Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
709/12.6TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: CONTRATO DE ARQUITETURA
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
DECLARATÁRIO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
HONORÁRIOS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I. Para os efeitos de nulidade da sentença, o que verdadeiramente releva é a omissão completa de pronúncia, não importando ser a mesma deficiente, medíocre ou errada.
II. O critério objetivo da interpretação quanto ao sentido normal da declaração negocial, consagrado no artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, é baseado na impressão de um declaratário normal, tido este por pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente, em face da declaração negocial e das circunstâncias que o real declaratário conhecia ou podia conhecer.

III. Esse sentido normal da declaração negocial não pode coincidir com um facto que obteve uma resposta negativa.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – RELATÓRIO


 Atelier José Vaz Pires – Arquitetura e Planeamento, Lda., instaurou, em 13 de julho de 2012, na então … Vara Cível da Comarca de …. (Juízo … de …, Comarca de …), contra HPP – Hospitais Privados de Portugal, SGPS, S.A. (que passou a denominar-se Lusíadas, SGPS, S.A.), HPP Lusíadas, S.A. (que passou a denominar-se Lusíadas, S.A.), Fundimo – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A. (que passou a denominar-se Fundger – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A.), Caixa de Seguros e Saúde, SGPS, S.A., e Caixa Geral de Depósitos, S.A., ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que as Rés fossem condenadas, solidariamente, a declarar e demonstrar documentalmente à A. o custo final, real e efetivo da obra de edificação do Hospital dos Lusíadas, em Lisboa, bem como as suas parcelas relevantes para liquidação do montante dos honorários devidos à A. e a pagar-lhe o montante correspondente ao saldo final de honorários, que provisoriamente computa em € 485 470,60, acrescida do IVA, a liquidar até final ou em execução de sentença, e dos juros de mora, à taxa definida para as obrigações comerciais, desde 25 de junho de 2008 e até integral pagamento, e ainda a pagar-lhe a quantia de € 1 000,00, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação em que venha a ser condenada, a título de sanção pecuniária compulsória.

Para tanto, alegou, em síntese, que apresentou proposta às 1.ª e 2.ª RR. em que o valor dos honorários relativos à sua prestação de serviços seria revisto, numa 1.ª fase, em função do valor da adjudicação da obra e, numa 2.ª fase, em função do valor final; aquelas RR., por carta de 26 de abril de 2002 dirigida à A., adjudicaram-lhe a elaboração dos projetos de arquitetura, para licenciamento e execução do Hospital HPP, em Lisboa, e declararam o seu acordo com as condições e quantitativos estabelecidos na proposta da A,; por carta de 28 de junho de 2004, dirigida pela A. às mesmas RR., foi proposta uma atualização dos honorários, tendo por base o aprovado pelas RR.; estas sempre se esquivaram a indicar-lhe o custo final e efetivo da obra, furtando-se à obrigação de pagar o saldo final de crédito a favor da A.; as RR. integram o Grupo Caixa Geral de Depósitos, agindo como tal perante a A.

Contestaram as RR., por exceção, arguindo a sua ilegitimidade, a prescrição e o abuso do direito, e por impugnação, concluindo pela improcedência da ação.

Replicou a A., pugnando pela improcedência da matéria de exceção e requerendo ainda a intervenção principal do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado Saudeinveste.

Este, chamado, contestou, aderindo ao articulado apresentado pelas RR., tendo a A. replicado.

Na audiência prévia, foi proferido despacho saneador, julgando-se improcedentes as exceções de ilegitimidade passiva e a prescrição, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 7 de janeiro de 2016, a sentença, que, julgando a ação improcedente, absolveu as Rés e o Interveniente do pedido.

Inconformada, a Autora apelou para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão de 20 de outubro de 2016, julgando improcedente a apelação, confirmou a sentença.


Continuando inconformada, a Autora interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:

a) O acórdão recorrido não se pronunciou se a sentença havia feito a correta aplicação do art. 236.º do CC aos factos provados, com o que ocorreu a nulidade a que alude o art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

b) A carta do facto 12, ao modificar apenas a percentagem de repartição de honorários, deve ser interpretada como não alterando no mais o acordo anterior.

c) A interpretação que possa ter existido não é correta, por violação do art. 236.º do CC.

d) A exata determinação do conteúdo da prestação de honorários de arquitetura haveria de ser feita em função do custo final da obra e de acordo com a Portaria de 7 de fevereiro de 1972.

e) O único ponto alterado é o respeitante às percentagens de distribuição de honorários entre as duas firmas de arquitetura.

f) Os interesses em causa só podem ser os de manter o equilíbrio de um contrato.

g) Não corresponde ao entendimento de um normal destinatário que a A. estivesse a propor uma redução dos seus honorários.

h) Para a condenação no pagamento do saldo dos honorários em dívida, torna-se patente a necessidade de ampliação da decisão de facto.

i) Devem ser computados os custos com os trabalhos de escavações, posto que é a arquitetura quem projeta o volume e a correspondente arquitetura abaixo do solo a edificar.

j) Devem ainda ser computados os custos com os trabalhos de arranjos exteriores e nos quais se incluem os de paisagismo.

k) Os autos reúnem todos os elementos probatórios para alterar o julgamento da matéria de facto, aditando-lhe, como provados, os factos que consistem na determinação dos custos reais e finais da obra.

l) Caso se entenda que algumas das parcelas de custo final e efetivo da obra não se encontram apuradas no seu exato montante, que o seu apuramento seja feito em execução de sentença.


