Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
645/21.5T8TMR.E1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
REFORMA DE ACÓRDÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 05/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Sumário :

I- A reforma da decisão, prevista no art. 616.º, n.º 2, al. a), do CPC, tem como objectivo a reparação de lapsos manifestamente óbvios na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos em que o julgador tenha ocorrido;

II- A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só se verifica quando o tribunal deixe de conhecer qualquer questão colocada pelas partes, o que não significa que tenha de conhecer todos os argumentos utilizados pelas mesmas.

Decisão Texto Integral:



Processo 645/21.5T8TMR.E1.S2
Revista Excepcional
80/23

Autor / recorrente: AA
Ré / recorrida: BB


Acordam na Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

Proferido o acórdão deste STJ que deliberou indeferir a admissão da revista excepcional, interposta pelo Autor / recorrente, do acórdão do Tribunal da Relação, veio o mesmo requerer a reforma do mesmo acórdão, argumentando, no essencial, o seguinte:

“O acórdão-fundamento qualificou a presunção estabelecida pelo art. 394º, nº 5, do Código do Trabalho, sobre a falta de pagamento da retribuição que se prolongue por um período de 60 dias, como presunção iuris et de iure, da culpa do empregador.

Todavia, contraditoriamente com tal qualificação, aplicou-a, efectivamente, na verdade, em concreto e na prática, como presunção iuris tantum.

É o que resulta do texto do mencionado aresto, do qual se transcrevem as passagens mais significativas a esse respeito

(…)

O acórdão-fundamento, não obstante ter qualificado a presunção do nº 5 do art. 394º do Código do Trabalho como presunção iuris et de iure, não aplicou o regime que resultaria de tal qualificação, o que implicaria a verificação de justa causa culposa, considerando, julgando e decidindo pela verificação de justa causa não culposa, como se a dita presunção fosse efectivamente uma presunção iuris tantum, aplicando o correspondente regime jurídico, ao afastar a culpa presumida, em clara contradição, salvo o devido respeito, com o nomen iuris que adoptou, de presunção iuris et de iure, por definição inilidível, mas que efectivamente foi pelo acórdão-fundamento ilidida.

Cabe citar aqui, mutatis mutandis, o ponto I do sumário do Acórdão da Relação de Lisboa, de 4 de Abril de 2007:

“Independentemente do nomen iuris que as partes dão aos contratos, na interpretação e na qualificação destes, o que conta é a vontade expressa nas respectivas declarações negociais, entendidas estas com o sentido captável pelo declaratário normal, colocado no real circunstancialismo negocial.”

(…)

Isto é: para que ocorra oposição entre acórdãos, o que importa é a contradição que se estabeleça entre os regimes jurídicos por eles realmente aplicados, a divergência entre uma e outra decisão sobre a mesma questão de direito, na vigência da mesma Lei.

Ora, salvo o devido respeito, é inquestionável que, para lá do nomen iuris, o acórdão recorrido decidiu em oposição ao decidido pelo acórdão-fundamento, sobre a mesma questão de direito, na vigência da mesma Lei.

(…)

A esse respeito, cabe aqui relembrar algumas das conclusões da alegação do recurso, que não foram minimamente tidas em conta pelo douto acórdão ora reclamado, circunstância essa que, ressalvado sempre o devido respeito, convoca a aplicação do regime do art. 615º, nº 1, al. d), do Cod. Proc. Civil, por remissão dos respectivos arts. 666º e 685º, chamando-se a atenção para o que na conclusão 17ª se deixou consignado, no sentido da inconstitucionalidade da interpretação e efectiva aplicação da norma do nº 5 do art. 394º do Código do Trabalho como estabelecendo uma verdadeira presunção inilidível.

Disse-se o seguinte, nas conclusões, que aqui se repetem, na parte que importa considerar, sobre a presunção de culpa:

13º) A presunção estabelecida pelo art. 394º, nº 5, do Código do Trabalho, sobre a falta de pagamento da retribuição que se prolongue por um período de 60 dias, não constitui uma presunção inilidível, iuris et de iure, da culpa do empregador:

14º) Com efeito, o art. 394º, nº 2, al. a), do Código do Trabalho, reafirma, no âmbito do contrato de trabalho, o que já resultaria da regra do n.º1 do art.º 799º do Código Civil;

15º) E o nº 5 desse artigo 394º reforça a presunção de culpa, sendo de 60 dias a mora no pagamento da retribuição;

