Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15698/04.2YYLSB-C.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: CASO JULGADO
LIMITES DO CASO JULGADO
CASO JULGADO MATERIAL
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
CONTRATO DE MÚTUO
NULIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/07/2015
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO EXECUTIVA ( AÇÃO EXECUTIVA ) / TÍTULO EXECUTIVO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Coimbra, 1950, III Volume, página 143.
- Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual do Processo Civil, Coimbra, 1985, página 718.
- Castro Mendes, Direito Processual Civil, Volume I, página 333.
- Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil” Anotado, 1º Volume, página 92.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares do Processo Civil, Coimbra, 1976, página 327.
- Miguel Teixeira de Sousa, “O objecto da sentença e o caso julgado material – Estudo sobre a funcionalidade processual”, in BMJ, 325º-49 e segs..
- Rodrigues de Bastos, Notas as Código de Processo Civil, Lisboa, 1971, III, página 253.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 280.º, N.º 1, 458.º, N.º 1, 1142.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 45º, N.º 1, 46.º, N.º 1, AL. C), 672.º, 673.º, 675º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 620.º, 621.º, 625.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
-DE 10/07/2007 – 2ª SECÇÃO
-DE 5/05/2011, PROCESSO N.º 5652/09.3TBBRG.P1.S1 – 1ª SECÇÃO.
-DE 16/01/2014, PROCESSO N.º 1296/04.4YYPRT-A.P1.S1 – 7ª SECÇÃO
-DE 3/04/2014, PROCESSO N.º 5928/04.6TBCSC.L1.S1. – 2ª SECÇÃO.
-DE 13/01/2015, PROCESSO N.º 227/12.2TBSAT.C1.S1 – 1ª SECÇÃO.
Sumário :
I - A excepção dilatória do caso julgado visa evitar que o tribunal, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie ou reafirme o anteriormente decidido ao passo que a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão à segunda decisão de mérito.

II - Deve-se entender que os limites objectivos do caso julgado integram as questões preliminares que constituem antecedente lógico indispensável à parte dispositiva da sentença (desde que se verifiquem os requisitos do caso julgado material), abrangendo, pois, todas as excepções aí suscitadas por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, solução que permite evitar a incoerência dos julgamentos, respeita os princípios da justiça e da estabilidade das relações jurídicas, propicia a economia processual e corresponde ao alcance do caso julgado contido no art. 621.º do NCPC (2013).

III - O despacho em que se convidou a exequente a juntar prova complementar da disponibilização e utilização dos montantes que era facultada pelos contratos celebrados com a executada e o despacho em que se procedeu à reforma daqueloutro são passíveis de recurso mas não decidem a questão da exequibilidade extrínseca da obrigação exequenda (carecendo, pois, de virtualidade para sobre eles recair a força de caso julgado formal quanto a esse aspecto e, bem assim, quanto à qualificação jurídica daqueles ajuste), a qual teria de ser sempre objecto de uma decisão explícita (e não meramente implícita).

IV - O título executivo é uma condição necessária à instauração da acção executiva e, tal como a causa de pedir, pode ser simples ou complexo, o que sucederá quando esteja corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre os documentos se articula numa relação lógica que se evidencia pelo facto de cada um deles não ter, por si, força executiva, mas, em conjunto, assegurarem essa eficácia a todo um complexo documental.

V - Para que um documento particular configure um título executivo, é imperioso (art. 46.º, n.º 1, al. c), do NCPC (2013)) que o mesmo, estando assinado pelo devedor, seja fonte de um direito ou nele se reconheça, expressa ou tacitamente, a existência de uma obrigação já anteriormente constituída, sem indicação da respectiva causa (a qual se presume – art. 458.º, n.º 1, do CC –).

VI - Corporizando os documentos de concessão de empréstimos a constituição de obrigações pecuniárias cujo montante é determinável mediante mero cálculo aritmético (e que consistem na restituição do capital mutuado e respectivos juros remuneratórios) e demonstrando-se que foram creditadas na conta da executada os montantes mutuados, é de concluir que estamos em presença de documentos constitutivos com exequibilidade extrínseca e intrínseca.

VII - Pese embora se tenha demonstrado que, por intermédio de um dos empréstimos, não se disponibilizou à executada qualquer importância, o facto de o mesmo, no estrito respeito pela vontade das partes, ter servido para reestruturar capital e juros de anteriores operações obvia a que aquele possa ser tido como nulo, por falta de objecto (cfr. art. 280.º, n.º 1, e art. 1142.º, ambos do CC), posto que a quantia nele referenciada já antes havia sido entregue àquela e não havia sido restituída.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I.

1. – Relatório:

AA deduziu oposição à execução que lhe moveu a BB, SA, para cobrança da quantia de € 1.416.508,44, sendo € 1.406.128,70, (incluindo juros, comissões e despesas), referentes à operação nº ..., e € 10.379,74 (incluindo juros), respeitantes à operação nº ... (na parte não incluída na reestruturação).

Para tanto, invocando a deficiência e inexequibilidade do título executivo, alegou, em síntese, que a Executada CC dedica-se à construção e promoção imobiliária, quer adquirindo terrenos e vendendo-os, depois de obter aprovação de projectos, quer construindo neles empreendimentos imobiliários que depois vende.

No âmbito da sua actividade, e para financiamento da mesma, a Executada CC celebrou com a BB os contratos juntos ao requerimento executivo, que correspondem a crédito na modalidade de abertura de crédito, com excepção do contrato celebrado em 6 de Dezembro de 2002.

Nessa modalidade de abertura de crédito, inscrevem-se os contratos de 15/07/1997, o de 27/04/1999, o de 9/05/1997 e o de 25/02/2000.

As aberturas de crédito em causa funcionavam através das contas de depósito à ordem na BB pertencentes à Executada com os n.os …., na agência sede, e …., referente a todas as outras aberturas de crédito, mencionadas na conta de depósitos à ordem das Olaias.

Tais empréstimos destinavam-se a financiar a construção de empreendimentos, e, no caso do contrato de 6/12/2002, o mesmo destinava-se a financiar especificamente a venda de terrenos com os projectos aprovados ou a venda de empreendimentos nos terrenos hipotecados no mesmo contrato e agora indicados para penhora.

Os contratos de abertura de crédito necessitam dos extractos de conta, avisos de crédito, notas de lançamento, para se tornarem completos e, assim, funcionarem como títulos executivos.

O contrato de 6/12/2002 refere expressamente que é a tais extractos e documentos que se atribui força executiva.

O requerimento executivo indica como títulos executivos os contratos de 26/05/1999 e de 9/12/2002, não existindo qualquer contrato com essa data junto aos autos.

Nenhum dos contratos indicados no requerimento executivo contém em si um montante que por si só, ou por mero efeito de cálculo aritmético, possa determinar o valor em dívida à data da apresentação do requerimento executivo, nem esses saldos se encontram vencidos.

Invocando, seguidamente, a entrega por conta do pagamento, alegou, em síntese, que a Executada CC pagou à Exequente € 450.000, em 15/02/2006, por via da entrega de cheque do comprador do terreno na freguesia de Santa Maria dos Olivais que consta aqui indicado para penhora.

Esse terceiro entregou essa parte do preço directamente à Exequente que distratou a hipoteca do mesmo imóvel.

E, referindo-se à nulidade do contrato de 6/12/2002, refere que o contrato de 15/04/1997 foi alterado em 9/05/1997, 27/04/1999 e 25/02/2000.

De acordo com a versão original (cláusula 7ª), a vigência do mesmo perdurava por seis meses automaticamente renováveis até que alguma das partes pusesse termo ao contrato. As alterações subsequentes a esse contrato não dispuseram de modo diferente quanto a essa questão, com excepção da alteração datada de 25/02/2000, de acordo com a qual a vigência do contrato perdurava por um período de 30 meses, automaticamente renováveis.

O contrato de 27/07/1999 tinha o seu termo no prazo de três meses, ou seja, a 27/10/1999.

O contrato de 18/05/1999 tinha o seu prazo por seis meses ou na data do financiamento médio ou longo prazo.

O contrato redigido em 9/06/2002, que apenas foi assinado em 6 de Dezembro de 2002, tinha como data prevista de duração, 3 anos.

