTERPRETAÇÃO
COMPETÊNCIA
TRIBUNAL
Nº do Documento: SJ200511030016402
Data do Acordão: 11/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4416/04
Data: 12/14/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - A presunção estabelecida no artigo 93, n.°3 do Código da Propriedade Industrial aplica-se mesmo quando exista patente posterior de processo de fabrico do mesmo produto.
II - Um acordo internacional concluído pela comunidade Europeia e pelos Estados membros, no exercício de uma competência partilhada, aprovado por decisão do Conselho, publicada no Jornal Oficial, vigora na ordem jurídica interna portuguesa (artigo 8.° da Constituição).
III - Por aplicação dos critérios que, em Portugal, regem a interpretação dos acordos internacionais, o artigo 33.° do Acordo TRIPS produz efeito directo.
IV - Sendo duvidosa a questão de saber se a interpretação deste artigo é da competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, é de proceder a reenvio prejudicial.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I - "A". e "B", Lda., intentaram a presente acção declarativa contra C - Produtos Farmacêuticos, Lda., pedindo a condenação da Ré:
a)A abster-se de importar, fabricar, preparar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação , o produto farmacêutico comercializado sob a marca "Enalapril Merck", ou sob qualquer outra designação comercial, que contenha as substâncias activas "Enalapril" ou "Maleato de Enalapril", e que não seja fabricado ou distribuído pelas Autoras, ou sem autorização, expressa e formal destas;
b) A pagar às Autoras uma indemnização pelos prejuízos morais e materiais que lhes causou a causa, com a sua conduta, ilícita e ilegítima, em montante a determinar em execução de sentença, mas nunca inferior a 32.500.000$00.

Alegaram para o efeito e em substância que a 1ª Autora inventou e desenvolveu o composto químico "Enalapril" e que fabrica o "Maleato de Enalapril", sendo titular das patentes de invenção n. 70542, concedida em 8 de Abril de 1981, com prioridade reportada a 11 de Dezembro de 1978, intitulada "processo para a preparação de derivados de aminoácidos como hipertensivos", e n. 76790, concedida em 9 de Abril de 1986, com prioridade reportada a 7 de Junho de 1982, intitulada "processo para a preparação de dipeptídeos carboxialquílicos", sendo a composição farmacêutica em causa comercializada desde 1 de Janeiro de 1985, sob a marca "Renitec".
A 2ª Autora beneficia de uma licença de exploração da patente n°70.542 para usar, vender ou de qualquer modo dispor do "Renitec" em Portugal, tendo-lhe igualmente sido concedido poderes de defesa de tal patente.
Ora, a Ré lançou no mercado sob a marca "Enalapril Merck" um medicamento, a preços substancialmente mais baixos do que os do "Renitec", informando, na publicidade feita junto dos médicos, de que se trata do mesmo produto. Deste procedimento resultaram para as Autoras danos patrimoniais e não patrimoniais cujo ressarcimento agora pretendem.
Na sua contestação a Ré defendeu-se por impugnação e, por excepção, invocou a caducidade da patente n°70.542.
A excepção foi julgada improcedente no despacho saneador de que a Ré interpôs recurso de agravo. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente. Por acórdão de 14 de Dezembro de 2004, a Relação de Lisboa negou provimento aos recursos de agravo e subordinado de apelação da Ré, e concedeu provimento ao recurso de apelação interposto pelas Autoras. Em consequência, revogou a sentença recorrida e condenou a Ré a pagar às Autoras, a título de indemnização, o que se vier a apurar em liquidação de sentença..
Inconformada, recorreu C- Produtos Farmacêuticos, Lda. para este Tribunal, concluindo as alegações da sua revista nos seguintes termos:

1. O Tribunal a quo, pelo Acórdão recorrido, negou provimento ao agravo interposto sobre a decisão que teve por objecto a excepção da caducidade da patente n°70.542, invocada pela ora Recorrente;
2. Na defesa desse entendimento, a então Agravante suscitou, fundamentalmente, duas questões: (i) a questão da vigência do Acordo TRIPS no ordenamento jurídico português e (ii) a questão da viabilidade da aplicabilidade directa da norma do art.°33.° do Acordo;
3. Quanto à primeira das questões, alegou a Recorrente que, para que o Acordo TRIPS se considere de pleno vigor na ordem jurídica portuguesa, necessário seria que tivesse obedecido às condições de vigência previstas pela Constituição da República Portuguesa, previstas no seu art.°8.°, n°2;
4. Porque nunca foi publicado qualquer aviso relativo à entrada em vigor no plano internacional do referido Acordo, deve concluir-se que o terceiro requisito constitucional exigido para a vinculação do Estado Português não se demonstra preenchido;
5. Por conseguinte, o Acordo TRIPS não pode considerar-se recebido pelo direito interno português de harmonia com o princípio da recepção plena;
6. Quanto a esta questão, a Douta decisão recorrida limitou-se a concluir pela aplicação do Acordo TRIPS, sem que tenham sido adiantados os fundamentos da sua decisão;
7. Nos termos do disposto na alínea b) do n.°1, do art. 668 do Código de Processo Civil (CPC), deve o Tribunal, sob pena de nulidade da decisão, pronunciar-se e resolver todas as questões que deva apreciar;
8. E, nos termos do disposto no n.°2 do art. 659 do Código de Processo Civil, deve o tribunal especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão;
9. Não o tendo feito, quanto à matéria em causa, será forçoso concluir-se que a decisão recorrida enferma de nulidade;
10. A decisão recorrida entendeu que o Acordo TRIPS, por via da clareza e determinação das suas normas é exequível por si mesmo, deverá ser imediatamente aplicável pelo juiz nacional;
11. Ainda que o Acordo TRIPS tivesse sido regular e constitucionalmente recebido pelo Direito interno Português, os seus efeitos não admitem a um particular que funde directamente nas suas normas, direitos invocáveis nos tribunais internos contra outros cidadãos;
12. A determinação do alcance dos efeitos e alcance de um acordo internacional só é admissível quando nele conste disposição que inequivocamente o preveja ou, na sua falta, por recurso à interpretação;
13. Neste último caso, os critérios interpretativos a utilizar não podem ser os do direito interno, mas sim os do direito Internacional;
14. Em nenhuma parte do TRIPS - ou mesmo dos acordos OMC, de que aquele faz parte -existe qualquer disposição que exprima o acordo das partes contratantes sobre a atribuição de efeitos directos a quaisquer das disposições dos acordos;
15. Por outras razões, ainda, se deve considerar prejudicada a hipótese da aplicabilidade directa do Acordo TRIPS;
16. Os acordos celebrados no âmbito da Organização Mundial do comércio, como é o caso do TRIPS, são acordos que se caracterizam por possuírem contornos de grande flexibilidade quanto à sua aplicabilidade imediata;
17. Os Estados Membros gozam de faculdades, entre outras, de dispensa, de derrogação, de adopção de medidas excepcionais e de adopção de medidas de salvaguarda;
18. O cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados contratantes do Acordo TRIPS assume, assim, um carácter flexível e negociado;
