Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
540/13.1T2AVR.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
EXTEMPORANEIDADE
NEGLIGÊNCIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
NEXO DE CAUSALIDADE
QUESTÃO DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / DANO DE PERDA DE CHANCE / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / NEXO DE CAUSALIDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA / PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Doutrina:
- F. Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 344.
- Júlio Gomes, «Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou perda de chance», in Cadernos de Direito Privado — II Seminário dos Cadernos de Direito Privado (“Responsabilidade Civil”), Dezembro de 2012, 17-29.
- Patrícia Costa, «O Dano da perda de chance e a sua perspectiva no Direito Português», Dissertação de Mestrado, 25, 27-28, consultável in www.verbojuridico.com/doutrina/.../patriciacosta_danoperdachance .
- Rui Cardona Ferreira, «A Perda de Chance Revisitada (a propósito da responsabilidade do mandatário forense)», consultável em www.oa.pt/upl/%7Bc8303c60-83ae-4dbf-af6a-cf29f1c61ba4%7D
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 8.º, N.º 3, 563.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, N.º 3, 682.º, N.º 2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 50.º.
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ): - ARTIGO 46.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 29/04/2010, PROCESSO N.º 2622/07.0TBPNF.P1.S1.
-DE 26/10/2010, PROCESSO N.º 1410/04.0TVLSB.L1.S1.
-DE 10/03/2011, PROCESSO N.º 9195/03.0TVLSB.L1.S1.
-DE 31/1/2012, PROCESSO N.º 875/05.7TBILH.C1.S1. NO MESMO SENTIDO, OS AÍ CITADOS ACÓRDÃOS DE 02/06/2016 , 07/04/2016, DE 04/06/2015, E, AINDA, DE 28/10/2010, PROCESSO N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1.
-DE 05/02/2013, PROCESSO N.º 488/09.4TBESP.P1.S1.
-DE 05/05/2015, PROCESSO N.º 614/06.5TVLSB.L1.S1.
-DE 09/07/2015, PROCESSO N.º 5105/12.2TBXL.L1.S1.
Sumário :
I - No nosso ordenamento jurídico, a identificação de um dano constitui pressuposto incontornável de toda a responsabilidade civil e, em geral, a mera perda de uma chance não terá virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória.

II - A doutrina da perda de chance propugna, em tese, a compensação quando fique demonstrado, não que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente (o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final), mas, simplesmente, que foram reais e consideráveis as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo.

III - A mesma doutrina distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi autor do ilícito, sendo o dano que se indemniza constituído apenas pela perda de chance, que não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem igual à quantia que seria atribuída caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.

IV - Ao demandar a advogada que incumbiu de o patrocinar na interposição de recurso em anterior processo penal, visando obter a suspensão da execução da pena de prisão (efectiva) de 3 anos e 9 meses em que fora condenado, com fundamento na perda de chance de alcançar esse objectivo em consequência da conduta negligente daquela (interposição extemporânea do recurso), o autor teria de alegar – para os vir a demonstrar – factos idóneos ao reconhecimento das probabilidades reais, sérias, consideráveis de obtenção dessa decisão mais favorável em tal processo penal.

V - Esse reconhecimento pressuporia a realização pelo tribunal que conheceu a acção de indemnização do chamado ‘julgamento dentro do julgamento”, ou seja, a apreciação, na posição virtual do tribunal que teria julgado o recurso penal, sobre a probabilidade de sucesso razoável deste recurso (frustrado pelo acto ilícito e culposo da ré), mediante uma prognose póstuma sobre o resultado de tal procedimento, se tivesse sido interposto.

VI - Essa apreciação, enquanto tal, traduz-se numa questão de facto, que não de direito, subtraída portanto, à cognoscibilidade do STJ, excepto se for reconhecida a insuficiência ou deficiência da factualidade seleccionada para decidir a questão de direito.

VII - É o que sucede, e só ao demandante pode ser imputado, se os factos seleccionados nada nos dizem que pudesse fundar a convicção de um prognóstico favorável à suspensão da execução da pena, quanto à personalidade e condições pessoais do mesmo, porquanto essa questão (da suspensão ou não) teria que ser obrigatoriamente abordada sob a perspectiva da sua ressocialização, conforme imporia o art. 500.º do CP, a par do grau de gravidade objectiva e de censurabilidade das condutas em apreço: a execução da pena de prisão aplicada poderia ter sido suspensa se, atendendo à personalidade do mesmo, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior aos crimes e às circunstâncias destes o tribunal pudesse concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

VIII - O decidido pelas instâncias com a aplicação de juízos de equidade ou critérios não normativos, não traduzindo, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, «deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade», devendo, para tanto, ter-se em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo (art. 8.°, n.° 3, do CC).

IX - Por conseguinte, só haveria fundamento bastante para censurar o juízo formulado pela Relação e alterar o decidido se pudesse afirmar-se, tendo em conta os critérios que vêm sendo adoptados, generalizadamente, por este Tribunal, que os montantes que foram fixados são manifestamente desproporcionados à gravidade objectiva e subjectiva dos efeitos (de natureza patrimonial e não patrimonial) resultantes do comportamento ilícito da ré.
Decisão Texto Integral:

Revista 540/13.1T2AVR.P1.S1

           

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

           

AA propôs esta acção contra BB, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 31.508, os rendimentos mensais futuros até à data da sua saída do estabelecimento prisional e juros de mora, alegando, em suma: tendo acordado com a R, Advogada, a interposição de recurso da decisão que o condenara na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, teve de cumprir tal pena porque o recurso que a mesma interpôs foi rejeitado, por extemporâneo, enquanto os outros coarguidos, condenados por crimes semelhantes aos praticados pelo A, obtiveram a suspensão da execução das suas penas de prisão, no âmbito dos recursos que apresentaram.