16º) Mas que não estabelece uma presunção iuris et de iure resulta lógica e irrefutavelmente da regra do art. 394º, nº 4, em conjugação com a norma do art. 351º, nº 3, do Código do Trabalho, bem como do cotejo com as outras causas de resolução enunciadas nas diversas alíneas do art. 394º, nº 4, nº 2, algumas delas prevendo violações mais graves dos deveres do empregador e dos direitos do trabalhador do que será a falta de pagamento da retribuição por um período de 60 dias;

17º) Se se tratasse efectivamente de uma presunção iuris et de iure, resultaria prejudicada a aplicação do preceito desse nº 4 do art. 394º, restrição que a Lei não prevê, e que seria injustificável, e mesmo atentatória do princípio constitucional da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição da República, surgindo como algo de discriminatoriamente desproporcional, em termos gerais e, nomeadamente, no confronto com aquelas outras causas de resolução;

18º) De qualquer modo, mesmo a jurisprudência citada, embora lhe atribua tal natureza de presunção iuris et de iure, na prática, acaba por admitir, desconsiderando-a, a aplicação do regime do nº 4 do art. 394º;

19º) A presunção do nº 5 do art. 394º do Código do Trabalho apenas reforça a presunção da al. a) do respectivo nº 2, devendo entender-se que esta última poderá ser afastada pela verificação de caso fortuito, enquanto que a presunção do nº 5 apenas poderá ser ilidida pela verificação de caso de força maior;

20º) Por conseguinte, a culpa do empregador deverá sempre ser apreciada, mutatis mutandis, à luz do preceituado no art. 351º, nº 3, do Código do Trabalho;

Esse Venerando Tribunal, ressalvado sempre o devido respeito, sob pena de denegação de justiça, tem o dever de, analisando-as, se pronunciar sobre as questões de direito que concreta e especificadamente lhe foram colocadas, e que de todo ignorou.

- X -

Finalmente, no que respeita à questão do invocado abuso de direito, há que dizer que o Recorrente não se limitou a tecer considerações de ordem genérica, bastando analisar os factos assentes, reproduzidos na alegação do recurso de revista, para se concluir, de modo irrecusável, que existe matéria de facto suficiente, e até pormenorizada, para basear uma decisão sobre essa questão.

Nesta fase, na qual se trata de decidir sobre a admissão da revista, parece que a decisão proferida, de não admissão, salvo o devido respeito, se mostra extemporânea e, por isso, ilegal, na medida em que, mais do que sobre a admissibilidade do recurso, se pronuncia sobre o próprio mérito da causa, violando, salvo o devido respeito, a regra do art. 672º do Cod. Proc. Civil, desse modo praticando acto que a lei não admite, com todas as consequências daí derivadas.

Diga-se, por último, com todo o respeito, que a preconizada concepção do recurso de revista à luz do sistema de cassação não colhe no nosso ordenamento jurídico, nem mesmo nas hipóteses do julgamento ampliado da revista (art. 686º CPC) ou do recurso para uniformização da jurisprudência (arts. 688º-695º CPC) – e, muito menos, na revista excepcional (art. 672º CPC), que surge aos olhos do sujeito jurídico assim como que, passe a expressão, uma espécie de revista por favor, baseada na ideia da virtuosidade da chamada dupla conforme.

(…)

Termos em que deve o douto acórdão proferido ser reformado, revogando-se a decisão nele contida, consequentemente se admitindo a revista excepcional”.

A Ré- recorrida, patrocinada pelo MºPº, respondeu, pugnando pelo indeferimento do pedido de reforma.

Decidindo:   

Estatui o artº 616º, nº 2, al. a) do CPC:

“(…)

2) Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a. Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos(...)”

Como resulta desta disposição legal, o erro na interpretação de uma norma não constitui fundamento de reforma nos termos e para os efeitos desse artº 616º, nº 2, al. a), do CPC, onde apenas se prevê o erro na determinação da norma aplicável, o erro na qualificação jurídica de factos e a presença no processo de meios de prova impositivos de diferente decisão.

Ora, é entendimento deste Supremo Tribunal que  a reforma da decisão, prevista no art. 616.º, n.º 2, al. a), do CPC, tem como objectivo a reparação de lapsos manifestamente óbvios na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos em que o julgador tenha ocorrido – cf., nomeadamente, os acórdãos, citados pelo Exmº PGA,  de 07-07-2021, proc. n.º 3931/16.2T8MTS.P1.S1, e de 11-10-2022, proc. n.º 638/19.2T8FND.C1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.

