Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | ALEXANDRE REIS | ||
Descritores: | UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA CONTRATO DE MÚTUO NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL TÍTULO EXECUTIVO | ||
Data do Acordão: | 12/12/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | DR, I SÉRIE, 35, 19.02.2018, P. 1000 - 1003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / DISPOSIÇÕES E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS – PROCESSO DE EXECUÇÃO / TÍTULO EXECUTIVO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO. DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGOCIO JURÍDICO / NULIDADE E ANULABILIDADE DO NEGOCIO JURÍDICO / PROVAS / CONFISSÃO / PROVA DOCUMENTAL / DOCUMENTOS PARTICULARES – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES EM GERAL / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO / CONTRATOS EM ESPECIAL / MÚTUO / FORMA. | ||
Doutrina: | -Abrantes Geraldes, Títulos Executivos, Themis, Ano IV.7, 2003, 45 e 46; -Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 2010, 13.ª Edição, 41; -Anselmo Castro, A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial, Coimbra Editora 1977, 41 e 42; -F. Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume I, Almedina, 2010, 122; -J. M. Gonçalves Sampaio, A Acção Executiva e a Problemática das Execuções Injustas, 2.ª Edição, Almedina, 2008, 74; -Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Depois da Reforma da Reforma, 5.ª Edição, Coimbra Editora, 2011, 62, 71 e 72; -Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3.ª Edição, Almedina, 1964, 80; -Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex 1998, 70 ; Manual da Acção Executiva, 3.ª Edição, Almedina, 1964, 80 ; A Reforma da Acção Executiva, A Reforma da Acção Executiva, Lex, 2004, 70; -Vaz Serra, R.L.J. 109, 308 e ss.. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1961 (CPC): - ARTIGO 46.º, N.º 1, ALÍNEA C). CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1995 (CPC): - ARTIGOS 46.º, ALÍNEA C) E 816.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2013 (NCPC): - ARTIGOS 6.º, N.º 3, 703.º, 731. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 289.º, N.º1, 293.º, 352.º, 355.º, N.º 1, 358.º, N.º 2, 376.º, N.ºS 1 E 2, 805.º, N.º 1, 806.º E 1143.º. LEI UNIFORME RELATIVA AO CHEQUE (LUC), APROVADA PELO D.L. N.º 23 721/1934 DE 29 DE MARÇO: - ARTIGO 29.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 28-03-1995, ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/95, PROCESSO N.º 085202, IN D.R. N.º 114/95, I A DE 17-05-1995; - DE 10-07-2008, PROCESSO N.º 08A1582; - DE 19-02-2009, PROCESSO N.º 07B4427; - DE 28-04-2009, PROCESSO N.º 09B0304; - DE 13-07-2010, PROCESSO N.º 6357/04.7TBMTS-B.P1.S1; - DE 01-02-2011, PROCESSO N.º 7273/07.6TBMAI-A.P1.S1; - DE 31-05-2011, PROCESSO N.º 4716/10.5TBMTS-A.S1; - DE 04-02-2014, PROCESSO N.º 2390/11.0TBPRD-A.P1.S1; - DE 20-02-2014, PROCESSO N.º 22577/09.5YYLSB-A-1.S1; - DE 27-05-2014, PROCESSO N.º 268/12.0TBMGD-A.P1.S1. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - DE 14-10-2015, N.º 408/2015, IN D.R. I N.º 201. -*- ACÓRDÃOS DA RELAÇÃO DE LISBOA: - DE 13-10-2011, PROCESSO N.º 1209/10.4TBOER-A.L1-2; - DE 06-06-2013, PROCESSO N.º 22577/09.5YYLSB-A.L1. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL RELAÇÃO DE COIMBRA: - DE 13-09-2011, PROCESSO N.º 189/10.0TBMGR-A.C1; - DE 24-04-2012, PROCESSO N.º 169/10.6TBCSC-B.C1; - DE 20-06-2012, PROCESSO N.º 280/10.3TBVNO-A.C1; - DE 17-06-2014, PROCESSO N.º 6322/11.8TBLRA-A.C1; - DE 16-03-2016, PROCESSO N.º 3053/12.5TJCBR-A.C1. -*- ACÓRDÃOS DA RELAÇÃO DO PORTO: - DE 04-10-2011, PROCESSO N.º 371/07.8TBMAI-A.P1; - DE 22-04-2013, PROCESSO N.º 733/12.9TBPFR.P1; - DE 28-05-2013, PROCESSO N.º 2390/11.0TBPRD-A.P1. -*- ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: - DE 11-05-2017, PROCESSO N.º 2301/16.7T8GMR.G1. | ||
