Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1238/14.9TVLSB.L1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ALEGAÇÕES DE RECURSO
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA PARCIALMENTE A REVISTA E BAIXA DOS AUTOS À RELAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / APELAÇÃO / JUNÇÃO DE DOCUMENTOS E DE PARECERES.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 163, 165, 166, 171 a 173.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 6.º, N.º 1 E 651.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 28-04-2016, PROCESSO N.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1;
- DE 08-02-2018, PROCESSO N.º 88440/14.1T8PRT.P1.S1, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – A faculdade de junção de documentos em fase de recurso é de natureza excecional e não é possível depois da apresentação das alegações, por a lei não admitir a prorrogação do prazo constante do art. 651º, nº 1 do CPC.

II – A junção em momento posterior não pode ser permitida ao abrigo do art. 6º, nº 1 do mesmo diploma – dever de gestão processual a cargo do juiz – por este visar uma tramitação expedita dentro dos mecanismos previstos na lei, e não a realização de atos não permitidos por lei.

III – Havendo recurso da decisão proferida quanto à matéria de facto, a apreciação do cumprimento das exigências de especificação feitas no art. 640º do mesmo diploma tem de ser feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

IV – Não impondo a lei, textualmente, que a identificação dos factos seja feita, nem pela indicação do seu número, nem pela indicação do seu teor exato, não pode deixar de se considerar suficiente qualquer outra referenciação feita pelo recorrente, desde que elaborada em termos tais que não deixem dúvidas sobre aquilo que pretende ver sindicado, assim definindo o objeto do recurso nessa parte, através da enunciação suficientemente clara da questão que submete à apreciação do tribunal de recurso.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL





I - AA e BB intentaram, pelas Varas Cíveis de …, contra CC e DD a presente ação declarativa com processo comum, pedindo que:

“a) Se considere provado que as janelas existiram desde sempre no prédio com a actual configuração e tamanho;

b) Se considerem ilegais os trabalhos de construção efectuados pelo réu e que levaram ao entaipamento das janelas e, em consequência:

c) Seja o réu condenado a demolir todos os trabalhos de construção que ponham em causa o fim a que se destinam as janelas, nomeadamente, entrada de ar, luz e vista,

d) Seja o réu condenado no pagamento de uma indemnização, às autoras, por danos morais, em valor não inferior a 10.000,00 euros;

e) Seja o réu condenado a repor a situação existente antes das obras;

f) Seja o réu condenado no pagamento de 1.000,00 euros diários por cada dia de atraso na reposição da situação existente antes do começo das obras.”


Alegaram, em síntese nossa, que os réus efetuaram, em prédio vizinho das frações autónomas de que são proprietárias, obras que entaiparam janelas ali pré-existentes, retirando-lhes acesso a luz e ar naturais e a vista para o exterior, além de lhes terem causado outros danos, que especificaram.


         Os réus contestaram, pugnando pela sua absolvição do pedido.


Por sua vez, o réu propôs contra as aqui autoras, pela mesma comarca, outra acção declarativa, que recebeu o nº 380/14.0T8LSB, pedindo que:

“1. Sejam estas condenadas a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o prédio sito na Calçada da … n.º 2, 4 e 6 e Rua …, n.º 8, descrito na 6ª Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º 50/19…16 da freguesia de …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1109 da respectiva freguesia;

2. Seja a aí ré AA condenada a tapar as janelas existentes na empena lateral da fracção designada pela letra do prédio sito na Rua Calçada da … n.º 10, descrito na sexta Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1105, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 500 da freguesia de … e que deita directamente para o prédio do A.;

3. Seja a aí ré BB condenada a tapar a janela existente na empena lateral da fracção designada pela letra “D” do prédio sito na Rua Calçada da … n.º 10, descrito na sexta Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1105, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 500 da freguesia de … e que deita directamente para o prédio do A.;

4. Sejam ambas estas rés condenadas no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória diária no valor de 500€ por cada dia de atraso no cumprimento da decisão de taparem as respectivas janelas;

5. Sejam as mesmas rés condenadas no pagamento de uma indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes decorrentes para o autor CC do atraso na realização da obra licenciada, cuja quantificação deve ser relegada para execução de sentença.”


         As aí rés contestaram pedindo a absolvição do pedido.


Foi ordenada a apensação desta segunda ação ao presente processo, do qual passou a constituir o apenso B.


Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se emitiu a seguinte decisão:

- Julgaram-se parcialmente procedentes os pedidos formulados no processo nº 1238/14.9TVLSB, condenando-se os aí réus a reconstituirem a situação anterior relativamente à janela da sala da fracção “D” e, assim, a demolirem a obra de tapamento da mesma e a respeitar o disposto no art.º 1362º n.º 2 do CC, absolvendo-se os mesmos do mais pedido.

