Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B3898
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARAÚJO BARROS
Descritores: DIREITO DE PERSONALIDADE
DIREITO AO BOM NOME
OFENSAS À HONRA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DIREITO À INFORMAÇÃO
DANOS MORAIS
JORNAL
JORNALISTA
Nº do Documento: SJ200402260038987
Data do Acordão: 02/26/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4554/03
Data: 06/26/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1. A publicação, em jornal que se vende em todo o território nacional, de acusações ou insinuações feitas a uma mulher casada, no mínimo tratando-a como leviana e imputando-lhe a prática de adultério, atinge directamente o marido daquela, violando o seu direito ao bom nome, à honra e consideração social, e à reserva da intimidade da vida privada conjugal.
2. Não importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro, contanto que seja susceptível, ponderadas as circunstâncias do caso, de abalar a honra e o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade.
3. Na delimitação do direito à informação intervêm princípios éticos, pelos quais o jornalista responde em primeiro lugar, constituindo dever de quem informa esforçar-se por contribuir para a formação da consciência cívica e para o desenvolvimento da cultural sobretudo pela elevação do grau de convivialidade como factor de cidadania, e não fomentar reacções primárias, sementes de violência, ou sentimentos injustificados de indignação e de revolta, tratando assuntos com desrespeito pela consciência moral das gentes, contribuindo negativamente para a desejável e salutar relação de convivialidade entre elas.
4. Na conflitualidade entre os direitos de liberdade de imprensa e os direitos de personalidade, sendo embora os dois direitos de igual hierarquia constitucional, é indiscutível que o direito de liberdade de expressão e informação, pelas restrições e limites a que está sujeito, não pode atentar contra o bom nome e reputação de outrem, salvo se estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação.
5. Actuam culposamente, com dolo directo, os jornalistas que voluntariamente narra certo facto ou faz alguma afirmação ou insinuação, sabendo que dessa forma atinge a honra ou o bom nome de outrem, sendo esse preciso efeito que ele pretende atingir. Age com dolo necessário (ou eventual) a empresa jornalística que, sem poder deixar de conhecer a natureza melindrosa e difamatória dos escritos, tinha também o dever de ter impedido a sua divulgação.
6. Tratando-se de notícia publicada em jornal que se vende em todo o território nacional; considerando que o lesado, a partir da data da publicação dos artigos, passou a ser alvo de observações jocosas dos seus colegas de trabalho e de alguns clientes que o conheciam devido à vida pública que levava, tendo até, em consequência, pedido uma licença sem vencimento como única forma de se furtar aos incómodos e ultrajes de que passou a ser alvo; atendendo a que o casal constituído por ele e a mulher, visada nas notícias publicadas, acabou por se separar devido às discussões e aos embaraços que tais artigos provocaram em ambos, justifica-se, por criteriosa e adequada às circunstâncias do caso, a atribuição da quantia de 5.000.000$00 (ou seja, 24.939,99 Euros) para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" intentou, no Tribunal Cível de Lisboa, acção declarativa de condenação contra B, C, e "D - Sociedade Editora, SA", pedindo a condenação destes no pagamento de 5.000.000$00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros vincendos, à taxa legal.

Alegou, para tanto, em resumo, que:

- nas suas edições de 30 de Março, 13 de Julho e 20 de Julho de 1996, os réus publicaram, na denominada "Coluna do Dantas" do jornal "D", notícias alusivas a um alegado envolvimento amoroso entre E e a sua esposa;

- as alusões feitas à esposa do autor são caluniosas, dada a sua total falsidade;

- a esposa do autor, de seu nome F, utiliza profissionalmente o nome abreviado de ..., sendo, ao tempo dos factos, uma das directoras da agência "...";

- as notícias publicadas pelo D mereceram um comentário jocoso da revista Visão, na sua edição de 11 de Abril de 1996;

- acha-se, nessa medida, lesado na sua honra, bom nome e estima pessoal, uma vez que, em consequência de tais notícias, viu a sua vida pessoal e profissional completamente desfeitas;

- após a publicação das notícias pelo D, sendo comissário de bordo da TAP, passou a ser alvo de observações jocosas dos seus colegas de trabalho e até de passageiros;

- perante os vexames a que foi sujeito após a publicação das notícias, o autor pediu uma licença de serviço sem vencimento, que lhe foi concedida, após o que se ausentou para Angola, onde permaneceu durante largo período de tempo;

- devido a constantes discussões, consequência das notícias publicadas pelo D, o casal constituído pelo autor e por F acabou por se separar definitivamente, levando esta consigo a filha do casal;

- em face do conteúdo das notícias publicadas pelo referido periódico, o autor viu, assim, o seu bom nome, estima e dignidade moral prejudicados no meio social em que vivia e trabalhava, tendo sido vexado, humilhado e achincalhado na sua honra e dignidade, sofrendo, por isso, danos de natureza não patrimonial.

Citados os réus, a primeira pessoalmente e os restantes por éditos, não contestaram, sendo que o representante do Ministério Público, citado para os representar, igualmente não contestou.

Exarado despacho saneador tabelar, procedeu-se, mais tarde, a julgamento com decisão acerca da matéria de facto, vindo depois a ser proferida sentença em que, julgada a acção improcedente, foram os réus absolvidos do pedido.

Inconformado apelou o autor, sem êxito embora, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 26 de Junho de 2003, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Interpôs, então, o autor recurso de revista, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e sua substituição por decisão que julgue a acção totalmente procedente.
Não houve contra-alegações.
Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.
O recorrente findou as respectivas alegações formulando as conclusões seguintes (e é, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil):
1. A questão essencial e determinante, objecto do presente recurso, consubstancia-se, por um lado, na necessidade imperativa de averiguar se as notícias escritas e publicadas pelos ora recorridos são ofensivas do direito de personalidade - honra, bom nome, reputação e estima pessoal - do recorrente, e por outro lado, e consequentemente, determinar a obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual.
2. Na verdade, no âmbito dos direitos especiais de personalidade, entre outros, distingue-se o direito à inviolabilidade pessoal que, na sua projecção moral, se consubstancia no Direito à Honra.

