Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1927/11.0TBFAR-B.E1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
MULTA
SUCUMBÊNCIA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
RECURSO DE REVISTA
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
ANALOGIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
AGENTE DE EXECUÇÃO
UNIDADE DE CONTA
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
CUSTAS PROCESSUAIS - TAXA DE JUSTIÇA - MULTAS.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO.
Doutrina:
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª ed., 120- 121, nota 217.
- Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais” Anotado, 5.ª ed., Almedina, 332.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) /2013: - ARTIGOS 629.º, N.º2, ALÍNEA B), 644.º, N.º 2, AL. E), 671.º, N.º 2, ALÍNEAS A) E B).
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP), APROVADO PELO D.L. N.º 34/2008, DE 26 DE FEVEREIRO, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N.º 7/2012, DE 13 DE FEVEREIRO: - ARTIGOS 10.º, 27.º, N.ºS 1 E 6.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26.03.2015, PROC. N.º 2992/13.0TBFAF-A.E1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 29.04.2014, PROC. N.º 183/12.7TBOER-A.L2-6, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Estando em causa o recurso de uma decisão em que se discute a própria recorribilidade irrestrita da mesma e havendo oposição entre a solução encontrada e o decidido em acórdão do STJ relativamente à interpretação do n.º 6 do art. 27.º do RCP, a revista é admissível com base na previsão excepcional da alínea a) do artigo 671.º, n.º 2, do NCPC (2013) por valer aqui, por analogia, a razão subjacente ao disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 629.º do mesmo diploma legal, i.e., assegurar o recurso das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

II - O referido normativo – artigo 27.º, n.º 6, do RCP – ao prever que “Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso” vem suscitando dúvidas na jurisprudência, havendo quem entenda que a admissibilidade do recurso depende da verificação dos requisitos gerais de recorribilidade (valor e sucumbência) e quem, pelo contrário, defenda que o recurso é sempre admissível nas situações previstas no preceito.

III - A interpretação que, no entanto, encontra correspondência no texto legal e que melhor acolhe os critérios interpretativos enunciados no art. 9.º do CC é a de que, com tal norma, o legislador pretendeu introduzir uma regra geral de recorribilidade de decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória, de modo a colmatar o bloqueio provocado pelo factor condicionante da sucumbência e que a expressão “fora dos casos legalmente admissíveis” é delimitadora da previsão normativa no que toca aos tipos de sanções ali enunciados, visando-se ressalvar dessa previsão os casos já previstos de litigância de má fé.

IV - A interpretação contrária conduz a que só muito dificilmente seja admissível recurso por falta de verificação do pressuposto da sucumbência, uma vez que o valor máximo das multas legalmente previsto não atinge o valor correspondente a metade da alçada do tribunal de 1.ª instância (arts. 10.º e 27.º, n.º 1, do RCP), esvaziando-se, assim, de conteúdo útil a norma em questão.

V - Seguindo a interpretação descrita em III – única que dá coerência ao instituto em referência, seja quanto aos limites das multas, seja quanto ao disposto no art. 644.º, n.º 2, al. e), do NCPC – a decisão condenatória de um agente de execução na multa de 5 UC admite recurso, ainda que apenas em um grau.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório:

Na acção executiva movida por AA, Lda., contra BB, com o valor de 12.140,90 €, sobre requerimento apresentado pelo agente de execução recaiu, em 17.02.2014, despacho com o seguinte teor:

“« A despeito da decisão extintiva da execução, o Sr. Agente de execução veio requerer, contraditando os fundamentos da decisão, o prosseguimento da acção – «requerer a V. Ex a. que se digne a reapreciar o requerimento de auxílio da força pública, ... dar sem efeito a extinção da instância e as custas e multa aplicadas ao Agente de Execução, por se entender que houve um lapso manifesto na interpretação do já processado, nos termos do nº. 1 do art. 614 do CPC».

Considerando que:

- O Sr. Agente de execução não é parte nos autos;

- De entre as legais funções do agente de execução não se lhe atribui competência para discordar das decisões judiciais, ou sequer manifestar tal discordância, mas, antes pelo contrário, se lhe impõe o especial dever de acatá-las (art. 123.º/1 e alíneas a) e b) do DL n.º 88/2003, de 26/04), sendo certo que exerce, como é consabido, funções públicas no âmbito do processo civil, em especial, do processo executivo, onde atua como agente do Estado, subordinado ao poder-dever do Juiz de direcção do processo.

