Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | DANO BIOLÓGICO MATÉRIA DE FACTO INDEMNIZAÇÃO ACIDENTE DE VIAÇÃO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 10/27/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA REVISTA DO AUTOR E CONCEDIDA REVISTA DA RÉ | ||
Sumário : | 1. Salvo situações de excepção, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito, “ex vi” do artigo 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro. 2. Em consequência, o Tribunal de revista limita-se a aplicar aos factos definitivamente fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico adequado (artigo 729.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). 3. As situações de excepção acenadas consistem no erro de apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, praticado pela Relação, se ocorrer violação expressa de norma que exija certa espécie de prova para a existência de um facto, ou estabeleça força probatória de algum meio de prova, tal como resulta dos artigos 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 2 do diploma adjectivo. 4. Isto é, não obstante, e no âmbito da sindicância do direito pode verificar do cumprimento das normas processuais que regem o julgamento da matéria de facto, designadamente se as respostas à base instrutória foram correctas – não na sua essência, ou conteúdo, por tal competir, como se disse, exclusivamente às instâncias – mas na sua forma. 5. Ou seja, pode verificar se a resposta foi clara, inteligível e explícita, em termos de poder contar com o facto que inequivocamente dela resultou; pode aquilatar da sua coerência com o elenco do mais respondido, mas sem que contenda com a convicção do julgador; pode, finalmente, julgar da suficiência da explanação dos elementos que condicionaram aquela convicção. 6. No tocante ao âmbito, a resposta pode surgir simples – com mera afirmação ou negação ao perguntado – restritiva ou explicativa – aqui clarificando o sentido da “verdade judiciária”. Mas não pode ser exuberante, isto é, transcender o perguntado por conter elementos que iriam, por alteração total, descaracterizar o quesito, equivalendo portanto a uma nova formulação, quiçá não extraível dos factos articulados. 7. O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psiquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre. 8. O dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial tal como compensado a título de dano moral. A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. 9. E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial sendo certo que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso com o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia. 10. E esses condicionalismos naturais podem é ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica. 11. Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta directa – ou indirectamente – no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral. 12. Estas indemnizações tendem a proporcionar um certo grau de satisfação de vida em ordem a, tanto quanto possível, atenuar os sofrimentos de ordem moral e física sofridos em resultado do acidente e que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito – artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil – sendo de fixação equitativa – n.º 3 do mesmo artigo 496.º. Subjazem-lhes sempre, contudo, um juízo de censura ético-juridica, com certa componente sancionatória. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA intentou acção, com processo ordinário, contra “G... – C... de S..., SpA” pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 111.399,65 euros, acrescida de juros desde a primeira chamada ao processo, a título de ressarcimento por danos sofridos em acidente de viação. Na 1ª Instância a acção foi julgada parcialmente procedente e a Ré condenado a pagar ao Autor a quantia de 27.399,65 euros, com juros desde a citação (22 de Fevereiro de 2007) sobre 1.399,65 euros e juros vincendos sobre os restantes 26.000,00 euros, desde a notificação da sentença. Apelaram o Autor e a Ré. A Relação do Porto julgou totalmente improcedente a apelação da Ré mas parcialmente procedente a apelação do Autor fixando a indemnização pelo dano biológico em 15.000,00 euros, a indemnização pelo dano patrimonial pela perda de um ano escolar em 2,000.00 euros e em 26.000,00 euros a indemnização por danos não patrimoniais. Inconformados pedem ambos revista. A Ré concluiu assim as suas alegações: - Na resposta dada ao quesito 2º da base instrutória o tribunal a quo não se limitou, como era seu dever, a responder ao perguntado, considerando o quesito como provado ou não provado, antes