3. Ora, o conceito de honra, em sentido amplo, abrange ainda a honra extrínseca, ou seja, o bom nome e a reputação de cada indivíduo, sendo o conceito de reputação entendido como o apreço social e a imagem que os outros dão e atribuem a cada pessoa, atendendo às suas qualidades e valores pessoais.

4. De resto, é consensual na doutrina que o artigo 70º do Código Civil, reconhecendo um direito geral de personalidade, abarca um número de direitos especiais de personalidade não taxativo, englobando, nomeadamente, a tutela de bens da vida, da liberdade, da honra, da intimidade pessoal, da identificação pessoal, da história pessoal, da verdade pessoal.

5. Assim, quem ofender a honra alheia, entendida esta em toda a sua extensão e globalidade, e consequentemente violar o direito especial de personalidade de outrem, ficará sujeito às sanções legais previstas nos artigos 70°, n° 2, 483° e 484° do Código Civil.

6. E para que haja efectivamente essa violação basta que o lesante, por qualquer modo ou actuação, ameace ou tenha uma conduta meramente negligente que ofenda a honra alheia.

7. Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido é o retrato ou a imagem fiel do total desconhecimento ou alheamento da situação actual relativa aos comportamentos relacionais, atendendo ao modus vivendi nas modernas sociedades.

8. As falsas notícias escritas e publicadas pelos recorridos descrevem, de modo ofensivo e jocoso, uma eventual ligação amorosa entre a então mulher do ora recorrente e E.

9. Pelo que dos referidos textos retira-se, imediata e directamente, que o recorrente estaria a ser publicamente "enganado" e humilhado pela sua mulher.

10. Na verdade, ao serem divulgadas tais notícias, de modo sistemático e exaustivo, o recorrente viu violada a intimidade da sua vida privada e prejudicada a sua honra e reputação.

11. Ora, é evidente que os recorridos agiram de forma gravemente ofensiva dos direitos do recorrente, unicamente com objectivos de humilhação e vexame público, e é inquestionável que o conteúdo das referidas notícias lesou directa e intimamente a honra e reputação do recorrente.

12. De facto, como é do conhecimento público e da experiência comum, tal situação vexatória e pública, gera em toda a sociedade um sentimento e consciência de reprovação social e chacota geral, levando a que o ofendido seja de tal forma pressionado, que acaba por resultar numa inevitável lesão da sua reputação, bom nome e honra.

13. Na verdade, como consequência directa das notícias publicadas, o recorrente não só foi afectado na sua vida privada, como também sofreu graves abalos na sua vida profissional, e é manifesto que, com a publicação dos textos, o recorrente ficou, gravemente, desmerecido na consideração do seu círculo de relações pessoais e laborais.

14. De resto, tal desastroso resultado, da exclusiva responsabilidade dos recorridos, afigurava-se como consequência óbvia, e portanto, inevitável.

15. Sendo que os danos não patrimoniais - resultantes das ofensas à honra, bom nome e reputação - sofridos pelo recorrente são o resultado directo, imediato e inevitável das notícias elaboradas e divulgadas pelos recorridos.

16. Por todo o exposto, e atento o artigo 484° do CC que se subordina ao princípio geral do artigo 483° do mesmo diploma, verifica-se que os recorridos actuaram de forma voluntária, dolosa e ilícita, existindo, inequivocamente, um nexo de imputação dos factos aos recorridos, a verificação de danos sofridos pelo recorrente e, por fim, o nexo de causalidade entre os factos descritos e aqueles danos.

17. Assim, ao decidir de modo diferente, o acórdão recorrido violou lei substantiva, por erro de interpretação dos artigos 70° e 484° do Código Civil.

Encontra-se assente a seguinte matéria fáctica:

i) - os réus B e C são jornalistas do jornal "D", publicação com periodicidade semanal, sendo a 3ª ré a proprietária do mesmo periódico;
ii) - na sua edição de 30 de Março de 1996, os réus publicaram na denominada "Coluna do Dantas" do jornal D, um artigo intitulado "E", com o seguinte teor: "E anda encantado com F, a moreníssima ex-modelo que é irmã de G". Uma aproximação «radical» que lhe poderá valer na estratégia a adoptar, este fim de semana, no Congresso do PPD/PSD. Para já, três dias de reflexão do par em Madrid. Em caso de fracasso, e dado que F é hoje uma das directoras da agência Elite, talvez o «charme» santanista abra a E uma brecha como modelo. Com H e I ao lado, nas «passereles» da fama";

iii) - ainda na mesma edição do "D", a fls. 47, na denominada "Notícias ...", os réus publicaram um artigo com o seguinte teor: "Agora que E está solteiro, iremos ver o dirigente social-democrata discursar com este ar lavadinho? Com o fato impecável e bem passado? Ou será que a sua mais recente conquista já tratou do assunto? É que num congresso que define lideranças, a instabilidade dos casamentos de E pode ter algo que se diga. Nota-se logo se o fato está amarrotado";

iv) - na sua edição de 13 de Julho de 1996, os réus publicaram na denominada "Coluna do Dantas" do jornal "D", um artigo intitulado "E apaixonado", com o seguinte teor: "Uma vizinha de F disse-me que viu E nas escadas. Há tempos. O ex-presidente do ... está agora firme ao lado da grande paixão da sua vida, J";

v) - na sua edição de 20 de Julho de 1996, os réus publicaram na denominada "Coluna do Dantas" do jornal D, um artigo intitulado "Sem abrigo", com o seguinte teor: "E ficou furioso com uma nota aqui publicada na semana passada. Tem razão. Até porque o local deu azo a mais uma zanga com a sempre emocional J. E, desculpe estar sem abrigo, mas a culpa é da vizinha de F que, por acaso, também está sem abrigo";

vi) - a mulher do autor, F, utiliza profissionalmente o nome abreviado de F;

vii) - a mulher do autor era, ao tempo da publicação dos artigos referidos, uma das directoras da agência "...";

viii) - na sua edição de 11 de Abril de 1996, a revista "Visão" publicou um artigo com o seguinte teor: "As irmãs .. são vítimas de perseguição, não há dúvida: depois da boataria a respeito de E e G, vem o D (edição de 30 de Março) revelar que o presidente do Sporting andaria "encantado" com F, a irmã mais velha - e muito mais interessante... de G. Mas...;