19. A flexibilidade no cumprimento das obrigações previstas num acordo internacional como o TRIPS, é circunstância impeditiva da aplicação imediata das suas normas;
20. A questão central nessa matéria, e o que obsta à aplicação imediata do Acordo, não é a eventual precisão das normas referidas - matéria sobre se debruçou a decisão recorrida -, mas sim a questão da oportunidade ou conveniência do Estado Membro em proceder materialmente à convergência do seu direito interno com a regulamentação introduzida pelo Acordo Internacional;
21. Tendo o Acórdão recorrido concluído pela aplicação imediata e directa da norma do art.°33.° do Acordo TRIPS na ordem interna portuguesa, deve a referida decisão ser revogada;
22. Não se compreende a decisão recorrida, ao concluir que a patente 70 542, ainda que beneficiasse de um prazo de protecção de vinte anos, se tenha mantido em vigor até 20/06/00;
23. Podem ser objecto de patente a invenção de produto novo, de acordo com a legislação em vigor, a aplicação ou criação de algum novo meio ou processo, ou a aplicação nova de meios ou processos conhecidos, para se obter um produto comerciável ou resultado industrial;
24. O conteúdo da protecção da patente de produtos químicos e farmacêuticos, abrange apenas o direito de fabricar um determinado produto segundo o processo patenteado;
25. É, pois, permitido que um terceiro fabrique e/ou comercialize o mesmo produto, conquanto que o mesmo tenha sido obtido por processo diferente;
26. Por efeitos da presunção a favor das Autoras prevista quer no art.°6.° do CPI de 1940, quer no art.°93.°, n.°3 do CPI de 1995, fora operada a inversão do ónus da prova da semelhança ou da identidade do processo de fabrico do produto comercializado pela Ré;
27. De acordo com a interpretação feita, entendeu que passou a competir à Ré a prova de que o produto que comercializou foi obtido por processo de fabrico diferente do prescrito na patente da 1.ª Autora;
28. Tal conclusão assenta em entendimento erróneo, e legalmente não fundado, quanto à definição do âmbito da protecção das patentes de processo, na situação em que, relativamente a um e mesmo produto final, exista mais do que um registo válido de patente;
29. E o mesmo se diga quanto à questão da novidade, no sentido considerado pelo Acórdão, que considerou de prova necessária a cargo da Ré;
30. A novidade patenteável de qualquer patente concedida tem-se por necessariamente presumida, por efeitos directos do acto de concessão;
31. A Ré é igualmente titular de uma patente de processo válida e cuja validade não foi, sequer, posta em causa;
32. Nenhum reparo mereceria a decisão recorrida, se a Ré tivesse comercializado um medicamento que fosse proveniente de um fabricante não titular de qualquer patente válida;
33. A interpretação seguida pelo Tribunal a quo não tem em devida conta essa circunstância e não distingue entre as duas referidas situações;
34. Ofende, assim, para além do mais, o Princípio da Igualdade, nas duas dimensões por que este se densifica e analisa;
35. A previsão do art.°93.°, n.°3, citado, atenta a finalidade e os interesses que prossegue, tem apenas por efeitos, operar a inversão do ónus da prova relativamente ao terceiro fabricante/comerciante do mesmo produto;
36. Não podem legalmente resultar da citada norma quaisquer outros efeitos, designadamente, os de anular ou modificar os efeitos da concessão de uma patente válida;
37. E não poderá, designadamente, ser aceite uma solução interpretativa de que conduza à anulação ou à modificação das presunções que nascem por efeitos da concessão e do registo de uma patente;
38. A primeira presunção que o sistema jurídico institui a benefício do titular da patente, é em concreto a de que os produtos produzidos, ou, genericamente, colocados no tráfego por qualquer particular, são produzidos de acordo com o processo a benefício do mesmo patenteado;
39. A questão é já a de saber se, ante a existência de uma outra patente de processo (para o mesmo produto) as Autoras podem ou não continuar a invocar, a seu benefício, em termos irrestritos, a presunção derivada da disposição legal que vimos referindo;
40. O âmbito de protecção conferido à titular da primeira patente, pelo facto dessa titularidade será necessariamente comprimido no respectivo licere, por modo a que a protecção conferida ao titular da segunda patente possa adquirir eficácia;
41. Só podem se postos em causa os direitos emergentes da segunda patente, se for provado que o seu titular não utiliza o processo que patenteou para obter o produto que comercializa;
42. A prova desse facto, de acordo com as regras gerais, só poderá estar a cargo do titular da primeira patente;
43. É esta constatação do regime legal, aquilo que, salvo o devido respeito, o douto Acórdão recorrido não logra alcançar;
44. Sustentar a posição assumida pela decisão ora recorrida, significa, em termos práticos, a neutralização da protecção que a lei confere à segunda patente;
45. Às Autoras não incumbia provar que os produtos que fabricam são fabricados pelo processo patenteado pelas Autoras;
47. Incumbiria, todavia, às Autoras a prova de que os produtos comercializados pela Ré, haviam sido produzidos por método diferente do patenteado pela própria Ré;
48. Prova essa que não foi feita pelas Autoras;
49. Importa, pois, neste contexto normativo, determinar com clareza qual o efeito e sentido da inversão do ónus da prova operada pela presunção prevista pelo citado art.°93.°, garantindo que a solução encontrada não resulta na anulação dos efeitos pretendidos pelas presunções, para qualquer dos titulares;
50. Salvaguardando, na solução encontrada, pelo menos que o núcleo essencial de protecção pretendido pela lei, isto é, o titular da primeira patente não terá que fazer prova que o lesante usa, no fabrico do seu produto, o processo descrito na primeira patente;
51. A justa composição dos efeitos de todas as presunções em presença, só se garante se a inversão de ónus probatório prevista no citado ar.°93.°, for atendida no sentido de impor ao proprietário da primeira patente, o dever de provar que o produto comercializado pela Ré não foi fabricado segundo o processo de fabrico descrito na patente da Ré;
52. Por tudo o exposto, concluir-se-á, com o devido respeito, que é errada a interpretação que a Douta decisão, de que ora se recorre, fez da norma do art.°93.° citado, pelo que deve ser revogada;
53. Nenhuma norma em jogo, prevê ou admite qualquer diferenciação de que resulte desfavor ou desvalor, relativamente às patentes ulteriores para o mesmo produto;
54. De cada patente concedida resulta a presunção de que a mesma seja reveladora da necessária novidade, requisito ou pressuposto da própria admissibilidade da patente, e, necessariamente, factor revelador de um diferente estado de conhecimentos ou da técnica;
55. Não é admissível uma interpretação do quadro legal vigente, designadamente, das normas legais em causa, que conduza a um sistema que, por um lado pretenda permitir e estimular o desenvolvimento científico e que, por outro, consigne a essas mesmas patentes menores conteúdos e/ou lhes ofereça menor tutela.

