Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9038/19.3T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO
PORTARIA DE EXTENSÃO
Data do Acordão: 03/03/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A aplicabilidade de um Contrato Coletivo de Trabalho por força de uma Portaria de Extensão, pressupõe que se prove que os empregadores e trabalhadores estejam integrados no âmbito do setor de atividade e profissional definido naquele instrumento.
II. Não se tendo provado que um Centro de Reabilitação Profissional, criado no seio de uma Cooperativa de Solidariedade Social, tivesse desenvolvido atividades regulares de caráter educativo ou formativo, não é aplicável à relação laboral estabelecida entre um trabalhador dessa Cooperativa, que desempenhava nesse Centro funções inerentes à categoria profissional de Gestor Administrativo, o CCT celebrado entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, por força da Portaria de Extensão n.º 25/2010, de 11 de janeiro.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

 1. AA intentou duas ações, uma emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do Processo Comum, a outra de impugnação de despedimento coletivo depois convolada em ação de processo comum, ambas apensadas, contra Crinabel – Cooperativa de Ensino Especial e Solidariedade Social CRL pugnando pela aplicação do contrato coletivo de trabalho vigente entre a AEEP e a FNE, publicado no BTE 14, de 15 de abril de 2009 e o vigente entre AEEP e a FENPROF, publicado no BTE 8, de 28 de fevereiro de 2009, peticionando em ambas as ações que seja calculado o valor correto da indemnização e diuturnidades que lhe foi paga em virtude do despedimento coletivo que foi alvo, pois que tal indemnização legal foi calculada com base no CCT entre CNIS e a FEPCES (BTE 11 de 22 de março de 2008) e que sendo calculado como propugna conduziria a que o valor da compensação devida por força do despedimento fosse superior àquela que recebeu.

Por outro lado, por força da relação laboral que manteve com a R. peticiona as diferenças salarias entre os valores que lhe foram pagos ao longo da execução do contrato a título de remuneração e de diuturnidades e o valor que entende ser devido por força da aplicação do dito CCT.

2.  A R. apresentou contestação negando a aplicação do dito CCT, referindo que a atividade principal da R. é a solidariedade social e não a educação, tendo até deixado de ministrar formação, e que esta, quando era ministrada, não conferia qualquer grau de ensino profissional reconhecido, defendendo a aplicação do CCT aplicável às instituições de solidariedade social como sucedeu e nessa medida pela improcedência total da ação.

3. Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.

4. Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido:

a) Confirmar, com distinto fundamento, a sentença, relativamente ao Proc.º 9038/19…

b) Revogar a sentença no concernente ao Proc.º 9039/19…, condenando a R. a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar relativa a diferenças na remuneração base e diuturnidades desde janeiro de 2009 até 31/03/2018, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% conforme sobredito.

5. Inconformada com esta decisão, a Ré interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

1) O acórdão recorrido respeita a duas ações, inicialmente processadas, respetivamente, sob os n.ºs 9038/19……… (distribuída ao Juiz …… do Juízo do Trabalho …….), e nº 9650/19…….. (distribuída ao Juiz ….. do Juízo do Trabalho ……..).

2) Entretanto sobreveio, nos termos do art.º 267º do C.P.C., a junção das duas sobre mencionadas ações, mediante a operação material de apensação de processos, sendo o segundo dos acima referidos apenso ao Proc.º n.º 9038/19………, continuando a sua tramitação no Juiz …. do Juízo do Trabalho do Tribunal da Comarca ……. .

3) Na sequência da apensação as ações são processadas como uma única, com instrução e julgamento conjunto, não perdendo, todavia, a sua autonomia, subsistindo a individualidade dos pedidos formulados, dos valores processuais e das respetivas sucumbências. Razão pela qual se esclarece que o presente recurso é interposto da decisão do Tribunal da Relação …….. que declarou procedente a apelação da sentença da 1ª instância na parte respeitante ao processo apenso, isto é: o aí processado sob o nº 9650/19……… .

4) A questão essencial a decidir, na dita ação, como na apelação de cuja decisão se recorre, vem a ser a de saber, se durante o período temporal a que se referem causa de pedir e pedido, qual o IRCT aplicável às relações jurídico-laborais entre a ora recorrente e o recorrido:

4.1 - Se serão os contratos coletivos de trabalho celebrados entre a AEEP – Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Federação Nacional da Educação, e outro, entre a AEEP e o SINAP – Sindicato Nacional dos Professores da educação e o SPLIU – Sindicato dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades e (ainda!) a AEEP e a FENPROF – Federação Nacional dos Professores e Outras – como pretende o A., não se sabe se simultânea ou sucessivamente, supostamente por força de uma Portaria de Extensão (nº 25/2010 de 11 de Janeiro).