extravasando claramente os seus poderes, conhecendo de factos que não poderia conhecer, pois que em momento algum foram alegados pelas partes e dando assim uma resposta que exorbitou da pergunta formulada naquele quesito. Embora por forma imperfeita, o Autor conclui a sua alegação nos termos que assim se sintetizam: - Levando em conta uma taxa de juros da ordem dos 3%, atenta a realidade económica actual, considera o Recorrente como ajustada uma indemnização de 30.000,00€ pela incapacidade de que ficou a padecer e, a título de danos patrimoniais e, nessa medida deve ser alterado o douto acórdão proferido e de que ora se recorre. Foram colhidos os vistos. Conhecendo, A – Recurso da Ré 1 – Alteração da matéria de facto. 2 – Indemnização. B – Recurso do Autor C – Conclusões.
1 – Alteração da matéria de facto. Em rigor, não pondo própriamente em causa a culpa como pressuposto da responsabilidade civil, a Ré insurge-se contra a resposta ao quesito 2.º da Base Instrutória dada pela 1ª Instância, tal como, aliás, já fizera perante a Relação. Nunca é demais recordar que, no âmbito do recurso de revista, este Supremo Tribunal tem limitadíssimos poderes quanto à matéria de facto. 1.1 Este Supremo Tribunal de Justiça, em igual Conferência (Acórdão de 18 de Abril de 2006 – 06 A87 1) decidiu que “cumpre ás instâncias apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação podendo emitir um juiz de censura sobre o apurado na 1ª instância. O Supremo Tribunal de Justiça, e salvo situações de excepção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais, só é sindicável se foi aceite um facto sem a produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.” Este principio resulta do artigo 26° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro – sendo que a intervenção do STJ se restringe à averiguação da observância das regras de direito probatório material, artigo 722º nº 2 do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, artigo 729º nº 3. Mas tal ampliação pressupõe que o facto a inserir de novo tenha sido alegado pelas partes, no momento e em sede adequados. Terá de considerar-se ter havido, aquando da fixação da base instrutória, preterição de “matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito”, nos precisos termos do nº 1 do artigo 511º do diploma adjectivo. Ora, “in casu”, a Relação ao fixar a matéria de facto não incumpriu o citado nº 2 do artigo 722º (dando como assente um facto sem a produção de prova legalmente indispensáveis ou infringindo as normas reguladoras da força probatória de determinado meio de prova), nem a Ré tal refere precisamente. Outrossim, este Supremo Tribunal não pode exercer qualquer censura por a Relação não ter feito uso dos poderes de alteração ou anulação da decisão da 1ª instância em matéria de facto. É por isso que a decisão que exerça esses poderes é irrecorrível, “ex vi” do nº 6 daquele preceito. Finalmente, não tem Tribunal razões para oficiosamente lançar mão do n.º 3 do artigo 729.º da lei processual. Trata-se de medida de excepção só utilizável quando ao conhecer do mérito – a questão de direito – concluir que existem contradições essenciais em pontos de facto que vão comprometer a decisão final, quando não foram considerados factos alegados pelas partes, ou, finalmente, quando foi desconsiderado matéria de conhecimento oficioso. Só se concluindo que, sem eliminação dessas contradições, ou sem o alargamento da matéria de facto, a solução final está comprometida, é que se faz apelo a essa faculdade. (cf., no mesmo sentido, e v.g, o Acórdão do STJ – também desta Conferência – de 30 de Maio de 2006 – Pº 1440/06-lª). Incensurável, em consequência, o Acórdão recorrido na parte em que se pronunciou sobre a matéria de facto. 1.2. Aqui chegados, podemos concluir que mau grado a intocabilidade do reexame da matéria de facto, a mesma pode ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça por razões de incumprimento da lei substantiva (violação das normas de direito probatório material) e adjectiva (violação das regras de processo, como v.g., não reexame da prova pelo colégio dos Juízes da Relação reunidos em conclave para que resulte um consenso, após dialéctica perante a prova produzida e não fundamentação das respostas). A coerência lógica entre motivação e a resposta já não é sindicável por se traduzir numa conclusão de facto resultante da livre apreciação da prova e seu reflexo na convicção íntima do julgador. Isto é, não obstante, e no âmbito da sindicância do direito, pode verificar do cumprimento das normas processuais que regem o julgamento da matéria de facto, designadamente se as respostas à base instrutória foram correctas – não na sua essência, ou conteúdo, por tal competir, como se disse, exclusivamente às instâncias – mas na sua forma. Ou seja, pode verificar se a resposta foi clara, inteligível e explícita, em termos de poder contar com o facto que inequivocamente dela resultou; só pode aquilatar da sua coerência com o elenco do mais respondido com a ressalva acima referida; pode, finalmente, julgar da suficiência da explanação dos elementos que condicionaram a convicção do julgador. 