2. Por despacho de fls.2802 a 2805 o Relator considerou improcedentes as razões invocadas pelas Recorridas no sentido da inadmissibilidade do recurso e, entendendo que a questão de saber se a interpretação do artigo 33.° do Acordo TRIPS é da competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias não fora suficientemente abordada no processo, ordenou a notificação das partes para sobre tal questão se pronunciarem, fornecendo-lhes um resumo do que se lhe afigurava ser a jurisprudência daquele Tribunal sobre a matéria.
No entender da Ré, tal competência resulta da jurisprudência mencionada tendo em conta a legislação comunitária hoje em vigor, em matéria de patentes. As Autoras apresentaram um extenso parecer em que afirmam encontrar-se em evolução a jurisprudência que nega efeito directo aos acordos celebrados no âmbito da OMC e que, em todo o caso, resulta do Acordo TRIPS ter sido vontade das partes contratantes a de atribuírem efeitos directos às disposições nele inseridas que preencham os requisitos de certeza e de incondicionalidade, como o artigo 33.°. De qualquer modo, a legislação comunitária em matéria de patentes, "excêntricas e parcelares", nunca justificaria que a interpretação daquele artigo fosse subtraída às jurisdições nacionais.
3. É a seguinte a matéria de facto dada como provada pelo acórdão recorrido:
1. Em Portugal, a 1ª Autora é titular da patente de invenção n.° 70.542, pedida em 4 de Dezembro de 1979, com prioridade reportada a 11 de Dezembro de 1978, concedida por despacho de 8 de Abril de 1981 e intitulada "Processo para a preparação de derivados de aminoácidos como antihipertensivos" (A);
2. Esta patente corresponde à patente norte-americana n.°4.472.380 (patente de processo e de composição), à patente norte-americana n.°4.374.829 (patente de produto) e à patente europeia n.°0012401 (patente de produto e de processo) (B);
3. A patente europeia n.°0012401 foi pedida pela 1ª Autora, em 25 de Junho de 1980 e concedida em 7 de Março de 1984 (C);
4. A invenção diz respeito a processos para a preparação de uma família de compostos, e seus sais farmacêuticos, que podem ser representados pela seguinte fórmula (D):
O R1 R3 R4 R5 O II I I I I I
R- C - C -NH- CH- -C- N- C- C-R6 I II I R2 O R7.
5. A esta família de compostos pertencem o "Enalpril" e o sue maleato ("maleato de Enalpril") (E);
6. Na patente n.°70.542 são basicamente apresentados dois processos (ou métodos) gerais diferentes (Métodos 1 e II) para a obtenção do princípio activo, cada um deles dividido em duas via diferentes (Via 1 e via 2), as quais, por sua vez, estão ainda subdivididas em duas subvias (Subvia directa e subvia para passos) (F);
7. A 1ª reivindicação diz respeito ao método 1, Via 1, subvia directa, para a preparação da referida família de compostos, que consiste em fazer-se reagir uma cetona adequada com um dipeptídeo adequado, na presença de um agente redutor (G);
8. A 2ª reivindicação diz respeito ao Método 1, Via 1, Subvia por passos, para a preparação dos mesmos compostos, consistindo em fazer-se reagir a mesma cetona, como na 1ª reivindicação, com um aminoácido, na presença de um agente redutor, seguido da reacção do intelinediário obtido com um aminoácido adequadamente protegido (H);
9. A 3ª reivindicação diz respeito ao Método 1, Via 2, subvias directa e por passos, para a preparação dos mesmos compostos, consistindo em fazer-se reagir, na presença de um agente redutor, uma amina adequada com o derivado de ceto de um dipeptídeo adequado, em que o grupo amino livre é substituído pelo grupo ceto (Subvia directa), ou, em alternativa, em fazer-se reagir a mesma amina com o cetoácido adequado, na presença de um agente redutor, seguido da reacção do intermediário obtido com um aminoácido adequadamente protegido (Subvia por passos) (I);
10. A 4ª reivindicação diz respeito ao Método II, Via 1, subvias directa e por passos, para a preparação dos mesmos compostos, consistindo em fazer-se reagir um composto halo ou sulfoniloxi adequado com um dipeptídeo adequado 5Suvia directa), ou, em alternativa, em fazer-se reagir o mesmo composto halo ou sulfoniloxi com um aminoácido, e, subsequentemente , em fazer-se reagir o intermediário com um aminoácido adequadamente protegido (J);
11. A 5ª reivindicação diz respeito ao Método II, Via 2, subvias directa e por passos, para a preparação dos mesmos compostos, consistindo em fazer-se reagir uma amina adequada com o derivado de um dipeptídeo adequado, em que o grupo amino livre é substituído por um grupo halo ou sulfoniloxi (Subvia directa), ou, em alternativa, em fazer-se reagir a mesma amina com o derivado de um aminoácido adequado, em que o grupo amino é substituído por um grupo halo ou sulfoniloxi, e, subsequentemente, em fazer-se reagir o intermediário obtido com um aminoácido adequadamente protegido (Subvia por passos) (L);
12. Todos estes processos, ou métodos, incluídos nas reivindicações 1ª a 5ª da patente portuguesa n.°70.542, podem ser seguidos, se for caso disso, da remoção dos grupos protectores e são geralmente seguidos da preparação de um sal do composto obtido, e, em particular, do isolamento do isómero biologicamente mais activo e estável, através da preparação e cristalização do "Maleato de Enalpril" (M);