E não existem, a nosso ver, tais lapsos manifestos, o erro de interpretação, nem tão pouco qualquer erro na qualificação jurídica, sendo que o Reclamante nem sequer concretiza, na sua argumentação, em que é que se traduziram esses erros manifestamente óbvios.

O que desde logo conduz ao indeferimento do pedido de reforma.

Por outro lado, e embora não o diga expressamente no introito do seu requerimento, o Autor- reclamante também aponta ao acórdão a nulidade por omissão de pronúncia, ao dizer que “das conclusões da alegação do recurso, que não foram minimamente tidas em conta pelo douto acórdão ora reclamado, circunstância essa que, ressalvado sempre o devido respeito, convoca a aplicação do regime do art. 615º, nº 1, al. d), do Cod. Proc. Civil, por remissão dos respectivos arts. 666º e 685º, chamando-se a atenção para o que na conclusão 17ª se deixou consignado, no sentido da inconstitucionalidade da interpretação e efectiva aplicação da norma do nº 5 do art. 394º do Código do Trabalho como estabelecendo uma verdadeira presunção inilidível”.

Quanto à nulidade por omissão de pronúncia, é jurisprudência pacífica deste STJ que só se verifica a mesma quando o tribunal deixe de conhecer qualquer questão colocada pelas partes, o que não significa que tenha de conhecer todos os argumentos utilizados pelas mesmas- vide, a título de exemplo, o Ac. de 30-03-2022, Proc. n. º 330/14.4TTCLD.C1.S1
Somente se poderá concluir pela verificação de uma omissão de pronúncia suscetível de integrar a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do atual Código de Processo Civil, quando uma determinada questão (que não seja mero argumento, consideração ou razão de fundamento) que haja sido suscitada pelas partes, não tenha sido objecto de qualquer apreciação e/ou decisão por parte do juiz- Ac. de 28-10-2020, Proc. n.º 8491/18.7T8LSB.L2.S1.

Ora, o acórdão recorrido, como resulta da sua simples leitura, debruçou-se sobre a única questão que foi posta para seu conhecimento - indagar se estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excepcional referidos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artº 672º do Código de Processo Civil.

Tendo-se decidido, nomeadamente, que:

“Importa, no entanto e à partida, ter em conta que decorre do nº 2 do artigo 672.º do CPC que o Recorrente tem o ónus de indicar na sua alegação, sob pena de rejeição, “as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, caso invoque a alínea a) do nº 1 do artigo 672º e “as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social”, quando o fundamento da revista excepcional reside no disposto na alínea b) desse nº 1.

Como se decidiu no Ac. deste Supremo Tribunal de 29/09/2021, proc. n.º 2948/19.0T8PRT.P1. S2,  no recurso de revista excepcional devem ser indicadas razões concretas e objetivas reveladoras de eventual complexidade ou controvérsia jurisprudencial ou doutrinária da questão, com a consequente necessidade de uma apreciação excepcional com o objectivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes.

Ora, é manifesto que, no caso em apreço, o Recorrente não deu cumprimento a esse ónus de indicar as razões pelas quais é necessária a intervenção deste STJ.

Com efeito, limita-se a invocar razões meramente genéricas, ligadas à actuação da Recorrida que integrará abuso de direito, actuação “absolutamente desleal para com o A.-Recorrente no exercício do direito, que lhe assistia, de resolver o contrato de trabalho, com justa causa”,  com considerações gerais sobre essa figura do abuso de direito e sobre o seu conhecimento oficioso, conhecimento esse reconhecido por jurisprudência consolidada deste STJ. E também a figura do abuso de direito se encontra já amplamente discutida e definida nos seus contornos, quer em termos doutrinais quer em termos jurisprudenciais, não se revelando necessária  a intervenção deste Supremo Tribunal para tal desiderato.

E o Recorrente também utiliza meras considerações gerais acerca da presunção estabelecida no nº 5 do artº 394º do CT, defendendo que é errada a asserção  de que a mesma é uma presunção juris et de jure, sem se fazer a necessária ponderação das disposições combinadas dos arts. 394º, nº 4 e 351º, n 3, do citado diploma.

Alegações meramente genéricas quanto a tais aspectos, não identificando a  recorrente, com as necessárias concretização e especificação, a questão ou as questões que pretende submeter ao STJ,  que justifiquem a intervenção deste, em sede de revista excepcional,  de modo a identificar, com as indispensáveis clareza e segurança,  a questão ou questões  cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, sejam claramente necessárias para melhor aplicação do direito, ou  tenham que ver com interesses de particular relevância social.

É jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal que não bastam afirmações efectuadas de uma forma genérica e vaga, sendo  necessário explicitar, com argumentação sólida e convincente, as razões concretas e objetivas, susceptíveis de revelar a alegada relevância jurídica e social, não relevando o mero interesse subjetivo do recorrente, sendo necessário que o mesmo concretize com argumentos concretos e objectivos- cfr., entre outros, os acórdãos deste STJ de 11/05/2022, proc. 1924/17.1T8PNF.P1.S1, de 30/03/2022, Proc. n.º 5881/18.9T8MAI.P1.S2, de 17/03/2022, Proc. n.º 28602/15.3T8LSB.L2.S2, e de 11/05/2021, Proc. n.º 3690/19.7T8VNG.P1.S2

(...)

Quanto ao invocado fundamento da al. c), no  Acórdão do STJ de 3/03/2016, proc. 102/13.3TVLSB.L1.S1, incluído nos Boletins Anuais disponibilizados em www.stj.pt, entendeu-se, lapidarmente, que “I - Constitui entendimento uniforme da Formação de apreciação preliminar, que a oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito, para efeitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC, verifica-se quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro caso, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação.

Por sua vez no Ac. deste STJ e Secção Social de 13/1/2021, proc. 512/18.0T8LSB.L1.S2, escreveu-se:

“A doutrina e a jurisprudência têm entendido que o acesso ao recurso de revista excecional, previsto no art.º 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, pressupõe a verificação dos seguintes requisitos:

- O acórdão recorrido e o acórdão-fundamento têm de incidir sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo ser idêntico o núcleo da situação de facto, atento o ratio da norma aplicável;

- A existência de uma contradição ao nível da resposta dada em ambos os acórdãos a determinada questão, bastando que no acórdão recorrido se tenha dado uma resposta diversa e não, propriamente, contrária à resposta dada no acórdão-fundamento, devendo, no entanto, a oposição ser frontal e não implícita ou pressuposta;

- A essencialidade da questão de direito conducente ao resultado numa e noutra das decisões, sendo irrelevante a argumentação sem valor decisivo;

- A existência de um quadro normativo idêntico, independentemente de eventuais alterações que não tenham alterado a sua substância;

- Não exista acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a questão jurídica em questão que o acórdão recorrido tenha seguido”.

Ora, analisando os acórdãos –recorrido e fundamento (o Recorrente não juntou cópia do acórdão do STJ que cita nas suas alegações), não corresponde à realidade que haja qualquer contradição, nomeadamente no que toca ao afastamento da presunção jure et de jure do nº 5 do artº 394º do CT pelo nº 4 desse mesmo artigo, que remete para o respectivo artº 351º, nº 3,  e pelo disposto no artº 799º, nº 1, do Cod. Civil.

Com efeito, afirma-se no acórdão recorrido:

“Quanto ao segundo requisito – comportamento culposo do empregador – há a afirmar que a doutrina vem defendendo que o art. 394.º n.º 5 estabelece uma presunção inilidível de culpa do empregador, “não afastável por prova em contrário, mas que não exclui a possibilidade de qualificar como culposas outras situações de incumprimento da obrigação retributiva, ainda que a falta de pagamento não perdure por 60 dias”

Esta Relação de Évora tem igualmente decidido que a falta de pagamento de retribuições, que se prolongue por mais de 60 dias, presume-se culposa, não sendo ilidível essa presunção de culpa, e no mesmo sentido se tem orientado o Supremo Tribunal de Justiça

E no acórdão fundamento chegou-se exactamente à mesma conclusão:

“A redacção do n.º 5 do citado art. 394.º estabelece que hoje, mesmo nos casos em que a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por sessenta dias, a resolução do contrato pelo trabalhador tem que assumir e verificação de uma justa causa subjectiva, sendo necessário apurar-se a culpa do empregador.

Aquele dispositivo prevê claramente uma presunção de culpa do empregador para os casos a que se refere, como bem assinalou a 1ª instância.

Não concordamos, no entanto, com o que se escreveu na sentença recorrida quando refere que essa presunção é uma presunção juris tantum, uma presunção que pode ser ilidida por prova em contrário.

(...)

Observando, contudo, o n.º 5 do art. 394.º do CT/2009, vejamos se podemos colher dúvidas sobre a natureza da presunção, caso em que, a existirem, deveríamos classificá-la como juris tantum, seguindo o critério enunciado.