A R contestou, sustentando que seria muito reduzida a chance de sucesso da pretensão do A.

Foi proferida sentença condenando a R a pagar ao A as quantias de € 10.800 e de € 15.000, acrescidas de juros de mora, para reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente.

A Relação do ..., julgando parcialmente procedente a apelação interposta pela R e improcedente o recurso subordinado interposto pelo A, condenou a R a pagar ao A (apenas) as quantias de € 5.432 e de € 6.000, acrescidas de juros de mora, para ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente.

O A interpôs recurso de revista desse acórdão, cujo objecto delimitou com conclusões que colocam a questão de saber se devem situar-se nos montantes de € 8.730 e de € 25.000 as quantias reparatórias dos danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente.

*

A Relação considerou assente a seguinte factualidade:

1 - Por acórdão do Tribunal de Círculo de ... de 16/04/2009, o ora A AA foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena de três anos e nove meses de prisão – fls. 132/174.

2 - A R, após ter sido substabelecida a 27/04/2009, acordou com o ora A. a interposição de recurso do antes referido acórdão, tendo-lhe este entregue, para o efeito, conforme solicitado por ela, a provisão de € 1.500.

3 - O recurso que a R interpôs foi rejeitado, por extemporâneo, no Tribunal da Relação de ..., por decisão do Relator de 25/03/2010 – fls. 15/17.

4 - A 30/03/2010, o ora A. dirigiu ao Exmo. Delegado de ... da Ordem dos Advogados o requerimento de fls. 20/22, no qual pede, além do mais, providências para instauração de um processo à ora Ré Dr.ª BB.

5 - O Conselho de Deontologia de ... da Ordem dos Advogados, pelo acórdão de 20/07/2012, constante de fls. 41/50, aplicou à ora Ré Dr.ª BB a pena de multa de € 3.000,00 e a pena acessória de obrigação de restituição ao ora A. dos € 1.500,00 que este lhe havia entregado (fls. 49).

6 - No Processo n.º 409/02.5PEAVR, o Exmo. Magistrado do M.º P.º liquidou a pena do ora A. pela forma que consta de fls. 24.

7 - As intervenientes SEGURO CC, SEGURO DD e SEGURO EE foram admitidas como intervenientes acessórias nesta ação e todas intervieram, efetivamente, apresentando as suas contestações e as respetivas Apólices de Seguro – fls. 252 e segs (SEGURO DD), fls. 355 e segs. (SEGURO CC) e fls. 464 e segs. (SEGURO EE), sendo a primeira e a terceira seguradora da Ordem dos Advogados e a segunda seguradora da ora Ré.

8 - O ora A tem promessa da entidade patronal de reingresso na sua anterior atividade profissional, por consideração ao seu profissionalismo nas funções que desempenhava antes de preso.

9 - A ora R já restituiu ao ora A os € 1.500 no cumprimento da decisão do Conselho de Deontologia de ... – doc. de fls. 388.

10 – O acórdão proferido pelo Tribunal de Círculo de ..., a 16/04/2009, no Processo n.º 409/02.5PEAVR, condenou os arguidos:

A) FF pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, alínea a), do D.L. nº 15/93, de 22/01, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão;

B) GG:

a) pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, alínea a), do D.L. nº 15/93, de 22/01, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

b) pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 275.º, nº 3, do C. Penal, com referência ao art. 3.º, nº 1, alínea f), do D.L. nº 207-A/75, de 17/04, na pena de 1 ano de prisão;

c) em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão;

C) HH, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, alínea a), do D.L. nº 15/93, de 22/01, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão;

D) AA:

a) pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, alínea a), do D.L. nº 15/93, de 22/01, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão;

b) pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 6.º da Lei nº 22/97, de 27/06, na pena de 1 ano de prisão;

c) em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e nove meses de prisão – fls. 132/174.

11 – Deste Acórdão consta que os arguidos têm os seguintes antecedentes criminais:

A) o arguido FF foi condenado pelos crimes e nas penas seguintes:

a) em 01/03/2005, por um crime de furto simples, na pena de 150 dias de multa, à taxa de € 04,50 (já extinta pelo pagamento);

b) em 23/11/2006, por um crime de furto simples, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por 2 anos, com regime de prova;

c) 06/12/006, por um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena de 225 dias de multa, à taxa de € 03,00 (já extinta pelo pagamento);

d) em 31/01/2007, por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 40 dias de multa, à taxa de € 05,00 (já extinta pelo pagamento);

e) em 07/07/2007, por um crime de injúria agravada e outro de ameaça, na pena de 5 meses de prisão, suspensa por 3 anos, com regime de prova;

f) em 19/10/2007, por um crime de ameaça, na pena de 5 meses de prisão, suspensa por 1 ano, com condições e acompanhamento do IRS.