13. A 6ª reivindicação respeita à aplicação do processo da 1ª reivindicação (Método 1, Via 1, subvia directa) para a obtenção do "Enalapril" e seus sais, como resultado da sua dependência dessa 1ª reivindicação, que cobre a preparação de sais farmaceuticamente aceitáveis (N);
14. As reivindicações 7ª, 8 e 9ª são ,igualmente, dependentes da 1ª , dizendo respeito, especificamente, à aplicação do método desta 1ª reivindicação (Método 1, Via 1, Subvia directa), mas para a obtenção de compostos diferentes do "Maleato de Enalapril" (O);
15. A 10ª reivindicação, dependente da 1ª, consigna que, de acordo com esta, são sintetizados alguns compostos, devidamente nomeados, entre os quais o "Enalapril" e o seu maleato (Q);
16. A invenção diz respeito a um processo para a preparação de dipeptídeos carboxialquílicos, do mesmo género dos divulgados na patente europeia n.°0012401 (correspondente à patente portuguesa n.°76.790), mas que são representados por uma fórmula alternativa (R):
R- (CH2)-CH-NH-X-Y
I
CO2R1
18. Esta fórmula inclui o "Enalapril" e o "Maleato de Enalapril" (S);
19. Na patente n.°76.790 são apresentados dois processos (ou métodos) semelhantes (Métodos 1 e II), para a obtenção do princípio activo e seus sais (T);
20. A 1ª reivindicação diz respeito ao Método I, para a preparação da referida família de compostos, que consiste em fazer-se reagir um ácido acilacrílico adequado, com o dipeptídeo adequado, seguido de hidrogenação, esterificação e separação da mistura diastereomérica (U);
21. A 2ª reivindicação, que é dependente da 1ª, diz respeito à aplicação do Método 1 para a obtenção de uma família mais restrita de compostos, à qual também pertencem o "Enalapril" e o seu sal maleato (V);
22. A 3ª reivindicação, dependente da 1ª, diz respeito à aplicação do Método 1 para a obtenção de uma família ainda mais restrita de compostos, à qual igualmente pertencem o "Enalapril" e o "Maleato de Enalapril" (X);
23. A 4ª reivindicação, dependente da 1ª, diz respeito à aplicação do Método 1 para a obtenção do "Enalapril" e dos seus sais (Z);
24. As 5ª e 6ª reivindicações, dependentes da 1ª, dizem respeito às características específicas da aplicação do Método 1, para a preparação da respectiva família de compostos (AA);
25 A 7ª reivindicação diz respeito ao Método II, para a preparação da aludida família de compostos, que consiste em fazer-se reagir um derivado acilacrílico adequado, com o hidrocloreto de éster benzílico do dipeptídeo adequado, seguido de hidrogenação catalítica para obter o éster do dipeptídeo de fórmula (1) e de tratamento deste com acetonitrilo e ácido maleico, de modo a obter-se o S;,S, S estereoisómero do sal maleato do composto de fórmula (1) desejado (BB);
26. A 8ª reivindicação, dependente da 7ª, diz respeito à aplicação do Método II para a obtenção de uma família mais restrita de compostos, à qual também pertencem o "Enalapril" e o seu sal maleato (CC);
27. A 9ª reivindicação, dependente da 7ª, diz respeito à aplicação do Método II a uma família ainda mais restrita de compostos, à qual igualmente pertencem o "Enalapril" e o "Maleato de Enalapril" (DD);
28. A 10ª reivindicação, dependente da 7ª, diz respeito à aplicação do Método II para a obtenção do "Enalapril" e dos seus sais (EE);
29. Em 2 de Outubro de 1989, a 1ª Autora apresentou um pedido de adição a esta patente n.°76.790, o qual lhe foi concedido por despacho de 15 de Março de 1996 (FF);
30. A composição farmacêutica em causa tem sido comercializada em Portugal, pelas Autoras, desde 1 de Outubro de 1985, sob a marca "Renitec", pedida em 10 de Dezembro de 1982 e concedida em 9 de Abril de 1990 (GG);
31. A empresa Companhia Portuguesa D, S.A. solicitou e obteve, das instâncias oficiais competentes, autorização para lançar no mercado nacional o citado composto "Enalapril", ou "Maleato de Enalapril" (HH);
32. E pôs o mesmo à venda sob a marca "IRCON" (II);
33. Os correspondentes direitos foram transferidos pela sua titular a favor da ora Ré (JJ);
34. Que, em data relativamente recente, pôs o referido produto à venda, sob a marca "Enalapril Merck" (LL);
35. A Ré não pediu, nem obteve, consentimento ou licença da 1ª Autora, nem de qualquer concessionária dos respectivos direitos, para preparar e comercializar, em Portugal, o "Enalapril" (ou o"Maleato de Enalapril"), maxime sob aquele nome comercial (MM);
36. Nem adquiriu, a qualquer delas, a respectiva substância (NN);
37. O produto activo Maleato de Enalapril é adquirido pela Ré no mercado interno à sociedade portuguesa E Produtos Químicos, Lda. (OO);
38. A "E" importa este produto da Hungria, onde é produzido pela sociedade Gedeon Richter, S.A. (PP);
39. Esta sociedade tem registadas na Hungria patentes de processos de fabrico do Enalapril ou Maleato de Enalapril, sob o n.° HU 205.340 e HU 208.026 (QQ);
40. E é titular da patente portuguesa n.°82.372 (RR);
41. O processo patenteado pela 1ª Autora, que levou à obtenção do Enalapril, há mais de 22 anos, é um processo de síntese (SS);
42. A Ré vem comercializando, em Portugal, o medicamento "Enalapril Merck", em cuja composição entre o princípio activo denominado "Enalapril" ou "Maleato de Enalapril" (TT);
43. Apresentando-o sob as formas: 10 comprimidos x5 mg; 60 comprimidos x 5mg; 30 comprimidos x 20 mg (UU);
44. A preços mais baratos do que os do "Renitec", pertencente às Autoras (VV);