- Julgaram-se parcialmente procedentes os pedidos formulados no processo nº 380/14.0T8LSB, condenando-se as aí rés a reconhecer que o aí autores são proprietários do prédio sito na Calçada da … n.º 2, 4 e 6 e Rua …, n.º 8, descrito na 6ª Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º 50/19…16 da freguesia de …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1109 da respetiva freguesia, absolvendo-se as mesmas de tudo o mais peticionado.


Inconformados, recorreram os réus CC e DD, tendo sido proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, julgando a apelação improcedente, confirmou a sentença.

 

Ainda inconformados, interpuseram recurso de revista para este STJ, qualificando-a como:

- revista comum na parte em que a Relação recusou considerar documento considerado extemporâneo;

- revista excepcional, quanto ao fundo da questão e, também, no tocante à desconsideração do referido documento.


A Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC proferiu acórdão onde se considerou não haver lugar a revista excecional por as decisões das instâncias não terem formado a dupla conforme eventualmente impeditiva da revista normal, quer quanto à rejeição de documento, quer quanto à decisão que rejeitou a impugnação da decisão de facto, por serem inéditas as decisões proferidas a este respeito no acórdão recorrido.

  

Foi o recurso recebido como revista normal.


Nas alegações apresentadas, os recorrentes formularam as conclusões que passamos a transcrever:

I - O acórdão recorrido, para julgar improcedente a apelação que os aqui recorrentes interpuseram do decaimento em 1.a Instância, considerou, como aliás já o tinha feito a sentença recorrida, não ser admissível discutir e depois debater a possibilidade de as aberturas de construção civil da empena do prédio contíguo à obra embargada serem senão janelas.

II - Logo, por isso não seria nunca oportuna a junção, para além do final do prazo assinalado no art.° 651.° do CPC, da fotografia e certificações respectivas, cuja junção foi requerida pelos recorrentes após a entrega da minuta da apelação.

III - Todavia, o julgamento justo de uma causa exige que sejam postas em linha todas as hipóteses possíveis de julgamento.

IV - E na circunstância de os recorrentes insistirem numa necessária diferenciação entre "janelas" da linguagem quotidiana e "aberturas de construção civil" díspares, perante a forma e modalidade das quais o termo "janelas" corresponde a uma mera conclusão ou ao uso ambíguo de um conceito de direito cooptado para expressão vulgar, o julgamento justo da causa implicava e implica o foco das supostas "janelas".

V - Assim, demonstrando a fotografia oficial o contrário do que ficou a constar, após o julgamento de facto, na matéria assente, tem aplicação a esta circunstância particular da apresentação dos documentos para além do termo assinado no art.° 651° do CPC, não este artigo de lei, mas o art.° 6.°/1 do mesmo diploma legal.

VI - Permite ao juiz, a norma que acaba de ser citada, uma agilização processual que garanta, como a junção da fotografia aos autos garante, a justa composição do litígio.

VII - Assim, o acórdão recorrido padece de infracção deste art.° 6.°/1 do CPC, por motivo de ter sido desconsiderada no julgamento da causa a dita fotografia, incontornável quanto a, na data de 21/12/2009, não haver senão frestas [seteiras ou óculos para luz e ar] na parede do prédio contíguo ao prédio que os recorrentes levantam, na Rua de …, em … .

VIII - Trata-se de vício que vicia o consequente e que, por isso mesmo, tem de dar lugar à repetição do julgamento.

IX - Por outro lado, uma exegese sábia do sistema normativo pontuado nos art.°s 1360.°/1, 1363.°/1/2 e 1364.° do CC, leva a ter de ser considerada a distinção entre as aberturas de construção civil situadas acima de 1,80m do solo ou do sobrado e outras aberturas abaixo desta linha.

X -Estas, janelas stricto sensu, que permitem a livre visibilidade em frente; aquelas, (sempre) "outras aberturas de dimensões quaisquer" que, pela altura a que estão colocadas, a não permitem, espontânea.

XI - É que tem de ser posta de lado a restrição de só poderem ser consideradas no campo de aplicação do art.° 1364.° do CC, estas últimas aberturas que se apresentem com barras de determinadas dimensões: é absurdo, por exemplo, que a diminuição ou excesso das dimensões dessas barras permitam um efeito jurídico diferente do que é proibido às barras de dimensão standard.