4.2 - Ou se – como sustenta a R. – o IRCT que é aplicável a tais relações laborais, como Cooperativa do Ramo da Solidariedade Social que é, vem a ser o contrato coletivo de trabalho entre a Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade Social (CNIS) e a Federação Portuguesa de Sindicatos do Comércio, Escritórios, Serviços e Outras (entre os quais a FENPROF e a FNE), cuja última versão consolidada foi publicada no BTE nº 11 de 22/3/2008 – e posteriormente objeto da Portaria de Extensão publicada no BTE nº 20 de 29/5/2010, em vigor à data da decisão a que se refere o art.º 363º do CT.

5) Estas Portarias de Extensão carecem de interpretação, designadamente no que se refere à Portaria nº 25/2010 de 11 de janeiro (D.R. 1ª Série nº 6 de 11 de janeiro de 2010), principalmente no que se refere aos seus destinatários. Matéria esta que, tal como a determinação do IRCT qualificável como aplicável se afigura idónea para apreciação por um Tribunal de Revista.

6) Aí se regula que a dita Portaria é aplicável “às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, não filiadas na associação de empregadores outorgantes, que beneficiem de apoio financeiro do Estado para despesas de pessoal e funcionamento, mediante a celebração dos correspondentes contratos…”.

7) Com efeito, o art.º 11º do Código do Trabalho fornece a seguinte noção de contrato de trabalho: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outras pessoas, no âmbito da organização e sob a autoridade desta.”

8) Não há estabelecimentos (v.g. de ensino) que tenham personalidade jurídica. Como reconhece maioritária, senão unanimemente a doutrina – cfr. por todos António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 17ª edição, págs. 225 e segs) e António Menezes Cordeiro (Direito do Trabalho Volume I, 2019, § 43º págs. 443 a 448 e § 53º págs. 581 a 590), partes no contrato de trabalho são pessoas (singulares ou coletivas, na posição de empregador) e não empresas ou estabelecimentos, sendo que tais termos são frequentemente usados como expediente linguístico, que permite ao legislador determinar medidas em relação às organizações produtivas, sem ter de explicitar tratar-se de conjuntos articulados e dirigidos de meios materiais e humanos.

9) O que se diz da “empresa” (que Menezes Cordeiro considera um conceito quadro) pode dizer-se, com as necessárias adaptações, de estabelecimento. Aliás, o Código do Trabalho frequentemente equipara empresa e estabelecimento (cfr. arts 309º a 316º, 242º, 346º, 285º a 287º, etc). Quando não o faz serve-se do termo estabelecimento para designar o local de trabalho.

10) Assim, é evidente que, na Portaria de Extensão n.º 25/2010 de 11/01, quando se referem “as relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, se está a usar um expediente linguístico para designar titulares de estabelecimentos de ensino particular e estabelecimentos de ensino cooperativo.

11) Já o chamado Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (aprovado pelo D.L. n.º 152/2013 de 14/11/2013) mostra um módico de precisão neste aspeto no seu art.º 8.º, onde se dispõe: “O Estado celebra contratos de diversos tipos com as entidades titulares de ensino particular e cooperativo, nos termos do artigo seguinte. Mas logo “no artigo seguinte” se alude a “contratos celebrados entre o Estado e as escolas particulares e cooperativas…”. E daí em diante seguem-se profusas alusões a “obrigações das escolas”, “contratos com escolas”, “obrigações dos estabelecimentos”, e por aí fora.

12) O tribunal recorrido detém-se no exame de algumas orientações da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 48/86 de 4/10 e nas “modalidades especiais de execução escolar” – art.º 19.º e seguintes. Notando que comportam a educação especial e a formação profissional. Relativamente à educação especial sublinha que por força do disposto na alínea g) do n.º 3 do art.º 20.º da dita lei de Bases, tem relevo, no seu âmbito “a preparação para uma adequada formação profissional e integração na vida ativa”.

Note-se, porém, que a “preparação para uma adequada formação profissional”, não se confunde com formação profissional propriamente dita.