45. A 1ª Autora, americana de origem, é uma empresa multinacional, no sentido de que constitui "um verdadeiro grupo de sociedades, acrescido do elemento adicional da transnacionalidade do seu organigrama operativo e da diferente nacionalidade dos respectivos membros" (XX);
46. A 2ª Autora, de direito português, tem por objecto a importação, preparação e venda de produtos químicos e veterinários (ZZ);
47. Estando integrada no grupo de sociedades da 1ª Autora (AAA);
48. Que nela detém, por si ou através de sociedades dela dependentes, um poder de domínio (BBB);
49. Nessa qualidade, e também por efeito de relações contratuais estabelecidas com a 1ª Autora, a 2ª Autora é distribuidora exclusiva, em Portugal, de todos os produtos farmacêuticos daquela (CCC);
50. E responsável pela formulação e embalagem desses produtos e por todo o marketing, promoção e venda dos mesmos, neste país (DDD);
51. Estas actividades são suportadas pela 1ª Autora, à qual incumbe a aprovação de todo o material técnico e do restante material escrito concebido pela 2ª Autora, no intuito de promover um produto particular (EEE);
52. As demandantes celebraram entre si, em 15 de Maio de 1970, um "Contrato de Licença de Patentes, Transferência de Marcas e Assistência Técnica" (FFF);
53. Nos termos do qual a 1ª Autora concedeu à 2ª Autora "uma licença para fazer, usar e vender os produtos licenciados sob todas as Patentes e pedidos de Patentes portuguesas relativas aos produtos, dos quais a Merck agora seja proprietária ou possa vir a ter o direito de conceder licenças ou sublicenças" (GGG);
54. E lhe transferiu "todos os direitos, títulos e interesses a todas as marcas da Merck, agora ou posteriormente em uso, em conexão com os produtos licenciados (HHH);
55. Entre esses produtos conta-se o "Renitec" (III);
56. Para formalizar e clarificar a situação relativamente a este produto farmacêutico as demandantes celebraram, em 23 de Novembro de 1994, com efeitos reportados a 4 de Junho de 1984, um contrato de licença de exploração (JJJ);
57. De acordo com o qual a 1ª Autora concedeu à 2ª Autora uma licença de exploração da patente portuguesa n.°70.542, para usar, vender ou de qualquer modo dispor v.g. do "Renitec", em Portugal (incluindo a Madeira e Açores) (LLL);
58. Tendo-lhe, igualmente, concedido poderes de defesa de tal patente, para, nomeadamente, mover, juntamente com ela, 1ª Autora, todas as acções necessárias à prevenção e repressão de quaisquer infracções à patente (MMM);
59. A 2ª Autora tem fabricado, em Portugal, o "Renitec" em cuja composição entre o princípio activo "Maleato de Enalapril", que lhe é fornecido pela 1ª Autora ou por sociedades desta dependentes (NNN);
60. Este fármaco é vendido, neste país, nas seguintes formas: 60 comprimidos x 5mg; 30 comprimidos x 20mg e 60 comprimidos x20mg (OOO);
61. Por escritura pública de 3 de Abril de 1996, a 2ª Autora trespassou o seu estabelecimento industrial, com todos os elementos que o compunham, sito em Queluz, à sociedade comercial "C.F.P.- Companhia Farmacêutica, S.A.) (PPP);
62. E, por escrito particular da mesma data, celebrou com esta empresa um "contrato de fabrico", nos termos do qual se comprometeu a fornecer-lhe as substâncias e materiais (incluindo as matérias primas, os excipientes e os componentes) necessários ao fabrico de um conjunto de produtos, nomeadamente o "Renitec" (QQQ);
63. Por essa actividade de fabrico, e pela armazenagem e serviços de expedição prestados pela "C.F.P. - Companhia Farmacêutica, S.A.", a ora 2ª Autora comprometeu-se a pagar a esta uma "comissão de fabrico", de montante fixo e determinado, não dependente de variações de vendas, nem susceptível de revisão por força da inflação ou de flutuações cambiais, mas que foi calculado em função do volume de negócios apurado e previsto à época da feitura do convénio (RRR);
64. A 1ª Autora tem explorado, em Portugal, os processos protegidos pelas mencionadas patentes n.°s 70.542 e 76.790, fazendo-o de modo efectivo e em harmonia com as necessidades da economia nacional (SSS);
65. Maxime por intermédio da 2ª Autora (TTT);
66. As Autoras, no período de 12 meses, de Outubro de 1997 a Outubro de 1998, venderam 2.518 mil contos de "Renitec", o que correspondente a 33.400 unidades nas suas diversas apresentações, enquanto a Ré, no mesmo período, vendeu 16 mil contos, o que corresponde a 2.240 unidades (UUU);
67. O "Enalapril" é um fármaco que foi inventado e desenvolvido pela 1ª Autora (VVV);
68. O "Enalapril" é um composto extraordinariamente importante e cuja eficácia está largamente comprovada (XXX);
69. A patente HU 205.340 permite produzir um derivado de alanina que é utilizado na segunda (patente HU 208.026) para produzir "Enalapril" (resposta ao quesito. 10°);
70. São, por isso, complementares (resp. q.11°);
71. Na patente HU 205.340 são materiais de partida o benzoíl-acrilato de etilo e o Ester benzílico de alanina numa reacção que é estéreo-selectiva, porque nas condições estabelecidas, induz a estereoquímica "s" no carbono assimétrico adicional que se forma no produto - derivado de alanina de fórmula (r.q. 12.°);
72. O composto anterior é subsequentemente sujeito a um processo de redução catalítica que permite a sua conversão em novo derivado de alanina (r.q.13°);