Nunca houve comunicação de denúncia destes contratos pela Exequente a qualquer dos Executados, nos termos neles previstos e, tratando-se de contratos de abertura de crédito ou de apoio a abertura de tesouraria, funcionavam em conta corrente, renovando-se automaticamente, caso não fossem denunciados pelas partes.

A Exequente, no que se lhes refere, veio a conceder mais prazo, porque sabia que os projectos camarários financiados por estas operações bancárias, devido à burocracia, estavam atrasados na sua aprovação.

Tal prazo foi fixado em seis meses, mediante empréstimo reestruturante de todos esses contratos em conta-corrente.

Essa reestruturação do crédito consubstanciou-se no contrato celebrado em 6/12/2002, o qual veio revogar os contratos anteriores juntos ao requerimento executivo.

Nos termos deste mesmo contrato, seria posto à disposição da Executada uma verba até ao montante de € 1.230.000, para efeitos de reestruturação da liquidação de saldos das contas referentes às operações de crédito n.º …, n.º … e n.º ….

Tal contrato previa um período de carência de seis meses, após o qual a Exequente começaria a pagar o capital e juros, podendo gerir o pagamento, antecipando-o, se assim quisesse, nos termos do contrato.

Acontece que a Exequente não concedeu qualquer período de carência, veio a creditar, no dia 31 de Dezembro de 2002, o valor previsto no contrato de € 1.230.000, líquido de imposto de selo no valor de € 6.1506, ou seja, € 1.223.850,006.

Porém, simultaneamente, a Exequente debitou mais do que essa quantia (2.035.094,42 €), não resultando essa manobra contabilística em qualquer contrato de mútuo, em virtude de não ter havido qualquer apropriação de verbas por parte da Executada, essencial ao mútuo.

Esta inexistência de mútuo determina a nulidade do contrato celebrado em 6/12/2002, por inexistência do objecto do contrato.

DAS OUTRAS NULIDADES:

Considera, seguidamente, que são nulas ou parcialmente nulas as cláusulas 9ª c), 11ª, 18ª, 19ª, 20ª, 21ª do contrato de 15.04.1997.

No âmbito da contratação do crédito, os Executados viram a sua liberdade de contratação amplamente coarctada, porquanto, como é sabido, as entidades bancárias contratam com cláusulas gerais a que os seus clientes não têm opção senão aderir.

Tal cenário, aliado à recente concentração bancária que se tem verificado no país, deixa pouca margem para o exercício da liberdade contratual e fixação do conteúdo das disposições contratuais com os bancos.

DA IMPUGNAÇÃO:

Ambas as contas da Executada CC estão cheias de débitos por parte do banco referentes a despesas, juros, comissões, correspondentes impostos e outros movimentos de retirada de verbas por parte do banco que não apresentam justificação e que o banco também nunca soube explicar.

Os valores referidos no requerimento executivo encontram-se inflacionados, quer quanto ao capital mutuado, juros, comissões, despesas.

E mesmo que se tivesse chegado a esse montante de capital por efeito da capitalização de juros, tal seria ilegal, em virtude de não ter existido notificação posterior ao vencimento desse facto aos Executados.

As mencionadas confissões de dívida consubstanciam cláusulas contratuais gerais que a Exequente impõe a todos os seus clientes, porquanto, sempre que há contratação de regras de uma nova dívida, a BB exige uma confissão de dívida que não pode valer como tal, pois seria impossível confessar um facto futuro, ou seja, a entrega duma verba que ainda não teve lugar.

A fiança nos termos legais apenas abrange a dívida principal, nunca incluindo despesas.

Nenhum dos Executados deve as quantias peticionadas no requerimento executivo, não compreendendo os requeridos os cálculos apresentados pela Exequente.

Conclui, pedindo:

a) - O indeferimento do requerimento executivo por falta e / ou deficiência do título executivo;

b) - O indeferimento do requerimento executivo por conhecimento de outras excepções invocadas;

c) - A procedência das excepções invocadas, nomeadamente, a nulidade do contrato de 6/12/2002, com a consequente absolvição do pedido.

2.

Por despacho de fls. 60, foi admitida a oposição apresentada e ordenada a notificação da Exequente para contestar.

3.

A Exequente BB, SA contestou, alegando, em síntese:

QUANTO À INVOCADA DEFICIÊNCIA E INEXEQUIBILIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO:

As quantias mutuadas, que foram objecto dos contratos dados à execução — 100 000 000$00 ou € 498.797,90 (este apenas parcialmente reclamado) e € 1.230.000,00 —já haviam sido creditadas na conta bancária da devedora, a primeira no âmbito do contrato de empréstimo a que se refere o título executivo nº 1 e a segunda ao abrigo dos contratos de abertura de crédito, mas que foram objecto de um acordo de reestruturação, referenciado como título executivo nº 2.

Os contratos dados à execução constituem verdadeiros empréstimos, não se estando, no que respeita à instância executiva, face a quaisquer contratos de abertura de crédito, visto que os primitivos contratos de abertura de crédito tinham sido revogados.

As quantias foram disponibilizadas pela Exequente e os creditados confessaram-se devedores da respectiva globalidade.

O montante de € 1.230.000,00 corresponde ao valor estimado pela Executada CC como o que seria suficiente para reestruturar a totalidade das quantias em dívida emergentes das operações n.º …, n.º … e n.º … Valor que foi indicado pela própria Executada.

Muito embora a Exequente tenha aprovado a operação de reestruturação em Julho de 2002, os Executados sentiram dificuldades em concretizá-la, razão pela qual, apesar das diversas insistências da Exequente, a mesma só foi concretizada em Dezembro de 2002.

QUANTO AO PAGAMENTO PARCIAL DA QUANTIA EXEQUENDA:

Em 15/02/2006, depois de instaurada a execução, a executada CC efectuou um pagamento de € 450.000,00, em contrapartida da expurgação da hipoteca sobre o prédio urbano sito na freguesia de Santa Maria dos Olivais.

Efectuando a imputação de tal quantia no montante global da dívida, a dívida dos Executados, reportada a 7/04/2006, ascende a € 1.340.073,72, acrescida dos juros calculados à taxa actualizada de 15,45% ao ano, a que corresponde o valor diário de € 357,37.

DA NULIDADE DO CONTRATO DE 6/12/2002 (indicado pela Exequente com referência a 9/12/2002):

Uma vez que o contrato de abertura de crédito em conta corrente datado de 15 de Abril de 1997, sucessivamente alterado por instrumentos celebrados em 9 de Maio de 1997, 27 de Abril de 1999 e 25 de Fevereiro de 2000, foram objecto de reestruturação e, por isso, cessaram os seus efeitos pelo contrato de empréstimo de 6 de Dezembro de 2002, é totalmente irrelevante o exercício puramente especulativo feito pelos Opoentes relativamente aos prazos de duração e períodos de renovação de contratos que foram extintos.

Sendo totalmente descabido falar-se numa alegada inobservância da denúncia de um contrato que foi extinto por acordo das partes nos exactos termos que constam do título executivo nº 2.

O contrato de empréstimo de 6 de Dezembro de 2002 não tinha subjacente a colocação à disposição de qualquer verba, pois tal quantia decorre das quantias que já haviam sido postas à disposição da Executada ao abrigo do contrato de abertura de crédito e subsequentes aditamentos, tratando-se de uma operação efectuada em estrito respeito à vontade das partes, no sentido de convolar num contrato de empréstimo o capital mutuado e os competentes juros emergentes das anteriores operações.

QUANTO ÀS DENOMINADAS OUTRAS NULIDADES:

As cláusulas dos contratos não são nulas.

QUANTO À DENOMINADA IMPUGNAÇÃO:

Em sede de oposição à execução, é aos Opoentes que compete alegar e provar o cumprimento das suas obrigações enquanto facto extintivo das obrigações.

Sendo que ao exequente basta demonstrar a existência do seu direito de crédito, o que se materializou com a junção aos autos dos respectivos títulos executivos, dos quais emanam os valores devidos e os prazos convencionados.

Termina pela improcedência da oposição, seguindo a execução os seus ulteriores termos até final.