13) Aliás em matéria de formação profissional há que entender que, para uma atividade se qualificar como tal, na aceção da dita Lei de Bases, há que atender ao disposto no nº 7 do art.º 21º “o aproveitamento de um módulo ou curso de formação profissional confere direito à correspondente certificação”. A formação no CRPC da recorrida, não fornecia qualquer grau ou certificação, mas apenas um atestado de frequência.

14) No que se refere à formação profissional, o art.º 21.º da Lei de Bases dispõe que esta pode se estruturar “segundo formas institucionais diversificadas”, (fornecendo-se uma enumeração meramente exemplificativa) não podendo excluir-se dessas “formas institucionais” as Instituições Particulares de Solidariedade Social ou qualquer das “entidades coletivas” enumeradas no nº 5 do art.º 21º, a propósito de educação especial.

15) Dir-se-á que, como é próprio dos textos proclamatórios e programáticos, as disposições da Lei de Bases do Sistema Educativo são tão amplas e ambíguas que “no conjunto dos meios pelo qual se concretiza o direito à Educação”, se podem compreender realidades e atividades tão diversas, que podem ir desde a formação profissional devida pelo empregador, nos termos dos arts 130.º a 134.º do Código do Trabalho, até certas atividades das Associações de Cultura e Recreio, passando pelas atividades educativas das Instituições Particulares de Solidariedade Social. Neste sentido não se nega que atividades da recorrente se possam compreender no vasto âmbito do Sistema Educativo, tal como formulado pela Lei de Bases.

16) Mas tal não a investe, forçosamente, na qualidade de “titular de estabelecimento de ensino cooperativo”, na aceção utilizada para os efeitos previstos no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (de nível não superior) aprovado pelo D.L. nº 152/2013 de 4/11.

17) “Poderá o Centro supra referido ter-se como um estabelecimento de ensino cooperativo especial?” Questiona-se o Tribunal recorrido. E, no essencial, é a resposta afirmativa a esta questão que dita a decisão de que se recorre.

18) Todavia nada há no quadro factual fixado na 1ª instância (ao qual o Tribunal recorrido adere) que sustente esta conclusão, quer face ao quadro normativo delineado nos arts 20.º e 21.º da referida lei de bases, quer no que se refere à, por assim dizer, “docência” aí exercida e às qualificações exigidas que são as enunciadas no n.º 1 do art.º 36.º da mesma Lei de Bases.

19) É certo que durante os primeiros anos da sua atividade (há mais de 25anos) a ora recorrente proporcionou ensino especial a alguns dos seus cooperadores utentes. Mas não está provado (nem alegado) que tais atividades aí fossem exercidas no âmbito temporal de vigência do IRCT que se pretende aplicável, e muito menos no período temporal a que se referem as pretensas diferenças salariais e diuturnidades a que se arroga o Autor.

20) Como também nada se alega ou se prova acerca de a pretensa educação especial ser ministrada por docentes que fossem partes em contratos de trabalho celebrados com a recorrente. Dir-se-ia que o Tribunal recorrido se afasta do acervo factual provado, evadindo-se para conjeturas.

21) Entende o Tribunal recorrido (e mal, salvo o devido respeito): “Não vemos que a questão passe por qualificar a R. como cooperativa de ensino.” O que equivale a dizer que pode haver ensino cooperativo que não seja ministrado por cooperativas de ensino.

22) Nos termos da Lei nº 107/97: “As Cooperativas de Solidariedade Social que prossigam os objetivos previstos no art.º 1.º do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/83 de 25/2 e que sejam reconhecidas nessa qualidade pela Direção Geral da Ação Social são equiparadas a Instituições Particulares de Solidariedade Social, aplicando-se-lhes o mesmo estatuto de direitos e benefícios, designadamente fiscais”.

23)Trata-se de uma equiparação para todos os efeitos (“o mesmo estatuto de direitos, deveres e benefícios…” – designadamente os emergentes de relações jurídico-laborais).

24) Diversamente, no art.º 3.º, 1 do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, sob a epígrafe “conceitos”, dispõe-se: “Para os efeitos do disposto no presente Estatuto, consideram-se “estabelecimentos de ensino particular e cooperativo” as instituições criadas por pessoas singulares e coletivas, com ou sem finalidade lucrativa, em que se ministre ensino coletivo a mais de cinco alunos, ou em que se desenvolvam atividades regulares de carácter educativo ou formativo”.