ix) - o jornal "D" é um periódico que cobre todo o território de Portugal;

x) - o autor teve conhecimento do primeiro artigo supra referido numa altura em que se encontrava em serviço, em voo da TAP;

xi) - a partir da data da publicação do artigo referido, o autor passou a ser alvo de observações jocosas dos seus colegas de trabalho;

xii) - e de alguns passageiros da TAP que o conheciam, devido à vida pública que levava;

xiii) - devido à publicação dos artigos referidos e ao supra descrito, o autor pediu uma licença sem vencimento do serviço, como única forma de se furtar aos incómodos e ultrajes de que foi alvo, como consequência directa e necessária das notícias dos autos;

xiv) - em consequência da publicação dos artigos referidos, o casal constituído pelo autor e por F acabou por se separar devido às discussões e aos embaraços que tais artigos provocaram entre ambos, tendo esta deixado o lar onde residia com aquele, levando consigo a filha de ambos;

xv) - após o que o autor saiu do País e foi para Angola, onde permaneceu durante dois anos;

xvi) - nem o autor nem F alguma vez foram vistos pelo círculo de amigos e familiares mais próximos do autor em convívio pessoal e directo com E;

xvii) - os amigos e familiares mais próximos do autor jamais tiveram conhecimento que F alguma vez estivesse em Madrid na companhia de E;

xviii) - os amigos e familiares mais próximos do autor jamais tiveram conhecimento que E alguma vez tivesse entrado em casa do autor e de F;

xix) - o autor e F casaram um com o outro no dia 5 de Maio de 1990;

xx) - L nasceu no dia 17 de Junho de 1992 e é filha do autor e de F;

xxi) - por sentença proferida em 29 de Abril de 1999, transitada em julgado em 10 de Maio de 1999, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre o autor e F.

Nos termos concretizados pelo recorrente, a questão que constitui o objecto do recurso é a de averiguar se as notícias escritas e publicadas pelos ora recorridos são ofensivas do seu direito de personalidade, sem embargo de, na afirmativa, a entender-se que existe culpa dos réus e danos sofridos pelo autor, haver que determinar a obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual.

Sem grande preocupação com a análise do comportamento dos réus - e respectiva qualificação - as decisões das instâncias fundamentam, no essencial, a absolvição dos recorridos no facto de o recorrente não haver sido directamente atingido na sua imagem, honra e reputação (que assim não foram violados), porquanto as notas publicadas apenas se referiram a um eventual relacionamento entre a sua mulher e E.

Citando até o acórdão recorrido o Prof. Antunes Varela quando defende que apenas tem direito à indemnização, salvo nas situações excepcionais do art. 495º do C.Civil, o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação de disposição legal e já não o reflexa ou indirectamente prejudicado. (1)

E afirma, depois, em jeito de conclusão, que "tais notícias referem-se a comportamento menos honroso da mulher do ora apelante: será ela, portanto, que terá de se mover com vista à ofensa da sua honra se, na verdade, a considera ofendida. Porém, uma coisa é certa: a honra do apelante não foi ofendida com as notícias publicadas no D a respeito da sua mulher. Não há nenhuma razão para considerar que, com a publicação de tais notícias, a honra do apelante, o seu bom nome, a sua reputação, foram afectados: se ele era até então homem sério e honesto, não o deixou de ser com a publicação de tais notícias" (fls. 197).

Parece-nos, no entanto, que se procedeu a uma subsunção demasiado simplista do direito aos factos provados, a qual, por isso mesmo, não podemos sufragar.

E, antes de mais, importa saber se com a publicação das expressões acima mencionadas - e porque as decisões das instâncias assim o impõem - se pode considerar que foi concreta e directamente violado algum direito absoluto do aqui autor, situação que permitiria qualificar a conduta dos réus como antijurídica (pelo menos objectivamente).
A antijuridicidade do comportamento situa-se na violação de um direito absoluto de outrem - como tal qualquer direito de personalidade, designadamente o direito à honra e ao bom nome, ou mesmo o direito à reserva da intimidade privada.
Na verdade, os direitos de personalidade (como hão-de qualificar-se os direitos à honra e ao bom nome) pertencem à categoria dos direitos absolutos, como direitos de exclusão, oponíveis a todos os terceiros, que os têm que respeitar.

"Estes direitos emanam da própria pessoa cuja protecção visam garantir. Resulta isto do nº 1 do art. 70º CC, que protege os indivíduos - independentemente de culpa - contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. A protecção assim garantida abrange o homem naquilo que ele é e não naquilo ele tem. Contudo, objecto da respectiva relação jurídica nunca é o indivíduo ou a pessoa ou a sua personalidade, mas sempre o direito de personalidade que incide sobre certas manifestações ou objectivações da mesma". (2)
A ideia da protecção da pessoa humana, da sua personalidade e dignidade, encontra expressão jurídica em vários preceitos da Constituição da República Portuguesa (3) (o art. 1º fala da dignidade da pessoa humana como fundamento da sociedade e do Estado; o art. 13º, nº 1, refere-se à igual dignidade social dos cidadãos; o art. 24º, nº 1, declara que a vida humana é inviolável; o art. 25º garante o direito à integridade moral e física da pessoa; o art. 26º consagra outros direitos pessoais, nomeadamente respeitantes à identidade, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação).
Em sintonia com estes preceitos encontram-se os arts. 70º a 81º do C.Civil que transpõem a ideia constitucionalizada da protecção à pessoa humana para o campo do direito civil.
O Código Civil, não contendo uma definição geral ou uma definição de direito de personalidade (apenas o art. 70º consagra o direito geral de personalidade), abrange, na sua protecção, no âmbito do direito civil, todos aqueles "direitos subjectivos, privados, absolutos, gerais, extra-patrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar ou de deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências cíveis adequadas a evitar a ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida". (4)
Segundo o mencionado Prof. Capelo de Sousa, "poderemos definir positivamente o bem da personalidade humana juscivilisticamente tutelado como o real e potencial físico e espiritual de cada homem em concreto, ou seja, o conjunto autónomo, unificado, dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua materialidade física e do seu espírito reflexivo, sócio-ambientalmente integrado". (5)

Assim, tendo ocorrido uma ofensa ilícita, a lei admite que possa, além das providências adequadas à situação, haver lugar à responsabilidade civil caso se verifiquem os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos, designadamente a culpa e a existência de um dano (art. 70º, nº 2, em ligação com o art. 483º do C.Civil) ou os pressupostos da responsabilidade pelo risco, ou seja, a concretização do risco e a existência de um dano (art. 70º, nº 2, em ligação com o art. 499º do citado diploma).
A questão está agora em saber se os factos apurados assumem carácter ilícito, ou seja, em palavras claras, se violam, por acção ou por omissão, qualquer comportamento que a lei justamente proíba (designadamente se violam ou não o direito de personalidade do recorrente).
E, analisados os factos provados, parece-nos que a resposta não pode deixar de ser afirmativa.