XII - Assim, cabe uma interpretação extensiva do art.° 1364.° do CC, cit., em ordem a fazer caber no âmbito e alcance da norma que contém, de exclusão usucapiativa, toda e qualquer abertura de construção civil levada a cabo por de cima da linha do 1,80m de altura das paredes, medido do solo ou do sobrado.

XIII - O que bem se compreende, tendo em conta que tratando-se da base de constituição de uma servidão de vistas, a vista divisada através de qualquer das aberturas em causa tem de ser espontânea e natural, não procurada fora do hábito de uma utilização comum.

XIV - No mesmo sentido desta habitualidade e espontaneidade vai também a proibição de varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando servidos por parapeitos de altura inferior a 1,50m: é a visibilidade imediata e em frente que a norma legal supõe.

XV - Destarte, o acórdão recorrido, quando não acolheu este sistema argumentativo que os recorrentes levaram à minuta da apelação, infringiu precisamente este sistema normativo dos art.°s 1360.°/1, 1363.71/2 e 1364.° do CC.

XVI - Será, pois, revogado o acórdão recorrido, sob este aspecto e desde logo, para o pedido ser julgado improcedente.

XVII - Tenha-se em conta que os recorrentes deram cumprimento ao disposto no art.° 651.° do CC, ao alegarem os concretos pontos da matéria de facto que arguiram de mal julgados, enquanto referiram também os meios de prova de suporte da crítica, nomeadamente documentos municipais juntos aos autos (não arguidos de falsos) e transcrições de depoimentos prestados em Audiência (EE e FF - pontos 50 e 56 da minuta de apelação).

XVIII - E indicaram expressamente o sentido do novo julgamento que propugnaram nas conclusões XV a XIX da minuta da apelação: aberturas acima de 1,80m de altura das paredes, medido do soalho e que se apresentam com a forma contemporânea apenas a partir de 2005.

XIX - Por conseguinte, mesmo que não sejam tidas por válidas (o que se não concede) as conclusões antecedentes desta minuta de Revista excepcional, não teria ocorrido, porém, a aquisição de uma servidão de vistas pelas recorridas a partir das "janelas" que a mantida sentença de 1.a Instância considerou.

XX - Os três temas destas conclusões são necessários a uma melhor aplicação do direito ao caso concreto e sobretudo, no que diz respeito (i) à excepção de mérito absoluto do documento tardio, (ii) à interpretação extensiva do art.° 1634.° do CC e (iii) ao formulário da arguição de erro de julgamento de facto, importam relevância social acrescida: o edifício levantado pelos recorrentes corresponde a um investimento de monta, para valorização de uma zona tradicional e agora muito turística (…).

XXI - Mas pela paragem das obras constitui-se a obra num percalço de leitura da paisagem urbana, ruído arquitectónico pesado e que urge ser remediado.

XXII - Os três temas referidos são também e relevo jurídico, porquanto importam uma apreciação sisuda e aprofundada do âmbito e alcance das normas convocáveis para a solução do caso.

XXIII - Em face de tudo quanto acima ficou exposto, o acórdão recorrido, que infringe as disposições legais que foram sempre citadas, deverá ser revogado, ou para improcedência imediata do pedido, ou para a causa vir a ser de novo submetida ao Tribunal da Relação de Lisboa, com a finalidade primária de ter em apreciação os documentos que recusou ou julgar a matéria de facto nos termos propostos nestas conclusões.


    Em contra-alegações foi defendida a improcedência do recurso.


   Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação – visto o conteúdo das conclusões que, como é sabido, delimita o objeto do recurso, ressalvada a apreciação das questões de conhecimento oficioso –, as de saber:

- se deve ser admitida a apresentação do documento que a Relação rejeitou;

- se a impugnação da decisão proferida sobre os factos devia ter sido conhecida pelo Tribunal da Relação;

- confirmando-se a rejeição da dita impugnação, saber se é de manter a decisão proferida quanto ao mérito.


II – Na sentença julgaram-se como provados e como não provados os seguintes factos, a cuja transcrição se procede:

Factos provados por documento ou acordo:

3.1.1. A 29 de Agosto de 2007, em Lisboa, perante o Notário GG qual se encontra a fls. 115 a fls. 118 do livro de notas para escrituras diversas n.º 40-B, escritura em que HH declarou vender a AA a fração autónoma designada pela letra “F” correspondente ao segundo andar direito e águas furtadas, para habitação, com entrada pelo número 10, do prédio urbano, sito na Calçada da …, números 8, 10 e 12, freguesia de …, concelho de Lisboa, descrito na CRPredial sob o n.º 1105, daquela freguesia, em regime de propriedade horizontal. (A)