Com o provimento do recurso, a Autora pretende que as Rés sejam condenadas a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de € 225 141,57 ou, subsidiariamente, € 200 818,18, sempre acrescida de IVA, à taxa legal de 23 %, e dos juros moratórios, às taxas aplicáveis às obrigações comerciais, desde 25 de junho de 2008.


Contra-alegaram as Rés, no sentido de ser negado provimento ao recurso, no caso de vir a ser admitido.


A revista “normal” não foi admitida, apesar da reclamação.

Entretanto, a Formação a que alude o art. 672.º, n.º 3, do CPC, por acórdão de 14 de julho de 2020, admitiu a revista excecional, com fundamento no “relevo jurídico” das questões de direito em apreciação, depois do Tribunal Constitucional, por acórdão de 11 de março de 2020, ter declarado inconstitucional o n.º 4 do art. 672.º do CPC, quando interpretado no sentido de a definitividade da decisão de verificação dos pressupostos da admissibilidade da revista excecional implicar a inadmissibilidade da arguição de nulidade dessa decisão e ter determinado a reforma do acórdão da Formação de 12 de outubro de 2017.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Nesta revista excecional, discute-se, para além da nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, o incumprimento de contrato de prestação de serviço, em particular quanto ao pagamento integral da retribuição.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:

1. A A. tem por objeto o exercício da atividade de realização de estudos e projetos de arquitetura, planeamento urbano e regional e projetos especiais (estabilidade); águas e esgotos infraestruturas, paisagismo, eletricidade e instalações mecânicas.

2. Desde 1999, foram mantidos contactos, com vista à elaboração do anteprojeto de arquitetura para o Hospital dos Lusíadas, em Lisboa, com a Wiegerinck Architecten, uma empresa holandesa de arquitetura, analisando a proposta que esta lhe fizera relativamente à execução do projeto, nomeadamente no que se refere ao envolvimento dos diversos projetistas nas diferentes áreas e fases do projeto.

3. Em 03.12.1999, AA, em papel timbrado da HPP- Hospitais Privados de Portugal, enviou à A., que recebeu, a carta de fls. 20/21, onde consta, para além do mais, “(...). No seguimento da reunião que tivemos no passado dia 01 de setembro com a presença da ASEP e da Wiegerínck Architecten foi-nos apresentada por esta, em 17 de setembro uma Proposta de Trabalhos relativos ao Projeto do Hospital. (...). Entretanto temos vindo a analisar a proposta da Wiegerínck Architecten relativa à execução do projeto nomeadamente no que se refere ao envolvimento dos diversos projetistas nas diferentes áreas e fases do projeto. É neste contexto que em anexo remetemos o Apêndice II da referida proposta da Wiegerínck para análise e eventuais comentários, por forma a ajustar este documento tanto quanto possível ao que é a prática corrente em Portugal. (…).

4. Entre 1999 e 2002, prosseguiram e tiveram lugar diversos contactos, reuniões, esboços e cálculos preliminares, visitas a diversos hospitais na Holanda, quer entre a A. e a representante do dono de obra, quer entre A. e Wiegerínck Architecten.

5. Tendo ficado projetado entre a A., a representante do dono de obra e a Wiegerinck Architecten que aquela e esta última prestariam, cada uma os serviços de arquitetura necessários à edificação daquele hospital, de modo coordenado entre si.

6. Respondendo ao convite, a A. enviou à HPP-Hospitais Privados de Portugal, e esta recebeu, a carta de 21.01.2002, a fls. 50/54, onde consta, para além do mais, “(...). Conforme solicitado por VExa., junto enviamos Proposta de Honorários, Faseamento e Prazos de Execução para o Projeto de Arquitetura de um Hospital a construir em Lisboa, propriedade de Hospitais Privados de Portugal. (...)”.