4.

Por despacho de fls. 94-96, considerando-se que constitui «orientação fundamental, no código revisto em 95/96, a de proporcionar o aproveitamento das acções, mediante o suprimento da falta de pressupostos processuais, bem como a correcção de irregularidades formais, susceptíveis de sanação (artigos 265º, nº 2 e 508º, nº 2)», foi convidada a Exequente «a apresentar a pertinente prova complementar constituída pelos extractos das contas n.º … e n.º …, demonstrativos da disponibilização e utilização dos montantes que por via dos contratos de conta corrente juntos na execução se obrigou a disponibilizar à executada».

4.1.

Por requerimento de fls. 98-100, «nos termos do disposto na alínea b), do n.º 2 do artigo 669º do CPC, aplicável ao despacho em causa ex vi do estatuído no n.º 3 do artigo 666º do mesmo diploma legal», a Exequente veio requerer a reforma da decisão / convite, considerando-se cumpridas as formalidades exigidas para o prosseguimento da instância executiva».

4.2.

Por despacho de fls. 102, «melhor analisada a documentação junta com o requerimento executivo e em face do alegado pela exequente no requerimento executivo e no requerimento que antecede», concluiu-se «que efectivamente os títulos executivos são dois contratos de empréstimo», razão pela qual «nada há a juntar como prova complementar».

5.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador tabelar e seleccionada a matéria de facto tida por pertinente, mediante a fixação dos Factos Assentes e a organização da Base Instrutória, tendo sido objecto de rectificação a Alínea J) dos Factos Assentes (cfr. despacho de fls. 145), na sequência da reclamação apresentada pela Exequente.

6.

Após os adiamentos registados a fls. 157, 159 e 160, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, perante juiz singular - com documentação digital da prova, conforme actas de fls. 161-162 e 163-164 - sendo a matéria de facto controvertida decidida pela forma constante do despacho de fls. 174-176.

7.

Por fim, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a oposição, devendo a quantia exequenda ser reduzida em 450.000 Euros.

8.

Inconformado, o Oponente dela interpôs recurso - que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 192) -, tendo, por requerimento de fls. 198, aderido às alegações oferecidas pelas co - Executadas CC, Construções, L.da e DD no âmbito do recurso de apelação interposto da sentença no Apenso A.

9.

A Exequente/Apelada veio pronunciar-se pelo indeferimento da pretendida adesão, por não estarem reunidos os pressupostos de aplicação da norma invocada pelo Opoente (cfr. fls. 204-205).

10.

Por requerimento de fls. 207, o Oponente vem sustentar que, sendo executado como devedor solidário, ser comparte dos restantes executados, subsumindo-se o seu requerimento na previsão legal.

11.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 12 de Junho de 2014, foi negado provimento à apelação e, em consequência, foi confirmada a sentença recorrida.

12.

CC, Construções L.da, DD e AA, não se conformando com o acórdão, interpuseram dele recurso de revista, finalizando com as seguintes conclusões:

1ª – O acórdão da Relação de Lisboa padece de diferentes e graves violações legais, tal como já sucedia com a decisão de primeira instância.

2ª - A execução viola o artigo 46º, n.º 1, do CPC, por falta de título executivo quanto à quantia exequenda de capital de € 1.230.000 e respectivos acessórios, pois o artigo 46º, n.º 1, alínea c) do CPC (na anterior redacção), estipula:

«1. À execução apenas podem servir de base:

(...)

c) - Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético (...)”.

3ª - O título executivo dispensaria o exequente de obter decisão judicial declarativa e fazer prova de certos factos, porque a confissão desses factos estaria encerrada no texto do título executivo, o que não sucede no caso concreto, pois quanto aos documentos indicados como títulos executivos -um dos contratos tinha um montante de «até 100 mil contos» e o outro contrato tinha um montante de «até 1.230 mil euros», não encerrando nesses documentos qualquer valor determinado, ou determinável por simples cálculo aritmético, pelo que não podem constituir títulos executivos.

4ª - Por outro lado, a acrescer a esse facto, a exequente veio confessar na contestação que nada tinha emprestado por meio do contrato de montante até 1.230.000,00 Euros, ou seja, o título executivo 2º - facto que veio a ser dado como provado.

5ª - Na perspectiva da exequente, os contratos dos quais decorria uma dívida de € 1.230.000 eram, afinal, contratos que não foram indicados como títulos executivos, não obstante estarem juntos ao requerimento executivo e eles, mesmos, contratos de aberturas de créditos com montantes indeterminados.

6ª - Para além disso, tais contratos eram designados de aberturas de crédito e tinham montantes de «até 100 mil contos», nos termos das respectivas disposições, não tendo a BB juntado os extractos comprovativos de empréstimo.

7ª - O tribunal de execuções não se pode substituir à exequente, na defesa dos seus intentos, promovendo a cobrança de valores que não decorrem dos títulos executivos.

8ª - Deveria, por conseguinte, o acórdão da Relação, em vez de ratificar a decisão da primeira instância, declarar a insuficiência dos dois títulos executivos para a procedência da pretensão da exequente, por não resultar, nem do texto dos mesmos, nem de cálculo aritmético, o que vem requerido, sob pena de violação dos artigos 45º, n.º 1 e 46°, n.º 1, alíneas c) e d), do CPC, na redacção anterior.

9ª - Na sentença e no acórdão da Relação, verificou-se a violação do princípio do pedido (artigo 3º, n.º 1 do CPC), quando ambas as instâncias aceitaram que, quer a causa de pedir, quer a determinação do valor da obrigação que se executa, decorriam de elementos estranhos aos títulos executivos, o que constitui violação igualmente do artigo 46º, n.º 1 CPC.

10ª - Nos termos dos artigos 659º, n.os 2 e 3 e 515º do CPC, a sentença deve discriminar os factos que considera provados, fundamentando e analisando criticamente as provas produzidas, ao não o fazer, como sucedeu no caso concreto, face ao parecer junto e demais documentação que não mereceram qualquer comentário por parte do tribunal de primeira instância, é violado o direito de defesa dos opoentes.

11ª - Errou a Relação, ao considerar que, conhecendo o tribunal de primeira instância dos factos, tal como apresentatos pela exequente no requerimento executivo, estaria a conhecer da excepção formulada pelos opoentes quanto à verba de mais de 2 milhões de euros retirados da conta depósito à ordem indicada na oposição, violando o princípio do pedido formulado na oposição artigo 3º, n.º 1, do CPC.

12ª - Assim, manteve-se no acórdão da Relação, a violação legal, ocorrida na primeira instância, em que a sentença deixou de conhecer a excepção de a exequente ter retirado valores da conta de depósitos não devidos, que impossibilitaram a apropriação das quantias pela opoente-sociedade que estavam previstas ser emprestadas - matéria dos artigos 43º, 44º e 61º da oposição, cujo não conhecimento implicou a sua nulidade nos termos dos artigos 660º, n.º 2- 1ª parte e 668º, 1, d), do CPC.

13ª - Foi violado o caso julgado, pela sentença na qualificação dos contratos dados à execução como constituindo títulos executivos que estavam completos e não padeciam de qualquer deficiência, nos termos dos artigos 672º,1 e 673º e do artigo 816º, todos do CPC - decisão que veio a ser confirmada na Relação, ao considerar que o despacho de 2-01-2007, se tratava de um despacho genérico que não afectava as partes.

14ª - A interpretação conferida pela Relação aos contratos- títulos executivos, viola os artigos 236º, 1, do CC, 237º e 238º, 1, todos do CC, porquanto não está de acordo com o texto dos contratos e respeitantemente ao contrato de montante até.

15ª - Sem prejuízo da não reunião dos requisitos legais dos títulos executivos indicados pela exequente, tendo o acórdão da Relação confirmado que pelo contrato de empréstimo de montante até € 1.230.000 nada foi emprestado, nem deveria ser emprestado, a execução não deveria prosseguir quanto a à verba e acessórios indicados no requerimento, executivo, por o documento indicado como título pela exequente não ser, afinal, a fonte da obrigação e não constituir verdadeiro título executivo, face aos artigos 46º, n.º 1 do CPC e 280º, 1 do CC.

