Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
49/18.7YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DE CONTENCIOSO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
REQUISITOS
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
Decisão: INDEFERIDA A SUSPENSÃO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCESSOS CAUTELARES / CRITÉRIOS DE DECISÃO.
Doutrina:
- Fernanda Maçãs, O contencioso cautelar - Comentários à revisão do ETAF e do CPTA, 2.ª ed., Lisboa: AAFDL Editora, 2016, p. 741 e 742;
- Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra: Almedina, p. 279;
- Maria Fernanda Maçãs, As formas de tutela urgente previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Revista do Ministério Público, separata do n.º 100, ano 25.º, p. 53;
- Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Ed., Coimbra: Almedina, 2017, p. 650, 656, 703, 915, 968, 969 e 975;
- Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo”, 3.ª Edição, Coimbra: Almedina, p. 446;
- Vieira de Andrade, Justiça Administrativa (Lições), 9.ª Edição, Coimbra: Almedina, p. 336 e 337 ; A Justiça Administrativa, 15.ª Edição, Coimbra: Almedina, 2017, p. 517.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGO 120.º, N.º 1.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGO 170.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 25-07-1986, IN BMJ N.º 359, P. 418;
- DE 15-07-2003, PROCESSO N.º 2799/03, SUMÁRIO IN WWW.STJ.T;
- DE 07-05-2014, PROCESSO N.º 16/14.0YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-10-2015, PROCESSO N.º 118/14.2YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 31-03-2016, PROCESSO N.º 8/16.4YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-07-2017, PROCESSO N.º 37/17.0YFLSB, SUMÁRIO IN WWW.STJ.PT;
- DE 14-07-2017, PROCESSO N.º 35/17.4YFLSB, SUMARIO IN WWW.STJ.PT;
- DE 14-07-2017, PROCESSO N.º 34/17.6YFLSB, SUMÁRIO IN WWW.STJ.PT;
- DE 12-09-2017, PROCESSO N.º 39/17.7YFLSB, SUMÁRIO IN WWW.STJ.PT;
- DE 23-01-2018, PROCESSO N.º 88/17.6YFLSB.
Sumário :
1. A impugnação judicial das deliberações do Plenário do Conselho Superior da Magistratura não suspende a respetiva eficácia, podendo, no entanto, o recorrente impetrar a suspensão da eficácia do ato quando considere que a execução imediata daquele é suscetível de lhe causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação.

2. Tal providência cautelar poderá ser adotada, desde que, cumulativamente e numa apreciação assente num juízo de mera verosimilhança, a situação fáctica apurada evidencie um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora), e que seja provável que a pretensão a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris).

3. Os prejuízos tidos como irreparáveis pela recorrente — a mudança de residência para Cascais e a privação do apoio dos seus familiares e amigos, de que carece, para o desempenho das tarefas quotidianas em virtude das limitações físicas de que padece — são unicamente atribuíveis ao facto de a requerente, no movimento judicial ordinário de 2018, ter sido colocada naquela comarca, ou seja, resultam de uma colocação distinta da que ocorria antes daquele movimento, mas não diretamente da decisão que aprovou a notação cuja eficácia pretende suspender.

4. Acresce que a mudança do local de exercício de funções e os inconvenientes que, a nível pessoal, tal acarreta para o juiz estão intrinsecamente associados ao desempenho do magistério judicial e à carreira profissional de juiz, razão pela qual, à luz de um critério de adequação social, tem-se vindo a considerar que, por si só, não integram o conceito de prejuízo irreparável ou dificilmente reparável.

5. Assim, não se verificando o requisito de decretamento da providência requerida que se acha primeiramente enunciado no n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no n.º 1 do artigo 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o que torna despiciendo determinar se se verificaria o outro requisito acima explicitado, não estão reunidos os requisitos legais indispensáveis ao decretamento da providência cautelar requerida.

Decisão Texto Integral:


           Acordam na secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:

I

Relatório


       1. AA, juíza de direito colocada na 2.ª Secção da Instância Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de ..., requereu a suspensão da eficácia da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 12 de Junho de 2018, mediante a qual, no termo do respetivo processo inspetivo, lhe foi atribuída a notação de “Bom”.