7. Em anexo a essa carta, encontra-se o documento denominado “Cálculo dos Honorários, Faseamento e Prazos de Execução para o Projeto de Arquitetura de um Hospital a Construir em Lisboa, Propriedade de Hospitais Privados de Portugal”, onde consta, para além do mais, “1- Valor Estimado da Obra: Edifício: € 15.756.446. 2. Cálculo dos Honorários, tendo por base a aplicação da Categoria III das Instruções para o Cálculo dos Honorários, referentes aos processos de Obras Públicas: €15.756.446,00 x 3,48%: € 548.324,32 (a este valor será acrescido o IVA à taxa legal em vigor, o mesmo se passando com as verbas discriminadas nos pontos seguintes). 3. Repartição dos honorários entre a equipa Wiegerinck Architecten e o Atelier José Vaz Pires, Arquitetura e Planeamento, Lda.: a) Wiegerinck Architecten: 32 % - € 175.463,78 (Lay-out e Estudo Prévio de Arquitetura); b) Atelier José Paulo Jorge do Vale Gomes (14-06-2016 16:30:31) Vaz Pires, Arquitetura e Planeamento, Lda.:  68 % - € 37.286,54 (Projeto de Licenciamento, Projeto de Execução e Assistência Técnica ao Projeto em Obra); Por arredondamento: € 370.000,00. 4. Faseamento dos Honorários: a)1a Fase: Adjudicação dos Trabalhos: 15 % - € 55.500,00; b) 2a Fase: Entrega do Projeto de Licenciamento/Arquitetura ao Dono-da-Obra, formatado para dar entrada na Câmara Municipal de …: 25% - € 92.500,00; c) 3a Fase: Com a aprovação do Projeto de Arquitetura pela Câmara Municipal de …: 15% -     € 55.500,00; d) 4a Fase: Com a entrega do Projeto de Execução ao Dono-da-Obra: 35 % - € 129.500,00; e) 5a Fase: Com a Assistência Técnica ao Projeto em Obra do início ao fim da mesma: 10 % - € 37.000,00 (este valor será dividido em 3 partes iguais a pagar no princípio, meio e fim da obra). 5. Prazos de Execução: Os prazos a seguir discriminados, resultam da análise do mapa de barras fornecido pelo Dono da obra: a) Entrega do Projeto de Licenciamento/Arquitetura ao Dono da Obra formatado para dar entrada na Câmara Municipal de Lisboa - 4 meses após a aprovação pelo Dono da obra do Estudo Prévio fornecido pela Wiegerinck Architecten e/ou adjudicação dos trabalhos; b) Entrega do Projeto de Execução ao Dono da obra -4,5 meses após a aprovação do Projeto de Licenciamento pela Câmara Municipal de … ou a confirmação de que o mesmo se encontra em vias de ser aprovado por aquela entidade; c) Assistência Técnica ao Projeto em Obra - do início ao termo da obra. 6. Cláusulas Especiais: 1. Não se encontram abrangidos no âmbito desta Proposta as seguintes tarefas e fornecimentos: a) Obtenção de elementos escritos ou desenhados de Entidades Oficiais ou outros em que seja necessária a intervenção do Cliente, obrigando-se no entanto, a prestar apoio técnico necessário àquelas diligências; b) Estudos económicos e de financiamento; c) Estudos de impacto ambiental; d) Estudos de Tráfego; e) Levantamento topográfico do terreno e das infraestruturas que o servem; f) Sondagens ou Estudo Geotécnico; g) Reformulação das peças escritas ou desenhadas já aprovadas, incluindo eventuais projetos de alterações oficiais ou não, qualquer que seja a fase dos desenvolvimentos do trabalho; h) Pagamento de licenças, taxas, selos, papéis ou outros encargos fiscais; i) Fornecimento de maquetas ou simulações através de filme; j) Coordenação e fiscalização da obra; k) Os projetos de infraestruturas urbanísticas, arranjos de exteriores, paisagismo, bem como todas as especialidades de engenharia dos edifícios, serão objeto de uma proposta complementar do Atelier José Vaz Pires se este for o entendimento do dono da obra ou poderão ficar a cargo do dono da obra por contrato direto com as firmas das Especialidades que vierem a ser escolhidas pelo mesmo, caso este assim o venha a entender; l) O valor dos honorários será revisto numa 1a Fase, em função do valor da adjudicação da obra, e numa 2a Fase em função do valor final da mesma. (...)”.

8. Com data de 26.04.2002, AA, na qualidade de administrador, enviou à A., e esta recebeu, a carta em papel timbrado de Hospitais Privados de Portugal, a fls. 56/59, onde consta, para além do mais, “(...). É com prazer que informamos ter
sido decidido adjudicar ao Vosso Gabinete a elaboração dos Projetos de Arquitetura
para licenciamento e execução do Hospital da HPP em Lisboa, de acordo com a vossa proposta de 21 de janeiro de 2002.
(...). 1. Fases do Trabalho e Prazos de Entrega: (...). 2. Honorários: Estamos de acordo com as condições e quantitativos estabelecidos na vossa proposta. 3. Diversos: (...). Aproveitamos a oportunidade para informar Vexas. que constituirão a equipa técnica deste empreendimento os seguintes gabinetes: Gabinete de Engenharia: ASEP: Projeto de fundações e estruturas; Projeto de redes de água e serviços de incêndio; Projeto de Instalações mecânicas; Projeto de Instalações elétricas; Projeto de instalações telefónicas; Projeto de instalações de segurança. Além dos projetos específicos indicados, a ASEP será responsável pela coordenação técnica de todos os projetos com vista à obtenção de melhor informação em peças escritas ou desenhadas para a realização da obra. O Dono da Obra (CGD-Pensões Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A) será representada pela HPP-Hospitais Privados de Portugal, S.A. Todas as faturas deverão ser passadas em nome de: CGD Pensões - Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., em representação do Fundo de Pensões do Pessoal da Caixa Geral de Depósitos, S.A. (...), e enviadas ao cuidado de: HPP Hospitais Privados de Portugal, S.A., (...)”.