3.1.2. A 22 de Abril de 2008, perante a Notária II, foi lavrada a escritura pública certificada a fls. 35-39 destes autos, escritura em que HH declarou vender a BB a fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar direito, para habitação, com entrada pelo número 10, que faz parte do prédio em regime de propriedade horizontal, situado na Calçada da …, n.ºs 8, 10 e 12, freguesia de …, concelho de Lisboa, descrito na CRPredial sob o n.º 1105, daquela freguesia. (B)

3.1.3. As Autoras estabeleceram nas respetivas frações a sua habitação, nelas pernoitando e fazendo a sua vida social com carácter de permanência. (C)

3.1.4. Na fração “D”, existem 2 (duas) janelas: uma na cozinha e outra na sala. (D)

3.1.5. Na fração “F” existem 2 (duas) janelas: uma na cozinha e outra no sótão. (E)

3.1.6. Está descrito na CRPredial, sob o n.º 50/19…16 da freguesia de … o prédio urbano sito na Calçada da … n.ºs 2, 4 e 6 e Rua … n.º um andar, águas furtadas, um barracão com entrada pelo n.º 8 e um saguão. (F)

3.1.7. Pela ap. 5 de 1986/03/03 foi inscrita a aquisição a favor do Réu, casado com DD e JJ, por partilha. (G)

3.1.8. Pela ap. 72 de 2002/07/22 foi inscrita a aquisição a favor do Réu, casado com DD de ½ por permuta, a JJ. (H)

3.1.9. O prédio urbano sito na Calçada da …, n.ºs 8, 10 e 12, freguesia de …, concelho de … e o prédio urbano sito na Calçada da … n.ºs 2, 4 e 6 e Rua de … n.º 8, freguesia de …, são contíguos. (I)


- Factos provados emergentes da instrução da causa:

3.2.1. Na segunda semana de Dezembro de 2013, o Réu realizou obras no prédio referido no ponto 3.1.6. supra, que taparam a janela da cozinha da fração “F” e a janela da sala da fração “D”. ( 1 e 12)

3.2.2. As janelas referidas no ponto 3.1.4. e ponto 3.1.5. supra já existiam aquando da aquisição das frações por parte das Autoras (pontos 3.1.1. e 3.1.2. supra).( 2)

3.2.3. As janelas referidas no ponto 3.1.4. supra, ali existem desde, pelo menos, Janeiro de 1994, com a mesma configuração e tamanho, a janela do sótão referida no ponto 3.1.5. já existe, desde, pelo menos, 1988 com a mesma configuração e tamanho e a janela da cozinha referida no ponto 3.1.5. ali existe desde, pelo menos, 2004, com a mesma configuração e tamanho. ( 3)

3.2.4. A janela do sótão referida no ponto 3.1.5., era visível da rua. (4)

3.2.5. As janelas são essenciais para a entrada de luz natural e para entrada de ar. (5)

3.2.6. As janelas existentes nas cozinhas e a janela existente na sala da fração “D”, permitem, face à sua situação e dimensão, uma visão limitada do exterior; a janela situada no sótão da fração “F” permite que alguém colocasse a cabeça de fora e observasse a totalidade do exterior (para baixo, para cima, para os lados e em frente). (6)

3.2.7. A zona terminal da sala da fração “D”, junto à cozinha, ficou sem iluminação natural e entrada de ar e a cozinha da fração “F” ficou sem iluminação natural e entrada de ar. (7 e 12)

3.2.8. O tapamento da janela da sala da fração “D” e o tapamento da janela da cozinha da fração “F” impedem a A. BB e a A. AA, respetivamente, de ter a visão limitada do exterior que as referidas janelas proporcionavam. (8 e 12)

3.2.9. Os factos referidos nos pontos 3.2.1., 3.2.7. e 3.2.8., na parte relativa à fração “ F”, provocam angústia e ansiedade à A. AA. (13, 15 e 19)

3.2.10. Os factos referidos nos pontos 3.2.1., 3.2.87. e 3.2.8. desvalorizam as frações referidas nos ponto 3.1.1. e 3.1.2. supra, em medida não concretamente apurada. (14)

3.2.11. Devido aos factos referidos nos pontos 3.2.1., 3.2.7. e 3.2.8. na parte relativa à fração “F”, a A. AA deixou de realizar jantares. (20)

3.2.12. As janelas referidas nos pontos 3.1.4. e 3.1.5. supra deitam diretamente para o prédio dos RR., sem deixar um metro e meio de distância. (21)