1.3- No tocante ao seu âmbito, a resposta há de surgir simples – com mera afirmação ou negação ao perguntado – restritiva ou explicativa – aqui clarificando o sentido da “verdade judiciária”. Mas não pode ser exuberante, isto é, transcender o perguntado por conter elementos que iriam, por alteração total, descaracterizar o quesito, equivalendo portanto a uma nova formulação, quiçá não extraível dos factos articulados. O leque de respostas possíveis e para além da mais frequente e concisa, permite ao julgador melhor retratar a realidade. “In casu”, a questão que se põe é se a resposta ao n.º 2 da base instrutória foi exuberante, transcendendo os limites do perguntado e, se em consequência, deve ter-se por não escrita. Vejamos, Depois de no quesito 1.º – que obteve a resposta positiva – se perguntar se o condutor do veiculo DI “ao entrar na Rua da ...” (…) “perdeu o controle do mesmo e galgou o passeio do lado esquerdo da via atento o sentido de marcha que levava”, foi formulado o quesito em crise nestes termos: “Embatendo no A. que circulava pelo passeio desse mesmo lado da Rua do ...?” A resposta foi a seguinte: “Provado que o DI embateu num semáforo situado no passeio desse mesmo lado da Rua do ... que caiu sobre o Autor que aí circulava.” Trata-se de resposta que se contém no âmbito do perguntado e que, melhor explicando o evento, e todo o nexo causal, em nada afecta a dinâmica do acidente já que a interposição do semáforo entre o veículo e o Autor (e sendo certo que não se questionava o facto G, segundo o qual, como consequência do embate, “o A. acabou por ser projectado para o chão, embatendo ainda com a cabeça.”) Não se vê que a resposta tivesse influenciado a sorte da lide, em termos de culpa exclusiva do segurado da Ré e dos restantes pressupostos da responsabilidade aquiliana (nexo causal e danos). Foi, enfim, uma busca de maior acerto e rigor na descrição fáctica do evento, melhor retratando a realidade – o que efectivamente ocorreu – sem que se traísse qualquer princípio ou imperativo processual, designadamente trazendo aos autos factos não integradores da causa de pedir ou aditando algum não alegado e que distorcesse a sorte da lide. Neste segmento, não tem razão a recorrente, pelo que não se censura a resposta em crise. 2- Indemnização 2.1- A Ré considera excessivos os “quanta” atribuídos a título de dano biológico e para compensar o dano não patrimonial. Diga-se, desde já, que a culpa é exclusiva do segurado da Ré. O Autor esteve internado nove dias no Hospital de S. João; foi submetido a craniotomia, na sequência de fractura, com afundamento e arrancamento ósseo temporal esquerdo; para correcção do afundamento e ferida cérebro meningea evidencia sequelas de contusão cerebral esquerda posterior com área encefaloclástica; ficou com uma cicatriz inestética na cabeça, sendo que um exame objectivo revela área de craniotomia com fragmentos irregulares e depressões ósseas; ficou a padecer de alterações de humor, transtornos de memória e da atenção; sofreu dores que o acompanharam durante os tratamentos; perdeu um ano lectivo; ficou com uma incapacidade permanente geral de 8 pontos (TNIDC – DL n.º 352/07); perdeu 100,00 euros em vestuário; despendeu 573,65 em médicos e medicamentos e 726,00 euros em explicações para acompanhar os estudos; tinha 19 anos à data do acidente. 2.2- Perante todo este quadro fáctico ponderemos os dois danos postos em causa: biológico e moral. 2.2.1- Não resultou provado que a incapacidade permanente geral – de 8 pontos – fixada para o Autor, tivesse implicado a perda de rendimentos laborais, já que, à data do acidente não exercia qualquer actividade profissional. O que ocorre é um chamado dano biológico, na perspectiva de repercussões que a incapacidade lhe poderá vir a causar o que, na expressão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 – 298/06.OTBSJM.S.1 – “assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais ou sociais.” Já o Acórdão deste mesmo Supremo Tribunal, de 4 de Outubro de 2005 – 05 A2167, julgou no sentido de que “o dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.” Certo que se trata de um dano (que na definição do Prof. A. Varela “é perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses [materiais, espirituais ou morais] que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar.” – in “Das Obrigações em Geral”, I, 591, 7.