9. Em cumprimento do ajustado, a A. foi prestando à dona da obra os serviços mencionados e esta pagando, àquela, as faturas aos mesmos relativos, nomeadamente as de fls. 60 a 73.

10. A A. enviou a HPP-Hospitais Privados de Portugal, e esta recebeu, a carta de 28.06.2004, a fls. 74/77, onde consta, para além do mais, “(...). Como é do vosso conhecimento, desde abril de 2002, temos vindo a desenvolver o Projeto de Arquitetura do Hospital Lusíadas cujo Projeto de Licenciamento deu entrada na Câmara Municipal de …. em 31 de janeiro de 2003 após estudo prévio aprovado por VExas. Tem-se vindo a verificar, após entrega nos Serviços Competentes da CM…, repetidas alterações de ordem funcional, programática, assim como opções técnicas que têm tido consequências ao nível de volume de trabalho a executar o qual se insere no âmbito previsto na carta de adjudicação feito por Vexa. e totalmente cumprido por nós até à presente data. Também de acordo com a nossa proposta aceite por Vexas. datada de 21 de janeiro de 2002 e anexa a Vossa carta de adjudicação prevê-se que tais tarefas solicitadas não se encontram incluídas no respetivo cálculo de honorários (conforme cláusula 6a, alínea G), a reformulação das peças desenhadas e escritas pelo Dono da obra. O mesmo documento refere também que a coordenação técnica dos projetos será feita pela empresa ASEP, mas tal não se tem vindo a verificar (…), pois a ASEP sempre considerou e considera que tal tarefa é da responsabilidade do Atelier José Vaz Pires enquanto projetista geral, situação que foi abordada uma vez com o Exm.º Eng. AA mas não concretizada, no âmbito da prestação de serviços mas que no entanto temos vindo a assegurar de forma a podermos obter projetos finais compatíveis nas várias vertentes técnicas. Em virtude de tais pressupostos, e de se terem passado aproximadamente dois anos e meio sobre a base de partida deste referido trabalho, vimos apresentar uma proposta de atualização dos honorários tendo por base a então aprovada por VExas. (...)”.

11. Em anexo a essa carta, encontra-se o instrumento particular denominado “Atualização da Proposta de Honorários”, a fls. 76/77, onde consta, para além do mais, “I- Valor dos honorários à data de janeiro de 2002: € 370.000,00. II. Valores recebidos até à presente data: 1a Fase: Adjudicação: 15 % - € 55.000,00; 2a Fase: Entrega do Licenciamento: 25 % - € 92.500,00; 3a Fase: 50 % da Fase (Projeto de Execução) - € 64.750,00; Valor Total Recebido: € 212.750,00. III. Proposta de Atualização de Honorários: Aos valores atribuídos como base de estimativa de obra para efeitos do cálculo de honorários foi considerado sobre a totalidade uma percentagem de 32 % a atribuir ao consultor holandês Wiegerinck Architecten correspondendo ao Lay-out e Estudo Prévio de Arquitetura. No nosso entender consideramos ter sido realizada a fase de Lay-out pelo consultor e a fase de Estudo Prévio de Arquitetura elaborada pelo nosso Atelier. Só após a elaboração deste Estudo Prévio e respetivas apresentações foi aprovada por Vexas. a referida Fase que conduziu à elaboração do Projeto de Licenciamento entregue na Câmara e que obteve proposta de deferimento em sessão de Câmara e que inteiramente por posições de natureza política se encontra em situação que todos conhecemos. Assim sendo, a proposta de atualização de honorários que remetemos a Vexa. é a de ser incluída na nossa prestação de serviços os 32 % então retirados da totalidade da proposta, correspondentes a € 175.463,78, correspondendo assim aos 100 % calculados. Este montante propomos ser distribuído pelo número de fases (5 fases) previstas na nossa proposta. 1a Fase: € 35.092,76; 2a Fase: € 35.092,76; 3a Fase: € 35.092,76; 4a Fase: € 35.092,76; 5a Fase: € 35.092,76. NOTA: A estes valores será acrescido o IVA à taxa legal em vigor. (...)”.