           Para tanto, e em apertada síntese, sustenta que a deliberação recorrida afronta o princípio da imparcialidade por ter sido adotada por quatro vogais do Conselho Superior da Magistratura que, sendo juízes de direito, consigo concorrerão no futuro acesso aos Tribunais da Relação (salientando que dois deles possuem mesmo uma antiguidade inferior à sua), pelo que, em consequência da notação atribuída, lograrão, nesse contexto, alcançar um benefício.

          Alega, também, que a deliberação suspendenda padece de erro sobre os pressupostos de facto quanto à taxa de resolução processual e quanto à data de prolação de uma sentença. Argumenta ainda que o Conselho Superior da Magistratura, ao indeferir as diligências probatórias por si requeridas para infirmar uma insinuação contida no relatório inspetivo a respeito deste último aspeto e para colocar em crise a objetividade do Exmo. Sr. Inspetor Judicial, violou o princípio do inquisitório e o princípio da completude probatória. Neste conspecto, entende adicionalmente a requerente que, ao deixar de realizar tais diligências e ao não se pronunciar sobre a conduta que imputa ao Exmo. Sr. Inspetor Judicial, a deliberação incorreu em violação do princípio da imparcialidade.

           Aponta à deliberação em causa a preterição do princípio da administração aberta, do dever de informação, do princípio da cooperação, do princípio da colaboração processual e do princípio da boa fé processual por não lhe terem sido facultados elementos que lhe permitissem integralmente compreender os conceitos empregues pelo Exmo. Sr. Inspetor Judicial para classificar as cargas processuais que enfrentou, e por não constarem da deliberação recorrida factos que permitissem aquilatar a complexidade e produtividade de juízos congéneres, a fim de viabilizar uma apreciação em termos de justiça relativa.

           Invoca também a requerente que as diligências complementares realizadas pelo Exmo. Sr. Inspetor Judicial não foram documentadas no processo inspetivo e que a deliberação recorrida peca também por insuficiência e obscuridade da fundamentação (em particular, no que toca à adjetivação da carga processual ou ao relevo atribuído à complexidade e à produtividade), não contendo menção a outras jurisdições em que a requerente exerceu funções ou qualquer referência ao erro factual por si notado, razão pela qual entende também que se incorreu em violação do princípio da boa fé.

           Defende igualmente a requerente que a deliberação recorrida encerra uma violação do princípio da igualdade, pois uma outra colega com uma prestação equiparável e com um número superior de atrasos no depósito de sentenças obteve a notação de “Bom com distinção”.

           Mais entende que a decisão cuja suspensão almeja contende com o princípio da proporcionalidade, com o princípio da justiça e com o princípio da razoabilidade, pois subvaloriza aspetos (que entende como sendo) positivos do seu desempenho profissional e atribui excessivo relevo a aspetos menos conseguidos.

           Alega que a notação atribuída levará a que, por efeito do que consta do ponto n.º 19 do aviso de abertura do movimento judicial em curso, perca o lugar em que se encontra atualmente (à data da interposição desta providência) provida, o que acarretará a colocação de um outro colega e a colocação da requerente na Instância Local Criminal de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ....

           Acrescenta que, há vários anos, sofre de omalgia direita, cervicalgia, dorsalgia e lombalgia, o que lhe dificulta a realização de tarefas diárias (como a realização de cuidados de higiene ou de vestir-se) e, em períodos de agudização, inviabiliza-lhe a condução de veículo automóvel por longos períodos, pelo que necessita de ser transportada até ao tribunal por amigos e familiares. A projetada colocação no referido lugar implicará a deslocação do seu centro de vida para ..., o que impossibilitará a prestação do auxílio de que necessita.

           2. O Conselho Superior da Magistratura, notificado para o efeito, apresentou extensa resposta em que, em brevíssima súmula, considerou que o impedimento invocado pela requerente abrangia apenas os juízes vogais com antiguidade inferior à do interessado e que uma interpretação mais abrangente deveria ser apodada de inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes, sendo que não foi alegado e demonstrado a existência de um interesse direto e pessoal daqueles vogais em prejuízo da recorrente.

           Defende que não se verifica o apontado vício instrutório, bem como a legalidade da decisão de indeferir a consulta de outros processos inspetivos e a realização de diligências instrutórias. Mais sustenta que a fundamentação da decisão impugnada é clara e inteligível, aduzindo ainda que a descida da notação da requerente é inidónea a dar causa aos prejuízos invocados pela requerente, os quais devem ser qualificados como ultrapassáveis.