16ª - Restando a quantia exequenda dos € 7.168,90 e acessórios, também, na hipótese académica de o contrato de onde deriva ser considerado como título executivo adequado, estando provado que a BB recebeu em 15/02/2006, já depois de ter entrado a execução, 450 mil euros, a título de pagamento, não deveria nunca a execução prosseguir por essa quantia não estar em divida.

A Exequente contra – alegou, apresentando as seguintes conclusões:

1ª - No que releva para o presente recurso foi dado como provado:

Entre a exequente e a executada CC foi celebrado, em 17 de Abril de 1997, um contrato de abertura de crédito em conta corrente com o n.º …;

Tal contrato foi objecto de diversas alterações, a primeira das quais em 13 de Maio de 1997, nos termos da qual o montante de abertura de crédito foi aumentado para 100.000.000$00, ou o contravalor de € 498.797,90;

Por instrumento celebrado em 29 de Julho de 1999, foi formalizado um contrato, ao qual foi atribuído o n.º …, intitulado contrato de empréstimo;

Por instrumento celebrado em 9 de Dezembro de 2002, foi formalizado um contrato, ao qual foi atribuído o n.º …, intitulado contrato de empréstimo;

Em 15.02.2006, ou seja, depois de instaurada a execução, a executada CC efectuou um pagamento de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros), em contrapartida expurgação da hipoteca sobre o prédio urbano sito na freguesia de Santa Maria dos Olivais, descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …/…;

As quantias mutuadas que foram objecto dos contratos dados à execução - 100.000.000$00 ou € 498.797,90 [este apenas parcialmente reclamado] e € 1.230.000,00 - já haviam sido creditadas na conta bancária da devedora, a primeira no âmbito do contrato de empréstimo a que se refere o título executivo nº 1 e a segunda ao abrigo dos contratos de abertura de crédito mas que foram objecto de um acordo de reestruturação;

O montante de € 1.230.000,00 (um milhão duzentos e trinta mil euros) - operação … - corresponde ao valor estimado pela executada CC como o que seria suficiente para reestruturar a totalidade das quantias em divida emergentes das operações …., …. e …;

Valor que foi indicado pela própria executada;

Muito embora a exequente tenha aprovado a operação de reestruturação em Julho de 2002, os executados sentiram dificuldades em concretizá-Ia;

Razão pela qual, apesar das diversas insistências da exequente, a mesma só foi concretizada em Dezembro de 2002;

O contrato de empréstimo de 6 de Dezembro de 2002 não tinha subjacente a colocação à disposição de qualquer verba;

Tal quantia decorre das quantias que já haviam sido postas à disposição da executada ao abrigo do contrato de abertura de crédito e subsequentes aditamentos, tratando-se de uma operação efectuada em estrito respeito à vontade das partes, no sentido de convolar num contrato de empréstimo o capital mutuado e os competentes juros emergentes das anteriores operações.

2ª - É totalmente falso que a recorrida tenha confessado que nada tinha emprestado à mutuária;

3ª - O recorrente converte o que foi provado - que o empréstimo no valor de € 1.230.000 não tinha subjacente a colocação de fundos à disposição da mutuária já que aquela verba se destinava a liquidar responsabilidades que estavam em dívida perante a exequente decorrente de financiamentos anteriores - numa afirmação sem qualquer sentido;

4ª - No que respeita à alegada falta de exequibilidade dos títulos, já depois de na sentença esta questão ter sido claramente esclarecida, no acórdão sob recurso se refere que "os títulos dados à execução são constitutivos de obrigações, emergentes do contrato de mútuo [ou sejam, importam a constituição de obrigações pecuniárias, em que as quantias emprestadas foram creditadas na conta bancária da devedora CC, que, por isso, desde logo, se encontra adstrita quer à obrigação (principal) de restituir idêntica quantia/capital à emprestada, que à obrigação (acessória) de pagar uma retribuição (os juros) pelo capital emprestado] e não apenas unilateralmente recognitivos de uma obrigação [a declaração em que os Executados se "confessam devedores/solidariamente devedores" à Exequente, utilizada nos contratos, corresponde, de resto, a uma prática comum, utilizado nos documentos que formalizam contratos de mútuo com hipoteca, para traduzir a declaração, porventura mais correcta de que receberam, mediante entrega, por empréstimo, a quantia em dinheiro (ou outra coisa fungível)]. E, porque assim é, os títulos dados à execução, formalizando, com expressa enunciação da causa, a constituição de contratos de mútuo, fonte da neles reconhecida obrigação de restituição a prestar pela Executada CC (e afiançada pelo Executado AA), mostram-se dotados de exequibilidade extrínseca”.

5ª - Excluídas as matérias antes abordadas, toda a restante matéria das alegações constitui uma crítica à avaliação que a 1ª instância e o Tribunal da Relação fizeram da prova produzida matéria que extravasa a competência deste Tribunal;

6ª - Não foi, portanto, violado qualquer comando legal por parte do Tribunal a quo nem o acórdão é o merecedor de qualquer censura.

11.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II.

Não obstante terem sido objecto de impugnação, no âmbito do recurso de apelação, os factos abaixo enunciados sob os n.os 13º a 19º, o Tribunal da Relação não atendeu a pretensão do apelante, confirmando os factos dados como provados na 1ª instância. Consideram-se, assim, assentes:

1 - Da factualidade dada como provada:

1º - A Executada CC dedica-se à construção e promoção imobiliária, quer adquirindo terrenos e vendendo-os, depois de obter aprovação de projectos, quer construindo neles empreendimentos imobiliários que depois vende (alínea A).

2º - No âmbito da sua actividade, e para financiamento da mesma, encetou relações com a BB (alínea B).

3º - Entre a Exequente e a Executada CC foi celebrado, em 17/04/1997, um contrato de abertura de crédito em conta-corrente com o n.º … (alínea C).

4º - Pelo mesmo instrumento, e para garantia do capital, juros e despesas, a Executada CC entregou à exequente uma livrança por ela subscrita e avalizada pelos outros co Executados (alínea D).

5º - Tal contrato foi objecto de diversas alterações, a primeira das quais em 13 de Maio de 1997, nos termos da qual o montante de abertura de crédito foi aumentado para 100.000.000$00, ou o contra valor de € 498.797,90 (alínea E).

6º - Por instrumento celebrado em 29 de Julho de 1999, foi formalizado um contrato, ao qual foi atribuído o n.º …, intitulado contrato de empréstimo, junto a fls. 50 dos autos de execução, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea F).

7º - Nesse documento consta, além do mais:

“1.º CONTRATANTE (S): CC - Construções L.da (...).

2.º FIADORES: AA e esposa DD (...).

A BB concede ao(s) contratante(s) um empréstimo, de que o(s) mesmo(s) se confessa(m) devedor(es)/solidariamente devedores, e que se regerá pelas seguintes condições que as partes declaram aceitar:

1. AGÊNCIA DE OLAIAS

2. CONTRATO n.º …

3. MODALIDADE MÚTUO

4. FINALIDADE: Apoio ao Investimento conforme plano aprovado.

5. CÓDIGO DA FINALIDADE: 5100

6. MONTANTE

a) Escudos: 60.000.000$00 (SESSENTA MILHÕES DE ESCUDOS) (alínea G).

8º - Por instrumento celebrado em 26 de Maio de 1999, foi formalizado um contrato, ao qual foi atribuído o n.º …, intitulado contrato de empréstimo, junto a fls. 73 dos autos de execução, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea H).

9º - Nesse documento consta, além do mais:

“1º CONTRATANTE(S): CC - Construções L.da (...).

2.º FIADORES: AA e esposa DD (…).

A BB concede ao(s) contratante(s) um empréstimo, de que o(s) mesmo(s) se confessa(m) devedor(es)/solidariamente devedores, e que se regerá pelas seguintes condições que as partes declaram aceitar:

1. AGÊNCIA DE: OLAIAS

2. CONTRATO n.º …

3. MODALIDADE: MÚTUO

4.FINALIDADE: Empréstimo Intercalar.

5. CÓDIGO DA FINALIDADE: 6100

6. MONTANTE

a) Escudos: 100.000.000$00 (CEM MILHÕES DE ESCUDOS) (alínea I).