12. AA, como presidente do conselho de administração, e em papel timbrado de HPP-Centro, enviou à A., e esta recebeu, a carta de 22.11.2004, a fls. 78, onde consta, para além do mais, “(...). No seguimento da vossa carta de 28 de junho e da reunião efetuada recentemente, temos vindo a analisar a vossa proposta de atualização de honorários relativos ao desenvolvimento do Projeto de Arquitetura do Hospital dos Lusíadas. Temos presente que este projeto tem sofrido inúmeros atrasos na Câmara Municipal de …., com algumas alterações que entretanto se revelaram necessárias, o que conduziu a que apenas nesta data se vá iniciar a elaboração dos projetos das especialidades. Entretanto foi possível chegar a acordo com a CM… na definição de uma solução que permita desbloquear a aprovação do projeto de arquitetura que se deverá traduzir pela assinatura, a breve prazo, de um contrato que prevê que esta tramitação final do processo ocorra em prazos bem definidos. Assim, reconhecendo que a contribuição dada pelo gabinete de arquitetura Wiegerinck embora importante não se traduziu por uma redução do vosso trabalho na percentagem que foi inicialmente acordada, entendemos que se justifica rever o montante do vosso contrato, atribuindo-lhe uma percentagem de 90 % do cálculo dos honorários segundo a vossa proposta de 26 de abril de 2002, ou seja, € 548.324,32 x 0,90= € 493.491,88, valor que por arredondamento será € 494.000,00. Esperando que esta nossa decisão possa permitir reequilibrar as condições do contrato. (...)”.

13. A A. declarou ao dono da obra e seu representante aceitar a alteração para 90 % da percentagem dos seus serviços.

14. A A. prosseguiu a sua prestação de serviços ao dono da obra e este e pagou-lhe as faturas emitidas.

15. AA, como administrador, em papel timbrado de Hospitais Privados de Portugal, enviou à A., e esta recebeu, a carta de 11.03.2002, a fls. 79, onde consta, para além do mais, “(...). As propostas de trabalho a realizar no âmbito deste projeto, bem como os respetivos contratos e faturação deverão ser emitidos de acordo com os seguintes elementos: Nome: CGD-Pensões Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., em representação do Fundo de Pensões do Pessoal da Caixa Geral de Depósitos. (...)”.

16. CGD-Pensões Sociedade Gestora de Fundo de Pensões, S.A, enviou à A., e esta recebeu, a carta de 06.06.2002, a fls. 80, onde consta, para além do mais, “(...). Vimos, por este meio, comunicar que o terreno em epígrafe, existente na carteira do Fundo de Pensões do Pessoal da Caixa Geral de Depósitos, S.A., foi vendido no passado dia 30 de maio ao Fundo de Investimento Imobiliário Saúdeinveste gerido pela Fundimo-Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A. (...)”.

17. Os trabalhos de edificação da obra foram adjudicados pelo dono da obra a diversos empreiteiros, designadamente a Teixeira Duarte, S.A, Kone, S.A., e L C Power.

18. A obra foi concluída em conformidade com os projetos e demais serviços prestados pela A. e entrou em funcionamento, como hospital, em maio de 2008.

19. A A. enviou a HPP-Hospitais Privados de Portugal, S.A., e esta recebeu, a carta de 24.06.2008, a fls. 82, onde consta, para além do mais, “(...). Visto até à presente data não ter sido possível fornecerem-nos o valor final da empreitada supra citada, uma vez que o dossier de obra não se encontra fechado, segundo nos informou a ASEP, vimos pela presente conforme previsto na nossa carta de adjudicação - Cláusulas Especiais, parágrafo I) e acordado com Vexas., apresentar os nossos honorários revistos em função do valor de adjudicação da empreitada. Aguardaremos o fecho final de contas para se proceder conforme previsto à correção final dos honorários. (...).”

20. Em anexo a essa carta, encontra-se o instrumento particular denominado “Revisão dos Honorários de Arquitetura em Função do Valor da Adjudicação da Empreitada do Hospital Privado dos Lusíadas em Lisboa”, a fls. 83, onde consta, para além do mais, “(...). Valor estimado da Empreitada (…): € 15.756.446,00; Valor de adjudicação da empreitada (julho de 2007): € 29.491.507,02; Valor dos Honorários atualizados tendo por base a Cat. II das Instruções para Cálculo dos Honorários do MOP: 2,93 % -  € 29.491.507,00 x 2,93 % = € 864.101,15; Repartição dos honorários entre os consultores Wiegerinck Architecten e o Atelier José Vaz Pires, proposto pela HPP em 22.11.2004: Wiegerinck Architecten -10 % dos honorários, no valor de € 86.410,11; Atelier José Vaz Pires – 90 % dos honorários, no valor de € 777.691,03; Por arredondamento: € 777.000,00; Honorários recebidos até à presente data: € 494.000,00; Honorários por receber: € 777.000,00 - € 494.000,00 = € 283.000,00.”

21. Por volta de abril de 2009, a A., na sequência de reunião que manteve com o representante do dono da obra, foi contactada por BB, que se apresentou como assessor de administração da HPP Saúde, que, com o objetivo de chegar a acordo com a A. e encerrar o assunto, apresentou a proposta de pagar  € 44 712,00, a título de saldo final de honorários, apresentando, como custo final da obra, a quantia de € 31 143 000,00.