3.2.13. O R., por intermédio da sua Ilustre Advogada, remeteu à anterior proprietária das frações em causa nos autos, a carta junta por cópia a fls. 111. (25)

3.2.14. A 30.07.2013. foi emitido em nome do R. o alvará de obras de construção com demolição n.º 2../CD/2013, concedendo o prazo de 1 mês para a obra de demolição e 18 meses para a obra de construção. (29)


- Factos não provados:

3.3.1. As obras realizadas pelo Réu no prédio referido no ponto 3.1.6. supra provocaram infiltrações de águas nas frações referidas nos pontos 3.1.1. e 3.1.2. supra. (9)

3.3.2. Danos em móveis. (10)

3.3.3. Problemas de sustentação do próprio prédio. (11)

3.3.4. Desde o momento que começaram as obras de construção, as Autoras deixaram de ter a concentração necessária para trabalhar e perderam inúmeras horas em telefonemas e deslocações, reuniões. (16)

3.3.5. E vivem em constante sobressalto pelo perigo que constitui o livre acesso às frações. (18).

3.3.6. Em 2003 as cozinhas e as casas de banho das frações referidas nos pontos 3.1.1. e 3.1.2. eram interiores. (22)

3.3.7. Entre 2005 e 2006 a anterior proprietária procedeu à abertura das janelas referidas nos pontos 3.1.4. e 3.1.5. supra. (23)

3.3.8. Em 2005 o Réu foi contactado pela anterior proprietária solicitando autorização para a abertura de janelas. (24)

3.3.9. O R. com recurso a capitais próprios, já pagou ao empreiteiro 144.672,55 €, num contrato que rondará o valor de 700.000 €. (26)

3.3.10. O R. já pagou à Câmara Municipal de … as taxas devidas por força da operação urbanística titulada pelo alvará nº 2…/CD/2013: obras de edificação (2.623,50 €); ocupação de via pública (8.685,45 €); e apreciação do processo (90,0 €). (27)

3.3.11. A impossibilidade de continuar a executar a obra implica o pagamento de multas contratuais no âmbito do contrato de empreitada celebrado para execução das obras. (28)

3.3.12. O R. está impedido de retirar qualquer utilidade económica do investimento, quer por via da venda, quer por via do arrendamento das frações autónomas do prédio em construção. (30)

3.3.13. E colocará em risco o seu equilíbrio económico-financeiro, por não ter meios para proceder aos pagamentos e por se ver impedido de obter proveitos. (31).

3.3.14. Para respeitar o embargo ratificado o R. teve de respeitar a distância de 1.5m para as janelas das RR, o que inviabiliza o aproveitamento económico dos pisos em que teve de recuar essa distância, em face da diminuta dimensão que essas frações passam a ter. (32).


III – Abordemos então as questões de que nos cabe conhecer.

        

Do documento apresentado após a produção de alegações na apelação:

Depois de terem apresentado em 2.12.2016, a fls. 508 e segs., as suas alegações, os apelantes vieram, em 16 do mesmo mês, pedir a junção aos autos de uma fotografia, acompanhada de expediente que a certifica emitido por … Ocidental, SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana, E. M., S. A..

Justificando a sua apresentação nesse momento, disseram que só em 9.12.2016 o documento foi encontrado no espólio de JJ, comproprietária encarregada, à época, de gerir a edificação.

No acórdão recorrido rejeitou-se a sua apresentação, com a seguinte fundamentação:


“Dispõe o nº1 do art. 651º do CPC:

«As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância».

Por seu lado, preceitua o art. 425º do CPC:

«Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento».

Abrantes Geraldes refere, a propósito da junção de documentos na fase do recurso, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pp. 203-204, o seguinte:

«Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva).

Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.

A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa ao resultado».

Conforme se exarou no Ac. da Rel. do Porto de 26-09-2016 (Rel. Manuel Domingos Fernandes), Proc. nº 1203/14.6TBSTS.P1, publicado em www.dgsi.pt:

«I - Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.

II - Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.

III - Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.

IV - Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.

V - Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.»

A junção de documentos com as alegações de recurso é, na verdade, excepcional, desde logo porque, ainda que se impugne a matéria de facto, não visa esta provocar um segundo julgamento pelo Tribunal da Relação, nem os julgamentos podem ser prolongados “ad infinitum”, nem o contraditório pode assumir na fase de recurso a mesma dimensão que tem numa audiência de discussão e julgamento, com a imediação que esta proporciona e com todas as virtualidades que a discussão que, no seu âmbito, se desenrola, permite.