10º - Por instrumento celebrado em 6 de Dezembro de 2002, foi formalizado um contrato, ao qual foi atribuído o n.º …, intitulado contrato de empréstimo, junto a fls. 79 dos autos de execução, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea J).

11º - Nesse documento consta, além do mais:

“1.º CONTRATANTE(S): CC - Construções L.da (...).

2.º FIADORES: AA e esposa DD (...).

A BB concede ao(s) contratante(s) um empréstimo, de que o(s) mesmo(s) se confessa(m) devedor(es)/solidariamente devedores, e que se regerá pelas seguintes condições que as partes declaram aceitar:

1. AGÊNCIA: CENTRAL SEDE

2. CONTRATO n.º …/…/…

3. MODALIDADE: MÚTUO

4. FINALIDADE: Reestruturação das operações de crédito n.os …, … e …

5. CÓDIGO DA FINALIDADE: 6100

6. MONTANTE

a) Até EUROS: 1.230.000,00 (UM MILHÃO DUZENTOS E TRINTA MIL EUROS) (alínea L).

12º - Em 15/02/2006, ou seja, depois de instaurada a execução, a executada CC efectuou um pagamento de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros), em contrapartida expurgação da hipoteca sobre o prédio urbano sito na freguesia de Santa Maria dos Olivais, descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …/… (alínea M).

13º - As quantias mutuadas que foram objecto dos contratos dados à execução - Esc. 100.000.000$00 ou € 498.797,90 [este apenas parcialmente reclamado] e € 1.230.000 -já haviam sido creditadas na conta bancária da devedora, a primeira no âmbito do contrato de empréstimo a que se refere o título executivo nº 1 e a segunda ao abrigo dos contratos de abertura de crédito mas que foram objecto de um acordo de reestruturação, referenciado na alínea J) dos Factos Assentes (resposta ao quesito 1º).

14º - O montante de € 1.230.000 (um milhão duzentos e trinta mil euros) - operação … - corresponde ao valor estimado pela Executada CC como o que seria suficiente para reestruturar a totalidade das quantias em dívida emergentes das operações …, … e … (resposta ao quesito 2º).

15º - Valor que foi indicado pela própria Executada (resposta ao quesito 3º).

16º - Contudo, muito embora a Exequente tenha aprovado a operação de reestruturação em Julho de 2002, os Executados sentiram dificuldades em concretizá-la (resposta ao quesito 4º).

17º - Razão pela qual, apesar das diversas insistências da Exequente, a mesma só foi concretizada em Dezembro de 2002 (resposta ao quesito 5º).

18º - O contrato de empréstimo de 6 de Dezembro de 2002 não tinha subjacente a colocação à disposição de qualquer verba (resposta ao quesito 6º).

19º - Tal quantia decorre das quantias que já haviam sido postas à disposição da Executada ao abrigo do contrato de abertura de crédito e subsequentes aditamentos, tratando-se de uma operação efectuada em estrito respeito à vontade das partes, no sentido de convolar num contrato de empréstimo o capital mutuado e os competentes juros emergentes das anteriores Operações (resposta ao quesito 7º).

III.

Delimitação do objecto do recurso:

Atendendo ao disposto nos artigos 684º, nº 3 e 690º, n.os 1 e 2, ambos do CPC, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente por imperativo do artigo 660º ex vi do artigo 713º, n° 2, do citado diploma legal.

Dentro dos preditos parâmetros, as questões a decidir, atendendo às conclusões dos Recorrentes, são as seguintes, alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas:

A) - Da invocada violação do caso julgado pela sentença (na qualificação dos contratos dados à execução).

B) - Da insuficiência dos dois (2) títulos executivos dados à execução.

C) - Da invocada nulidade do contrato de mútuo formalizado em 6 de Dezembro de 2002.

III.

Da invocada violação do caso julgado pela sentença (na qualificação dos contratos dados à execução).

3.1.-Enquadramento preliminar:

Consideram os Oponentes/Recorrentes, tal como o já havia feito o Oponente / Apelante, que foi violado o caso julgado, pela sentença, na qualificação dos contratos dados à execução, aí considerados como contratos de abertura de crédito, que necessitavam de ser complementados por prova documental que comprovasse o empréstimo de qualquer quantia.

Tal despacho, nessa parte em que faz uma qualificação jurídica, por afectar os direitos da parte, não é um despacho de mero expediente, nem proferido no uso do poder discricionário, logo não seria reformável, por ser recorrível, em conformidade com os artigos 679º e 672º, n.º 2 do CPC.

Concluem, assim, que, nessa parte, se formou o caso julgado, pelo que não poderia a decisão da incompletude dos títulos executivos ser revista como se mero despacho de expediente se tratasse.

Vejamos:

A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa, a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas ainda a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica[1].

A excepção de caso julgado não se confunde, no entanto, com autoridade do caso julgado. Se pela excepção do caso julgado se visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, um obstáculo a nova decisão de mérito, a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão à segunda decisão de mérito.

Conforme se referiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/01/2015[2], enquanto “a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois da primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso, tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado em alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior”, “na autoridade do caso julgado, a determinação dos seus limites e eficácia passa pela interpretação do conteúdo da decisão (despacho, sentença ou acórdão), nomeadamente quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado”.

Ou seja, a força do caso julgado incide, em princípio, sobre as questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença ou do acórdão, mas pode abranger também as questões preliminares que, tendo sido decididas expressamente na respectiva fundamentação, sejam o antecedente lógico indispensável à decisão[3].

Ninguém põe em causa que o caso julgado abranja a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão (artigos 659º, n.º 2, 713º, n.º 2 e 726º, actuais artigos 607º, n.º 3, 663º, n.º 2 e 679º do CPC).

A questão coloca-se em relação aos fundamentos enquanto pressupostos necessários do referido segmento decisório, isto é, se se lhes estende ou não o efeito do caso julgado material.

Alguns autores, na esteira da tese restritiva de origem romanista, entendem que os limites objectivos do caso julgado se confinam à parte injuntiva da decisão.

Outros, porém, seguindo a tese extensiva de origem germânica e da qual um dos principais defensores foi Savigny, entendem que o caso julgado estende-se aos motivos objectivos da decisão, ou seja, à relação jurídica que serve de base à pretensão reconhecida na sentença [4].

Embora se possa concluir que a nossa lei acolheu a doutrina restritiva dos limites objectivos do caso julgado à decisão da relação jurídica material em que se traduz o pedido, a doutrina e a jurisprudência vêm caminhando no sentido de uma solução mitigada.

Alberto dos Reis[5], a propósito da extensão do caso julgado, refere o seguinte:

“Pela nossa parte, aceitando em princípio a teoria romanista ou limitativa, somos também de parecer que se torna necessário sujeitá-la na prática, a grandes restrições".

Para este autor, embora, em regra, o caso julgado material se forme unicamente sobre a decisão relativa ao objecto da acção, em certos casos deverá abranger também as decisões preliminares e preparatórias.

Também Manuel Andrade[6], ao definir a posição do problema do caso julgado sobre os motivos da decisão final, escreveu o seguinte:

Assim também, por outro lado, quanto àquele mesmo direito posto em juízo pelo Autor como base imediata da sua pretensão (de que o Réu seja condenado a abrir mão de certo prédio, a pagar certa soma, etc.). Não há grande relutância em admitir que a sentença faz caso julgado sobre a existência ou inexistência desse direito - embora se possa pensar que ele não se confunde com tal pretensão.

A favor disso parece estar desde logo, entre nós, a definição de pedido (artigo 498º, n.º 3, actual artigo 581º, n.º 3 CPC) e sobretudo a de causa petendi, quer em geral, quer quanto a certo tipo de acções, maxime as reais (artigo 498º, n.º 4, actual 581º, n.º 4).

Por aí se mostra que o pedido envolve o próprio direito em razão do qual o Autor pretende a condenação do Réu: a propriedade, o crédito, etc.

Ora a sentença, certamente, há-de valer como caso julgado, pelo menos, até onde contenha a resposta do tribunal ao pedido do Autor, quando mesmo se lhe deva negar, sempre e inalteravelmente, um tal valor aos antecedentes lógicos dessa resposta – aos vários juízos preliminares (sobre pontos de facto e de direito) com que o tribunal a tenha motivado”.