Sumário : | «O documento que seja oferecido à execução ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea, c), do Código de Processo Civil de 1961 (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), e que comporte o reconhecimento da obrigação de restituir uma quantia pecuniária resultante de mútuo nulo por falta de forma legal goza de exequibilidade, no que toca ao capital mutuado». | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça: * A Relação considerou assente a seguinte factualidade:«1. Na execução a que os presentes autos estão apensos foi apresentada à execução o documento escrito particular de fls. 8 da execução, o qual se mostra datado de 18-7-95 e contém as assinaturas dos dois executados, tendo o seguinte teor, na parte relevante: “Nós abaixo assinados AA, casado com BB ….declaramos que nos confessamos devedores ao Sr. DD e mulher CC, da importância de 6.000.000$00, que este nos fez o favor de emprestar, a fim de ser utilizado na n/ vida particular, no dia 18-7-95, pelo prazo de um ano.”». * A questão suscitada nas enunciadas conclusões consiste em saber se, estando o negócio jurídico subjacente ao escrito particular oferecido à execução afectado de invalidade formal, esta acarreta a inexequibilidade daquele.No caso em apreço, o título apresentado na execução constitui o reconhecimento da existência de uma obrigação contratual para os executados, decorrente de um contrato de mútuo que os mesmos ali confessavam haver celebrado com os exequentes, no dia 18-7-1995, tendo-se vencido a obrigação, no montante de 6.000.000$00, com a interpelação judicial, concretizada pela citação, nos termos do art. 805.º, n.º 1, do CC. Contudo, nos termos do art. 1143.º do CC (na redacção conferida pelo DL 190/85 de 24/6), tal contrato de mútuo (de valor superior a 200.000$00) só teria sido válido se celebrado por escritura pública ([1]), o que não sucedeu, como resulta do acordo das partes no processo. O art. 46.º do CPC (DL 329-A/95, de 12/12) – aplicável, quanto aos títulos executivos, às execuções que, como a dos autos, hajam sido iniciadas até à data da entrada em vigor do NCPC (1-09-2013), em conformidade com o disposto no art. 6.º, n.º 3, da Lei 41/2013, de 26/6 (que aprovou este código) – estabelecia as várias espécies de títulos executivos, entre os quais figuravam: […] «b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário […] que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável […], ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto». Aquela al. b) era aplicável a «documentos elaborados ou autenticados, por notário […]» que importassem constituição ou reconhecimento de «qualquer obrigação», enquanto o campo de acção desta al. c) restringia-se aos documentos (particulares) que importassem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias ou de prestação de facto ou de entrega de coisas – «móveis», na redacção original do DL 329-A/95, expressão, depois, eliminada com o DL 38/2003 de 8/3. O novo CPC, aprovado pela citada Lei n.º 41/2013 e que – como se disse – não é aqui aplicável, veio interromper a tendência evidenciada pela evolução da nossa lei que se caracterizava por uma progressiva simplificação e ampliação dos títulos executivos extrajudiciais ([2]). À luz do actual art. 703.º, de entre aquelas duas espécies de documentos apenas podem servir de base à execução os exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de quaisquer obrigações, portanto, também, as de natureza pecuniária, a cuja aplicabilidade se destinava a citada al. c) daquele art 46.º ([3]). Entretanto, pelo Ac. do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, in DR I n.