B) o arguido GG foi condenado pelos crimes e nas penas seguintes:

a) em 01/04/2003, por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 145 dias de multa, à taxa de € 04,00 (já extinta pelo pagamento);

b) em 28/11/2003, por um crime de condução sem habilitação legal e outro de ofensa à integridade física por negligência, na pena de 180 dias de multa, à taxa de € 02,00 (já extinta pelo pagamento);

c) em 27/10/2005, por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 3 meses de prisão, suspensa por 1 ano e 6 meses;

C) o arguido HH foi condenado pelos crimes e nas penas seguintes:

a) em 03/05/2001, por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 75 dias de multa, à taxa de 1.000$00 (depois convertida em 50 dias de prisão subsidiária, tendo mais tarde pago a multa, sendo a pena extinta);

b) em 04/07/2001, por um crime de desobediência, na pena de 50 dias de multa, à taxa de 900$00 (já extinta pelo pagamento);

c) em 31/01/2003, por um crime de apropriação indevida, na pena de110 dias de multa, à taxa de € 03,50 (já extinta pelo pagamento);

d) em 13/06/2003, por um crime de roubo e outro de burla informática, na pena única de 20 meses de prisão, suspensa por 3 anos (já extinta pelo cumprimento);

e) em 30/04/2004, por dois crimes de roubo, na pena única de 2 anos de prisão, suspensa por 3 anos (já extinta pelo decurso do prazo de suspensão);

f) em 16/11/2005, por crimes de condução perigosa e sem habilitação legal, na pena única de 14 meses de prisão, suspensa por 30 meses, com regime de prova (já extinta pelo cumprimento);

g) em 26/06/2006, por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa de € 03,00 (já extinta pelo pagamento);

h) em 19/03/2007, por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa de € 05,00 (já extinta pelo pagamento);

i) em 15/02/2008, por um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 40 dias de multa, à taxa de € 06,00 (já extinta pelo pagamento);

j) em 01/07/2008, por um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por um ano (com condições);

D) o arguido AA foi condenado pelos crimes e nas penas seguintes:

a) em 25/09/2003, por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa, à taxa de € 04,00 (já extinta pelo pagamento);

b) em 05/12/2003, por um crime de ameaças, na pena de 70 dias de multa, à taxa de € 05,00 (já extinta pelo pagamento);

c) em 22/04/2004, por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 50 dias de multa, à taxa de € 04,00 (já extinta pelo pagamento) - fls. 132/174.

12 – Do acórdão proferido pelo Tribunal de Círculo de ... consta, ainda, na fundamentação da convicção do Tribunal Coletivo, que “apenas o arguido AA falou dos factos, já perto do final da audiência, apenas para referir a proveniência da arma e que a mesma lhe pertencia” – fls. 157.

13 – No Acórdão do Tribunal da Relação de ... junto a fls. 585/610 foi decidido conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelos arguidos FF, HH e GG e consequentemente:

a) revogar a condenação do arguido GG pelo crime de detenção de arma proibida, bem como o cúmulo jurídico efetuado, subsistindo assim relativamente a este arguido apenas a condenação na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, que se suspende por igual período, subordinando-se o arguido ao regime de prova;

b) suspendem-se as penas impostas aos arguidos FF e HH por período igual aos das penas de prisão que lhes foram impostas, respetivamente, 2 anos e 10 meses e 3 anos e 3 meses, subordinando-as ao regime de prova;

c) subordinar ainda a suspensão das penas impostas aos arguidos GG, FF e HH ao dever de entregarem, cada um deles, no prazo de 6 meses após trânsito em julgado, a quantia de € 1.000,00 ao Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga.

14 – O recurso interposto pela R versava, apenas questões de direito, defendendo que a pena de prisão aplicada deveria ter sido suspensa na sua execução – fls. 33/39.

15 - A recusa da admissibilidade do recurso foi notificada à ora R por via postal registada enviada a 26/03/2010 – fls. 683.

16 – A R não comunicou o teor da Decisão de rejeição do recurso referida em 3 dos Factos Provados, apesar de ter sido interpelada para o efeito.

17 – A R, no mês de Fevereiro de 2010, mudou de escritório da Rua ..., em ..., para a Rua ... na mesma cidade e não comunicou tal facto ao A nem à Ordem dos Advogados.

18 – A situação de ignorância do trânsito em julgado do Acórdão só terminou quando o A, desconfiado de tanta demora, foi ao Tribunal de ... consultar os autos, e aí teve conhecimento do indeferimento do recurso por extemporâneo.

19 – O A, antes de dar início ao cumprimento da pena de prisão, trabalhava numa pizaria e auferia cerca de € 485/mês (alterado).

20 – O A tem um filho menor, nascido a 07/11/2009 – fls. 30.

21 – O A iniciou o cumprimento da pena de prisão a 08/02/2012 – fls. 617.

22 – Esteve cerca de 3 meses no Estabelecimento Prisional de ....

23 – E a seguir foi transferido para o Estabelecimento Prisional da ….

24 – Em 13/05/2013 foi “devolvido” à liberdade, passando a cumprir o remanescente da pena no seu domicílio” – fls. 617.

25 – Isto é, o ora A foi autorizado a cumprir a pena em falta no seu domicílio, foi-lhe aplicada pulseira eletrónica e obteve autorização para se deslocar do seu domicílio até ao seu posto de trabalho onde recomeçou a trabalhar em junho de 2013.

26 – Em 21/12/2013 passou a beneficiar de liberdade condicional – fls. 617.

27 – A família do A tem fracos recursos económicos, pelo que este apenas recebia a visita da família (designadamente da mãe, da companheira e do filho) duas vezes por mês.