           A finalizar, sustenta que o interesse público subjacente à colocação de juízes no movimento judicial de 2018 se deve ter por prevalente face ao interesse invocado pela requerente, concluindo pela improcedência do peticionado.

           3. Posto que não se vislumbram questões que inviabilizem o conhecimento do mérito do recurso, cumpre, agora, apreciar e decidir.


II

Fundamentação


            A. Matéria de facto

           Com base na valoração da prova documental constante dos autos, tem-se por demonstrada a seguinte factualidade:

           1. A requerente exerce funções de magistrada judicial há 20 anos, tendo o número de ordem ...;

            2. Em 15 de Setembro de 2003, a requerente foi nomeada como Juíza de Direito do ...Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de ... onde prestou funções até Julho de 2014;

          3. No Movimento Judicial Ordinário de 2014, a requerente foi colocada, como efetiva, no lugar de Juiz ... da ... Secção Criminal da Instância Central do Tribunal Judicial de ..., entretanto convertida em Juízo Central Criminal de ...;

            4. A requerente foi sujeita a inspeção judicial ordinária ao serviço prestado entre 01.12.2012 e 31.12.2016, tendo, no termo do procedimento inspetivo, o Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura lhe atribuído a notação de “Bom”;

           5. Com vista à instrução da impugnação da deliberação mencionada em 4., a requerente requereu ao Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura que determinasse que lhe fosse facultada cópia de todas as decisões homologatórias, e respetivos relatórios inspetivos, proferidas no período temporal que medeia entre 1.12.2012 e 31.12.2016, relativas a classificações de serviço atribuídas a juízes colocados em secções criminais, o que lhe foi indeferido;

            6. A requerente requereu diversas diligências de prova, tendo em vista o apuramento da data de depósito de uma sentença mencionada no relatório de inspeção, o que lhe foi indeferido;

           7. No Aviso de Abertura do Movimento Judicial Ordinário de 2018, o Conselho Superior da Magistratura fez constar que as “notações a considerar no âmbito do processamento do presente movimento judicial, são as que estiverem em vigor, forem deliberadas ou homologadas, sem reclamação ou impugnação dos interessados, até à data de 12 de junho de 2018 – em que terão lugar sessões do Conselho Permanente Ordinário e do Conselho Plenário Ordinário do CSM, sendo igualmente esta a data a considerar nos termos e para os efeitos previstos no artigo 183.º da LOSJ, designadamente para contabilização da antiguidade e da aferição da perda de requisitos a que alude o n.º 5 deste artigo.

           8. A requerente apresentou reclamação da decisão mencionada em 4. para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura;

           9. O Plenário do Conselho Superior da Magistratura, por deliberação de 12 de Junho de 2018, desatendeu a reclamação apresentada pela requerente;

            10. A deliberação mencionada em 9. foi, ademais, votada pelos seguintes vogais:

            a) Juiz de Direito BB, que detém o número de ordem .. e que conta com 23 anos de exercício da judicatura;

           b) Juiz de Direito CC que detém o n.º de ordem .. e que conta com 22 anos de exercício da judicatura;

            c) Juíza de Direito DD, que detém o número de ordem .. e que conta com 19 anos de exercício da judicatura;

           d) Juiz de Direito EE, que detém o número de ordem .. e que conta com 16 anos de exercício da judicatura;

            11. A requerente sofre de omalgia direita, cervicalgia, dorsalgia e lombalgia, desde há vários anos, com agravamento progressivo e com limitação da função, limitação da mobilidade da coluna cervico-dorso-lombar e limitação da mobilidade ombro com défice de força do membro superior direito;

            12. Na sequência do Movimento Judicial Ordinário de 2018, a requerente foi colocada como auxiliar à Instância Local Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de ..[1].

           

            B. Matéria de direito

           1. A única questão a resolver consiste em determinar se, no caso, se mostram verificados os pressupostos de que, nos termos da lei, depende o acolhimento da pretendida suspensão de eficácia da deliberação referida no ponto n.º 9 do elenco factual.

 2. Explicita a primeira parte do n.º 1 do art. 170.º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (doravante, EMJ) que a impugnação judicial das deliberações do Plenário do Conselho Superior da Magistratura não suspende a eficácia daquelas, podendo, porém, o recorrente impetrar a suspensão quando considere que a execução imediata do ato é suscetível de lhe causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação (parte final do mesmo preceito e n.º 2 do mesmo artigo).