º 201 de 14/10/2015, foi declarada, «com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho». Considerando apenas as decisões publicitadas nas bases de dados (IGFEJ), proferidas sobre a enunciada questão, este Supremo Tribunal tem decidido, maioritariamente, no sentido que foi sintetizado no Acórdão de 4-02-2014, p. 2390/11.0TBPRD-A.P1.S1 (Relator Conselheiro João Camilo): «Estando a execução fundamentada numa declaração de dívida em que a executada reconhece haver celebrado um contrato de mútuo que, eventualmente, haja sido celebrado por mero documento particular quando o mesmo, por lei substantiva, devia ter sido celebrado por escritura pública, podem os exequentes no requerimento executivo pedir a execução da executada para reaver o montante mutuado, facultado no disposto no art. 289º, nº 1 do Cód. Civil, sem necessidade de, previamente, ter de propor uma acção declarativa, para o efeito». Essa orientação foi também acolhida nos Acórdãos de 27-05-2014 (p. 268/12.0TBMGD-A.P1.S1), 31-05-2011 (p. 4716/10.5TBMTS-A.S1) ([4]), 1-02-2011 (p. 7273/07.6TBMAI-A.P1.S1), 13-07-2010 (p. 6357/04.7TBMTS-B.P1.S1), 19-02-2009 (p. 07B4427), relatados pelos Conselheiros Pinto de Almeida, Salazar Casanova, Nuno Cameira, João Camilo e Pires da Rosa, respectivamente, devendo ainda referir-se o de 10-07-2008 (p. 08A1582), aliás, também relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira, embora nele se tenha ajuizado que o exequente não dispunha de legitimidade (substancial) para promover a execução, em cuja fundamentação se colhe o seguinte extracto: «Decerto, o art. 289º, nº 1, estabelece o efeito retroactivo da declaração de nulidade do negócio jurídico, ordenando a restituição de tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente». Nesse sentido, pronunciara-se também Anselmo Castro (in “A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial”, Coimbra Editora 1977, pp. 41 e 42) ([5]). O caminho oposto foi trilhado nos Acórdãos de 20-02-2014 (p. 22577/09.5YYLSB-A-1.S1) e 28-04-2009 (p. 09B0304) ([6]), ambos relatados pelo Conselheiro Serra Baptista. Para este rumo aponta igualmente parte da doutrina que se vem manifestando sobre o tema. Assim: Lebre de Freitas [“A Acção Executiva - Depois da Reforma da Reforma”, 5ª ed., Coimbra Editora, 2011, pp. 71 e 72] ([7]); Amâncio Ferreira [“Curso de Processo de Execução”, Almedina, 2010, 13ª ed., p. 41] ([8]); F. Lucas Ferreira de Almeida [“Direito Processual Civil”, Vol. I, Almedina, 2010, p. 122] ([9]); J. M. Gonçalves Sampaio [“A Acção Executiva e a Problemática das Execuções Injustas”, 2.ª ed., Almedina 2008, p. 74] ([10]); M. Teixeira de Sousa [“Acção Executiva Singular”, Lex 1998, p. 70, b)] ([11]); Lopes Cardoso [“Manual da Acção Executiva”, 3.ª ed., Almedina, 1964, p. 80] ([12]) ([13]). Perante a assinalada falta de uniformidade das decisões deste Supremo, não obstante a que parece ser a sua linha largamente preponderante, os tribunais – sobretudo, os da primeira instância, mas também os das relações – têm divergido na solução da aludida questão ([14]). Segundo pensamos, o apontado dissídio jurisprudencial deve resolver-se no sentido de que, uma vez constatada a nulidade do negócio subjacente ao título executivo apresentado e sendo esse vício do conhecimento oficioso, tal título pode valer de fundamento, não para o cumprimento específico do contrato, mas para a restituição do que houver sido prestado, como consequência legal da nulidade, nos termos do art. 289.º, n.º 1, do CC. Daí que o título não possa valer, designadamente, para exigir os juros que tenham sido estipulados no contrato, por este ser nulo, mas apenas os juros de mora, à taxa legal desde a citação para a acção executiva, por força do que dispõem os arts. 805.º, n.º 1, e 806.º do mesmo código. Em apoio deste entendimento, deve avocar-se a doutrina interpretativa alcançada pelo então “assento” – hoje com valor de acórdão de uniformização de jurisprudência – n.