28 – O A sofria por não poder acompanhar a vida diária do filho.

29 – E sentia sofrimento, angústia e constrangimento devido à sua situação de detenção em estabelecimento prisional.

30 – O A nasceu a 21/12/1983 – fls. 26.

31 – No Processo n.º 409/02.5PEAVR, o ali arguido e ora A:

a) foi notificado para comparecer na Esquadra de Investigação Policial da Polícia de Segurança Pública, no dia 29/06/2003, não tendo comparecido nem justificado a falta – fls. 618/619;

b) no auto de interrogatório de 09/02/2004 disse não desejar prestar declarações sobre os factos que lhe estavam a ser imputados – fls. 630/631;

c) foram-lhe aplicadas as medidas de coação de sujeição às obrigações resultantes do termo de identidade e residência e de obrigação de se apresentar aos sábados e às quartas-feiras entre as 09,00 e as 12,00 horas na Esquadra de ... da PSP – fls. 637/647.

*

Importa apreciar a questão enunciada e decidir.

A questão suscitada demanda que se averigue o preenchimento dos pressupostos do direito que o A exerce nesta acção e da correspectiva obrigação da R de indemnizar os danos (e respectivos montantes) que aquele alegadamente suportou porque, por falta de diligência da segunda na execução da prestação (interposição de recurso) a que se encontrava adstrita, perdeu a hipótese de obter uma decisão mais favorável no acima referido processo penal: a suspensão da execução da pena de prisão em que o mesmo fora condenado.

Trata-se, afinal, de saber se a invocada perda de chance pelo A sofrida de obter essa situação penal mais vantajosa, em consequência da actuação da R na execução do mandato – que, nestes autos, é incontroversamente ilícita e culposa –, confere àquele o direito, por um lado, à totalidade dos réditos correspondentes à contrapartida da sua prestação laboral [€ 8.730 (485 x 18 meses)], que, eventualmente, poderia ter mantido, se não tivesse sido privado da liberdade, e, por outro, a uma quantia de € 25.000 para o compensar dos danos retratados nos pontos 19 a 29 dos factos.

Assim, o recorrente, arredou todos os apontados “ses” para sustentar a sua pretensão numa linha de raciocínio que tem tanto de simples como de patente falha de substância. Bem vistas as coisas, essa pretensão assenta na sua mera convicção de que perdeu a hipótese de obter um conjunto de créditos laborais a que teria direito, caso mantivesse o emprego, bem como o normal gozo das vantagens colhidas da sua regular convivência sócio-familiar, que poderia ter mantido se não tivesse sido privado da liberdade, e de que tal teria sucedido devido a falta de diligência da R na execução da prestação a que se encontrava contratualmente adstrita.

A Relação, ponderando «que no recurso a interpor [pelo ora A] se defendia que a pena de prisão aplicada também deveria ser suspensa na sua execução», concluiu «pela existência de dano de “perda de chance” processual indemnizável, pois a conduta omissiva da ré/recorrente acarretou definitivamente a perda de possibilidade séria e real do Autor ver alterada essa decisão e obter uma decisão mais vantajosa – manter a sua liberdade». Partindo dessa ilação, entendeu que o quantum da indemnização deveria resultar da «utilidade económica realizável, diminuída de um coeficiente de redução proporcional ao grau de possibilidade» de o A a conseguir, tendo determinado, face aos factos apurados e com recurso a critérios de equidade, em 70% o grau de probabilidade de o A «alcançar o resultado final, a vantagem pretendida com o recurso que devia ter sido interposto». Assim, a 2ª instância arbitrou os montantes de € 5.432 [0.70 x € 7.760 (€ 485 x 16 meses) – correspondente ao valor bruto do rendimento laboral que o A, supostamente, poderia ter auferido durante a privação da liberdade – e de € 6.000, para ressarcimento de danos não patrimoniais, fundando este, de novo ou num segundo momento, em juízos de equidade.

Por sua vez, o recorrente, visando a reponderação de cada um dos dois montantes de € 5.432 e de € 6.000 arbitrados pela 2ª instância, com recurso a critérios de equidade, para reparar as sequelas patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente, contrapropôs, para o efeito, os valores de € 8.730 (485 € x 18 meses) e de € 25.000, sustentando que não deveria verificar-se «qualquer redução relativa a percentagem de probabilidades de êxito do recurso», por entender que o grau dessa probabilidade se aproximava dos 100% e que a circunstância de a indemnização dos danos não patrimoniais ser fixado por recurso a critérios de equidade não impede a sua alteração pelo STJ «porque a equidade não pode ser sinónimo de arbitrariedade».

Ora, convém não deixar de ter presente que os alegados danos foram adequadamente causados, em primeira linha, pelo facto de o recorrente ter sido condenado em pena de prisão, o que apenas a ele próprio é imputável.

Depois, importa também reter que, sendo o dano a reparar o ponto de partida da apreciação que se imporia nesta acção, logo se constata que o recorrente não evidenciou que da conduta omissiva (ilícita e culposa) da recorrida resultaram na sua esfera jurídica os prejuízos patrimoniais cujo ressarcimento aqui pretende. Na verdade, de modo algum, se poderia afirmar que equivaleria a € 8.730 a diferença entre a situação que o património do recorrente apresenta e a que apresentaria se não se tivessem verificado as consequências patrimoniais decorrentes da falta de cumprimento da prestação debitória da recorrida, em conformidade com os princípios que disciplinam a obrigação de indemnização ([1]). Basta lembrar, como pertinentemente fez a recorrida, todas as despesas com alimentação, alojamento e lazer, que o A não suportou, ainda que forçadamente ([2]). Salvo o devido respeito, no julgamento feito pela Relação também não foi sopesada a necessidade de encontrar essa diferença, o que compensa – e, a nosso ver, generosamente – a não contabilização dos subsídios de férias e Natal que o recorrente, alegadamente, poderia ter recebido.