            Procura-se assim conciliar a rapidez na resolução das questões confiadas à Administração com a defesa dos interesses prejudicados com a sua atuação[2].

           Tendo presente que as deliberações do Conselho Superior da Magistratura se devem qualificar como atos formalmente administrativos, há ainda que ter em conta, para além da restante previsão do citado dispositivo do EMJ, as normas do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que disciplinam as providências cautelares (cfr. artigo 178.º, do EMJ). Em particular, e por serem por demais evidentes as similitudes entre o meio processual a que se alude no mencionado preceito do Estatuto dos Magistrados Judiciais e a providência cautelar de suspensão da eficácia de um ato administrativo, é de considerar o que se estatui no n.º 1 e na al. a) do n.º 2 do artigo 112.º e no artigo 120.º, do CPTA.

           Como qualquer providência cautelar, o decretamento da suspensão da eficácia do ato visa evitar a inutilidade, total ou parcial, da decisão a proferir no processo principal. Nisso assenta a sua instrumentalidade em relação àquele processo – uma característica tipificadora destes procedimentos –, daí se extraindo também o seu cariz provisório[3].

           A providência cautelar a que vimos aludindo tem como escopo preservar a situação jurídica pré-existente à prática do ato, fazendo com que, durante a pendência do processo principal, tudo se passe como se o mesmo jamais tivesse sido praticado. Trata-se, em suma, de neutralizar a inovação que o ato administrativo pretendia introduzir na ordem jurídica, o que a leva a que esta providência seja frequentemente apontada como um exemplo clássico de uma providência cautelar conservatória (cfr. n.º 1 do artigo 112.º, do CPTA)[4]. Daí que a suspensão da eficácia de um ato administrativo seja correntemente tida como o meio cautelar privilegiado de reação à sua execução coerciva (cfr. artigo 153.º do Código do Procedimento Administrativo).

           A consideração da sua finalidade e da sua operacionalidade conduz à conclusão de que aquela providência tem por objeto atos administrativos impugnáveis de conteúdo positivo, isto é, atos que, de algum modo, bulam com a situação jurídica do interessado que existia à data da sua emissão[5]. Por isso, é de considerar que o seu campo privilegiado de atuação são as pretensões dirigidas à anulação do ato impugnado[6].

          Na atual redação[7], o art. 120.º, do CPTA, enuncia os “critérios de decisão" aplicáveis à generalidade das providências cautelares nos seguintes moldes:

           “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

            2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”.

           Deste preceito deriva que a providência em análise poderá ser adotada, desde que, cumulativamente e numa apreciação assente num juízo de mera verosimilhança, (1) a situação fáctica apurada evidencie um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora), e (2) que seja provável que a pretensão a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus bonis iuris).

            O primeiro desses requisitos relaciona-se com a normal delonga na apreciação da impugnação contenciosa que venha a ser interposta.

            Há que prognosticar se, em função daquela delonga, a decisão final do processo principal será ainda útil para solucionar as situações jurídicas envolvidas em litígio[8] ou se, pelo contrário, acarretará a impossibilidade de reconstituição natural da situação pré-existente à adoção do ato suspendendo (isto é, à sua irreversibilidade) ou à extrema dificuldade dessa reconstituição, ainda que a mesma seja, em abstrato, viável[9].

            O segundo desses requisitos respeita à formulação, numa feição necessariamente perfunctória, de um juízo de provável viabilidade da pretensão a deduzir no processo principal. Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31 de Março de 2016[10], a fórmula legal “inculca a ideia de que a lei faz depender o decretamento da providência de um ganho de causa (principal), ou seja, mutatis mutandis, transfere para a sorte da acção o sucesso da providência. Vale dizer que se acção (principal) não tiver probabilidade de vir a ter êxito a providência também não poderá ter uma decisão favorável ou vantajosa para o requerente”.

           Como requisito negativo, exige-se que exista proporcionalidade entre os danos que se pretendem evitar com a providência e os danos que para o interesse público resultariam do seu decretamento. Trata-se de um fator impeditivo que apela ao sopesar dos conflituantes interesses públicos e privados em presença (sem esquecer os interesses de terceiros) e a critérios de justiça relativa, e que se deverá ter por verificado sempre que os danos resultantes do decretamento da providência sejam encarados como superiores relativamente àqueles que poderão resultar da sua denegação[11].