73. Subsequentemente, este último derivado da alanina é usado na patente HU 208.026 como material de partida para ser condensado, em condições adequadamente estabelecidas, com o Ester benzílico da prolina (r.q.15°);
74. E, assim, produzir directamente o ester benzílico de Enalapril (r.q.16°);
75. Ester benzílico esse que é, por sua vez, convertido em Enalapril (r.q.17°);
76. O qual é, depois, convertido no seu Sal Maleato (r.q.18));
77. O processo Gedeon richter usa como matéria prima de partida o benzoil acrilato de etilo e o processo da Merck (PT 70.542) utiliza como matéria prima de partida o 2-0x0-4 fenibutirato de etilo, adicionado por condensação a alanial prolina (r.q. 20°);
78. No processo Gedeon Richter, esse bezoil acrilato de etilo é adicionado a um grupo de amina, através de uma reacção de Michael, para a qual foram especificamente estabelecidas condições de estereo-selectividade (r.q.21°);
79. Na patente Merck PT 70.542 -processo I, vias 1 e II, utilizam-se reacções de alquilação (r.q.23));
80. No processo Gedeon Richter é utilizada uma reacção de Michael (r.q.24°);
81. A patente 76.790 usa como material de partida o benzoil acrilato de etilo (podendo, em alternativa, usar o seu ácido livre (r.q.24°);
82. Na patente 76.790 o benzoil acrilato de etilo reage directamente com o Ester benzílico de alanil prolina (r.q.28));
83. Os materiais de partida selecionados e as condições desenvolvidas e descritas nas reivindicações da patente 76.790 em causa só permitem obter como produto a mistura dos dois isómeros R,S,S e S, S, S em quantidades praticamente iguais (r.q.29°);
84. Só após remoção do grupo benzilo esta mistura de isómeros é convertida na mistura dos correspondentes ácidos (r.q.30°);
85. E só recorrendo ao método da cristalização fraccionada do Sal Maleato (processo que, aliás, já tinha sido estabelecido e já fora descrito pela Merck na anterior patente 70.542) se isola da mistura mencionada o Enalapril (r.q.31°);
86. O processo patenteado pela Gedeon Richter:
-Usa reagentes diferentes para conseguir, na patente HU 205.540, a preparação estercoselectiva de um derivado da alanina, composto não existente nem reivindicado pela Merck;
-Parte, na patente HU 208.026, desse composto como matéria prima de partida, para a produção de Enalapril;
-Seleciona diferentes materiais de partida;
-Usa diferentes sequências de passos na construção da molécula (r.q.35°);
87. Os processos descritos nas patentes Merck 70.542 e 76.790 ( e adição) são essencialmente dois processos cuja concretização conduz, em ambos os casos, a misturas de dois estereoisómeros (r.q.39°);
88. As patentes Gedeon Richter HU 205.340 e HU 208.026 efectuam logo no 1° passo uma separação de estereoisómeros, de forma a efectuar a síntese selectiva do estereoisómero S,S,S de Maleato de Enalapril (r.q.40°);
89. A presença de certas impurezas, vulgarmente designadas por marcadores de síntese, só podem ser aceites como tal, em determinado processo, enquanto não existir outro processo alternativo que permita a sua formação (r.q.49°);
90. Um marcador de síntese funciona como a "impressão digital" de uma síntese orgânica (r.q.50°);
91. As substâncias que as Autoras qualificam como marcadores de síntese são formadas praticamente em qualquer processo de fabrico de Enalapril, podendo mesmo ser produzidas depois do ingrediente activo ter sido convertido no produto acabado (r.q.51°);
92. Os níveis de contaminação de "Etil 2 -APBA" e "Dímero Lactona" detectados nas amostras de "Enalapril Merck" e de "Vasotec/Renitec" são diferntes (r.q.52°);
93. Foram recolhidas amostras de Enalapril de várias proveniências, tanto no seu estado acabado, como na forma de matéria prima (r.q.53°);
94. O "Etil2-APBA" e o "Dímero Lactona" estão presentes em todas as amostras (r.q.54°);
95. Os preços do Enalapril Merck, nas suas diversa embalagens, foram contratados administrativamente com o INFARMED, não tendo sido estabelecido unilateralmente pela Ré, dado o manifesto interesse público existente na fixação dos preços de "genéricos" (r.q.56°);
96. A importação da aludida substância activa (já que esta não é produzida em Portugal), o fabrico, a preparação e a introdução no mercado nacional do medicamento "Enalapril Merck", bem como as operações comerciais que a Ré trem vindo a realizar, causaram e continuarão a causar às Autoras prejuízos (r.q.57°);
97. Os prejuízos materiais provêm da privação dos lucros das autoras, em consequência de as necessidades do mercado estarem, em parte, a ser satisfeitas pela Ré (r.q.58°);
98. Desde o lançamento do fármaco até Abril de 1999, inclusive, a Ré efectuou vendas de mais de 16.000 embalagens (r.q.59));
99. O aparecimento no mercado e a manutenção do mesmo do medicamento da Ré põem em causa a veracidade e honestidade das afirmações das Autoras, segundo as quais são elas as únicas detentora e licenciada, em Portugal, das patentes de processos válidos para a preparação do "Enalapril" e do "Maleato de Enalapril" (r.q.63°).
Cumpre decidir.
4. Considera, em primeiro lugar, a Ré que, ao não se pronunciar sobre a questão por ela invocada de o Acordo TRIPS não vigorar no ordenamento jurídico português, por falta de publicação do aviso relativo à sua entrada em vigor no plano internacional, o acórdão recorrido estaria ferido de nulidade (artigo 668.°, n.°1 b), do Código de Processo Civil).