22. A A. rejeitou essa proposta.

23. A A. enviou a HPP-Hospitais Privados de Portugal, e esta recebeu, a carta de 29.04.2009, a fls. 90/91, onde consta, para além do mais, “(...). Após reunião havida nas Vossas instalações, que muito agradecemos sobre o assunto em epigrafe, vimos por este meio enviar Nota/Proposta sobre o nosso entendimento acerca do fecho de contas dos honorários do Hospital dos Lusíadas. (...)”.

24. Em anexo a essa carta, encontra-se o instrumento particular denominado “Revisão dos Honorários de Arquitetura em Função do Valor Final da Empreitada do Hospital Privado dos Lusíadas em Lisboa”, a fls. 91, onde consta, para além do mais, “(...). Valor Final da obra - IVA incluído: € 37.920.000,00; Dedução: (Tomamos como referência as Instruções para Cálculo de Honorários do Ministério das Obras Públicas, artigo 20.º) - Fundações (exclusão da parcela, 10 % da 1a Fase da empreitada): € 500.000,00 + IVA = € 600.000,00; Total: € 37.320.000,00. Percentagem a aplicar tendo como referência a Tabela de Instruções para Cálculo dos Honorários do MOP, Cat. III: 2,8 % - € 37.278.000 x 2,8 %: € 1.044.960,00; Wiegerinck Architecten (32 % dos honorários iniciais - 22.11.2004, isento de IVA:€ 175.463,80; Total: € 869.496,00; Honorários já recebidos - € 494.000,00 + IVA: € 592.800,00; Valor a receber: € 276.669,00; Arredondamento: € 276.000,00”.

25. O dono da obra e a sua representante rejeitaram essa proposta.

26. Pelos serviços prestados, a A. já recebeu a quantia de € 494 000,00.

27. A 1.ª R. é gestora de participações sociais, constituída em 05.12.2002, e que tem por objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de atividades económicas.

28. A 2.ª R. foi constituída em 24.09.2002, sob a denominação de Hospitais Privados de Portugal - HPP Centro, S.A., tem como objeto a gestão e exploração de estabelecimentos de saúde com internamento e é atual sociedade gestora do Hospital dos Lusíadas, em Lisboa.

29. A 3.ª R. foi constituída em 08.01.1987, e é a gestora do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado Saúdeinveste, atual proprietário do hospital.

30. A 4.ª R. é gestora de participações sociais e tem por objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.

31. A 5.ª R. é uma instituição de crédito e tem por objeto o exercício da atividade bancária nos mais amplos termos permitidos por lei.

32. O valor estimado da obra (edifício), de € 15 756 446,00, foi indicado à A. pela 2.ª R.

33. O custo contabilístico do imóvel Hospital dos Lusíadas, incluindo terreno no valor de € 9 783 851,00 e IVA, suportado no montante de € 7 470 019,42, foi de € 53.638.034,48.

34. À data do início das relações com a A., o dono da obra era o Fundo de Pensões do Pessoal da Caixa Geral de Depósitos, S.A., gerido pela CGD-Pensões-Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., que era representada, no âmbito das relações com a A., pela HPP-Hospitais Privados de Portugal, S.A.

35. Na obra de construção, o dono da obra despendeu, pelo menos, a quantia de  € 32 388,617,13, com os empreiteiros Teixeira Duarte, S.A., Kone, S.A., e L C Power, S.A, sendo que, com os arranjos exteriores, despendeu a quantia de € 1 669 248,79 e, em indemnização com estaleiro da Teixeira Duarte, S.A., a quantia de € 149 543,00.

36. A A. recebeu também a quantia de € 49 400,00, acrescida de IVA, no montante total de € 59 774,00, por “Início de Alterações – 50 %”.

37. A A. teve conhecimento do valor de adjudicação da empreitada, no montante de  € 29 491 507,02, pelo menos, em junho de 2008.

38. Em 21.01.2002, ainda não havia sido adquirido o terreno onde veio a ser construído do Hospital dos Lusíadas, nem havia sido submetido à CM…. a operação de licenciamento de loteamento e/ou edificação.

39. A Pyd-Planificación Y Desarrollo, Consultores, SL, prestou serviços ao dono de obra, nomeadamente no que concerne a equipamentos hospitalares e de medicina a instalar no edifício.

40. Em 2006, a representante do dono de obra junto da A. solicitou-lhe trabalho consistente nas “alterações ao projeto do Hospital Privado dos Lusíadas”, trabalho objeto de prévio ajuste e pago.

41. Em 2005, a A. também prestou ao dono de obra serviços relativos a “Operação de Loteamento/Emparcelamento entre o Lote ….. e a Parcela Municipal Contígua, entre a Av. … e as Ruas …, em …”, trabalho objeto de prévio ajuste, faturado e pago, no valor de € 7 500,00 + IVA.

42. Em 2002 e 2003, a A. também prestou ao dono de obra serviços relativos a “Estudo de Tráfego e Circulação Rodoviária (…) Hospital”, trabalho objeto de prévio ajuste, faturado e pago.


***


2.2. Delimitada a matéria de facto, expurgada de redundâncias, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas respetivas conclusões, nomeadamente da nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, e do incumprimento de contrato de prestação de serviço, em particular quanto ao pagamento integral da retribuição.