É perfeitamente irrelevante o facto de nas notas publicadas pelo D apenas se referir a F, mulher do autor: daí não pode extrair-se a ilação de que só esta pode ter sido ofendida na sua honra pessoal. É que, se calhar, por aquilo que na sequência se deixa adivinhar - teor de vida livre - a mesma poderá nem sequer se ter sentido ofendida.

O que é decisivo, e indubitável é que a veiculação das directas insinuações feitas à mulher do autor - no mínimo tratando-a como mulher leviana e imputando-lhe a prática de adultério - sendo aquele homem conhecido e publicamente relacionado, objecto de chacota da parte de amigos e conhecidos, o atingiu directa e objectivamente na sua honra e consideração.

Não se encontra, assim, o autor, ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido, numa situação de prejudicado reflexa ou indirectamente. O que manifestamente acontece - e aqui o acórdão impugnado confundiu a pessoa atingida com a forma como foi atingida - é que o autor foi directamente prejudicado no seu direito ao bom nome, honra e consideração social, embora de modo indirecto, através da referência a um comportamento, no mínimo, leviano da sua mulher.

Afigurando-se-nos, mesmo, completamente desinserida da realidade social a conclusão do citado acórdão, referindo-se ao autor, de que "se ele era até então homem sério e honesto, não o deixou de ser com a publicação de tais notícias". Não está, na realidade em causa a seriedade e honestidade do autor. O que tem que ser tido em conta é a sua honra, bom nome e reputação social, que, sem qualquer dúvida, foram violados (sem falar já da violação do direito à intimidade da sua vida conjugal privada) na medida em que, como é sabido - e o autor demonstrou - o marido traído deixa de gozar da consideração social que lhe era concedida, passa a ser desprezado e objecto de comentários pouco abonatórios.

Impõe-se, pelo exposto, concluir que, ao contrário do que entenderam as instâncias, o autor foi directamente atingido na sua honra, consideração, bom nome e intimidade da vida privada, direitos estes que pertencem à categoria dos direitos absolutos, como direitos de exclusão, oponíveis a todos os terceiros, que os têm que respeitar, e juridicamente tutelados contra qualquer ofensa.
Apreciando, agora, o comportamento dos réus quanto à ocorrência ou não de ilicitude subjectiva e à natureza do nexo da sua imputação àqueles (mera culpa ou dolo) - já que a voluntariedade da conduta deles se encontra claramente demonstrada nos autos - começaremos por indicar as disposições que podem justificar a obrigação de indemnizar resultante da responsabilidade civil extracontratual.
Assim, dispõe o art. 483º, nº 1, do C.Civil, que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem... fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos decorrentes da violação". Acrescentando o nº 2 que "só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei".
Por seu turno, estabelece o art. 484º do mesmo diploma que "quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados".
A questão está agora em saber se os factos apurados assumem subjectivamente carácter ilícito, ou seja, em palavras claras, se violam, por acção ou por omissão, qualquer comportamento que a lei justamente proíba.
Os factos ocorreram em 1996.
Na parte que importa, regem-se pelas disposições conjugadas, ressalvada a respectiva hierarquia, da Constituição da República, da Lei de Imprensa (6), bem como do Estatuto do Jornalista (7).
O artigo 37º, nº 1, da Constituição estabelece que "todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações".
E o nº 4 do mesmo preceito assegura a todas as pessoas, singulares ou colectivas, o direito a indemnização pelos danos sofridos em resultado de infracções cometidas no exercício do direito de liberdade de expressão e informação, garantindo o artigo 38º, nº 1, a liberdade de imprensa, que implica, além do mais, a liberdade de expressão e criação dos jornalistas (al. a) do nº 2).
A Lei de Imprensa formula idênticos princípios, ou valores (arts. 1º, 4º e 5º).
Por sua vez, o Estatuto do Jornalista assinala, que os jornalistas "devem respeitar escrupulosamente o rigor e objectividade da informação", assim como "os limites ao exercício da liberdade de imprensa, nos termos da Constituição e da Lei" (als. b) e c) do art. 1º).
Tão importante, assim, vem a ser assegurar o livre exercício dos direitos de informação e de livre expressão do pensamento, de que a liberdade de imprensa constitui modo qualificado (8), enquanto "elemento imprescindível ao funcionamento e aperfeiçoamento das instituições democráticas" (9), como garantir o respeito pelos demais direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, em que, em idêntico plano constitucional, se inclui a da dignidade da pessoa humana (citado art. 1º) e dos direitos à integridade moral (art. 25º, nº 1º) e ao bom nome e reputação (art. 26º, nº 1º).
Exposto o quadro legal de referência, importa, então, saber como conjugar, em caso de conflito, estes dois direitos fundamentais: o direito/dever de informação e o direito à honra, ao bom nome e à reputação social.
Quer a Constituição, quer as leis ordinárias mencionadas, não estabelecem, neste domínio, qualquer regime especial relativamente à ilicitude em matéria civil e, naturalmente, à respectiva obrigação de indemnizar, quando ocorrer, por responsabilidade civil extracontratual, limitando-se a remeter, expressa ou tacitamente, para os princípios gerais e normas do Código Civil (arts. 37º, nº 4, da Constituição e 24º da Lei da Imprensa).
Será, pois, com base nas normas da sistemática civilística (designadamente arts. 70º, 483º, nº 1, 484º, 487º e 497º, nº 1, do C.Civil), que deve ser avaliada a ilicitude (e, eventualmente, a culpa) como pressuposto da obrigação de indemnizar fundamentada na responsabilidade civil extracontratual.
De um modo geral, "o homem é definido pela liberdade que pode exercer, face a um coeficiente naturalmente humano de adversidade que resulta da presença dos outros. Se a existência de um outro homem se afirma ela mesma, como necessidade de facto, na relação fundamental entre mim e o outro, o cogito da existência do outro confunde-se com o meu próprio cogito, pelo que a existência do outro é o limite à minha própria liberdade".
Em sentido amplo o direito geral de personalidade "inclui também o bom nome e a reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes de unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político". (11)
O direito ao bom nome e reputação "consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação" (12).