Também não podemos ignorar que a pretensão em apreço nos autos foi abordada, designadamente no acórdão recorrido, à luz do conceito da perda de chance, perspectiva em que poderia ser indemnizável (apenas) a perda da oportunidade –considerada autonomamente – de o ora A ter visto a sua pretensão – tal como entende que a mesma lhe assistiria – apreciada pelo Tribunal da Relação de ....

Todavia, não nos parece que a doutrina da perda de chance ou de oportunidade possa ser encarada em termos muito simplistas, por falta de apoio linear no nosso ordenamento jurídico, nomeadamente perante o disposto no art. 563º do CC ([3]), como é salientado pelo Ac. do STJ de 26/10/2010 ([4]): «a mera perda de uma chance não terá, em geral, virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória».

Realmente, essa doutrina não representa uma mera revisão ou ampliação do conceito de dano, antes deve ser assumida como uma ruptura com a concepção clássica da causalidade, que não nos parece ser absolutamente vedada pelo art. 563º do CC se for entendida em termos, não de aplicação geral e em termos ilimitados, mas com pressupostos e limites bem definidos ([5]).

Para este mesmo sentido, aliás, parece agora inflectir o actual Conselheiro Júlio Gomes, ao aceitar que a letra do art. 563º do CC «seria ainda compatível com um sistema em que o lesado apenas teria que demonstrar que a não ocorrência do dano seria mais provável do que a sua ocorrência (bastando 51% de probabilidades) sem a conduta do agente (…)», que, «(…) quando a chance ou oportunidade se tenha “densificado” e fosse mais provável a sua realização do que a sua não verificação, se considere existir já um lucro cessante suficientemente “certo” para que a fixação do seu montante possa ser feita pelo tribunal recorrendo à equidade (…)» ([6]).

Mas, o que essa doutrina aventa é, tão-somente, a possibilidade de, em determinadas situações, a relação causal entre o facto e a lesão, enquanto um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, sofrer uma nova abordagem quanto à respectiva demonstração. Como expôs a Sra. Juíza Dra. Patrícia Costa ([7]), a essa luz, «o juízo de prova [do nexo de causalidade] não está dependente da ultrapassagem de um determinado limiar matemático de probabilidade, antes se fazendo apelo a conceitos de outra natureza, como sejam “a verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável” ou “estado de convicção assente num grau de probabilidade o mais elevado possível” (...) não tem que ser provado com certeza absoluta ou matemática; a prova é considerada suficiente quando leva à conclusão de que a existência do facto probando é mais provável do que o inverso (regra do more probable than not). Não é necessário, assim, que seja altamente provável, muito provável ou substancialmente provável. Mas, por outro lado, não é suficiente provar que existe uma possível relação causal entre o facto e a lesão. Este critério é entendido usualmente como determinando que o demandante deve demonstrar que a probabilidade de o demandado ter causado a lesão é superior a 50%.».

Neste campo, é igualmente muito relevante a feliz síntese conclusiva do Ac. do STJ de 5/2/2013 ([8]):

«O ordenamento jurídico nacional consagra a doutrina da causalidade adequada, ou da imputação normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognose póstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuído ao agente como coisa sua, produzida por ele, mas na sua formulação negativa, porquanto não pressupõe a exclusividade da condição como, só por si, determinante do dano, aceitando que na sua produção possam ter intervindo outros factos concomitantes ou posteriores.

Enquanto a teoria geral da causalidade, no âmbito da responsabilidade contratual, tem subjacente o princípio do “tudo ou nada”, porquanto obriga a que o risco de incerteza da prova recaia em conjunto sobre um único sujeito, a teoria da “perda de chance” distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi autor do ilícito.

Ao ver desentranhado o requerimento probatório do autor, a ré fê-lo, desde logo, perder toda e qualquer expectativa de ganho de causa na acção, independentemente das vicissitudes processuais que a mesma conheceria, na hipótese de tal não haver sucedido, o que, por si só, representa um dano ou prejuízo autónomo para aquele.

A doutrina da “perda de chance”, ou da perda de oportunidade, diz respeito, não à teoria da causalidade jurídica ou de imputação objectiva, mas antes à teoria da causalidade física, pelo que a perda de oportunidade apenas pode colocar-se, verdadeiramente, quando o julgador, depois de aplicar as regras e critérios positivos que orientam e limitam a sua capacidade de valoração, não obtém a prova de que um determinado facto foi causa física de um determinado dano final.

O dano da “perda de chance” que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.

Para o que importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realiza-se a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se aplica o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação a indemnização a atribuir pela perda da chance.».

Portanto, a doutrina da perda de chance ou de oportunidade propugna, em tese geral, a compensação quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar a vítima nos casos em que não se consegue demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais ([9]). Dito de outro modo, a chance, quando credível, é portadora de um valor de per si, sendo a respectiva perda passível de indemnização, desde logo quanto à frustração das expectativas que fundadamente nela se filiaram para o expectante, mas só poderá ser valorada em termos de uma possibilidade real de êxito que se frustrou ([10]). A vantagem em causa deve ser aferida em termos de probabilidade, reportando-se o dano ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado ([11]).