A este respeito, entendeu o acórdão que, tendo o Acordo TRIPS sido aprovado por decisão do Conselho de 22 de Dezembro de 1994 (JO L n.°336), ele integra-se no ordenamento jurídico comunitário. Em consequência, por força do disposto no n°3 do artigo 8.° da Constituição da República Portuguesa, vigora na ordem jurídica interna do nosso país. Concordamos com esta fundamentação, observando ainda que não seria assim na hipótese de a competência dos Estados-Membros, no domínio das patentes, ser exclusiva. Com efeito, o Acordo foi aprovado pela Comunidade só quanto "às matérias que relevam das suas competências" (artigos 1.° e 2.° da Decisão n.°94/800, citada pelo acórdão recorrido). Mas, como o Tribunal de Justiça entendeu, trata-se aqui de uma competência partilhada (Parecer n.°1/94, na Colectânea ,1994, p.I-5267, n.°s104 e 105).
Não existe, pois, nulidade e, contrariamente ao que a Recorrente pretende, o Acordo TRIPS vigora na ordem jurídica interna portuguesa.
5. Considera, em segundo lugar, a Recorrente que o artigo 93.°, n.°3 do Código da Propriedade Industrial deve ser interpretado no sentido de que a presunção aí estabelecida cessa quando exista uma patente posterior e o produto em causa seja produzido de acordo com o processo dela objecto. A este respeito observa que, se assim não fosse, de nada serviria a segunda patente, e ficaria comprometido o objectivo da lei que é o de estimular o desenvolvimento científico "traduzido necessariamente no surgimento de novas patentes para o mesmo produto...".
Carece, porém, de razão.
Estabelece a mencionada disposição que "Se uma patente tiver por objecto um processo de fabrico de um produto novo, o mesmo produto fabricado por um terceiro será, salvo prova em contrário, considerado como fabricado pelo processo patenteado". Ora, a lei não distingue consoante exista ou não processo posteriormente patenteado para obter o mesmo produto e as razões invocadas pela Recorrente não justificam uma interpretação restritiva.
Com efeito, tal presunção destina-se a garantir a protecção do titular da patente face a eventuais violações do seu direito exclusivo e não é de natureza a afectar o desenvolvimento científico uma vez que o titular de patente para um processo distinto de obtenção do mesmo produto, posteriormente obtida, tem a possibilidade de elidir tal presunção. Hoje, o artigo 101.°, n.°3 do Código da Propriedade Industrial de 2003, é claro: "o titular da patente pode opor-se a todos os actos que constituam violação da sua patente, mesmo que se fundem noutra patente com data de prioridade posterior, sem necessidade de impugnar os títulos, ou de pedir a anulação das patentes em que esse direito se funde". E já neste sentido se pronunciou o STJ (acórdão de 20 de Abril de 1999, agravo n.°80/99).
5. Tendo em conta que, pelas razões invocadas no acórdão recorrido e aceites pelas partes , o prazo de caducidade da patente n.°70.542, segundo a lei portuguesa, é o de 15 anos, esta patente teria caducado em 8 de Abril de 1996. Daí que o pedido de indemnização das Autoras, respeitante à ulterior comercialização do "Enalapril Merck" e até ao momento em que a patente caducou, só procederia se fosse aplicável o disposto no artigo 33.° do TRIPS, segundo o qual as patentes conservam uma duração mínima de 20 anos.
Considera a Recorrente que este artigo não é susceptível de produzir efeito directo, ou seja, de ser invocado em juízo por um particular contra outro particular. Apoiam-se para tal na grande flexibilidade do Acordo TRIPS, caracterizada pela concessão aos Estados-Membros de faculdades como a de dispensa, de derrogação, de adopção de medidas excepcionais e de salvaguarda. Tais características impedem que as disposições do Acordo possam ser consideradas incondicionais e, por conseguinte, directamente aplicáveis.
A este respeito importa observar que o efeito directo das disposições de um acordo internacional depende, em primeiro lugar, da forma como este se encontra estruturado. Se os objectivos prosseguidos, a flexibilidade das suas disposições e os mecanismos previstos em caso da sua violação forem incompatíveis com a possibilidade de invocação em juízo de tais disposições, é de excluir o seu efeito directo. Vejamos, pois, o que se passa com o Acordo TRIPS.
Ora, a OMC comporta um mecanismo de solução de diferendos bem diferente do que existia no quadro do GATT. Assim, uma decisão do Órgão de Regulação de Diferendos (ORD) considera-se adoptada, a menos que, por unanimidade, as partes contratantes a rejeitem (artigo 17.°, n.°14 do Memorando de Acordo (1) enquanto no GATT as decisões do Grupo Especial exigiam o consentimento de todas as partes contratantes. Como foi observado, "esta mudança implica uma jurisdicionalização importante do processo de regulação dos diferendos que, no quadro do GATT de 1947, revestia a natureza de política comercial" (conclusões do Advogado-Geral Alber, no caso Biret, Colectânea,2003, p.I-10519).
As decisões do ORD devem ser aceites "sem condições" pelas partes contratantes (artigo 17.°, n.°14 do Memorando de Acordo) e, se, num prazo razoável, a aceitação não ocorrer, haverá lugar a uma compensação ou à suspensão das concessões, "medidas temporárias", como expressamente são qualificadas pelo Memorando (artigo 22.°, n.°1), que vigorarão até que a medida contrária aos acordos OMC cesse de existir artigo 3.°, n.°7). A compensação é sempre voluntária (artigo 22.°, n.°1 do Memorando) e a suspensão das concessões depende de autorização prévia do ORD (artigos 2.°, n.°1 e 22.°, n.°2 do Memorando).
Enfim, se pode ser posto termo a um diferendo por "solução mutuamente satisfatória" (artigo 22.°, n.°8 do Memorando), tal solução deve ser compatível com as disposições dos acordos (artigo 3.° n.°s 5 a 7 do Memorando).
Os acordos celebrados no âmbito da OMC não apresentam, assim, características incompatíveis com o efeito directo das suas disposições. É certo que os membros da OMC dispõem de alguma margem de manobra no cumprimento das recomendações e decisões do ORD. Podem indemnizar as partes lesadas ou ficar sujeitos à perda de concessões, em vez de suprimirem a medida litigiosa. Mas, como foi observado, não se trata aqui de uma opção jurídica."Segundo o direito da OMC, designadamente o Memorando de acordo sobre as regras e procedimentos de regulação de diferendos, os órgãos legislativos e executivos não dispõem de margem de manobra susceptível de ser restringida pelo reconhecimento da aplicabilidade directa do direito da OMC" (conclusões citadas do Advogado-Geral Alber, Col.p.I-10522, n.°86).