ª ed.) Mas há que proceder à integração do dano biológico, ou na categoria do dano patrimonial – como “reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.” – Prof. A. Varela, ob. cit.) abrangendo não só o dano emergente, como perda patrimonial, como o lucro frustrado, ou cessante –, ou na classe dos danos não patrimoniais (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestigio ou de reputação e que atingem bens como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, o bom nome, que não integram o património do lesado). A maioria da jurisprudência, e certa doutrina, consideram o dano biológico como de cariz patrimonial. (cf., entre outros, o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 e os Acórdãos de 4 de Outubro de 2007 – 07B2957, de 10 de Maio de 2008 – 08B1343, 10 de Julho de 2008 – 08B2101, e de 6 de Maio de 1999 – 99B222, e Prof. Sinde Monteiro, in “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, 248). Em abono deste entendimento refere-se que, mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional do lesado – por não se estar perante uma incapacidade para a sua actividade profissional concreta- pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute. Mas também é lícito defender-se que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial. Nesta perspectiva, há que considerar, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso como decorrer dos anos, o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia. E esses condicionalismos naturais podem é ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica. Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta directa – ou indirectamente – no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessáriamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral. Isto é, o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral. A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, prpriamente, um dano patrimonial. 2.2.2- Aqui chegados´, e abordando a situação em apreço, podemos dizer que o dano biológico sofrido pelo Autor tem uma componente patrimonial (ligeira IPG) e uma tónica (maior) não patrimonial (alterações de humor, transtornos de memória e de atenção) só por via oblíqua repercutível nos seus ganhos mas gerando-lhe, notoriamente, sofrimento e implicando um maior esforço no exercício de qualquer actividade profissional. Em consequência, a quantia atribuída pela Relação a titulo de dano biológico, na sua componente puramente patrimonial deverá ser encontrada, equitativa e razoavelmente, em 10.000,00 euros, aderindo, contudo, à fundamentação ali explanada, sempre enfatizando que o recurso a fórmulas é meramente indiciário e informativo, devendo o julgador considerar os critérios do artigo 566.º do Código Civil e o respectivo n.º 3, a apelar para o recurso à equidade. Correctos os outros “quanta” indemnizatórios na área patrimonial. Quanto ao dano não patrimonial, e considerando, como acima se deixou dito, ter de se considerar a componente moral do dano biológico, não é de alterar o montante global encontrado pela Relação, sendo, no entanto, de considerar que essa instância já aí ponderou, embora sob diferente “nomen juris”, aquela componente moral do dano biológico (instabilidade psicológica e variações de humor) inexistindo qualquer duplicação como pretende a recorrente. Procede, assim, parcialmente a primeira revista, fixando-se em 10.000,00 euros a indemnização pela componente patrimonial do dano biológico, mantendo-se, no mais, o aresto recorrido. B – Recurso do Autor Pouco mais haverá a acrescentar ao que se deixou dito aquando da apreciação do recurso da Ré. A indemnização encontrada será mantida, à excepção do ponto alterado. Dir-se-á, apenas, e “ex abundantia” e quanto ao dano patrimonial, que uma indemnização justa reclama a atribuição de um capital que produza um rendimento mensal que possa cobrir a diferença entre a situação anterior e a actual, durante o período de vida profissional activa do lesado, sem esquecer a necessidade de se ter em conta a sua esperança de vida – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/92, in BMJ, 420, 414, de 31/3/93 in BMJ, 425, 544; de 8/6/93 in ACSTJ, II, 138; de 11/10/94 in ACSTJ, II, 8916/3/99 in ACSTJ, I, 167; de 15/12/98 in ACSTJ, III, 155. No que respeita à reparação do dano corporal, a jurisprudência tem vindo a adoptar, pacificamente, o critério de determinar um capital que produza rendimento de que o lesado foi