25) Portanto:

b) É para os efeitos previstos no Estatuto que vale semelhante noção.

c) E também é para esses exclusivos efeitos, que se equipara o ensino particular ao ensino cooperativo, uma vez que, entre eles, não intercede uma relação de género para espécie, fora dos efeitos regulados no Estatuto.

26) Os efeitos pretendidos/previstos no Estatuto, mostram-se sumariados no preâmbulo do Decreto-Lei 152/2003 de 4 de novembro, sobre a designação de “cinco grandes vetores estruturantes”.

27) No que ao caso particular e às atividades da recorrente se refere:

- Como se mostra vertido na matéria de facto fixada pelas instâncias – dir-se‑á que a supervisão do Estado é exercida não pelo Ministério da Educação, mas antes pela Segurança Social e pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP);

- Não se mostra alegada, nem provada, a celebração de quaisquer contratos de simples apoio à família, de desenvolvimento de apoio à família, de associação, de patrocínio ou de cooperação;

- A instituição, ou polo, ou delegação ou departamento, ou “estabelecimento” (como o designa o acórdão recorrido) que hipoteticamente corresponderia ao chamado Centro de Reabilitação Profissional, não mostra divulgado segundo esse “estatuto” e nada se alega, nem prova, sobre as suas homologações e autorização de funcionamento autónomas;

- Como não se mostra alegado nem provado qual o plano de ensino em execução no suposto “estabelecimento de ensino” (art.º 40º do Estatuto em causa);

- Nada se alega nem prova sobre quem exerce a docência no suposto estabelecimento, sobre as condições e habilitações para o exercício da docência e respetivas habilitações académicas e profissionais que hão de corresponder às requeridas para a lecionação nas escolas públicas (arts 40.º a 45.º a conjugar com o disposto, a tal propósito, no Decreto-Lei 32/2004 de 27/6), tudo a certificar pelo Ministério da Educação e Ciência através da Direção Geral da Administração Escolar.

28) Considera-se de relevo para a causa o facto de a ora recorrente ter mantido um Centro de Reabilitação Profissional, que se tentou fosse uma estrutura vocacionada para servir pessoas com deficiência intelectual, no sentido de lhes dar hipótese de aceder a um nível de formação possibilitadora da sua ulterior integração no mercado de trabalho.

29) Para o efeito contou com o apoio do Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP (IEFP), em cuja missão – assinada pelo D.L. nº 143/2012 – constam, entre outras, as seguintes atribuições:

- Promover a informação, a orientação e a reabilitação profissional, com vista à colocação dos trabalhadores no mercado de trabalho (alínea b) do nº 2 do art.º 3º);

- Incentivar a inserção social dos diferentes públicos, através de medidas específicas, em particular para aqueles com maior risco de exclusão do mercado de emprego (alínea g) do nº 2, art.º 3);

- Promover a reabilitação profissional das pessoas com deficiência, em articulação com o Instituto Nacional de Reabilitação, IP.

30) Tal atividade decorreu à margem das disposições relativas à cooperação e supervisão do Estado veiculadas pelo Ministério da Educação e Ciência, previstas pelo Estatuto dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (não superior), e os formadores não se qualificavam para a docência nos termos do art.º 45º deste Estatuto.

31) Também está provado que nunca foi prestada formação certificada, não sendo conferido qualquer grau nem sequer havendo lugar a classificação final de avaliação, atentas as reduzidas aptidões dos formandos.

32) Aludiu-se à necessidade de interpretação das portarias de extensão em causa, segundo as regras a utilizar para a interpretação da lei (com eventuais cedências subjetivas quando estejam em causa aspetos que apenas respeitem aos seus destinatários).

33) Ainda em tema de interpretação convém notar o seguinte:

Em matéria de Portarias de Extensão (IRCT’s não negociais) rege a importante disposição do nº 2 do art.º 514º do Código do Trabalho: “a extensão é possível mediante a ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere.”

Esta disposição constitui um tópico indispensável para a determinação do sentido e alcance de qualquer Portaria de Extensão, que o mesmo é dizer do âmbito da extensão propriamente dita, o qual aliás também releva no momento da aplicação.

34) À recorrente Crinabel corresponde – em razão das suas atividades predominantes – a qualificação de Cooperativa que opera essencialmente no ramo da Solidariedade Social (art.º 4º, nº 1, e) do Código Cooperativo e não a de Cooperativa de Ensino.