E o efeito directo não é também incompatível com a ausência de reciprocidade traduzida por declarações no sentido da sua ausência por parte de outros membros, como os Estados Unidos e o Canadá (2). Estamos face a uma questão de pura política comercial que nada tem que ver com a forma como cada Estado entende dever cumprir as suas obrigações internacionais.
Enfim, o artigo 33.° do TRIPS é uma disposição que preenche os requisitos de precisão e de incondicionalidade, condição do seu efeito directo. Assim o entendeu também o mencionado acórdão deste Tribunal de 20 de Abril de 1999.
Mas, se assim é, face aos princípios que , em Portugal, regem a interpretação de acordos internacionais, interessa agora verificar se esta matéria é da competência das jurisdições portuguesas ou se antes releva da competência do Tribunal de Justiça da Comunidades Europeias.
Importa observar a este respeito que o Acordo TRIPS é, como vimos, um acordo concluído pela Comunidades no exercício de uma competência partilhada com os Estados Membros que também o ratificaram. Ora, como o Tribunal de Justiça salientou no caso Hermès (acórdão de 16 de Junho de 1998, C-53/96, Col.p.I-3603, n.°24), tal ocorreu sem que as obrigações respectivas para com as outras partes contratantes tenham entre eles sido repartidas. O acordo integra-se no direito derivado e daí que a competência para a sua interpretação caiba, em princípio, ao Tribunal de Justiça.
Assim o entende este Tribunal, mas com uma restrição. Só quando o Acordo seja susceptível de ser aplicável a situações que respeitam ao direito interno e a situações no âmbito do direito comunitário tal competência existe. O que se justifica, por um lado, pela obrigação que recai sobre os Estados Membros de cooperarem estreitamente na execução dos compromissos por eles assumidos no exercício de uma competência partilhada, e, por outro, pela necessidade de uma interpretação uniforme imposta tanto por razões práticas como jurídicas (acórdão de 14 de Dezembro de 2000, proferido no caso Dior, C-300/98 e C-392/98, Col.p.I-11307, n.°s 36 e 37).
Ora, contrariamente ao que se passa no domínio da marca, objecto dos dois acórdãos mencionados, no domínio das patentes não existe acto comunitário que, de um modo geral, discipline esta matéria. Mas, ao que conseguimos apurar, o legislador comunitário já neste domínio interveio por várias vezes. Assim, o Regulamento (CE) n.°2100/94 do Conselho, de 27 de Julho de 1994 , relativo à protecção das variedades vegetais( no J.O. L227, p.1- esta matéria encontra-se expressamente abrangida pelo TRIPS (artigo 278.°, n.°3 b)), o Regulamento (CEE) n°1768/92, do Conselho, de 18 de Junho de 1992 , respeitante à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos (no J.O. L 182, , p.1) e a Directiva n.°98/44/CE,do Conselho, de 6 de Julho de 1998, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas (no J.O. 213, p.13). E, se bem que a patente comunitária seja objecto de acordo concluído entre os Estados Membros, as jurisdições comunitárias são competentes para a sua interpretação.
Se, em nosso entender, estes actos comunitários bastam para desencadear a competência interpretativa comunitária uma vez que subsistem aqui as razões acima mencionadas que a justificam, tal não é, porém evidente. Ora, como o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão CILFIT (de 6 de Outubro de 1982, 283/81, Col.1982, p.3415, n.°s 14 a 16) existe em tal caso obrigação de reenvio prejudicial nos termos do último paragrafo do artigo 234.° do Tratado CE.
No reenvio que, assim, se impõe, para além da questão sobre a competência interpretativa será incluída outra sobre o efeito directo do artigo 33.° do TRIPS, matéria que releva do âmbito da interpretação (n.°s 41 e sgs. do acórdão proferido no caso Dior).
É certo que, quanto a esta questão a jurisprudência comunitária tem-se mantido constante no sentido de que as disposições dos acordos concluídos no quadro da OMC não admitem o efeito directo ( para além do acórdão proferido no caso Dior, n.°s 42 a 44, os acórdãos de 23 de Novembro de 199, Portugal/Conselho, C-149/96, Col.p.I-8395, n.°s 42 a 46, de 30 de Setembro de 2003, Biret International/Conselho, C-93/02, n.°s 62 a 64, e Établissements Biret et Cie SA/ Conselho, C-94/02, n.°S 71 a 73, respectivamente, na Col.p.I-10497 e 10565 , de 16 de Novembro de 2004, Anheuser-Bush Inc.,C-245/02, na Col.p.I-10989, n.°54 e de 1 de Março de 2005, Van Parys, C-377/02, col.p.-1465). De observar que o feito directo do TRIPS foi excluído no caso Dior. Mas nada obsta a uma questão prejudicial no sentido de saber se o Tribunal de Justiça entende manter a sua jurisprudência.
Face ao exposto decide-se:
1. Negar a revista no que respeita à arguição, pela recorrente, da nulidade resultante de falta de pronúncia e à interpretação do artigo 93.°, n.°3 do Código da Propriedade Industrial.
3. Proceder a reenvio prejudicial, tendo por objecto as duas questões acima mencionadas e formulado em anexo.
4. Suspender o processo até que seja recebido o acórdão do Tribunal de Justiça.
Envie-se cópia do pedido anexo e do presente acórdão ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

Lisboa, 3 de Novembro de 2005
Moitinho de Almeida,
Ferreira de Almeida,
Abílio Vasconcelos.
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(1) Anexo 2 do Acordo OMC.
(2) A própria Comunidade formulou essa reserva no 11.° considerando da mencionada Decisão 94/888, nos termos do qual "...por sua natureza, o acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, incluindo os seus anexos, não é susceptível de ser invocado directamente perante as jurisdições comunitárias e dos Estados-Membros".Mas, como foi observado, tal reserva, não comunicada por escrito aos parceiros comerciais, carece de validade face ao disposto nos artigos 19.° a 23.° da Convenção de Viena relativa ao Direito dos Tratados e parece incompatível com os artigos 220.° e 300.°, n.°7 do Tratado CE (Advogado Geral Alber, conclusões citadas, Col.p.I-10526, n.99).