º 4/95, proferido por este Supremo Tribunal em 28/03/1995 [p. nº 085202, publicado in DR nº 114/95, I A de 17-05-1995] ([15]): «Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico, invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no n. 1 do artigo 289 do Código Civil». Da fundamentação desse aresto respigam-se as seguintes reflexões: «[…] atenta a possível reconversão da causa de pedir que passaria a assentar na nulidade do negócio, ficaria viável solucionar o pleito ao abrigo do estatuído no artigo 289 do Código Civil, segundo o qual, em caso de nulidade (ou anulação) do negócio jurídico, deverão ser repostas as coisas no estado anterior, com restituição do que houver sido prestado. Seguindo o entendimento do Prof. Vaz Serra exposto na R.L.J. 109, página 308 e seguintes (…) somos do parecer que a conversão da causa de pedir (inicialmente na pressuposição de contrato válido) bem pode fazer-se ao abrigo do artigo 293 do Código Civil, pelo menos, em causa assente na nulidade do negócio (como foi decretada jurisdicionalmente), já que razoável é pensar que esta última seria invocada pelo peticionante se houvesse previsto a nulidade do contrato em cuja pretensa validade se escudara para demandar. Com tal em nada se agrava a posição do demandado, já que, válido ou nulo o negócio, sempre ele seria obrigado ao que lhe é pedido, além de se evitar ao peticionante o ónus de propor nova acção (com acento na nulidade) e cujos efeitos e fins seriam os mesmos, evitar esse que o princípio da economia processual aconselharia. Como adianta o dito Prof. no comentário e artigo citado, o contrato nulo (…), não é um nada jurídico, mas algo de existente (embora de errada perfeição, diremos nós) já que tal realidade existencial é revelada pelo instituto da conversão a que respeita o artigo 293 do Código Civil.». Com efeito, mediante o documento particular aqui dado à execução os executados declararam que os exequentes lhes haviam “emprestado” a referida quantia de 6.000.000$00. Ora, essa declaração inserta no documento apresentado como título executivo prova a própria realidade do mútuo, pois exprime a confissão extrajudicial desse facto pelos executados, nos termos dos artigos 352.º, 355.º, n.º 1, 358.º, n.º 2, e 376.º, n.ºs 1 e 2, do CC, o que comporta o reconhecimento pelos mesmos de uma obrigação pecuniária, decorrente de um contrato de mútuo cujo montante está perfeitamente determinado e é igual ao pedido pelos exequentes. Assim sendo, numa hipótese como a dos autos, não têm cabimento as razões de segurança jurídica – com vista a evitar o risco de execuções injustas – que apenas são pertinentes quando a causa, respeitante a um negócio nulo por falta de forma, implique uma bem maior complexidade – que, por vezes tem sido ventilada para contrariar o sentido por que se pugna – como é a de que se revestem as obrigações de restituição de imóveis, em virtude da nulidade de contratos de compra e venda ou de arrendamento, p. ex.. Na verdade, em situações com os mencionados contornos da presentemente em apreço, a obrigação em causa está, pois, determinada e reconhecida, nos seus pressupostos fácticos por declaração que reúne os requisitos exigidos pela apontada al. c) do art. 46.º, transponíveis para os documentos aludidos na al. b) do actual art. 703.º, ou seja, os autenticados ou os que, embora exarados por notário, não acatem a forma substantivamente imposta. E, na medida em que consta do documento a confissão da causa da dívida como sendo um contrato de mútuo, da nulidade deste emerge, claramente, determinado tudo o que é abrangido pela consequência legal do vício que o afecta, prevista no n.º 1 do art. 289.