Também Rodrigues Bastos[7] é favorável a uma mitigação deste último conceito – o de que apenas tem autoridade de caso julgado a conclusão ou a parte dispositiva do julgado – no sentido de, considerando embora caso julgado restrito a parte dispositiva do julgamento, alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.

Como não passou do Código de Processo Civil de 1939 para o actual o parágrafo único do artigo 660º, segundo o qual se consideravam resolvidas em termos de caso julgado, as questões sobre que recaísse decisão expressa e as que constituíssem pressuposto ou consequência necessária desse julgamento, tem vindo a discutir-se o alcance objectivo do caso julgado. Todavia, de acordo com a corrente dominante, a referida circunstância não teve por finalidade a consagração da solução oposta, mas deixar à doutrina o seu estudo mais aprofundado e à jurisprudência a sua solução, caso por caso, mediante os conhecidos processos de integração da lei[8].

Colocada a questão, na esteira da jurisprudência que se crê hoje maioritária, sem aderir à tese amplexiva proposta por Savigny, parece-nos ser de adoptar um critério moderador do rígido princípio restritivo dos limites objectivos do caso julgado.

Assim, os limites objectivos do caso julgado integram as questões preliminares que constituem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva da sentença, desde que se verifiquem os demais requisitos do caso julgado material, abrangendo todas as questões e excepções suscitadas na sentença, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor.

Ou seja, a eficácia do caso julgado da sentença não se estende a todos os motivos objectivos da mesma, mas abrange as questões preliminares que constituiriam as premissas necessárias e indispensáveis à prolação do juízo final, da parte injuntiva, da decisão, contanto que se verifiquem os outros pressupostos do caso julgado material. Assim se conclui que o caso julgado material abrange o envolvente segmento decisório e a decisão das questões preliminares que sejam seu antecedente lógico indispensável, não sendo de excluir o recurso à parte motivatória para alcançar e fixar o verdadeiro conteúdo da mesma decisão.

Desta forma se evita a incoerência dos julgamentos, em homenagem ao prestígio da justiça, princípio da estabilidade e certeza das relações jurídicas, além de importar evidente economia processual. Parece-nos que, deste modo, se respeita o critério do alcance do caso julgado contido no artigo 673º, actual artigo 621º CPC.

Pronunciando-se sobre a questão, considerou o acórdão recorrido, retomando o caso concreto:

3.2.-Valor dos despachos de fls. 94-96 e 102

No que concerne aos aludidos despachos de fls. 94-96 (consubstanciador de convite à Exequente para «apresentar a pertinente prova complementar constituída pelos extractos das contas n.os …. e …., demonstrativos da disponibilização e utilização dos montantes que por via dos contratos de conta corrente juntos na execução se obrigou a disponibilizar à executada») e de fls. 102 (que procedeu à reforma daqueloutro despacho de fis. 94-96) não restam dúvidas de que se trata de despachos de natureza jurisdicional, que são susceptíveis de recurso, nos termos gerais, e sobre os quais, por isso, recai a força de caso julgado.

Todavia, tais despachos não arrumaram as questões relativas à verificação dos pressupostos processuais específicos (formais) da acção executiva (nem quanto à questão fáctica de «as quantias mutuadas que foram objecto dos dois contratos dados à execução já haverem sido creditadas na conta bancária da Sociedade Executada e devedora», questão transposta para o quesito 1º da Base Instrutória), assegurando-se apenas o seguimento do presente procedimento declarativo de oposição à execução.

Na verdade, no que concerne ao preenchimento do pressuposto processual específico referente aos títulos executivos dados à execução, tais despachos assumem a natureza de despachos genéricos (neles a qualificação jurídica dos contratos dados à execução consubstancia uma consideração, sem se pronunciarem em concreto sobre o preenchimento do pressuposto processual específico da acção executiva em referência, ou seja, sobre a exequibilidade extrínseca da obrigação exequenda), sem virtualidade para sobre eles recair caso julgado formal, nos termos dos artigos 672º e 675º, n.º 2, do CPC, actuais artigos 620º e 625º.

Neste mesmo sentido se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 16/01/2014[9], de que fomos relatores, constando do respectivo sumário a firmação de que «V – O despacho proferido pela 1ª instância a convidar o recorrente/executado para indicar o valor da oposição à execução não tem o alcance – pretendido pelo mesmo – de considerar recebida a oposição, afastando a possibilidade de a mesma poder vir a ser indeferida pelo facto de não se encontrar articulada”.

Da mesma forma o despacho proferido nos autos a convidar a exequente a juntar os contratos de abertura de crédito não tem o alcance de considerar de forma definitiva e peremptória, nos próprios autos, que se entendia que os mesmos consubstanciavam de facto os títulos executivos dados à execução.

Com tal despacho, ordenando uma notificação – mas não decidindo de mérito sobre a questão – não se decidiu em definitivo nenhuma questão.

Nesta conformidade, a questão da inexequibilidade dos títulos dados à execução suscitada em sede de petição da oposição carecia de ser apreciada em concreto, mormente, no âmbito da decisão final. E sempre de uma forma explícita, e não implícita, como sempre seria esta de ordenar a junção de documentos.

Sendo assim, é insustentável concluir que, pelo facto de, naqueles despachos de fls. 94-96 e 102 se ter considerado, no 1º, que os títulos dados à execução eram contratos de abertura de crédito, passando-se a considerar, no 2º despacho, que os títulos executivos dados à execução eram dois contratos de empréstimo (e não contratos de abertura de crédito), se esgotou o poder jurisdicional do juiz sobre aquela qualificação dos documentos dados à execução e subsequente apreciação da exequibilidade de tais títulos executivos.

Daí que:

Quer aquela primeira errónea qualificação efectuada na sentença ora sob recurso relativamente aos três documentos que, embora juntos à execução, não foram (todos) dados à execução como títulos executivos;

Quer a afirmação de que «a Exequente juntou extractos bancários onde demonstra os créditos dos valores na conta a depósito dos Executados, como documentos complementares», não estejam em contradição com qualquer despacho anterior, uma vez que a primeira consubstancia pronúncia expressa sobre a exequibilidade extrínseca da obrigação exequenda, enquanto a 2ª, embora manifestamente infeliz na sua redacção, tem que ser enquadrada no âmbito da resposta positiva àquele quesito 1º”.

Afigura-se-nos, assim, que ajustadamente decidiu a Relação, nesta parte.

Como acima se referiu, os limites objectivos do caso julgado integram as questões preliminares que constituem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva da sentença, desde que se verifiquem os demais requisitos do caso julgado material, abrangendo todas as questões e excepções suscitadas na sentença, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor.

Acresce que, no nosso direito, vigora o princípio da “prova livre”, podendo o juiz fundamentar as suas decisões nos elementos probatórios que se mostrem mais adequados com vista a uma solução justa do litígio,

Assim, atendendo ao que se deixou exposto quanto aos limites do caso julgado, e tomando em devida conta a fundamentação do acórdão recorrido, conclui-se pela não verificação da alegada excepção do caso julgado, quer na vertente da excepção de caso julgado (que nunca ocorreria nos presentes autos, dado que nenhuma repetição de causa se verifica), quer na da autoridade do caso julgado, (posto que o despacho em causa não teve a virtualidade de decidir em definitivo, explícita ou implicitamente, qualquer questão trazida ao conhecimento do tribunal).

IV.

Da insuficiência dos dois títulos executivos dados à execução:

4.1.

Dos pressupostos processuais específicos da acção executiva:

Neste domínio, sustentam os recorrentes que o acórdão da Relação, em vez de ratificar a decisão da primeira instância, deveria declarar a insuficiência dos dois títulos executivos para a procedência da pretensão da exequente, por não resultar, nem do texto dos mesmos, nem de cálculo aritmético, o que vem requerido, sob pena de violação dos artigos 45º, n.º 1 e 46º, n.º 1 do CPC, na redacção anterior.

Vejamos.

A acção executiva só pode exercer-se se o exequente dispuser do chamado título executivo, como determina o artigo 45º, n.º do CPC:

“Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.