Por conseguinte, aderindo a uma tal proposta de solução jurídica da questão em apreço, sempre seria necessário que se concluísse, com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança, que, se não tivesse sido essa chance perdida em consequência da conduta negligente da R, o aqui A teria alcançado a suspensão da execução da pena de prisão (efectiva) de 3 anos e 9 meses em que fora condenado ou, em suma, que se verificou o seu real insucesso porque a R não fez o devido uso dos meios técnico-jurídicos requeridos pelas respectivas regras profissionais. Para tanto, exigir-se-ia a demonstração de, pelo menos, uma probabilidade de sucesso razoável no recurso a interpor – o que pressupõe uma profunda indagação quanto ao fundo da respectiva pretensão, assente na demonstração dos fundamentos agora invocados para o direito que nela deveria ter sido exercido –, sob pena de não se poder considerar verificada a certeza do dano ([12]).

Constata-se que a Relação realizou uma prognose póstuma sobre o resultado de tal recurso, se tivesse sido interposto, procurando colocar-se na perspetiva do tribunal que o teria julgado. Para tanto, entrando apenas em linha de conta com a medida da pena única imposta ao aqui A, com os respectivos antecedentes criminais e com o cotejo dessa sua apurada situação com a dos demais arguidos no referido processo penal, admitiu serem «sérias e reais» (no grau de 70%) as probabilidades de o A obter aquela suspensão, à semelhança do que sucedeu «relativamente aos restantes 3 coarguidos, condenados em penas semelhantes e com idênticos antecedentes criminais e que vieram a obter, em sede de recurso, a suspensão da execução das penas de prisão aplicadas».

Embora o aqui demandante ache pouco, mostrando-se convicto de que a probabilidade de obter aquele objetivo se aproximaria dos 100%, há que reconhecer que a factualidade provada nestes autos é escassa para escorar a prognose sustentada pela Relação, de que adveio a aceitação de um grau de probabilidade de êxito desse putativo recurso bastante positivo ou favorável para o ora recorrente.

Ora, diferentemente do que foi feito, a questão da suspensão (ou não) de tal pena teria que ser obrigatoriamente abordada com base numa prognose sobre a perspectiva de ressocialização do aqui A, conforme imporia o art. 50º do CP: a execução da pena de prisão aplicada poderia ter sido suspensa se, atendendo à personalidade do mesmo, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior aos crimes e às circunstâncias destes o tribunal pudesse concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. O que significa que teria de ter sido negada a possibilidade de suspensão se os factos provados justificassem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de reinserção que a sociedade lhe oferecia, ou seja, se os julgadores não estivessem convictos desse prognóstico (favorável) ([13]).

Portanto, diferentemente do que parece pretender o recorrente, não estava em causa, apenas, o confronto entre o grau relativo da gravidade objectiva e da censurabilidade das condutas de cada um dos arguidos daquele concreto processo penal, pois haveria que averiguar também se o aqui recorrente colaborara para a descoberta da verdade, se revelara sentido autocrítico, assumindo a sua culpa, se tinha uma regular inserção sócio-familiar e laboral, se, enfim, perante todas as circunstâncias e condições pessoais que se apurassem, se poderia asseverar, com segurança, que a sua personalidade não forneceria qualquer contra-indicação à suspensão, i. é, que os factos apontavam para que a sua conduta, objecto daqueles autos, teria sido um incidente ocasional, sem repercussões negativas nas suas interacções sociais e, portanto, se existiriam elementos que fundavam a esperança no êxito do processo da sua reinserção social em liberdade, nada existindo que ensombrasse o vaticínio de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada as finalidades da punição.

É certo que o chamado “julgamento dentro do julgamento”, ou seja, a apreciação sobre a probabilidade de sucesso razoável de um procedimento frustrado pelo acto ilícito e culposo em causa traduz-se, enquanto tal, numa questão de facto, que não de direito ([14]). Portanto, como se dirá, em princípio, essa questão é subtraída à cognoscibilidade do STJ, que apenas conhece de matéria de direito, não abarcando, pois, a matéria de facto, excepto quando a factualidade seleccionada for insuficiente ou deficiente para decidir a questão de direito.

É o que sucede neste caso: os factos nada nos dizem que fundasse a convicção de tal prognóstico favorável à suspensão da execução da pena, quanto à personalidade e condições pessoais do recorrente, o que só a este pode ser imputado.

Por outro lado, convém relembrar, antes de mais, que, para a determinação dos aludidos montantes indemnizatórios, a Relação socorreu-se de puros juízos de equidade, fazendo-o, aliás, em relação ao respeitante aos danos da segunda espécie (não patrimoniais), em dois momentos ou etapas sucessivas.

Ora, como é sabido, o STJ é, organicamente, um Tribunal de revista, razão pela qual, fora dos casos previstos na lei, apenas conhece de matéria de direito (arts. 46º da LOSJ e 674º nº 3 e 682º nº 2 do CPC).

Assim sendo, o decidido com a aplicação de tais juízos de equidade ou critérios não normativos, «assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso», sem traduzir, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, «deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade» ([15]).

Como insistentemente tem sido vincado por este Tribunal, «Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito … da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição» ([16]), devendo, para tanto, ter-se em consideração «todos os casos que mereçam tratamento análogo»,  exigência colocada pelo art. 8º nº 3 do CC ([17]).