- A apreciação da requerida – «rectificação» está limitada – já que, não sendo parte, não lhe assiste o inerente direito processual –, à condenação tributária e sancionatória, sequencial do procedimento incidental que motivou, nada sendo dito quanto às mesmas, para além da discordância:

Verifica-se que, para além da sua total inutilidade, o requerido é, manifestamente, impertinente, improcedente e injustificado - sendo certo que não se pode permitir que, a coberto de pretendida “rectificação/reforma”, o requerente venha discorrer sobre o bem (ou não) fundado da decisão -, sem nada alegar quanto às respectivas condenações, ou seja, quanto à fundamentação legal destas, pelo que será rejeitado, com a inerente responsabilidade tributária e sancionatória - cf. arts. 6º/1, 130º, 534º/1 e 2, e 723º/1, d), e 2, do CPC, e 7º/4 do RCP.

Pelo exposto:

- Rejeito o requerimento em causa, ordenando a sua eliminação do histórico;

- Custas com duas unidades de conta de taxa de justiça, pelo requerente;

- Mais paga cinco unidades de conta de multa”.


Inconformado, apelou o agente de execução, CC, recurso rejeitado por despacho proferido nos seguintes termos:

“- A decisão extintiva proferida nos autos transitou em julgado;

- O despacho em causa foi proferido e fundamentado ao abrigo e nos termos do disposto nos arts. 6º/1, 130º e 723º/1, d), e 2, do CPC; ou seja, no uso legal de um poder discricionário – cf. Art. 152º/4 do CPC;

- Da condenação tributária não há recurso autónomo;

- A condenação em multa (5UC) foi aplicada ao abrigo do disposto no cit. art, 723º/2;

- O valor da multa (510€) não é superior à alçada Tribunal, nem o valor da sucumbência excede metade deste valor (5.000 € e 2.500, respectivamente, cf. art. 31º/1 da Lei nº 52/2008, de 28/08);

- O Sr. Agente de execução não é parte nos autos;

- Não é terceiro directa e efectivamente prejudicado pela decisão processual em si, não se vendo qual seja afectação dos seus direitos ou interesses juridicamente protegidos - cf art. 631º/1 e 2 do CPC);

Verifica-se, pois, que:

A decisão é - em si mesma, bem como, quanto à multa, face ao seu montante e sucumbência irrecorrível [cf. arts. 629º/1 e 630/1 do CPC, e 27º/6 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) e que, por outro lado, o requerente carece de legitimidade; e, por isso, o requerimento sub iudice é manifestamente impertinente e improcedente (e inútil), o que gera a sua rejeição, com a inerente responsabilidade tributária - cf. arts. 6º/1, 130º, 527º/1 e 2, 631º/2, 641º/1 e 2, a), e 644º/2, e), do CPC, e 7º/4 do RCP.

Pelo exposto:

- Indefiro o requerimento de interposição de recurso, que desentranha, com a sua eliminação do respectivo histórico;

- O requerente paga três unidades de conta de taxa de justiça”.

De novo inconformado, reclamou o agente de execução deste despacho para o Tribunal da Relação de Évora, ao abrigo do disposto no artigo 643º do Código de Processo Civil, tendo o Exmo. Desembargador Relator indeferido a reclamação.

O Ministério Público junto da Relação, invocando a qualidade de parte acessória, requereu que sobre este mesmo despacho recaísse acórdão, nos termos do artigo 652º nº 3 do Código de Processo Civil.

Em 24 de Setembro de 2015, foi, por unanimidade, proferido acórdão, em Conferência, que manteve o despacho reclamado, alicerçando-se, essencialmente, na seguinte fundamentação:

- No que se refere ao cotejo comparativo com a possibilidade de recurso no caso de condenação em multa por litigância de má-fé, importa precisar que se trata de preceito que apenas é aplicável sempre que esteja uma parte processual em causa, e não um colaborador do Tribunal como acontece no caso concreto.

- Por outro lado, contrariamente ao sustentado pelo reclamante, o valor para efeitos de possibilidade de recurso, não é o valor da acção mas o valor do acto em discussão (multa) pois só ele afecta directamente o reclamante, sendo tal valor a regra para aferição da noção de sucumbência.

- Neste contexto, e por força do disposto no art. 27º nº 6 do Regulamento das Custas Processuais em conjugação com o preceituado nos art. 629º e 630º do CPCivil, é irrecorrível a decisão em apreço, não obstante ao reclamante, nos termos do art. 631º, assistir legitimidade em tal recurso, caso se verificassem os restantes requisitos legais.


O Ministério Público recorreu de revista com fundamento no estatuído no artigo 629º nº 2 alínea d), invocando oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido, em 16.06.2015, na revista nº 1008/07.TBFAR.D.E1.S1, de que juntou cópia e disponível em www.dgsi.pt/jstj.  