A honra abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente para todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância". (13).
É a honra um "bem da personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado Português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso". (14)
Ora, como atrás referimos, prevê o art. 484º do C.Civil uma possibilidade de indemnização desde que, sublinhe-se, se verifiquem os pressupostos definidos no artigo 483º.
Na verdade, a ofensa prevista no artigo 484º mais não é que um caso especial de facto antijurídico definido no artigo precedente que, por isso, se deve ter por subordinada ao princípio geral consignado nesse artigo 483º, não só quanto aos requisitos fundamentais da ilicitude, mas também relativamente à culpabilidade. (15)
Ou seja, para além das duas disposições básicas de responsabilidade civil constantes do artigo 483º, o nosso legislador recebeu uma série de previsões particulares que concretizam ou complementam aquelas, entre elas, e desde logo, a do artigo 484º.
Assim, Almeida Costa (16), após considerar que um dos casos especiais de ilicitude previstos no Código Civil é o da ofensa do crédito ou do bom nome, conclui que "parece indiferente... que o facto afirmado ou difundido seja verdadeiro ou não. Apenas interessa que, dadas as circunstâncias concretas, se mostre susceptível de afectar o crédito ou a reputação da pessoa visada".
Também Menezes Cordeiro (17) entende que a ofensa do crédito ou do bom nome está sujeita às regras gerais dos delitos, concluindo pela responsabilidade de quem, com dolo ou mera culpa, viola o direito ao bom nome e reputação de outrem, após o que afirma que "é indubitável que a divulgação de um facto verdadeiro pode, em certo contexto, atentar contra o bom nome e a reputação de uma pessoa. Por outro lado, a divulgação de um facto falso atentatório pode não constituir um delito - por carência, por exemplo, de elemento voluntário. Por isso, a solução deve resultar do funcionamento global das regras da imputação delitual".
Segundo Antunes Varela (18), além das duas grandes directrizes de ordem geral fixadas no artigo 483º, o Código trata de modo especial alguns casos de factos antijurídicos, o primeiro dos quais é o da afirmação ou divulgação de factos capazes de prejudicarem o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa (artigo 484º).
Autor que prossegue (19) dizendo que "pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro - contanto que seja susceptível, ponderadas circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade"
"A tutela do direito à intimidade da vida privada desdobra-se em duas vertentes: a protecção contra a intromissão na esfera privada e a proibição de revelações a ela relativas". (20)
Há, por conseguinte, que procurar, antes de mais, a concordância prática desses direitos, de informação e livre expressão, por um lado, e à integridade moral e ao bom nome e reputação, por outro, mediante o sacrifício indispensável de ambos. (21)
Em último termo, o reconhecimento da dignidade humana como valor supremo da ordenação constitucional democrática impõe que a colisão desses direitos deva, em princípio, resolver-se pela prevalência daquele direito de personalidade (nº 2 do art. 335º do C.Civil). (22)
Podendo dizer-se que o simples facto de "atribuir a alguém uma conduta contrária e oposta àquela que o sentimento da generalidade das pessoas exige do homem medianamente leal e honrado é atentar contra o seu bom nome, reputação e integridade moral". (23)
A liberdade de imprensa, e com ela a faculdade de livre expressão e divulgação da informação e dos meios da comunicação social (arts. 37º e 38º da Constituição) é uma liberdade responsável e, por isso, neste particular, em que atinge ou pode atingir o direito à honra e reputação social também constitucionalmente consagrado (arts. 25º e 26º do mesmo diploma constitucional), há-de corresponder ao fim para que é concedida e não prosseguir, ainda que indirectamente, outros fins.
Se, por um lado, se reconhece ser direito fundamental dos jornalistas a liberdade de criação, expressão e divulgação, a qual não está sujeita a impedimentos ou discriminações, nem subordinada a qualquer forma de censura, autorização, caução ou habilitação prévia e acesso às fontes (arts. 5º, 6º, 7º, 8º e 9º do Estatuto do Jornalista), certo é, também, constituir dever desses profissionais respeitar os limites ao exercício da liberdade de imprensa nos termos da Constituição e da Lei (citado art. 1º, nº 1, al. c), do mesmo Estatuto).
Na delimitação do direito à informação intervêm princípios éticos, pelos quais o jornalista responde em primeiro lugar (24), constituindo dever de quem informa esforçar-se por contribuir para a formação da consciência cívica e para o desenvolvimento da cultural sobretudo pela elevação do grau de convivialidade como factor de cidadania, e não fomentar reacções primárias, sementes de violência, ou sentimentos injustificados de indignação e de revolta, tratando assuntos com desrespeito pela consciência moral das gentes, contribuindo negativamente para a desejável e salutar relação de convivialidade entre elas. O princípio norteador da informação jornalística deve ser o de causar o menor mal possível, pelo que quando se ultrapassam os limites da necessidade ou quando os processos são, de per si, injuriosos, a conduta é ilegítima. (25)
Pode, aliás, na sequência do exposto, concluir-se que o direito à informação comporta três limites essenciais: o valor socialmente relevante da notícia; a moderação da forma de a veicular; e a verdade, medida esta pela objectividade, pela seriedade das fontes, pela isenção e pela imparcialidade do autor, evitando manipulações que a deontologia profissional, antes das leis do Estado, condena.
Ora, o conflito entre os dois direitos constitucionalmente garantidos - o direito de liberdade de informação e o direito à honra e ao bom nome - terá que ser resolvido, nos termos do art. 335º do C.Civil, pela cedência, em casos de direitos iguais ou da mesma espécie, na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes (nº 1), ou pela prevalência do que deva considerar-se superior quando os direitos forem desiguais ou de espécie diferente (nº 2).
Sendo ambos os direitos enunciados, pelo menos em teoria, de igual hierarquia constitucional, o primeiro não pode, em princípio, atentar contra o segundo, devendo procurar-se "a harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, por forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível", (26) "em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais". (27)
Nesta conflitualidade, "sendo embora os dois direitos de igual hierarquia constitucional, é indiscutível que o direito de liberdade de expressão e informação, pelas restrições e limites a que está sujeito, não pode, ao menos em princípio, atentar contra o bom nome e reputação de outrem, sem prejuízo, porém, de em certos casos, ponderados os valores jurídicos em confronto, o princípio da proporcionalidade conjugado com os ditames da necessidade e da adequação e todo o circunstancialismo concorrente, tal direito poder prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação". (28)
Designadamente assim sucede nos casos em que "estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação", (29) sendo exigível que a informação veiculada se cinja à estrita verdade dos factos. (30)