35) O regime jurídico das Cooperativas de Ensino consta do D.L. nº 441-A/82 de 6/11, em cujo art.º 2º, nº 1 se estatui: “São cooperativas de ensino as que tenham por objeto principal a manutenção de um estabelecimento de ensino”.

Como a recorrente se propôs provar, mas a M.M. Juiz da 1ª instância a tal obstou por o entender supérfluo, não é (e nunca foi) essa, manifestamente, a atividade principal da recorrente.

36) Tratando-se de cooperativas, a ausência de escopo lucrativo proporciona, a utentes e prestadores de serviços, um ganho mutualístico que consistirá, para os utentes, numa redução de propinas ou preços, para determinados níveis e qualidade do ensino ministrado, resultante da desnecessidade de acumulação de acréscimos patrimoniais destinados a distribuir, sob a forma de dividendo, o que seria a remuneração do capital investido pelos sócios de uma pessoa coletiva com fins lucrativos que fosse titular do mesmo estabelecimento.

37) E o ganho mutualístico proporcionado aos prestadores de serviços resultará, como é evidente, do facto de as suas retribuições poderem ser determinadas, sem consideração pela necessidade de atribuir lucros aos titulares do capital, o que sucederia na hipótese de o estabelecimento de ensino pertencer a pessoa singular ou coletiva com fins lucrativos.

38) De qualquer modo, pressupõe-se que o ganho mutualístico possa ser obtido em condições económicas que justifiquem a inclusão de cooperativas de ensino e entidades de escopo lucrativo numa mesma Associação, a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), outorgante nos instrumentos convencionais de regulamentação do trabalho invocados na petição inicial – designadamente o contrato coletivo de trabalho entre esta associação e a FENPROF e outros (com revisão global publicada no Boletim de Trabalho e Emprego nº 29 de 8/8/2015), e bem assim da Portaria de Extensão do mesmo publicada no BTE nº 25 de 8/7/10, independentemente da forma societária ou cooperativa das entidades titulares dos estabelecimentos de ensino.

39) Dir-se-á que, relativamente às cooperativas de ensino, a atuação do princípio da participação económica dos cooperadores se exerce em termos tais que resulta semelhança entre a sua situação económica e social, e a das sociedades, para efeitos de IRCT’s (art.º 514º, 2 do CT).

40) Acontece que tanto as considerações que imediatamente antecedem, como os IRCT’s nelas mencionados, não se aplicam à Ré Crinabel a qual é uma Cooperativa de Solidariedade Social – reconhecida como tal por despacho nº 13 799/99, de 23.6 (publicado no Diário da República 2ª Série, nº 167, de 20/7/99 do Ministro do Trabalho e da Solidariedade), porque prossegue a título principal os objetivos previstos pelo Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo D.L. nº 119/83 de 25/2, e alterado pelo D.L. 172-A/2014 de 14/11.

41) O Regime Jurídico das Cooperativas de Solidariedade Social consta do D.L. 7/98 de 15/1. Mas já anteriormente à promulgação e publicação do referido diploma, a Lei 107/97 de 13 de Setembro tinha estatuído no seu artigo único: “As Cooperativas de Solidariedade Social que prossigam os objetivos previstos no art.º 1º do Estatuto das Instituição Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/83 de 25/2 e que sejam reconhecidas nessa qualidade pela Direção Geral da Ação Social são equiparadas às Instituições Particulares de Solidariedade Social, aplicando-se-lhes o mesmo estatuto de direitos, deveres e benefícios, designadamente fiscais.”

42) Como Cooperativa do Ramo da Solidariedade Social, é-lhe aplicável o Contrato Coletivo de Trabalho entre a Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade Social (CNIS) e a Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios, Serviços e Outros, cuja versão consolidada aplicável à data do despedimento coletivo foi publicada no BTE nº 11 de 22/03/2008 – posteriormente objeto de Portaria de Extensão publicada no BTE nº 20 de 29/05/2010.

43) Visto o que antecede dir-se-á que é por demais evidente que a extensão, à ora recorrente, do IRCT preconizado pelo Tribunal recorrido, contraria frontalmente a exigência de identidade a semelhança económica e social das situações abrangidas pela portaria de extensão e pelo instrumento a que esta se refere – comandada pelo n.º 2 do art.º 514.º do Código do Trabalho.

Isto para já não falar na “aproximação das condições de concorrência entre empresas”, proclamada no preâmbulo da Portaria nº 25/2010 de 11 de janeiro.