Na alegação oportunamente apresentada aduziu a seguinte síntese conclusiva:

«I - O acórdão recorrido e o acórdão fundamento - proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 16/6/2015, no Proc. n° 1008/07.0TBF AR-D.E 1.S 1 - encontram-se em contradição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não cabendo recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, face às disposições conjugadas dos artigos 542º nº 3, 643° nº 4 e 652° n° 3 do NCPC, pelo que, inexistindo sobre a matéria jurisprudência uniformizada, se mostram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para o presente recurso "extraordinário", previsto no artº 629° n° 2 al. d) do NCPC.

II - O disposto no art° 27° n° 6 do RCP deve ser interpretado no sentido de ser sempre admissível recurso, quer da condenação em multa, quer em taxa sancionatória excepcional, tal como se prevê a admissão de recurso no caso da condenação por má fé, nos termos do art° 542° n° 3 do NCPC, independentemente do valor da causa e da sucumbência,

III - Na verdade, resulta do disposto no art° 27° n° 2 do RCP que a multa ou penalidade só pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC, ou seja, a um valor máximo de 1 020 euros e que a taxa sancionatória excepcional, nos termos do art° 10° do RCP, só pode ascender ao máximo de 15 Uc, ou seja, a um valor máximo de 1530 euros - sendo, pois, tais valores máximos sempre inferiores a metade da alçada da 1ª instância. Em consequência, não faz sentido defender-se que o recurso da multa, expressamente admitido nos termos previstos no art° 644° n° 2 al. e) do NCPC, está sujeito às exigências de valor fixadas no art° 629° nº 1 do mesmo código, quando afinal o RCP impede expressamente que a multa ascenda ao valor de sucumbência fixado em tal norma.

IV - Assim, haverá de atender-se conjugadamente ao disposto ao disposto nos artigos 27° nº 2 e nº 6 do RCP e aos artigos 629° nº 1 e 644º n° 2 al. e) do NCPC para se obter uma interpretação que tenha em conta a unidade do sistema jurídico, uma vez que se afigura indubitável que o legislador pretendeu manter a possibilidade de recurso das decisões que aplicam multas e manteve no novo CPC a norma do art° 644° nº 2 aI. e), com nova formulação para abranger quer a multa quer outra sanção processual - e tal interpretação não pode deixar de ser a de não sujeitar o recurso de multas e outras sanções às exigências do valor da acção e da sucumbência previstas no artº 629° n° 1 do NCPC, tal como sucede na litigância por má fé.

V - Não tendo seguido o entendimento supra exposto, violou o douto acórdão recorrido o disposto no art° 27º n° 6 do RCP e artigos 629° n° 1 e 644° n° 2 al. e) do NCPC, devendo ter interpretado tais normas no sentido constante das conclusões acima enunciadas.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis deve o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue procedente a reclamação e admita o recurso interposto da decisão que aplicou a multa na 1ª instância».


Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. Fundamentos:

1. O presente recurso tem por objecto acórdão proferido, em Conferência, pelo Tribunal da Relação de Évora, o qual, mantendo a decisão singular do Exmo. Desembargador Relator, indeferiu a reclamação deduzida ao abrigo do artigo 643º do Código de Processo Civil contra o despacho do Exmo. Juiz da 1ª instância que rejeitou a apelação interposta da condenação do agente de execução em multa com fundamento na falta dos pressupostos gerais de recorribilidade – valor e sucumbência – exigidos pelo artigo 629º nº 1 do Código de Processo Civil.

Está em causa revista interposta de acórdão da Relação que apreciou decisão interlocutória proferida pela 1ª instância relativa a questão de natureza exclusivamente processual, concretamente, a recorribilidade, ou não, da decisão da 1ª instância que aplicou a multa prevista no artigo 723º nº 2 do Código de Processo Civil ao agente de execução na sequência do indeferimento de requerimento por este apresentado.

Não tendo o acórdão recorrido conhecido de mérito nem posto termo ao processo, absolvendo da instância alguma das partes, dele não cabe recurso de revista nos termos do nº 1 do artigo 671º do Código de Processo Civil na actual versão, introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável por força do estatuído no seu artigo 7º nº 1.

Quanto às decisões interlocutórias que versem unicamente sobre a relação processual rege o nº 2 do referido artigo 671º, segundo o qual aquelas decisões só podem ser objecto de revista:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

No caso vertente, o recurso tem por fundamento a oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido, em 16.06.2015 (proc. 1008/07.0TBFAR.D.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj), cujo trânsito a lei presume, pelo que, caberia, à primeira vista, na previsão da transcrita al. b) do nº 2 do artigo 671º.