O título executivo é, pois, uma peça necessária á instauração da acção executiva.

Ou seja, o título executivo é um requisito formal, um requisito de exequibilidade extrínseca da pretensão executiva.

Mas, para além deste requisito, impõe a lei que o título disponha dos denominados requisitos substanciais ou materiais que mais não são do que requisitos de exequibilidade intrínseca da pretensão executiva e que se traduzem na certeza, na exigibilidade e na liquidez da obrigação exequenda (vide artigo 802º CPC).

Se do título decorre, em termos não duvidosos, que a obrigação exequenda existe e está determinada e vencida, o credor pode, sem mais, promover a acção executiva; o devedor defender-se-á se a situação real não corresponder à que se deduz do título.

Se, porém, deste se resulta que a obrigação é inexigível, ou não há a certeza da sua existência, determinação ou exigibilidade, o credor não pode, com base apenas no título executivo, instaurar a acção executiva.

O título executivo apresenta-se, assim, como requisito essencial da acção executiva, sendo “o documento que, por oferecer demonstração legalmente bastante da existência de um direito a uma prestação, pode, segundo a lei, servir de base à respectiva execução[10]”.

Mas, da mesma forma que a causa de pedir pode ser simples ou complexa, também o título executivo o poderá ser. E diz-se que o título executivo é complexo quando corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica, evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles por si não ter força executiva mas juntos assegurarem eficácia a um todo complexo documental como título executivo[11]

4.2.

Dos requisitos de exequibilidade da espécie de títulos executivos dados à presente execução (documentos particulares):

Os títulos executivos estão sujeitos ao princípio da tipicidade: só têm força exequível os que a lei indicar, sendo inoperante a vontade das partes nesse domínio.

Assim, estabelece o artigo 46º CPC as várias espécies de títulos executivos, onde se destacam, na parte que ora interessa, “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético” [alínea c) do nº 1 do artigo 46º].

Assim, para que os documentos particulares se possam configurar como títulos executivos devem obedecer aos requisitos referidos na citada alínea c) do n.º 1 do artigo 46º, a saber:

a) – Conterem a assinatura do devedor;

b) – Importarem a constituição ou o reconhecimento de obrigações;

c) – As obrigações reportarem-se ao pagamento de quantia determinada ou determinável por simples cálculo aritmético, à entrega de coisa ou à prestação de facto.

A citada alínea c) confere exequibilidade aos documentos particulares assinados pelo devedor e, como requisito de fundo, exige-se, para que os documentos mencionados na alínea c) do n.º 1 do artigo 46º CPC constituam títulos executivos, que os mesmos formalizem a constituição de uma obrigação, isto é, sejam fonte de um direito de crédito, ou que neles se reconheça a existência de uma obrigação já anteriormente constituída.

“Neste último caso encontram-se a promessa de cumprimento ou reconhecimento de uma dívida (artigo 458º CC), ou, mais amplamente, a confissão da realidade de factos constitutivos de obrigações (artigos 352º e 358º, n.º 2 do CC)”[12].

Daí que, quanto ao seu conteúdo, para efeitos de exequibilidade, os documentos particulares possam, então, consistir em:

Documentos constitutivos da obrigação exequenda, quando deles constem os negócios jurídicos, contrato ou negócio unilateral, que servem de fonte ou causa dessa obrigação;

Ou documentos recognitivos da obrigação exequenda, quando deles apenas conste a declaração de reconhecimento ou confissão da obrigação, expressa ou tácita, sem indicação da respectiva causa, a qual se presume juris tantum, por força do estatuído no artigo 458º, nº 1, do CC.

Por último, a obrigação constante do título pode ser:

Uma obrigação pura, por depender de interpelação (e, caso o credor não tenha interpelado previamente o devedor, a interpelação considera-se efectuada por efeito da citação para a execução, nos termos dos artigos 805º, nº 1, do CC e 662º, nº 2, alínea b), do CPC);

Uma obrigação já vencida em data certa ou por interpelação;

Uma obrigação condicional, quando sujeita a condição suspensiva nos termos previstos nos artigos 270º e seguintes do CC [sublinhando-se que a verificação e prova da condição não interfere com a exequibilidade do título (exequibilidade extrínseca), mas sim com a exigibilidade da obrigação exequenda (requisito de exequibilidade intrínseca) e far-se-á nos termos e mediante o procedimento preliminar previstos nos artigos 802º e 804º do CPC];

Uma obrigação sujeita a termo suspensivo, nos termos previstos nos artigos 278º e 279º CC (e, quando ainda não tenha decorrido o termo estipulado, a obrigação exequenda carece de exigibilidade, vício que não pode ser removido, enquanto não se verificar o termo, sem prejuízo das hipóteses de perda de benefício do prazo, nos termos previstos nos artigos 780º e 781º CC).

Transpondo agora tal quadro normativo ao caso concreto, é altura de apreciar:

4.3.

Dos requisitos de exequibilidade da pretensão executiva deduzida pela Exequente BB, SA.

Conforme já referido, a Exequente veio dar à execução, como títulos executivos, o “contrato de empréstimo” formalizado em 26 de Maio de 1999, ao qual foi atribuído

o n.º …, intitulado "contrato de empréstimo", pelo qual a BB concedeu aos contratantes — 1º Contratante: CC - Construções L.da (...); 2.os Fiadores: AA e esposa DD — um empréstimo intercalar, no montante de 100.000.000$00, de que os mesmos se confessam devedores/solidariamente devedores (título executivo nº 1 junto com o requerimento executivo, na parte não incluída na reestruturação);

O "contrato de empréstimo" formalizado em 6 de Dezembro de 2002, ao qual foi atribuído o n.º …, pelo qual a BB concedeu aos contratantes — 1º Contratante: CC - Construções L.da (...); 2os Fiadores: AA e esposa DD — um empréstimo para “reestruturação das operações de crédito n.os …, … e …", até €1.230.000,00, de que os mesmos se confessam devedores/solidariamente devedores (título executivo nº 2 junto com o requerimento executivo).

Nesta medida, desde logo, para os assinalados efeitos de exequibilidade extrínseca, temos que, como assinalou o acórdão recorrido, dos "contratos de empréstimo" dados à execução constam a concessão de empréstimos (intercalar e para "reestruturação das operações de crédito n.os …, … e …") e o concomitante reconhecimento de dívida pelos Executados.

Foi feita prova de que as quantias mutuadas que foram objecto dos contratos dados à execução já haviam sido creditadas na conta bancária da devedora / Executada CC, Construções, L.da.

Assim, os títulos dados à execução são constitutivos de obrigações, emergentes do contrato de mútuo [ou sejam, importam a constituição de obrigações pecuniárias, em que as quantias emprestadas foram creditadas na conta bancária da devedora CC, que, por isso, desde logo, se encontra adstrita quer à obrigação (principal) de restituir idêntica quantia/capital à emprestada, quer à obrigação (acessória) de pagar uma retribuição (os juros) pelo capital emprestado] e não apenas unilateralmente recognitivos de uma obrigação [a declaração em que os Executados se "confessam devedores / solidariamente devedores" à Exequente, utilizada nos contratos, corresponde, de resto, a uma prática comum, utilizada nos documentos que formalizam contratos de mútuo com hipoteca, para traduzir a declaração, porventura mais correcta de que receberam, mediante entrega, por empréstimo, a quantia em dinheiro (ou outra coisa fungível)].

E, porque assim é, os títulos dados à execução, formalizando, com expressa enunciação da causa, a constituição de contratos de mútuo, fonte da neles reconhecida obrigação de restituição a prestar pela Executada CC (e afiançada pelo Executado AA), mostram-se dotados de exequibilidade extrínseca.

Sustentam, todavia, os Recorrentes que não consta de tais contratos o quantitativo prestacional, objecto da pretensão executiva deduzida pela Exequente, daqui decorrendo, em seu entender, a insuficiência de tais títulos.

Analisando se acaso se encontravam preenchidos os requisitos de exequibilidade intrínseca da pretensão executiva, considerou, em nosso entender, ajustadamente, o acórdão recorrido que a obrigação de restituir assumida pela Executada CC (e afiançada pelo Executado AA) em cada um dos títulos se mostra vencida, como resulta dos pontos 13º a 15º e 19º dos Factos Provados.