44) Não pode haver identidade de situações económica e social (e aproximação de condições de concorrência entre empresas), entre sociedades comerciais e cooperativas de Ensino, e uma Cooperativa de Solidariedade Social (equiparada, para todos os efeitos, a IPSS), que – como se mostra provado – tem a seu cargo um Centro de Atividades Ocupacionais, destinado a grandes deficientes e um Lar que acolhe pessoas com deficiência mental privadas de suporte familiar.

6. O Autor contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

A. O texto da alegação que suporta a presente revista não cumpre a clareza exigível.

B. Tenha-se em conta, em especial, a matéria referenciada supra, nas alíneas a), b) e c) do n.º 6, cuja razão de ser, sentido, alcance e relevância, para efeitos de impugnação da decisão recorrida, o Recorrido não consegue vislumbrar.

C. Tal matéria, de resto, mostra-se totalmente inovatória, já que a Recorrente nunca a convocou, ao longo de todo o processo, para a defesa da sua posição jurídica.

D. Quanto à demais matéria alegada – cf., supra, alíneas d) a k) do n.º 6 – basta convocar, para a sua refutação, a fundamentação de direito – irrepreensível – que suporta o acórdão recorrido.

E. E ter presente a notável síntese conclusiva que sumaria tal decisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

“I – A aplicabilidade dos IRC a que faz menção a Portaria 25/2010, de 11/01, pressupõe o desenvolvimento de atividade tida como de ensino em estabelecimento de ensino particular e cooperativo e não em cooperativas de ensino.

II – Para efeitos do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo consideram-se estabelecimentos de ensino particular e cooperativo as instituições criadas por pessoas singulares ou coletivas, com ou sem finalidade lucrativa, em que se ministre ensino coletivo a mais de cinco alunos ou em que se desenvolvam atividades regulares de carácter educativo ou formativo.

III – Nessa medida, provando-se que a Ré, uma cooperativa de solidariedade social, desenvolveu, desde 1990 até 2018, atividades regulares de carater educativo ou formativo podemos concluir que a instituição assumiu durante tal lapso temporal a qualidade de estabelecimento de ensino particular e cooperativo”.

7. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ser concedida a revista.

8. Nas suas conclusões, a recorrente defende que sendo uma Cooperativa do Ramo da Solidariedade Social, é-lhe aplicável o Contrato Coletivo de Trabalho entre a Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade Social (CNIS) e a Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios, Serviços e outros, cuja versão consolidada aplicável à data do despedimento coletivo foi publicada no BTE nº 11 de 22/03/2008 – posteriormente objeto de Portaria de Extensão publicada no BTE nº 20 de 29/05/2010, e não o IRCT considerado no acórdão recorrido, a que se refere a Portaria n.º 25/2010, de 11 de janeiro (contrato coletivo de trabalho vigente entre a AEEP e a FNE, publicado no BTE 14, de 15 de abril de 2009 e o vigente entre AEEP e a FENPROF, publicado no BTE 8, de 28 de Fevereiro de 2009).

II

A) Fundamentação de facto:

Foi considerada a seguinte factualidade:

1. O Autor foi admitido ao serviço da Ré, então designada por Crinabel – Para a Educação de Crianças Inadaptadas …….., CRL, em 1 de abril de 1987;

2. A admissão foi titulada por contrato de trabalho a prazo, reduzido a escrito em 24 de março de 1987, cujo teor consta de fls. 11 dos autos e que se dá por integralmente reproduzido;

3. O referido contrato foi sucessivamente renovado, pelo prazo de 6 (seis) meses, até se converter, nos termos legais, em contrato de trabalho sem prazo, isto é, por tempo indeterminado;

4. O Autor, em … de maio de 1991, passou a exercer funções no Centro de Reabilitação Profissional da CRINABEL (CRPR), no ……….;

5. O Autor passou a desempenhar desde essa data as funções inerentes à sua categoria de Gestor Administrativo;

6. A Direção da Ré, a coberto de ofício postal datado de 16 de maio de 2018 informou o Autor do seguinte:

“ASSUNTO: COMUNICAÇÃO DE INTENÇÃO DE PROCEDER A UM DESPEDIMENTO COLECTIVO

Exmo(a) Senhor(a),

Nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 360º do Código do Trabalho, conjugado com o artigo 359º do mesmo Código, vimos comunicar a intenção de proceder a um despedimento coletivo que abrangerá os 17 trabalhadores da CRINABEL afetos ao CRPC.