Sucede, porém, que, embora ocorra contradição clara e frontal entre os mencionados acórdãos relativamente à mesma questão jurídica essencial em resultado da aplicação do mesmo quadro normativo, não se verificam os necessários pressupostos gerais atinentes ao valor da causa (a acção tem o valor de €12.140,90) e à sucumbência (a multa aplicada corresponde a cinco unidades de conta) para que o recurso possa admitir-se com tal base legal, pelo que cumprirá analisar se a situação dos autos – por aplicação da alínea a) do nº 2 do artigo 671º – integra alguma das previsões do nº 2 do artigo 629º, preceito que enuncia as hipóteses em que o recurso é sempre admissível.

A questão nuclear colocada no presente recurso de revista prende-se com a interpretação do disposto no nº 6 do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo DL nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, em vigor desde 20 de Abril de 2009, com as alterações introduzidas pela Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, concretamente, saber se aquele preceito consagra uma regra de recorribilidade irrestrita relativamente às decisões que profiram condenação em multa, admitindo-se o recurso mesmo quando falta a conjugação dos requisitos gerais relativos ao valor da causa e à sucumbência, e, em caso afirmativo, em que grau.

Como se observou no acórdão deste Supremo Tribunal de 26.03.2015 (proc. 2992/13.0TBFAF-A.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj), que se pronunciou sobre questão idêntica e cuja doutrina seguimos de perto, estaremos perante uma disposição especial relevante para efeitos de aplicação da excepção prevista na alínea a) do nº 2 do artigo 671º do Código de Processo Civil, parecendo valer aqui, por analogia (artigo 10º do Código Civil), a razão subjacente ao disposto no alínea b) do nº 2 do artigo 629º, isto é, assegurar o recurso das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, independentemente do valor da causa e da sucumbência, na medida em que no caso dos autos está em causa o recurso de decisão em que se discute a própria irrecorribilidade irrestrita da mesma.

Acresce ser inequívoca e frontal a oposição entre a solução encontrada pelos acórdãos em confronto – acórdão recorrido e o identificado acórdão- fundamento deste Supremo Tribunal proferido em 16.06.2015 – relativamente à interpretação do nº 6 do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais, ou seja, no tocante a idêntica questão jurídico-factual essencial apreciada no âmbito da mesma legislação e sobre a qual não recaiu jurisprudência uniformizada.

Tem-se, assim, por admissível, o presente recurso de revista com base na previsão excepcional do artigo 671º nº 2 al. a) do Código de Processo Civil.


2. No que ora releva, prescreve o artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo DL nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, em vigor desde 20 de Abril de 2009, com as alterações introduzidas pela Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, que:

1 - Sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respectivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC.

2 - Nos casos excepcionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC.

(…)

6 - Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa, penalidade ou taxa. 

Vem suscitando dúvidas, aliás, fundadas, a determinação do sentido interpretativo do segmento normativo «Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso» inserto no nº 6 do preceito transcrito, em particular, da expressão «fora dos casos legalmente admissíveis».

As divergências de entendimento são patentes quer na jurisprudência da 1ª instância, quer das Relações. No sentido da admissibilidade do recurso depender da verificação dos requisitos gerais de recorribilidade (valor e sucumbência) temos, entre outras, as decisões das instâncias proferidas nestes autos. No entendimento de que é sempre admissível recurso nas situações previstas no aludido nº 6 do artigo 27º pode citar-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.04.2014 (proc. nº 183/12.7TBOER-A.L2-6, acessível em www.dgsi.pt/jstj).

Na sequência da reforma do regime recursório operada pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, e acerca da temática da impugnabilidade da decisão judicial de condenação no pagamento de multa escreveu o Conselheiro Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8ª ed., págs. 120 e 121, nota 217), reportando-se ao valor da sucumbência, ser imperativa «uma intervenção legislativa a determinar que a este último valor se não atenda para a admissibilidade do recurso das decisões que condenem em multa, fora dos casos de litigância de má fé. Enquanto tal não acontecer, e tendo em conta que, no triénio que abrange os anos de 2007, 2008 e 2009, a UC é de montante de € 96,00, somente as condenações superiores a 20 UC, na 1.ª instância, e a 78 UC, na 2.ª instância, seriam passíveis de recurso. Ora, condenações deste tipo, fora dos casos especialmente regulados na lei, são inviáveis, exceptuadas as respeitantes à litigância de má fé, uma vez que os limites legais se encontram estabelecidos entre 1 UC e 10 UC (art.º 102.º, alínea b), do CCJ)».

O Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, além dos expressamente afirmados objectivos de uniformização e simplificação do sistema de custas processuais, criou um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados, permitindo, nestes casos, ao juiz do processo fixar uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizador (cfr. respectivo preâmbulo), medida corporizada no artigo 10º daquele Regulamento.

 O legislador foi, porém, mais longe e consagrou no nº 6 do artigo 27º do mesmo diploma caber sempre recurso da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos legalmente admissíveis, dando razão às críticas fundadas que a ausência de recurso de decisão condenatória dessa natureza suscitava.

Não foi, contudo, feliz a formulação legal adoptada, prestando-se o segmento «fora dos casos legalmente admissíveis», como se referiu já, a interpretações divergentes e que constituem a razão de ser desta revista.

O Conselheiro Salvador da Costa (Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5ª ed., Almedina, pág. 332), escreveu, a propósito, que “A expressão fora dos casos legalmente admissíveis literalmente interpretada é desadequada, porque é susceptível de levar a crer, sobretudo no caso da taxa sancionatória excepcional, que se reporta às cominações fora das espécies processuais a que alude o proémio do artigo 531º do Código de Processo Civil.

É carecido da necessária clareza, dado que gera a dúvida sobre se pretende referir-se às decisões em que não cabe recurso, ou reportar-se à ilegalidade da decisão condenatória no pagamento da multa, reporte sem lógica jurídica”.

Interpretando o normativo em causa, considerou o citado Acórdão deste Supremo Tribunal de 26.03.2015, que se acompanha, afigurar-se mais razoável “considerar que com a norma do n.º 6 do art.º 27.º do RCP, o legislador pretendeu introduzir uma regra geral de recorribilidade das decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória, de modo a colmatar o bloqueio provocado pelo factor condicionante da sucumbência. E que a expressão fora dos casos legalmente admissíveis é delimitadora da respectiva previsão normativa no que toca aos tipos de sanções ali enunciados, pretendendo-se, assim, ressalvar dessa previsão os casos já previstos de litigância de má fé, como sustenta Salvador da Costa.

Só neste entendimento se obtém a coerência possível do instituto em referência, seja quanto aos limites das multas estabelecidos nos artigos 10.º e 27.º, n.º 1, do RCP, seja mesmo considerando que o actual art.º 644.º, n.º 2, alínea e) destaca, para efeitos de apelação autónoma, as decisões que condenem em multa ou cominem outra sanção processual”.

Esta interpretação normativa, que encontra correspondência no texto legal, é a que melhor acolhe os critérios interpretativos enunciados no artigo 9º do Código Civil, nomeadamente, os elementos sistemático e teleológico, sendo também o que melhor se adequa à presunção de que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento.

O entendimento sufragado no acórdão recorrido conduziria a que só muito dificilmente fosse admissível recurso, num caso em que a lei o prevê expressamente (nº 6 do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais), por falta de verificação do pressuposto da sucumbência, uma vez que o valor máximo das multas legalmente previsto (artigos 10º e 27º do citado Regulamento) não atinge o valor correspondente a metade da alçada do tribunal da 1ª instância, situação que retiraria qualquer efeito útil à norma em questão.

Não pode, aliás, descurar-se a similitude existente com o regime recursório previsto no artigo 542º nº 3 do Código de Processo Civil para a condenação por litigância de má fé, nos termos do qual é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

Também o paralelismo entre a previsão do nº 6 do artigo 27º do Regulamento das Custas Judiciais e o que a lei processual estabelece para a condenação de quem litiga de má fé, conduz a que nas situações de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional a garantia de recurso da respectiva decisão seja limitada a um grau.

Chamado a pronunciar-se sobre a concreta questão que nos ocupa, o Supremo Tribunal de Justiça adoptou já o entendimento de ser sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, das decisões que condenem em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos de litigância de má fé, mas apenas em um grau, conforme os citados Acórdãos de 26.03.2015 e de 16.06.2015, não se antevendo argumentação convincente para sustentar a tese contrária, sob pena de se deixar sem recurso situações que o legislador quis contemplar e de ficar esvaziada de conteúdo útil a norma ínsita no artigo 27º nº 6 do Regulamento das Custas Processuais.

 

III. Decisão:

Termos em que se concede a revista e se revoga o acórdão recorrido, julgando-se procedente a reclamação contra o indeferimento do recurso de apelação interposto na 1ª instância, o qual deverá ser admitido, se fundamento diverso a tal não obstar.

Custas pelo vencido a final.


Lisboa, 23 de Junho de 2016


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Olindo Geraldes

Pires da Rosa