           Incumbe ao requerente o ónus de alegação e prova de factos que integrem os dois primeiros pressupostos acima elencados (cf. art. 342.º, n.º 1, do Código Civil), cabendo à entidade administrativa idêntico ónus relativamente aos pressupostos de que depende a mencionada circunstância impeditiva (cfr. art. 120.º, n.º 5, do CPTA)[12].

            Revertendo estas considerações para o caso em apreço, não se pode, desde logo, deixar de assinalar que os prejuízos tidos como irreparáveis pela recorrente – a saber, a mudança de residência para ... e a inerente privação do apoio dos seus familiares e amigos, de que carece, para o desempenho das tarefas quotidianas em virtude das limitações físicas de que padece – são unicamente atribuíveis ao facto de a requerente, no movimento judicial ordinário de 2018, ter sido colocada naquela comarca, a qual, como é do conhecimento comum, se situa a grande distância da zona do país onde, até então, vinha desempenhando as suas funções como magistrada judicial; ou seja, resultam de uma colocação distinta da que ocorria antes daquele movimento, mas não diretamente da decisão que aprovou a notação e cuja eficácia agora pretende suspender.

           Temos assim que não é possível estabelecer um nexo de imputação objetiva entre aqueles factos e a deliberação suspendenda. Com efeito, o indeferimento da reclamação apresentada pela requerente e a inerente subsistência da atribuição da notação de “Bom”[13] não se apresenta como um facto que seja objetivamente idóneo a espoletar a movimentação da requerente para o Juízo de Instância Local Criminal de ....

           Ora, como se disse, a providência requerida está indissociavelmente ligada à evitação dos prejuízos relevantes que derivarão da execução do ato tido como inválido, razão pela qual os prejuízos relevantes devem necessariamente a ela estarem unidos por um nexo de causalidade[14]

            Assim, desde já, se perfila que a pretensão em apreço não pode ser atendida.

           Num outro prisma – e parafraseando o que se observou no despacho de fls. 496 –, é patente que a tutela cautelar não pode ser dispensada a quem se colocou numa situação pretensamente irreversível que agora pretende evitar.

Tal seria contrário aos mais elementares princípios jurídico-processuais, com destaque para a boa fé e para a auto-responsabilização das partes.

            Por outro lado, há a considerar que a alegada privação do apoio de parentes e amigos para o desempenho das tarefas quotidianas pode ser suprida pelo recurso ao apoio de pessoas que profissionalmente auxiliem a requerente a tratar da sua higiene e a vestir-se, ou que a transportem em automóvel de e para o tribunal. Nada indica também que seja impossível à requerente arrendar uma casa nas imediações do tribunal onde desempenhará funções, o que tornará desnecessário esse transporte.  

           Tenha-se ainda em conta que os eventuais dispêndios em que incorra em virtude da sua deslocação para a zona de ... poderão ser monetariamente ressarcidos, caso venha a ser invalidada a deliberação suspendenda.

           Acrescente-se, enfim, que a mudança do local de exercício de funções e os inerentes inconvenientes que, a nível pessoal, tal acarreta para o juiz estão intrinsecamente associados ao desempenho do magistério judicial e à carreira profissional de juiz, razão pela qual, à luz de um critério de adequação social, tem-se vindo a considerar que, por si só, não integram o conceito de prejuízo irreparável ou dificilmente reparável[15].

           Por todos estes motivos, somos a entender que os factos invocados pela requerente não podem nem devem ser qualificados como prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, antes se traduzindo em meros incómodos e inconveniências que serão facilmente superáveis pela iniciativa da requerente.

            Em vista do que viemos a expor, evidencia-se que não se verifica o requisito de decretamento da providência requerida que se acha primeiramente enunciado no n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no n.º 1 do artigo 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

            Ora, perante a exigência de verificação cumulativa dos requisitos de que depende a concessão da requerida providência cautelar, torna-se despiciendo determinar se, no caso, se verificaria o outro requisito a que acima aludimos, não cabendo, igualmente, efetuar a ponderação a que se refere o art. 120.º, n.º 2, do CPTA, nos termos propugnados pelo requerido, razão pela qual se queda prejudicada a apreciação dessas aspetos (cf. art. 608.º, n.º 1, do ex vi art, 1.º, do CPTA).

            3. Das custas

           Porque vencida, as custas ficam a cargo da requerente (art. 527.º, n.ºs n.ºs 1 e 2 , do CPC).