(…).”.

7. O Autor recebeu, em 6 de junho de 2018, a seguinte informação escrita da Direção da Ré:

“Como é do seu conhecimento, esta cooperativa terminará a candidatura de formação no CRPC no fim do corrente mês, não tendo sido apresentada qualquer posterior candidatura de formação, pelo que em virtude das funções que lhe estão atribuídas, desde já se declara que lhe é dispensada a comparência no local de trabalho a partir do próximo dia 01 de junho de 2018, inclusive, só vindo 1 vez por semana (4.ªs. feiras).

Durante a sua permanência em casa não auferirá subsídio de refeição, muito embora mantenha o pleno direito à sua retribuição.

Deverá, contudo, manter-se contactável e disponível para comparecer caso a Crinabel pretenda a sua comparência no CRPC, o que será feito através do seu telefone …….. e/ou por escrito, para a sua morada, Rua …, devendo de imediato ser-nos informada qualquer alteração de contactos ou residência.”.

8. A Direção da Ré, a coberto de ofício postal datado de 20 de junho de 2018 informou o Autor do seguinte:

“ASSUNTO: CONVOCATÓRIA PARA REUNIÃO

Exmo(a). Sr(a),

Convoca-se V. Exa. para uma reunião no próximo 02 de julho, pelas 14h30, no CRPC, para efeitos de informação e negociação no âmbito do Despedimento Coletivo, nos termos do art.º 361.º do Código do Trabalho.”.

9. A cópia da ata da referida reunião, de 2 de julho de 2018 consta de fls. 25 dos autos e o seu teor dá-se por integralmente reproduzido;

10. A Direção da Ré, a coberto de ofício postal datado de 18 de julho de 2018 informou o Autor do seguinte:

“ASSUNTO: DECISÃO DO DESPESDIMENTO

Exmo(a). Senhor(a),

Vimos, nos termos do disposto no artigo 363.º, n.º 1, do Código do Trabalho, comunicar-lhe a decisão do seu despedimento, no âmbito do procedimento de despedimento coletivo, cuja fundamentação consta do documento em anexo (Anexo I) o qual constitui parte integrante desta comunicação, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

(…).

A cessação do seu contrato de trabalho ocorrerá no próximo dia 07 de outubro de 2018.

(…)

Com vista a colocar à sua disposição a compensação legal, prevista no artigo 366.º do Código do Trabalho, calculada nos termos dos artigos 5.º da Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto, no valor de € 26.191,93, a CRINABEL dará instruções para se proceder à transferência daquele valor, para a sua conta bancária indicada, o que acontecerá no dia 28 de setembro de 2018.

A CRINABEL colocará também à sua disposição, juntamente com o processamento relativo ao mês de setembro de 2018, através de transferência bancária, os créditos salariais vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho, calculados por referência à dará de 07 de outubro de 2018, que se discriminam do seguinte modo:

a) Proporcionais de subsídio de férias e de subsídio de Natal, no valor ilíquido de € 1.599,98

b) Outros créditos laborais já registados, no valor ilíquido de € 618.01

(…).”.

11. A Direção da Ré, a coberto de ofício postal datado de 6 de agosto de 2018 informou o Autor do seguinte:

“Assunto: informação complementar à Decisão de despedimento

Exmo(a). Senhor(a),

Em aditamento à notificação que lhe foi enviada em 18 de julho de 2018, e por haver dúvidas quanto à aplicação do n.º 5 do artigo 241.º do Código do Trabalho relativamente aos proporcionais de férias do trabalho prestado em 2018, e para obviar a tais dúvidas, informamos V. Exa. que, além dos créditos já mencionados naquela referida carta, a Crinabel colocará à sua disposição, nas condições também já referidas nessa carta, a importância ilíquida de € 700,36 (Setecentos euros e trinta e seis cêntimos), a título de proporcionais de férias não gozadas.

(…).”.