Resulta do clausulado de tais contratos (em conjugação com os pontos 8º a 11º, 13º a 17º dos Factos Provados), as quantias mutuadas (sendo a constante do título executivo nº 2 indicada pela própria Executada CC), a finalidade dos mútuos, a capitalização e taxa de juro aplicável, a data de concretização da operação de reestruturação que subjaz ao mútuo titulado pelo "contrato de empréstimo" formalizado em 6 de Dezembro de 2002, e as despesas;

No seu requerimento executivo, a Exequente fixou o quantitativo da obrigação exequenda, mediante especificação e cálculo dos valores respeitantes aos "Juros", "Comissões", "Juros de mora" e" Despesas".

Conforme tem sido recorrentemente afirmado por este STJ, para que um documento particular possa ser considerado título executivo, tem de resultar dele a constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária, cujo montante seja determinado ou determinável, por simples cálculo aritmético[13]

Ora, permitindo os títulos dados à execução a liquidação das obrigações assumidas pelos Executados mediante a realização de meros cálculos aritméticos, aos quais a Exequente procedeu no seu requerimento executivo, conclui-se mostrarem-se tais títulos igualmente dotados de exequibilidade intrínseca.

V.

Da invocada nulidade do contrato de mútuo formalizado em 6 de Dezembro de 2002

Numa infundamentada interpretação dos factos provados, os Recorrentes transformam o que foi efectivamente provado – que o empréstimo no valor de € 1.230.000 não tinha subjacente a colocação de fundos à disposição da mutuária já que aquela verba se destinava a liquidar responsabilidades que estavam em dívida perante a exequente decorrente de financiamentos anteriores – numa afirmação segundo a qual nada fora emprestado.

E, por essa razão, deveria considerar-se o contrato nulo por falta de objecto, segundo o artigo 280º, n.º 1 do Código Civil, conjugado com o artigo 1142º, n.º 1, do Código Civil.

Efectivamente, se o executado demonstrar, no processo de oposição, que o direito de crédito, cuja existência o título faz supor, é inválido, a eficácia do título cai, ou seja, é submersa e vencida pela supremacia da relação jurídica substancial, não podendo admitir-se a execução.

Vejamos.

Conforme já referido no acórdão recorrido, os factos mencionados sob os pontos 8º a 11º, 13º a 15º, acima discriminados, consubstanciam dois contratos de mútuo bancário que vinculam a Exequente BB, SA, por um lado, na qualidade jurídica de mutuante, a Executada CC, por outro, na posição de mutuária, e, ainda, o Executado AA, como fiador.

Aí se surpreendem, com efeito, os elementos constitutivos do contrato de mútuo, uma vez que as declarações dos outorgantes reflectem, sem qualquer dúvida interpretativa, a declaração de efectiva entrega, correspondente ao recebimento de uma quantia em dinheiro (creditada na conta de depósitos à ordem da Executada CC), a título de empréstimo, ficando, assim, inequivocamente enunciada a causa da transferência do dinheiro entregue e da respectiva obrigação de restituição, bem como a dos termos da obrigação de restituição, designadamente, quanto a prazos e consequências do retardamento da prestação restitutiva, tudo com a correspondente confissão dos devedores.

Mútuo que, na definição do artigo 1142º CC, é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.

E que, em face de tal definição, continua a ser recorrentemente considerado como um contrato real quoad constitutionem, no sentido de que a entrega da coisa sobre que versa (datio rei) constitui um elemento essencial do contrato, pelo que, sem tal entrega, é nulo por falta de objecto, nos termos do artigo 280º do Código Civil.

Ora, no caso em apreço, resultou efectivamente provado que «o contrato de empréstimo de 6 de Dezembro de 2002 não tinha subjacente a colocação à disposição de qualquer verba» (resposta ao quesito 6º da Base Instrutória).

Todavia, tal segmento fáctico tem de ser valorado à luz do demais complexo factual apurado, nomeadamente:

As quantias mutuadas que foram objecto dos contratos dados à execução - 100.000.000$00 ou € 498.797,9 (este apenas parcialmente reclamado) e € 1.230.000,00 -já haviam sido creditadas na conta bancária da devedora, a primeira no âmbito do contrato de empréstimo a que se refere o título executivo nº 1 e a segunda ao abrigo dos contratos de abertura de crédito mas que foram objecto de um acordo de reestruturação, referenciado na alínea J) dos Factos Assentes (resposta ao quesito 1º da Base Instrutória/ponto 13º dos Factos Provados);

O montante de € 1.230.000,00 (um milhão duzentos e trinta mil euros) - operação … - corresponde ao valor estimado pela Executada CC como o que seria suficiente para reestruturar a totalidade das quantias em dívida emergentes das operações …, … e … (resposta ao quesito 7º/ponto 14º dos Factos Provados).

Tal quantia decorre das quantias que já haviam sido postas à disposição da Executada ao abrigo do contrato de abertura de crédito e subsequentes aditamentos, tratando-se de uma operação efectuada em estrito respeito à vontade das partes, no sentido de convolar num contrato de empréstimo o capital mutuado e os competentes juros emergentes das anteriores operações (resposta ao quesito 7º/ponto 19º dos Factos Provados).

Ou seja, do aludido segmento fáctico convocado pelos Recorrentes extrai-se que, no acto da celebração "contrato de empréstimo" ao qual foi atribuído o n.º …. não foi efectuada a entrega de qualquer quantia (não foi colocada à disposição da Executada CC qualquer verba), porquanto o contrato tinha por finalidade a reestruturação de dívidas anteriores daquela Executada, quantias que a Executada CC já recebera da Exequente e a cuja restituição ainda não procedera.

Como assim, já tendo sido creditada na conta bancária da devedora CC a quantia referenciada no denominado título executivo nº 2, sem que a mesma tivesse sido objecto de restituição à data de celebração do aludido contrato, não ocorre a invocada nulidade por falta de entrega.

Conforme começamos por referir supra, e não podemos olvidar no tratamento e abordagem a esta questão, os títulos executivos em causa nos presentes autos, não deixam de incorporar ou reflectir uma relação complexa entre exequente e executados, relação essa que culmina na convolação de diversas operações bancárias em «contratos de empréstimo», relação complexa essa ao abrigo da qual foram entregues á devedora as quantias de que ela se reconheceu devedora, pelo que improcede a alegação ora efectuada de que não foram colocados à disposição da mutuária os fundos a que se alude nos respectivos contratos.

Ajustadamente, concluiu, em nosso entender, o douto acórdão recorrido, ao considerar, como considerou, improcedentes as razões dos Recorrentes.

VI.

Decisão:

Pelo exposto, negando a revista, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 7 de Maio de 2015

Manuel F. Granja da Fonseca (Relator)

António da Silva Gonçalves

Fernanda Isabel Pereira

__________________
[1] Miguel Teixeira de Sousa, O objecto da sentença e o caso julgado material – Estudo sobre a funcionalidade processual, in BMJ, 325º-49 e segs.
[2] Revista n.º 227/12.2TBSAT.C1.S1 – 1ª Secção.
[3] Ac. STJ de 3/04/2014, Revista n.º 5928/04.6TBCSC.L1.S1. – 2ª Secção.
[4] Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual do Processo Civil, Coimbra, 1985, página 718.
[5] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 1950, III Volume, página 143.
[6] Manuel de Andrade, Noções Elementares do Processo Civil, Coimbra, 1976, página 327.
[7] Rodrigues de Bastos, Notas as Código de Processo Civil, Lisboa, 1971, III, página 253.
[8] Vide Anteprojecto in BMJ 123º-120.
[9] Agravo n.º 1296/04.4YYPRT-A.P1.S1 – 7ª Secção
[10] Castro Mendes, Direito Processual Civil, Volume I, página 333.
[11] Ac. STJ de 5/05/2011, Revista n.º 5652/09.3TBBRG.P1.S1 – 1ª Secção.
[12] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 1º Volume, página 92.
[13] Ac. STJ de 10/07/2007 – 2ª Secção.