Neste caso, considera-se ser a apresentação extemporânea, desde logo porque não foi feita com as alegações. Na verdade, os Apelantes ao mesmo tempo que requereram a correcção de duas gralhas (que, na situação, não assumem importância, não sendo susceptíveis de perturbar a substância do recurso), solicitaram a junção do documento, invocando superveniência subjectiva. Ora, as AA. lembram – bem – que o processo teve início em 2013, com o embargo extrajudicial de obra nova. De onde se retira que os RR. tiveram tempo para fazer a recolha/busca, junto de quem os pudesse fornecer, dos elementos documentais pertinentes, de modo a serem exibidos na altura adequada, com pleno exercício do contraditório. E, como se vê, nem o fizeram com as alegações, como a Lei, ainda que excepcionalmente, permite, mas em momento posterior, em requerimento avulso que, no que toca à junção do documento, não pode configurar-se como correcção das alegações.

Assim, há que indeferir a requerida junção do documento, devendo ser desentranhado, juntamente como os que o acompanham.”


      Como resulta do que dispõe o art. 651º, nº1 do CPC[1], a junção de documentos, em fase de recurso, apenas é consentida com as alegações.

     Trata-se, aliás, de um mecanismo de utilização excecional, pois pressupõe a verificação das situações previstas no art. 425º ou que a apresentação do documento se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

      No caso em análise, a junção de novo documento teve lugar, não com o oferecimento das alegações, mas em requerimento posteriormente apresentado pelos recorrentes destinado à retificação de de escrita cometidos naquela peça processual.

       Conscientes de que aquela norma não dá cobertura à sua pretensão, acolhem-se ao disposto no nº 1 do art. 6º, que impõe ao juiz o dever de uma gestão processual que imprima celeridade à tramitação, recusando o que for impertinente ou dilatório e adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a obtenção, em prazo razoável, da justa composição do litígio.

        Pretende-se, pois, obter uma tramitação expedita dentro dos mecanismos previstos na lei, e não a realização de atos não permitidos por lei, como seria a aceitação da prática de ato processual fora do prazo perentório a que está sujeito.

        Seria ato não permitido a admissão de documento apresentado depois do prazo legal; sendo a junção de documento possível apenas com a apresentação da alegação de recurso, isso envolve a existência de um prazo perentório, já que se não prevê a possibilidade da sua prorrogação – cfr. art. 141º, nº 1.

        

Improcedem, deste modo, as razões expostas nas conclusões II a VIII, não merecendo censura o acórdão nesta parte.

      

       Da apreciação do recurso interposto contra a decisão de facto pelo Tribunal da Relação:

      No acórdão impugnado manteve-se inalterada a decisão proferida sobre os factos, apesar de os apelantes, com invocação do cometimento de erro de julgamento, sustentarem nas suas alegações a necessidade da sua alteração, nos termos expostos nas conclusões XV a XIX, do seguinte teor:

“XV – Depois, tendo em conta as transcrições de depoimentos inseridas nesta minuta, em particular dos depoimentos de EE e FF, o acórdão de 2.ª Instância está habilitado a pronunciar-se e fixar a data de 2005, para a reforma das aberturas inaugurais da empena do prédio adversário.

XVI – E a julgar também que até essa data as aberturas de construção civil em causa se situavam junto ao tecto, apenas para entradas de luz e ar.

XVII – Nestes termos, ainda mais cirurgicamente se justifica a revogação da sentença recorrida, para a improcedência do pedido, nos contornos da pretensão recorrida.

XVIII – Julgamento de facto a reformular, considerados os incontornáveis documentos municipais juntos aos autos, que dão conta inaugural, justamente, na data de 2005, das aberturas de construção civil, na empena do prédio adversário, hoje em debate.

XIX – Documentos estes que, por se tratar de Auto de Notícia, ou terem por base Autos de Notícia da Polícia Municipal, fazem fé em juízo, enquanto não arguidos de falsos, como não foram e não são, segundo a prova.”


Esta matéria desenvolveram-na os apelantes na parte arrazoada das suas alegações, nomeadamente nos seus pontos 37 a 61, a fls. 514-529 dos autos.

Mas este pedido de alteração – por via do qual se pretende a consagração de que até 2005 as aberturas existentes eram apenas para entrada de luz e ar e situavam-se junto ao teto, sendo nesse ano que foram alteradas – não foi apreciado no julgamento da apelação, o que, após transcrição do disposto no nº 1 do art. 640º, foi fundamentado pela seguinte forma:

“Com todo o respeito, entende-se que não vêm indicados nas conclusões (e considera-se que também não o estão no corpo das alegações) os concretos pontos da decisão da matéria de facto que os Apelantes pretendem impugnar.