º do CC, ou seja, a restituição do capital mutuado, como é aqui pretendido pelos exequentes. Ainda que a pretensão formulada por um exequente não seja juridicamente fundamentada na restituição por força da declaração de nulidade, o efeito prático por esta atingido é idêntico ao por ele visado, excepto se, porventura, tiver pedido o pagamento de juros remuneratórios, que, como se viu, não pode ser atendido. Por outro lado, o referenciado risco de insegurança, embora residual, está suficientemente salvaguardado com a possibilidade da dedução da oposição à execução, como os aqui executados fizeram, invocando outros fundamentos, para além da nulidade do contrato de mútuo por falta de forma, os quais ainda não foram apreciados por o seu conhecimento ter ficado prejudicado com a decisão (de 1.ª instância) no sentido de declarar a execução extinta, com fundamento nessa nulidade. Em casos como o aqui em apreço, a imposição ao exequente do prévio recurso ao processo declarativo, como consequência da não atribuição de exequibilidade ao título apresentado, corresponderia a uma exigência apenas ditada por um rigorismo dogmático alheio às vantagens colhidas da economia e celeridade processuais e, em geral, de uma justiça material mais efectiva. Note-se, ademais, que a exequibilidade do título em que o executado confessa ter recebido uma certa quantia por força de um contrato nulo por falta da forma legalmente imposta, se é a solução que melhor se conforma com o interesse do legislador na actuação do aludido princípio da economia processual, também não molesta as garantias de defesa daquele: o acesso imediato à acção executiva, assim facultado, não impede que o devedor tenha a possibilidade de infirmar o certificado de garantia da existência do direito conferido pelo título apresentado, questionando a existência do direito exequendo, dado que o executado pode, relativamente aos títulos extrajudiciais, fundamentar a sua oposição em qualquer meio de defesa admissível no processo declarativo – arts. 816.º do anterior CPC e 731.º do actual –, embora com a diferença de que proposta a acção executiva, é ao executado que incumbe demonstrar que o direito invocado pelo exequente não existe, ao contrário do que sucede na acção declarativa. Por conseguinte, improcede o recurso. * Face ao exposto, acordam os Juízes que constituem o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça em:a) Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido; b) Estabelecer a seguinte uniformização: «O documento que seja oferecido à execução ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea, c), do Código de Processo Civil de 1961 (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), e que comporte o reconhecimento da obrigação de restituir uma quantia pecuniária resultante de mútuo nulo por falta de forma legal goza de exequibilidade, no que toca ao capital mutuado». Custas pelos recorrentes. Notifique e oportunamente remeta certidão do acórdão para publicação na 1ª Série do Diário da República. Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Dezembro de 2017 – Alexandre Reis (Relator) – Pedro Lima Gonçalves – Rosa Tching – Cabral Tavares – Maria do Rosário Morgado – Sousa Lameira – Maria de Fátima Gomes – Rosa Ribeiro Coelho – Graça Amaral – Henrique Araújo – Maria Olinda Garcia – Helder Almeida – Salreta Pereira – João Bernardo – João Camilo – Maria dos Prazeres Beleza – Oliveira Vasconcelos – Fonseca Ramos – Garcia Calejo – Helder Roque - Salazar Casanova – Távora Victor – Fernando Bento – Abrantes Geraldes – Ana Paula Boularot – António Joaquim Piçarra – Pinto de Almeida – Fernanda Isabel Pereira – Tomé Gomes – Maria da Graça Trigo – Roque Nogueira – Olindo Geraldes – António Henriques Gaspar (Presidente) --------------------------------- [4] Com o seguinte sumário: «Pretendendo o exequente a restituição da quantia confessadamente mutuada, o reconhecimento da nulidade do mútuo não obsta, por força do Assento n.º 4/95, de 28 de Março de 1995, à restituição da aludida quantia, visto que é ao reconhecimento da obrigação de restituir que se referencia a exequibilidade do título. Os juros reclamados com base em mútuo que afinal não é válido não podem ser reconhecidos.». |