Alegou a Recorrente a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, quanto ao erro de julgamento, decorrente da incorreta interpretação e aplicação dos arts. 236.º a 238.º, do Código Civil, aos factos declarados provados na sentença, nomeadamente nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC).

O acórdão recorrido, porém, teve pronúncia expressa, quanto à aplicação do direito aos factos provados, realçando que a sentença “interpretou em conformidade com o resultado fáctico”, bem como a insuficiência de factos, para referenciação do “valor remuneratório” reportado “ao custo final da obra” (fls. 894/895).

Poder-se-á admitir que se trata de uma pronúncia escassa.

Contudo, para efeitos de nulidade da sentença, o que verdadeiramente releva é a omissão completa de pronúncia, não importando ser a mesma deficiente, medíocre ou errada.

 Assim sendo, julga-se improcedente a arguida nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia.


2.3. Passando à parte substantiva do recurso, tanto a sentença como o acórdão recorrido julgaram a ação improcedente, com a consequente absolvição do pedido dos Recorridos.

A Recorrente, porém, insiste na alegação do incumprimento do contrato, quanto ao pagamento integral da retribuição, concluindo pela condenação dos Recorridos, embora por valor inferior ao indicado na petição inicial, como se descreveu.

Ao invés, os Recorridos entendem que não têm qualquer obrigação a cumprir.

Assim, sumariados os termos essenciais da controvérsia jurídica emergente dos autos, importa então proceder à sua análise, ponderação e decisão, nomeadamente à luz do direito aplicável.


Desde logo, não vem posta em causa a qualificação jurídica do contrato como sendo de prestação de serviços de arquitetura, nomeadamente do projeto do Hospital dos Lusíadas, em Lisboa, em conformidade com a noção fornecida pelo art. 1154.º do Código Civil (CC).

No contrato de prestação de serviço, enquanto uma das partes se obriga a prestar o seu trabalho intelectual a outra obriga-se a pagar a retribuição.

É, no âmbito da retribuição, que deflagra o conflito entre as partes, com a Recorrente a alegar o incumprimento do contrato, por não lhe ter sido paga a retribuição integral, enquanto os Recorridos contrapõem o contrário, isto é, o pagamento integral.

Para o efeito, ganham especial importância os documentos de fls. 76/77 e 78 e que consubstanciam os factos descritos sob os n.º s 11 e 12.

Na verdade, são os factos declarados provados que importa ponderar na aplicação do direito ao caso, não importando, nesta fase, os depoimentos concretos de testemunhas, cujo relevo está limitado à instrução, e que ficou esgotada na Relação, nomeadamente no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, deduzida pela então Apelante, sendo certo que o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, apenas conhece de direito.

Feita esta prevenção, verifica-se que, no entendimento da Recorrente, a atualização dos honorários, a que se operou nos termos do documento de fls. 78 (2004), continuava a ter como referência o valor final da obra, como fora acordado inicialmente (2002), enquanto para os Recorridos, diferentemente, a atualização inutilizou o acordo inicial, que passava pelo valor final da obra.

A problemática suscitada remete, pois, para a interpretação dos negócios jurídicos, de modo a encontrar o sentido normal das declarações negociais, tendo em consideração as declarações proferidas, o contexto negocial e a execução do contrato.

Não obstante a prática seguida pelas partes ser comum em numerosas situações, não deixa de causar alguma estranheza, designadamente pelo elevado valor pecuniário envolvido, que o contrato não tenha sido formalizado através de documento autónomo, depois de discutido e acordado pelas partes, de modo a fixar, com rigor e eficácia, os seus termos, prevenindo, tanto quanto possível, dúvidas e incertezas e, por outro lado, evitando também conflitos na sua execução, com as consequências prejudiciais associadas.

Apreciando, então, os factos específicos, antes identificados, desde logo, se pode constatar que não ficou demonstrada a vontade real das partes, e por isso não é aplicável o critério subjetivo estabelecido no art. 236.º, n.º 2, do CC, segundo o qual sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.

Aliás, pelo que resulta dos autos, nem a Recorrente sabia que a outra parte não previa qualquer outra atualização, nomeadamente com referência ao preço final da obra, nem esta última sabia também que a Recorrente continuava a contar ainda com a mesma atualização, o que, de algum modo, até se pode compreender, quer por nada se conhecer que tivesse sido dito, quanto à atualização inicialmente prevista, quer pela referência exclusiva à percentagem de 90 % dos honorários calculados inicialmente.

Naturalmente, está afastado qualquer vício da vontade, resultante da falta de alegação e prova da correspondente materialidade.


Não sendo conhecida a vontade real das partes, importa então, para identificar o sentido normal da declaração negocial, recorrer ao critério objetivo consagrado no art. 236.º, n.º 1, do CC, seguido na sentença.

Nos termos desta norma legal, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Esta formulação corresponde à chamada “teoria da impressão do destinatário” (VAZ SERRA, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 111.º (1978/1978), pág. 307, C. A. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, 2005, págs. 444 e segs., e PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Gral do Direito Civil, 9.ª edição, 2019, págs. 551/552).