Apreciando o comportamento dos réus face ao exposto - em ordem a qualificá-lo quanto à sua natureza ilícita ou/e culposa - cumpre, desde já, afirmar que "uma conduta é ilícita quando ofende um direito subjectivo... sendo certo que "os direitos subjectivos de que nos fala o art. 483º do C.Civil são, fundamentalmente, os direitos absolutos - e nestes, os direitos de propriedade, os direitos de personalidade e os chamados direitos familiares patrimoniais". (31)
Assim, é manifesto que a "ilicitude se reporta ao facto do agente, à sua actuação, não ao efeito (danoso) que dele promana, embora a ilicitude do facto possa provir (e provenha até as mais das vezes) do resultado (lesão ou ameaça de lesão de certos valores tutelados pelo direito) que ele produz". (32)

Facto esse que "constitui a violação de um dever, o que implica: em primeiro lugar, a existência desse dever e, portanto, a destinação dum comando a seres inteligentes e livres que podem conhecê-lo e obedecer-lhe; em segundo lugar, a prática contrária de conduta diferente da devida". (33)
E, nesta medida, pode dizer-se que a ofensa ao crédito e ao bom nome prevista no art. 484º do C.Civil (que constitui um dos factos antijurídicos especialmente previstos na lei) não é mais que um caso especial de facto anti-jurídico definido no art. 483º precedente, pelo que se deve considerar subordinada ao processo geral deste art. 483º. (34)
Donde, a mera violação do direito ao bom nome de alguém (na medida em que este direito se impõe a todas as pessoas) contém, já em si, a antijuridicidade do comportamento dos agentes, sendo necessariamente ilícito, salvo se tal ilicitude estiver afastada por qualquer circunstância justificativa do facto praticado e da violação ocorrida.
O que poderia acontecer apenas se, in casu, e como acima referimos, estivesse em causa um interesse público sobreponível aos direitos violados, a divulgação houvesse sido feita por forma adequada aos interesses em jogo, e, sobretudo, se a informação veiculada correspondesse, no essencial, à verdade dos factos ocorridos (ou só muito excepcionalmente embora com ela se não compaginasse, desde que na séria convicção de serem verdadeiros). (35)
No caso sub judice não pode considerar-se demonstrado o interesse público da notícia elaborada e veiculada pelos réus (é mesmo duvidoso que se trate de uma notícia). Encontramo-nos perante um daqueles típicos casos de aproveitamento de colunas criadas nos jornais, supostamente para divertir os leitores à custa de insinuações, maledicência, fofocas, sensacionalismo barato e, quantas vezes, sem qualquer interesse objectivo de informar a comunidade.
Assim é inequívoca a antijuridicidade da conduta dos réus, posto que, em derradeira análise, violou direitos de personalidade do autor.
E na justa medida em que, em jornal de larga dimensão, divulgaram factos que sabiam contender com o bom nome, honra e intimidade da vida privada das pessoas atingidas, de mais a mais de forma a serem reproduzidos por outra publicação nacional, há-de considerar-se, no mínimo, que agiram com falta de rigor e de objectividade, não havendo, assim, qualquer causa justificativa do seu comportamento, capaz de afastar a sua aparente ilicitude: donde, a actuação deles é certamente culposa.

Na verdade, "agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do lesante merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia agir de outro modo" (36), modo esse pelo qual agiria um bom pai de família perante as mesmas circunstâncias (art. 487º, nº 2, do C.Civil).
Ora, a divulgação dos factos acima descritos mostra-se desajustada do comportamento que qualquer pessoa normalmente diligente adoptaria, tornando-se, dessa forma, censurável e culposa, tanto mais quanto é certo que o dever de indemnizar não está dependente de intencionalidade ofensiva, bastando a simples reprobabilidade da actuação (mera negligência).
Assim é natural a conclusão, face à disposição do art. 487º, nº 2, do C.Civil, de que agiram culposamente.
Sendo indubitável que o fizeram dolosamente. Com efeito, age com dolo - actualmente, aliás, considerado simplesmente como uma graduação da culpa em sentido amplo - aquele que procede voluntariamente contra a norma jurídica cuja violação acarreta o dano (37), ou com intenção de ofender o direito, legalmente tutelado, de outrem. Por exemplo, "o jornalista que sabe que, narrando certo facto, atinge a honra ou o bom nome de outrem; e é esse preciso efeito que ele pretende atingir". (38)
Sendo que, no caso em apreço, não custa aceitar a existência de dolo, na modalidade de dolo necessário - reconhecendo, para tanto, que os recorridos (incluído o próprio D) não podiam deixar de ter previsto o facto ilícito como consequência necessária da sua conduta, de tal modo o resultado se apresentava intrínseca e indissoluvelmente ligado ao resultado.
Ou, pelo menos, dolo eventual, porquanto é possível, ao lado dos casos em que é patente uma intencionalidade dirigida (dolo directo), englobar, ainda, qualificáveis como dolosos, outros actos em que o agente, não querendo directamente o facto ilícito, todavia o previu como uma consequência necessária, segura, da sua conduta (dolo necessário), ou prevendo-o apenas como um seu efeito possível, se quedou insensível ante a possibilidade da respectiva verificação (dolo eventual).
Ora, conhecendo os réus, como era seu especial dever, a natureza melindrosa e difamatória dos seus escritos, tinham também o dever de ter impedido a sua divulgação - ao não o fazer, apesar de terem previsto a produção do facto ilícito como efeito possível ou eventual dessa sua conduta, conformaram-se com ele, aceitando-o.
Sendo seguro que, ao assim agirem, quiseram intencionalmente atingir os visados ou mesmo que, prevendo a ofensa ao bom nome, foram muito além do direito que lhes assistia de livremente informar (é, aliás, duvidoso que uma coluna de que constam insinuações mais ou menos malévolas, possa ser integrada no âmbito do direito de informar).
Concluindo: o comportamento dos réus é ilícito e violador do direito ao bom nome do autor, e qualificável como doloso.
Vejamos agora, configurada a obrigação de indemnizar dos réus pela violação do direito à intimidade da vida privada, à honra e ao bom nome do autor, a questão do montante da indemnização.
Estabelece, neste domínio, o art. 496º, nº 1 do C.Civil, que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Acrescentando o nº 3 que "o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º". Sendo que este art. 494º manda atender, na fixação da indemnização, ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem.