Os Apelantes referem que o Tribunal da Relação, tendo em conta as transcrições dos depoimentos por eles levadas a cabo, em particular dos depoimentos de EE e FF (para além de documentos a que, depois, aludem), está habilitado a pronunciar-se e fixar a data de 2005, para a reforma das aberturas inaugurais da empena do prédio adversário e a julgar também que até essa data as aberturas de construção civil em causa se situavam junto ao tecto, apenas para entradas de luz e ar.

O legislador, após longos anos de experiência no capítulo da impugnação da matéria de facto, com vasta jurisprudência sobre essa problemática, quis ser rigoroso, impondo, sob pena de rejeição, a indicação dos concretos pontos da matéria de facto que o recorrente pretenda impugnar, não bastando, na manifestação de discordância com o que foi decidido pelo Tribunal recorrido, referências genéricas a temáticas ou segmentos e deixando ao Tribunal da Relação a tarefa, perante uma impugnação de tal teor, de fazer a integração no elenco factual constante da sentença (um ou mais pontos, em sede factos provados ou não provados), correndo-se, inclusive, o risco de o Tribunal de recurso desvirtuar o pensamento do recorrente, fazendo reflectir a impugnação em pontos que ele não pretenda atingir ou deixando de lado outros por ele visados. Trata-se, ademais, de um problema de definição do objecto do recurso e de salvaguarda do contraditório.

Sem olvidar os poderes do Tribunal da Relação em sede de matéria de facto (art. 662º do CPC), importa sublinhar que o que o legislador consagrou não foi um segundo julgamento, mas a decisão sobre os pontos (a que se tenha dado “resposta” positiva ou negativa, e, in casu, há factos provados e não provados sobre as problemáticas em jogo) incorrectamente julgados pelo Tribunal recorrido e que, por isso mesmo, terão de ser devidamente identificados.

Não tendo, salvo o devido respeito por tese diversa, ocorrido, neste caso, essa indicação, nos termos prescritos na Lei, não pode conhecer-se da impugnação da decisão da matéria de facto.”

Vejamos.

Com a reforma processual de 1995/96 foi introduzida no nosso direito processual civil a possibilidade de recurso contra a decisão proferida sobre os factos, designadamente na parte em que esta assentava na livre apreciação da prova por parte do juiz, sendo, porém “(…) rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto (…)” e “(…) tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.”[2]

       Com o CPC de 2013 esta concretização ficou expressa no art. 640º, com um elevado grau de exigência que visa garantir a seriedade da impugnação formulada, sendo que esse grau de exigência pode repercutir-se favoravelmente na medida em que o recorrente contribui para a consecução de uma justiça mais perfeita e eficaz.

    No entanto, importa evitar que esse grau de exigência possa contribuir para prejudicar o objetivo almejado.

        

Acerca do regime legal da impugnação da decisão proferida sobre os factos, há que atentar, desde logo, no comando constante do nº 1 do art. 640º.

Sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, manda o seguinte:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

A propósito da obrigação de especificação dos concretos pontos de facto tidos como incorretamente julgados, escreve Abrantes Geraldes[3]: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (…)”

      Discute-se, aqui, se os apelantes fizeram uma correta especificação dos concretos pontos de facto que pretendem ver alterados.

       Não o fizeram, como é evidente, através da referência explícita à designação que os mesmos mereceram na descrição da matéria de facto julgada como provada na sentença.


Mas deverá, sem mais, e com esse fundamento rejeitar-se, a impugnação deduzida contra a decisão de facto?

Entendemos, salvo o devido respeito por opinião diversa, que não.

Como salienta Abrantes Geraldes[4] a consequência da rejeição não deve exceder o que razoavelmente esteja dentro de um princípio de proporcionalidade.

A necessidade de consideração dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na apreciação do cumprimento das exigências de especificação feitas no art. 640º tem vindo a ser afirmada por este STJ, como se vê, a título de exemplo, dos seus acórdãos de 8.02.2018[5] e de 28.04.2016[6].


E, neste quadro, tem interesse relembrar as versões apresentadas pelas partes quanto à data de construção e configuração da única janela a respeito da qual a discussão persiste – a da sala da fração “D” -, relativamente à qual os réus vêm condenados a demolir a obra por si realizada e que a tapou, assim reconstituindo a situação anteriormente existente, por se haver considerado que a autora, dona dessa fração, adquirira por usucapião a servidão de vistas que a mesma proporciona.