Trata-se, com efeito, do critério objetivo de interpretação quanto ao sentido normal da declaração negocial, baseado na impressão de um declaratário normal, tido este por pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente, em face da declaração negocial e das circunstâncias que o real declaratário conhecia ou podia conhecer.

Definido o critério objetivo de interpretação da declaração negocial, importa então confrontá-lo com os factos provados, para saber se o sentido normal da declaração corresponde ao entendimento defendido pela Recorrente, pois só nessa condição é possível conferir outro destino à ação, que foi julgada improcedente.

Na verdade, a atualização dos honorários da Recorrente foi colocada por esta na carta de 28 de junho de 2004, em especial no seu anexo (factos n.º s 10 e 11).

A essa carta foi dada resposta, nomeadamente também através de carta, de 22 de novembro de 2004, atribuindo-se à Recorrente uma percentagem de 90 %, equivalente a  € 493 491,88, que, por arredondamento, correspondia a € 494 000,00 (facto n.º 12).  

A Recorrente aceitou, expressamente, esta contraproposta (facto n.º 13).

Com a atualização, a retribuição da Recorrente que, em 2002, era € 370 000,00 (facto n.º 7) passou, em 2004, para € 494 000,00, sem qualquer acréscimo na prestação de serviços, o que correspondeu a um aumento significativo.

Por isso, com tal aumento substancial da retribuição, seria duvidoso que um declaratário normal pudesse, então, deduzir da contraproposta apresentada que apenas fora alterada a percentagem de 68 % para 90 %, mantendo-se a sua revisão em função do valor final da obra, porquanto tal representaria uma oneração significativa da outra parte sem a equivalente contrapartida da prestadora dos serviços de arquitetura, sendo certo ainda que relativamente a outros serviços ajustados, também prestados, foram pagos separadamente (factos n.º s 36 e 40 a 42).


De qualquer modo, tal sentido para a declaração negocial não seria possível, nestes autos, nomeadamente depois da Relação ter declarado como não estando provado o facto articulado na petição inicial (17.º), isto é, que “a percentagem de 90 % fixada para determinação do valor dos honorários finais, correspondente aos serviços prestados e a prestar pela A. às RR., foi aplicada, naquela carta (fls. 78), a valor de obra, líquido de IVA, inicialmente estimado, mas que haveria de ser corrigido a final, em função do custo efetivo da obra” (fls. 885/886).

Esse sentido da declaração negocial, com efeito, não pode coincidir com um facto que obteve uma resposta negativa, sob pena de subversão das regras da prova e contrária à lei.

Da mesma forma que não pode usar-se uma presunção judicial para tirar de um facto conhecido a afirmação de um facto desconhecido (art. 349.º do CC), quando este facto foi declarado como não estando provado, também, pela mesma razão, não pode extrair-se o sentido normal de uma declaração negocial, quando o facto suscetível de a consubstanciar obteve uma resposta negativa.

Nesta perspetiva, não se tendo provado que a retribuição da Recorrente estivesse ainda indexada ao custo final da obra e sendo certo que a Recorrente recebeu já a quantia de € 494 000,00 (facto n.º 26), que o dono da obra acordou pagar como retribuição, está excluído, no caso, o incumprimento do contrato de prestação de serviços, quanto ao pagamento da retribuição pelos serviços de arquitetura prestados.

A conclusão a que se chegou, por outro lado, retira também qualquer utilidade à eventual ampliação da matéria de facto, alegada ainda pela Recorrente, a qual tinha, como pressuposto, o valor dos honorários em função do valor final da obra, como inicialmente, em 2002, fora acordado, mas que não se demonstrou que se mantivesse depois de 2004.

Assim, e nos termos expostos, não relevando as respetivas conclusões, carece de fundamento a revista, não tendo o acórdão recorrido violado, em particular, o disposto no art. 236.º, n.º 1, do Código Civil.

 

2.4. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante: 

I. Para os efeitos de nulidade da sentença, o que verdadeiramente releva é a omissão completa de pronúncia, não importando ser a mesma deficiente, medíocre ou errada.

II. O critério objetivo da interpretação quanto ao sentido normal da declaração negocial, consagrado no artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, é baseado na impressão de um declaratário normal, tido este por pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente, em face da declaração negocial e das circunstâncias que o real declaratário conhecia ou podia conhecer.

III. Esse sentido normal da declaração negocial não pode coincidir com um facto que obteve uma resposta negativa.


2.5. A Recorrente, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas por efeito da regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

2) Condenar a Recorrente (Autora) no pagamento das custas.

Lisboa, 10 de dezembro de 2020


Olindo dos Santos Geraldes (Relator)

Maria do Rosário Morgado

Oliveira Abreu

O Relator atesta que os Juízes Adjuntos votaram favoravelmente este acórdão, não o assinando porque a sessão de julgamento decorreu em videoconferência.