Assim, o montante da reparação há-de ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. (39)

"Nos crimes contra a honra, para a reparação do dano não patrimonial, haverá que considerar a natureza, a gravidade e o reflexo social da ofensa em função do grau de difusão do escrito, do sofrimento do ofendido e da sua situação social e política". (40)

No caso sub judice interessa ainda ponderar que a divulgação teve lugar através da imprensa, que tem como destinatário um universo mais ou menos indeterminado de pessoas, meio de difusão com uma particular aptidão potenciadora do dano, "seja pelo elevado número de pessoas que tiveram acesso à notícia, seja pela activação da engrenagem social que em consequência da notícia se produz (retransmitindo-a, ampliando-a, deformando-a), seja pelo grau de credibilidade que o acontecimento impresso tem no público". (41)

Assim, na busca da solução mais ajustada às circunstâncias, importa agora concluir sobre o valor pecuniário que se considera justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu - tendo sempre presente e atentando, com bom senso e prudência, nas especificidades do circunstancialismo que concorre na situação sub judice e que fazem dela uma situação circunstancial própria e diferente.

Posto o que, interessa recortar alguns dos pontos mais significativos: o jornal D é uma publicação que se vende em todo o território nacional; a partir da data da publicação dos artigos o autor passou a ser alvo de observações jocosas dos seus colegas de trabalho e de alguns passageiros da TAP que o conheciam devido à vida pública que levava; o autor, em consequência da publicação dos artigos referidos pediu uma licença de vencimento como única forma de se furtar aos incómodos e ultrajes de que foi alvo; o casal constituído pelo autor e a mencionada F acabou por se separar devido às discussões e aos embaraços que tais artigos provocaram em ambos; os réus agiram culposamente, com dolo directo dos primeiros e necessário (ou eventual) do D.

Desconhece-se a situação económica concreta das partes, se bem que se possa intuir que a do autor, atenta a actividade que exercia e a vida pública que levava, assim como a do D, empresa jornalística sobejamente conhecida, são razoáveis.

Ora, conjugando o descrito quadro factual com os elementos doutrinais e jurisprudenciais antes recenseados, tudo sopesando e valorando com o equilíbrio e ponderação que se exige, entendemos como justa, criteriosa e adequada às circunstâncias do caso a quantia, calculada nesta data, nos termos do art. 566º, nº 2, do C.Civil, actualizada, de 5.000.000$00 (ou seja, 24.939,99 Euros) para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo autor.

Quantia sobre a qual hão-de incidir juros de mora, à taxa legal de 4%, (42) desde a data da prolação desta decisão e até pagamento integral, em conformidade com o entendimento do Ac. STJ (Uniformizador de Jurisprudência) nº 4/2002, de 9 de Maio. (43)

Pelo exposto, decide-se:
a) - julgar procedente o recurso de revista interposto pelo autor A;
b) - revogar o acórdão recorrido e, em consequência, julgando a acção procedente, condenar os réus B, C, e "D - Sociedade Editora, SA", solidariamente, a pagarem ao autor a quantia de 24.939,99 Euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da prolação deste acórdão e até pagamento integral;
c) - condenar os recorridos nas custas da revista, assim como a suportarem o pagamento das custas devidas nas instâncias.