Por conseguinte, à luz das razões expostas, só haveria fundamento bastante para censurar o juízo formulado pela Relação e alterar o decidido, com apelo à equidade, se pudesse afirmar-se, tendo em conta os critérios que vêm sendo adoptados, generalizadamente, por este Tribunal ([18]), que os montantes em apreço são manifestamente desproporcionados – exíguos, na versão do A  – à gravidade objectiva e subjectiva dos efeitos (de natureza patrimonial e não patrimonial) resultantes do incumprimento da R.

Ora, segundo pensamos, o definido, nesta vertente, pela Relação, atendendo às considerações que se explicitaram sobre o exposto quadro factual, não se afasta, significativamente, dos padrões generalizadamente estabelecidos por este Tribunal para situações com contornos susceptíveis de serem cotejados com os do demandante, o que, como já se disse, constitui fundamento bastante para não alterar o decidido, nomeadamente e por maioria de razão, quanto à reparação dos efeitos não patrimoniais do aludido incumprimento.

Tudo visto, improcede o recurso.

*

Síntese conclusiva.

1. - No nosso ordenamento jurídico, a identificação de um dano constitui pressuposto incontornável de toda a responsabilidade civil e, em geral, a mera perda de uma chance não terá virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória.

2. - A doutrina da perda de chance propugna, em tese, a compensação quando fique demonstrado, não que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente (o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final), mas, simplesmente, que foram reais e consideráveis as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo.

3. - A mesma doutrina distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi autor do ilícito, sendo o dano que se indemniza constituído apenas pela perda de chance, que não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem igual à quantia que seria atribuída caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.

4. - Ao demandar a Advogada que incumbiu de o patrocinar na interposição de recurso em anterior processo penal, visando obter a suspensão da execução da pena de prisão (efectiva) de 3 anos e 9 meses em que fora condenado, com fundamento na perda de chance de alcançar esse objectivo em consequência da conduta negligente daquela (interposição extemporânea do recurso), o A teria de alegar – para os vir a demonstrar – factos idóneos ao reconhecimento das probabilidades reais, sérias, consideráveis de obtenção dessa decisão mais favorável em tal processo penal.

5. - Esse reconhecimento pressuporia a realização pelo tribunal que conheceu a acção de indemnização do chamado “julgamento dentro do julgamento”, ou seja, a apreciação, na posição virtual do tribunal que teria julgado o recurso penal, sobre a probabilidade de sucesso razoável deste recurso (frustrado pelo acto ilícito e culposo da R), mediante uma prognose póstuma sobre o resultado de tal procedimento, se tivesse sido interposto.

6. - Essa apreciação, enquanto tal, traduz-se numa questão de facto, que não de direito, subtraída, portanto, à cognoscibilidade do STJ, excepto se for reconhecida a insuficiência ou deficiência da factualidade seleccionada para decidir a questão de direito.

7. - É o que sucede, e só ao demandante pode ser imputado, se os factos seleccionados nada nos dizem que pudesse fundar a convicção de um prognóstico favorável à suspensão da execução da pena, quanto à personalidade e condições pessoais do mesmo, porquanto essa questão (da suspensão ou não) teria que ser obrigatoriamente abordada sob a perspectiva da sua ressocialização, conforme imporia o art. 50º do CP, a par da do grau de gravidade objectiva e de censurabilidade das condutas em apreço: a execução da pena de prisão aplicada poderia ter sido suspensa se, atendendo à personalidade do mesmo, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior aos crimes e às circunstâncias destes o tribunal pudesse concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição

8. - O decidido pelas instâncias com a aplicação de juízos de equidade ou critérios não normativos, não traduzindo, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, «deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade», devendo, para tanto, ter-se em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo (art. 8º nº 3 do CC).

9. - Por conseguinte, só haveria fundamento bastante para censurar o juízo formulado pela Relação e alterar o decidido se pudesse afirmar-se, tendo em conta os critérios que vêm sendo adoptados, generalizadamente, por este Tribunal, que os montantes que foram fixados são manifestamente desproporcionados à gravidade objectiva e subjectiva dos efeitos (de natureza patrimonial e não patrimonial) resultantes do comportamento ilícito da R.

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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista interposta e, por consequência, em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.          

Lisboa, 11/1/2017

Alexandre Reis - Relator

Lima Gonçalves

Sebastião Póvoas

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[1] Consagrados nos arts 562º e ss do CC e que, salvo o devido respeito, também não foram sopesados no julgamento feito pela Relação.

[2] Não relevando, nesta sede, quaisquer ponderações sobre as sequelas de natureza não patrimonial advindas da privação da liberdade.

[3] «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

[4] P. 1410/04.0TVLSB.L1.S1-Azevedo Ramos.

[5] Cf., neste sentido, Rui Cardona Ferreira, in “A PERDA DE CHANCE REVISITADA (a propósito da responsabilidade do mandatário forense)”, consultável em www.oa.pt/upl/%7Bc8303c60-83ae-4dbf-af6a-cf29f1c61ba4%7D, que, aludindo à florescente jurisprudência do STJ sobre o tema da perda de chance, anota a sua «considerável flutuação, embora seja já facilmente detetável uma corrente favorável à ressarcibilidade, em determinadas circunstâncias, da perda de chance, no domínio da responsabilidade civil profissional dos advogados».