Segundo a p. i.:

- a janela já existia aquando da aquisição da fração pela autora, em 22 de Abril de 2008, e sempre ali existiu, com a mesma configuração e tamanho, provavelmente desde a construção do prédio.[7]


Segundo a contestação:

- a janela foi aberta pela anterior proprietária em data não concretamente apurada, mas entre 2005 e 2006;[8]

- pelo menos até meados de 2005 a empena lateral era cega, não existindo aí janelas.[9]


A versão dos factos aportada pela autora foi levada aos temas de prova 2) e 3) e veio a ser objeto da decisão que consagrou como verdadeiros os factos descritos em 3.2.2 e 3.2.3.

Já a apresentada pelos réus, levada ao tema de prova 23), foi julgada como não provada, dando origem ao ponto 3.3.7.

A locução verbal usada pelos recorrentes concatenada com o que acabámos de destacar, mostra que estes se reportaram, de forma clara e para a contrariarem nos termos em que foi julgada, à factualidade que afirma a existência da atual abertura na sala da fração “D” desde, pelo menos, 1994, o que permite entender, sem margem para dúvidas, que têm em vista o segmento inicial do facto provado nº 3.2.3, a saber: “As janelas referidas no ponto 3.1.4. supra, ali existem desde, pelo menos, Janeiro de 1994, com a mesma configuração e tamanho (…)” e, concomitantemente, o facto julgado como não provado descrito sob o nº 3.3.7., do seguinte teor “Entre 2005 e 2006 a anterior proprietária procedeu à abertura das janelas referidas nos pontos 3.1.4. (…)

Não impondo a lei, textualmente, que a identificação dos factos seja feita, nem pela indicação do seu número, nem pela indicação do seu teor exato, consideramos que não pode deixar de se considerar suficiente qualquer outra referenciação feita pelo recorrente - com as variações inerentes ao estilo e à competência de quem redige o texto –, desde que elaborada em termos tais que não deixem dúvidas sobre aquilo que pretende ver sindicado, assim definindo o objeto do recurso nessa parte, através da enunciação suficientemente clara da questão que submete à apreciação do tribunal de recurso.

    E é isto que acontece no caso dos autos em que o teor das conclusões dos recorrentes, embora não primando pela desejável excelência, se combinado e devidamente interpretado à luz da dupla versão do facto trazida aos autos pelas partes, permite ver, sem margem para dúvida razoável, que estes põem em causa, por considerarem errada, a decisão da 1ª instância na parte em que julgou como provada a existência desde, pelo menos, 1994, da janela da sala da fração D, referida no ponto 3.1.4, com a mesma configuração e tamanho; tendo-o como incorretamente julgado - e, bem assim, o ponto 3.3.7 – indicam o sentido em que o mesmo deve ser consagrado: a janela em causa foi construída em 2005, sendo a sua configuração anterior a que descrevem.

      Diga-se que se trata de facto decisivo para a sorte da ação, sendo determinante para aferir a existência da servidão de vistas, saber se remonta a 2005 ou a 1994 a construção da janela na fração “D” que os réus taparam e vêm condenados a repor a no seu anterior estado.

        

Conclui-se, em face de que dissemos, que os apelantes deram cumprimento de forma suficiente ao ónus em discussão, não se verificando o invocado fundamento para o não conhecimento da impugnação deduzida.

         Daí que, se nada mais a tal obstar, se imponha o conhecimento da impugnação deduzida contra a decisão de facto, nessa medida procedendo o recurso.


   IV – Pelo exposto, julgando-se a revista parcialmente procedente:

- Confirma-se o acórdão na parte em que neste se não admitiu a apresentação do documento;

- Revoga-se quanto ao mais, mandando-se que os autos voltem à Relação de Lisboa para que aí, se possível com intervenção dos mesmos Exmos. Desembargadores, se prossiga, em conformidade com o acima exposto, no julgamento da apelação.

        Custas da revista a cargo dos recorrentes na proporção de 1/3 e das recorridas na proporção de 2/3.


Lisboa. 12.09.2019


Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relatora)

Catarina Serra

Bernardo Domingos

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[1] Diploma a que pertencem as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência.
[2] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, pág. 163.
[3] Obra citada, págs. 165-166
[4] Obra citada, págs. 171-173.
[5] Proc. nº 88440/14.1T8PRT.P1.S1, relatora Cons. Maria da Graça Trigo, subscrito pela ora relatora como ajunta, acessível em www.dgsi.pt
[6] Proc. nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator Cons. Abrantes Geraldes, acessível em www.dgsi.pt
[7] Artigos 5º, 8º, 16º e 17º
[8] Artigo 42º,
[9] Artigo 51º