Em primeiro lugar, devemos assinalar que, não se tratando de uma presunção juris et de jure, então a norma em causa não tem sentido ou, melhor, seria redundante, já que uma presunção de culpa juris tantum sempre resultaria, porque se trata de um caso de um caso de falta de cumprimento de obrigação, do disposto no art. 799.º n.º 1 do Código Civil (“[i]incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento (…) da obrigação não procede de culpa sua”). Por outro lado, tendo em conta esta última presunção, não haveria qualquer distinção entre as situações em que a mora se prolongasse por sessenta dias e aquelas em que se prolongasse por menos...

Em segundo lugar, o assinalado n.º 5 do art.º 394.º não se reporta apenas à situação de mora por 60 dias, mas também àquela em que o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo. Neste caso, têm de incluir-se as situações em que o empregador por quebra de tesouraria não pode, sem culpa, assegurar o pagamento pontual da retribuição. Ora, não teria sentido a lei estender a elas uma presunção de culpa ilidível, permitindo que o trabalhador declarasse a resolução do contrato para depois o empregador demonstrar a falta de culpa, negando ao trabalhador os efeitos indemnizatórios da resolução.

Por tudo isto, podemos afirmar que, não se nos suscitando dúvidas sobre na interpretação da norma, a presunção em causa deve qualificar-se como uma presunção juris et de jure”.

E em parte alguma esse acórdão (fundamento) conclui que essa presunção pode ser afasta pela consideração do disposto no nº 4 do artº 394º do CT e/ou do nº 1 do artº 799º do Cod. Civil. O que se afirmou aí foi uma coisa  completamente diferente: que em relação às retribuições vencidas há menos de 60 dias, considerando a data da resolução do contrato, o trabalhador beneficia da presunção de culpa (juris tantum) a que se refere o nº 1 do artº 799º do Código Civil, e que havendo culpa do empregador (presumida ou não), importa sempre aquilatar da gravidade do respectivo comportamento, por forma a justificar a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho- citado nº 4 do artº 394º do CT”.

As questões postas ao conhecimento do Tribunal foram devidamente analisadas e decididas, não tendo que ser rebatidas, uma por uma, as conclusões do recurso e os argumentos aí expendidos.

Como bem refere o Exmº PGA, a própria referência à restrição da aplicação do preceito do 394.º, n.º 4, do CT como «atentatória do princípio constitucional da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição da República…» não passa de um mero auxiliar de argumentação, já que não era uma questão a decidir.

O Autor- reclamante pode não concordar com o decidido, mas essa ausência de concordância não constitui, de per si, fundamento de reforma do citado acórdão nos termos e para os efeitos do artº 616º, nº 2, do CPC, nem tão pouco fundamento de nulidade. O Autor discorda da fundamentação adoptada no acórdão. Está no seu direito, mas não é através da reforma do acórdão ou da arguição de nulidade que poderá ver vingar a sua tese. Para isso é que servem os recursos, independentemente de os mesmos serem admissíveis no caso concreto.

Já ensinava o Prof. Alberto dos Reis (CPC Anotado, vol. V, pag. 151) com os pedidos de aclaração e de reforma e com as arguições de nulidade o que muitas vezes se visa é a alteração da sentença. E, como se decidiu nos acórdãos do STJ de 9 de Junho de 2005, Proc. N° 05B1422, e de 11 de Fevereiro de 2004, Proc. N° 0351784, ambos in www.dgsi.pt., “sob a capa da reforma da sentença ou do acórdão, não se pode aceitar no nosso ordenamento jurídico um "recurso esdrúxulo" - nas palavras de Amâncio Ferreira, in "Manual dos Recursos em Processo Civil", 6ªa ed., pág. 62 -, porque este incidente nada tem a ver com uma mera discordância em relação à decisão, ou com o inconformismo perante a solução jurídica dada ao caso, pois o "error in judicando", só pode ser motivador dos recursos, mas não da reforma”.

Ora, no caso concreto, é isto que se passa: o Autor - reclamante pretende, única e exclusivamente, a alteração do decidido no acórdão. A realidade é que denota, claramente, que não concorda com a decisão e sua fundamentação, e com o pedido de reforma e com a arguição de nulidade mais não visa do que alterar o julgado.

x

Decisão:

Termos em que se acorda em indeferir a reclamada reforma e arguição de nulidade do acórdão sob censura.

Custas pelo Reclamante.

                                                     

Lisboa, 10/05/2023

Ramalho Pinto (Relator)

Mário Belo Morgado

Júlio Vieira Gomes

Sumário (da responsabilidade do Relator).