privado e irá ser até final da sua vida, através do recurso a alguns métodos meramente indicativos. Mas, como acima se acenou, nenhum dos aludidos critérios é absoluto, devendo ser aplicados como índices ou parâmetros temperados com a aplicação e um juízo de equidade e, isto, porque “na avaliação dos prejuízos o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso e que o tornam único e diferente” – cf., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4/2/93, in ACSTJ, I, 129: 5/5/94 in CSTJ, II, 86; de 28/9/95, in ACSTJ, III, 36; de 15/12/98, in ACSTJ, 111, 155. Note-se, aliás que, esse Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1994, que, além dos outros, divulgou uma forma matemática afirma desde logo “que o Tribunal não está confinado ao resultado de qualquer fórmula, nomeadamente daquelas em que se utilizam tabelas financeiras.” No tocante ao dano não patrimonial a indemnização tem por escopo mais do que indemnizar “quo tale”, mas reparar – ou compensar – o lesado, devendo o seu montante ser encontrado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpa do responsável, à sua situação económica e à do lesado. Estas indemnizações tendem a proporcionar um certo grau de satisfação de vida em ordem a, tanto quanto possível, atenuar os sofrimentos de ordem moral e física colhidos em resultado do acidente e que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito – artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil – sendo de fixação equitativa – n.º 3 do mesmo artigo 496.º. Subjazem-lhes sempre, contudo, um juízo de censura ético-juridica, com certa componente sancionatória (cf. Prof. A. Varela, ob. cit., 9.ª ed., I – 630). Estes critérios foram acatados pela Relação, pelo que improcedem os argumentos do Autor-recorrente. C – Conclusões Pode, desde já, concluir-se que: d) Isto é, não obstante, e no âmbito da sindicância do direito poder verificar do cumprimento das normas processuais que regem o julgamento da matéria de facto, designadamente se as respostas à base instrutória foram correctas – não na sua essência, ou conteúdo, por tal competir, como se disse, exclusivamente às instâncias – mas na sua forma. e) Pode verificar se a resposta foi clara, inteligível e explícita, em termos de poder contar com o facto que inequivocamente dela resultou; pode, sem que traia a convicção do julgador, aquilatar da sua coerência com o elenco do mais respondido; pode, finalmente, julgar da suficiência da explanação dos elementos que condicionaram aquela convicção. f) No tocante ao âmbito, a resposta pode surgir simples – com mera afirmação ou negação ao perguntado – restritiva ou explicativa – aqui clarificando o sentido da “verdade judiciária”. Mas não pode ser exuberante, isto é, transcender o perguntado por conter elementos que iriam, por alteração total, descaracterizar o quesito, equivalendo portanto a uma nova formulação, quiçá não extraível dos factos articulados. g) O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psiquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre. h) O dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial tal como compensado a título de dano moral. A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. i) E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial sendo certo que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso com o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente despendio de esforço e energia. j) E esses condicionalismos naturais podem é ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica. k) Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta directa – ou indirectamente – no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral. l) Estas indemnizações tendem a proporcionar um certo grau de satisfação de vida em ordem a, tanto quanto possível, atenuar os sofrimentos de ordem moral e física sofridos em resultado do acidente e que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito – artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil – sendo de fixação equitativa – n.º 3 do mesmo artigo 496.º. Subjazem-lhes sempre, contudo, um juízo de censura ético-juridica, com certa componente sancionatória. Nos termos expostos, acordam: - Negar a revista do Autor. - Conceder parcialmente a revista da Ré, reduzindo a parcela indemnizatória atribuída a título de dano biológico para 10.000,00 euros, por considerar que esta já foi integrada – na sua parte não patrimonial – no “quantum” atribuído a título de danos morais. Confirma-se, no mais, o Acórdão recorrido. Custas na proporção do vencido.
Lisboa, 27 de Outubro de 2009 Sebastião Póvoas (Relator) Moreira Alves Alves Velho |