[6] No artigo “Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou perda de chance”, in Cadernos de Direito Privado — II Seminário dos Cadernos de Direito Privado (“Responsabilidade Civil”), Dezembro de 2012 (pp. 17-29).

[7] In “O Dano da perda de chance e a sua perspectiva no Direito Português, Dissertação de Mestrado”, 25, consultável in www.verbojuridico.com/doutrina/.../patriciacosta_danoperdachance.

[8] P. 488/09.4TBESP.P1.S1 - Hélder Roque. Deve ponderar-se, também, o que expendeu o Ac. do STJ de 29/4/2010 (P.2622/07.0TBPNF.P1.S1 – Sebastião Póvoas): «A perda de chance não se confunde com perda de expectativa, já que aqui há uma esperança de um direito, por se ter percorrido um “iter” que a ele conduziria com forte probabilidade. Trata-se de situação dogmatizada na responsabilidade pré contratual. Na perda de chance, ou de oportunidade, verificou-se uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa. Trata-se de imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente (imediato ou mediato) nem um dano futuro (por ser eventual ou hipotético) só relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida. Se um recurso não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa.».

[9] Nesse sentido, Patrícia Costa, Dissertação cit., 27 e 28.

[10] Cfr. Ac. do STJ de 10/3/2011 (P. 9195/03.0TVLSB.L1.S1-Távora Victor).

[11] V. Ac. do STJ de 5-05-2015 (p. 614/06.5TVLSB.L1.S1 - Silva Salazar): «(…) A perda de chance deve ser considerada como um dano atual, autónomo, consubstanciado numa frustração irremediável (dano), por ato ou omissão de terceiro, de verificação de obtenção de uma vantagem que probabilisticamente era altamente razoável supor que fosse atingida, ou na verificação de uma desvantagem que razoavelmente seria de supor não ocorrer, não fosse essa omissão (nexo causal). Para haver indemnização, o dano da perda de oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligado de uma consistente e séria probabilidade de a vencer: não basta invocar a omissão da obrigação de instaurar ação de despejo, com base em fundamento conhecido há mais de um ano, que teve como consequência impedir a sua procedência, por caducidade; impõe-se, ainda, alegar e provar que, sem essa omissão, os factos fundamento resultariam provados, tendo ser muito elevada a probabilidade de vencer a ação omitida.».

Também o Ac. do STJ de 9-07-2015 (p. 5105/12.2TBXL.L1.S1 – Tomé Gomes) ponderou: «(…) Traduzindo-se a perda de chance em situações ainda incipientes na nossa ordem jurídica, não perfeitamente sedimentadas na doutrina nem enraízadas na prática jurisprudencial, como o são, por exemplo, as situações dos lucros cessantes e dos danos futuros, para mais de ocorrência multifacetada, um método de análise que parta de uma definição dogmática de dano para dela depois subsumir o caso concreto não será, porventura, o método mais seguro, podendo mesmo mostrar-se redutor. Ao invés, uma metodologia que procure seguir uma pista mais casuística, de modo a aferir cada caso à luz das exigências legais sobre a probabilidade suficiente para o reconhecimento do dano, pode ser mais promissora.

3. Assim, no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada ação é, à partida, indemonstrável, mostra-se mais adequado questionar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada ação, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspetivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes; o ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado.

4. Nessa linha, uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, deve ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista, reconduzindo-se a um dano autónomo existente à data da lesão, portanto qualificável como dano emergente, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.

5. A garantia dos princípios da certeza do dano e das regras da causalidade ficará, pois, assegurada pelo grau de consistência a conferir à vantagem ou prejuízo em causa, tal como sucede no domínio dos lucros cessantes ou dos danos futuros previsíveis.

6. No caso de perda de chances processuais, a primeira questão está em saber se o frustrado sucesso da ação assume tal padrão de consistência e seriedade, nomeadamente para efeitos de danos não patrimoniais, para o que releva ponderar, face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução, se seria suficientemente provável o êxito daquela ação, devendo ter-se em linha de conta, fundamentalmente, a jurisprudência então seguida nessa matéria pelo tribunal daquela causa, impondo-se fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável por esse tribunal; tal apreciação traduz-se, enquanto tal, numa questão de facto, que não de direito.».

[12] Cf., neste sentido, a referência feita por Rui Cardona Ferreira, acima citado, p. 1304.

[13] Como realça F. Dias (Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, p. 344), o que está em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, devendo o tribunal estar disposto a correr um certo risco fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade. Só havendo sérias razões para duvidar da capacidade do arguido de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, é que o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.

[14] Neste sentido, o cit, Ac. do STJ de 9-07-2015.

[15] Citado Ac. do STJ de 21/1/2016.

[16] Acórdão de 31/1/2012 (875/05.7TBILH.C1.S1 – Nuno Cameira). No mesmo sentido, os citados Acs. de 2/6/2016 , 7/4/2016, de 4/6/2015 e ainda o de 28/10/2010 (272/06.7TBMTR.P1.S1 – Lopes do Rego), em que se concluiu: “Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, – já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito, – mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio»”.

[17] «Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».

[18] Designadamente em todas as decisões que foram sendo referenciadas, não obstante o intenso relativismo e, por isso, do pouco rigor objectivo de tal confronto, perante o condicionalismo imposto pela diversidade dos particularismos de cada caso e, como tal, dos pressupostos dos critérios que foram sendo estabelecidos.