            O valor da presente ação ascende a € 30.000,01 (arts. 32.º, n.º 6 e 34.º, n.º 2, do CPTA) pelo que a taxa de justiça corresponde a 3 unidades de conta (Tabela II, anexa ao Regulamento das Custas Judiciais e art. 7.º, n.º 4, deste diploma).


III

Conclusão


            Pelo exposto, os juízes que constituem a secção de contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça acordam em indeferir a suspensão da eficácia da deliberação adotada pelo Conselho Superior da Magistratura em 12 de Junho de 2018 relativamente à requerente AA.

            Custas pela requerente, no valor de 3 UC’s.

  Supremo Tribunal de Justiça, 18 de setembro de 2018    

   Os Juízes Conselheiros,

Helena Moniz (relatora)

Alexandre Reis

Tomé Gomes

Raul Borges

Ferreira Pinto

José Rainho

Olindo Geraldes

Pinto Hespanhol

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[1] Facto apurado por consulta à versão consolidada do projecto de movimento judicial que foi aprovado na Sessão Plenária do Conselho Superior da Magistratura de 11 de Julho de 2018 e que é acessível em https://www.csm.org.pt/wp-content/uploads/2018/07/2018-07-03-mjo2018-VERS%C3%83O-CONSOLIDADA-PARA-PLEN%C3%81RIO.pdf, e publicado no Diário da República, 2.ª série, parte D, n.º 168, de 31.08.2018, p. 24433-24442.
[2] Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 118/14.2YFLSB e acessível em www.dgsi.pt.
[3] Sobre as características dos processos cautelares, cf. Vieira de Andrade,  Justiça Administrativa (Lições), 9.ª ed., Coimbra: Almedina, p. 336.
[4] A distinção entre providências conservatórias e providências antecipatórias assenta na percepção de que as primeiras visam tutelar “(…) situações jurídicas finais, estáticas ou opositivas, aquelas em que a satisfação do interesse do titular não depende de prestações de outrem (…)” e de que as segundas têm em vista “(…) situações jurídicas instrumentais, dinâmicas ou pretensivas, aquelas em que (…) a satisfação do titular depende da prestação de outrem (…)” (cita-se Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo”, 3.ª Ed., Coimbra: Almedina, p. 446; no mesmo sentido, + Vieira de Andrade, ob. cit., p. 337, nota 779 e Maria Fernanda Maçãs,  As formas de tutela urgente previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Revista do Ministério Público, separata do n.º 100, ano 25.º, p. 53, nota 42.
[5] Assim Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra: Almedina, p. 279.
[6] Assim Mário Aroso de ALmeida/Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Ed., Coimbra: Almedina, 2017, p. 650 e 656 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 16/14.0YFLSB e acessível em www.dgsi.pt.
[7] Trata-se de uma inovação relativamente à versão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos emergente da Lei n.º 15/2002, na qual, em função da distinta natureza da providência requerida, se estabeleciam diferentes requisitos (ou, na expressão legal, “critérios de decisão”). A este respeito, v. Mário Aroso de ALmeida/Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob. cit., p. 915, 968 e 969.
[8] Assim Mário Aroso de ALmeida/Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob. cit., p. 703 e Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 15.ª ed., Coimbra: Almedina, 2017, p. 517.
[9] Assim, Fernanda Maçãs, O contencioso cautelar - Comentários à revisão do ETAF e do CPTA, 2.ª ed., Lisboa: AAFDL Editora, 2016, p. 741 e 742 e, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2017, proferido no processo n.º 35/17.4YFLSB, sumariado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/sum_cont_2017.pdf.
[10] Proferido no processo n.º 8/16.4YFLSB e acessível em www.dgsi.pt.
[11] Assim, Mário Aroso de ALmeida/Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob. cit., p. 975.
[12] Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Janeiro de 2018, proferido no processo n.º 88/17.6YFLSB e ainda inédito.
[13] Como se disse no despacho de fls. 506 e ss., a deliberação suspendenda é, na prática, insusceptível de ser executada.
[14] Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 1986, B.M.J. n.º 359, p. 418 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 2003, proferido no processo n.º 2799/03 e sumariado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/sum_cont_1980-2011.pdf.
[15] Neste sentido, v. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2017 – proferidos nos processos n.º 34/17.6YFLSB, n.º 35/17.4YFLSB e n.º 37/17.0YFLSB – e de 12 de Setembro de 2017 – proferido no processo n.º 39/17.7YFLSB –, todos sumariados em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/sum_cont_2017.pdf.