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2004
Araújo Barros
Oliveira Barros
Salvador da Costa
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(1) O mesmo autor refere, a propósito ("Das Obrigações em Geral", vol. I, 6ª edição, Coimbra, 1989, pág. 591) que "tem direito à indemnização o titular do direito violado" situação que, como adiante veremos, é a que aqui está em causa.
(2) Heinrich Horster, in "A Parte Geral do Código Civil Português", Coimbra, 1992, pág. 258.
(3) Redacção advinda da 5ª Revisão (Lei Constitucional nº 1/2001, de 12 de Dezembro).
(4) Rabindranath Capelo de Sousa, in "A Constituição e os Direitos de Personalidade", in Estudos sobre a Constituição, vol. 2º, Lisboa, 1878, pág. 93.
(5) In "O Direito Geral de Personalidade", Coimbra, 1995, pág. 117.
(6) Dec.lei nº 85-C/79, de 29 de Novembro (revogado apenas pela Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro).
(7) Lei nº 62/79, de 20 de Setembro (revogada, a nosso ver, tacitamente, pela Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro).
(8) Ac. TC nº 113/97, de 05/02/97, in BMJ nº 464, pág. 119 (relator Bravo Serra).
(9) Costa Andrade, in "Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal", Coimbra, 1996, 39-B) ss.
(10) Cfr. Acs. STJ de 12/07/2001, no Proc. 2103/01 da 7ª secção (relator Neves Ribeiro); de 14/05/2002, no Proc. 267/0 da 1ª secção (relator Ferreira Ramos); de 10/10/2002, no Proc. 2751/02 da 7ª secção (relator Oliveira Barros); e de 05/12/02, no Proc. 3553/02 da 7ª secção (relator Araújo Barros), os quais, nesta parte, seguiremos de perto.
(11) Rabindranath Capelo de Sousa, in "O Direito Geral de Personalidade", citado pelo Ac. STJ de 27/06/95, in BMJ nº 448, pág. 378 - relator Torres Paulo (maxime 386).
(12) Gomes Canotilho e Vital Moreira, in "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª edição, págs. 180 e 181.
(13) R. Capelo de Sousa, in "O Direito Geral da Personalidade", Coimbra, 1995, págs. 303 e 304.
(14) Maria Paula G. Andrade, in "Da ofensa do crédito e do bom nome", 1996, pág. 97.
(15) Cfr. Acs. STJ de 14/05/76, in BMJ, nº 257, pág. 131 (relator Miguel Caeiro); e de 17/10/2000, no Proc. 372/00 da 6ª secção (relator Azevedo Ramos).
(16) "Direito das Obrigações", 5ª edição, Coimbra, 1991, pág. 453.
(17) "Direito das Obrigações", vol. II, Lisboa, 1990, pág. 349.
(18) "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª edição, pág. 567.
(19) Obra e volume citados, págs. 567 e 568).
(20) Ac. STJ de 25/09/2003, no Proc. 2361/03 da 7ª secção (relator Oliveira Barros).
(21) Cfr. Figueiredo Dias, in RLJ, Ano 115°, pág. 102; bem como Cardoso da Costa, in "A Hierarquia das Normas Constitucionais e a sua Função na Protecção dos Direitos Fundamentais", in BMJ nº 396, págs. 6 e 17, referindo-se ao apelo a um paradigma normativo assente no princípio da concordância prática ou do schonendsten Ausgleich (menor comprometimento possível dos direitos). Cfr. Costa Andrade, obra citada, pág. 34.
(22) Brito Correia, in "Direito da Comunicação Social", 2000, págs. 574-3, 575 e 587 ss. Como assinala Nuno e Sousa, in "A Liberdade de Imprensa", 1984, págs. 290 ss. (antes publicado no suplemento ao BFDUC, XXVI, 1983, págs. 179 ss), decorre, inclusivamente, dos n° s 2 e 3 do art. 18° da Constituição que "os direitos de liberdade não garantem âmbitos absolutos de liberdade, incluindo-se num ordenamento jurídico que intervém no caso de conflitos entre direitos". Encontram-se sujeitos - apenas - "aos limites estritamente necessários à salvaguarda de outros interesses do Estado democrático"; mas a própria Constituição indica "vários interesses dos particulares, considerados como interesses públicos, que têm primazia sobre a liberdade de opinião: os direitos ao bom nome, reputação, imagem e reserva da intimidade da vida privada e familiar". Afirmando que o direito de informar cessa quando se puser em perigo o direito à honra, ver Faria e Costa, "O círculo e a circunferência em redor do direito penal da comunicação", in "Direito Penal da Comunicação (alguns escritos)", 1998, apud Ac.TC n° 67/99, no Proc. n° 609/96, de 03/02/99, in DR, II S, de 05/04/99. Ver ainda Figueiredo Dias, in RLJ, Ano 115°, págs. 135, 137, 170 e 172, e Rabindranath Capelo de Sousa, "O Direito Geral de Personalidade", 1995, págs. 533 ss. e 552-2.2., ss.
(23) Ac. STJ de 20/03/73, in BMJ nº 225, pág. 222 (relator Bogarim Guedes).
(24) Cfr. Preâmbulo do Código Deontológico dos Jornalistas, aprovado em 4 de Maio de 1993.
(25) Ver, com o sentido apontado, o estudo de Beleza dos Santos, in RLJ Ano 92º, págs. 165 ss.
(26) Ac. STJ de 29/10/96, in BMJ nº 460, pág. 686 (relator Aragão Seia).
(27) Figueiredo Dias, "Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português", in RLJ Ano 115º, pág. 102.
(28) Ac. STJ de 05/03/96, in CJSTJ Ano IV, 1, pág. 122 (relator Fernando Fabião).
(29) Ac. STJ de 26/09/2000, in CJSTJ Ano VIII, 3, pág. 42 (relator Silva Salazar).
(30) Há, mesmo, quem considere que a violação é ilícita, embora relate factos verídicos - opinião de que, em certa medida, discordamos - "contanto que seja susceptível de, ponderadas as circunstâncias do caso, diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que vive ou exerce a sua actividade" (Acs. STJ de 03/10/95, in BMJ nº 450, pág. 424 - relator Torres Paulo).
(31) Jorge Ribeiro de Faria, in "Direito das Obrigações", vol. I, Coimbra, 1990, págs. 416 e 417.
(32) Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 6ª edição, Coimbra, 1989, pág. 502.
(33) Fernando Pessoa Jorge, "Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil", in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 80, Lisboa, 1972, pág. 68.
(34) Cfr. Ac. STJ de 14/05/76, in BMJ nº 257, pág. 131 (relator Miguel Caeiro).
(35) Ac. STJ de 26/09/2000 (in CJSTJ Ano VIII, 3, pág. 42), acima citado.
(36) Antunes Varela, ob. e vol. cits., pág. 531.
(37) Menezes Cordeiro, in "Direito das Obrigações", 2º vol., Lisboa, 1990, pág. 314.
(38) Antunes Varela, ob. e vol. cits., pág. 539.
(39) Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª edição, pág. 627, nota (4). Cfr. Acs. STJ de 25/11/93, in CJSTJ, Ano I, 3, pág. 143 (relator Folque de Gouveia); e de 05/11/98, no Proc. 957/98 da 1ª secção (relator Ribeiro Coelho).
(40) Nuno de Sousa, in "A Liberdade de Imprensa", Coimbra, 1984, págs. 269 e 270.
(41) João Luís de Moraes Rocha, in "Lei de Imprensa", 1996, pág. 100.
(42) Portaria nº 291/2003, de 9 de Abril.
(43) In DR IS-A, de 27/06/2002.