12. O Autor, em face dos citados ofícios, de 18 de julho e de 6 de agosto de 2018, veio solicitar à Direção da Ré, a coberto de ofício postal, de 14 de setembro de 2018 a prestação das seguintes informações e esclarecimentos:

“a) Quais as parcelas, valores e modo de cálculo que conduziram ao valor global de € 26 191,23, correspondente, de acordo com o V/ ofício, de 18 de julho de 2018, à “(…) compensação legal, prevista no artigo 366.º do Código do Trabalho, calculada nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto (…)”;

b) Se, para além da mencionada compensação legal pelo despedimento coletivo e dos valores, a título de “créditos salariais vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho”, referenciados nos citados ofícios – “Proporcionais de subsídio de férias e de subsídio de natal, no valor ilíquido de € 1 599,98”; “Outros créditos laborais já registados, no valor ilíquido de € 618,01”; (…) a importância ilíquida de € 700,36 (…), a título de proporcionais de férias não gozadas” – a CRINABEL reconhece, ainda, dever ao m/Constituinte a quantia global de € 22 604,75, a título de diuturnidades, por referência ao período compreendido entre novembro de 1996 e julho de 2018, e se, no caso afirmativo, procederá ao pagamento da referida quantia em dívida, até 7 de outubro de 2018, data da cessação do contrato de trabalho do Sr. AA.

(…).”.

13. Em resposta, a coberto de ofício postal, de 20 de setembro de 2018 a Direção da Ré veio esclarecer o seguinte:

“Assunto: Decisão de despedimento

Exmo(a). Senhor(a),

No seguimento da correspondência trocada anteriormente relativamente ao assunto em epígrafe, cumpre-nos esclarecer o seguinte:

Cálculo de indemnizações

O cálculo das indemnizações teve como base, tal como referido anteriormente na nossa carta de 18 de julho de 2018, as alíneas a, b, e c do n.º 1 do art.º 5 da Lei 69/2013 de 30 de agosto que a seguir se transcreve:

(…)

tendo ainda em atenção o descrito nos n.os 2, 4, 5 e 6 do mesmo art.º que também se transcrevem:

(...)

Diuturnidades

Segue em seguida o parecer jurídico efetuado para o seu caso particular, do montante das diuturnidades, tendo em atenção o seu valor de remuneração mensal relativamente aos mínimos legais da sua categoria profissional:

AA, foi admitido em 1.4.1987 para o exercício de funções….. não discriminadas, atualmente gestor administrativo, com funções …………, auferindo € 1062,27, correspondendo a € 915,21 e € 147,06 de diuturnidades. As funções correspondem ao Nível VIII (Chefe de Secção (ADM)), ou Nível VII (Chefe de escritório ou Chefe de serviços). Desde 2009 que o ordenado mínimo para o Nível VIII é de € 773, o que com cinco diuturnidades daria € 878. O Nível VIII da retribuição era de € 742 em 2007, € 760 em 2008 r € 773 a partir de 2009. Segundo o CCT publicado em 2017 o mesmo Nível VIII a partir de julho de 2017 é de € 803.

Constata-se assim que o valor do cálculo para efeito de indemnização de € 1.020,21 (valor base e diuturnidades) é superior ao calculado no estudo anteriormente transcrito.

(…).”.

14. A Direção da Ré, a coberto de ofício postal datado de 27 de setembro de 2018 informou o Autor do seguinte:

“Assunto: Despedimento coletivo

Exmo(a). Senhor(a),

A Direção da Crinabel tinha assumido o compromisso de colocar à disposição dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento coletivo, a compensação global e os créditos que lhe são devidos aquando do pagamento do salário de setembro de 2018.

Acontece que, por motivos imponderáveis de tesouraria, não será possível satisfazer esse compromisso, nos termos referidos. No entanto a Crinabel colocará à disposição desses trabalhadores a compensação e os créditos antes do fim do prazo de aviso prévio, dando assim inteiro cumprimento à lei.

(…).”.

15. A Direção da Ré, a coberto de ofício postal datado de 4 de outubro de 2018 informou o Autor do seguinte:

“Assunto: Decisão de despedimento

Exmo(a). Senhor(a),

Em complemento da carta que lhe foi remetida em 18 de julho de 2018, nos termos do disposto no artigo 363.º, n.º 1, do Código do Trabalho, comunicando a decisão do seu despedimento, no âmbito do procedimento de despedimento coletivo, em anexo à qual seguiu a respetiva fundamentação e em que lhe foi indicado como data de cessação do contrato de trabalho o dia 07 de outubro de 2018, vimos pela presente informar-vos que por motivos que se prendem estritamente com o incumprimento de obrigações pré contratuais de terceiros, somos forçados a dilatar o período de aviso prévio do despedimento, a que alude o art.º 363.º do Código do Trabalho, o qual terminará no dia 31 de outubro de 2018 e não no dia 7 do mesmo mês conforme lhe foi então comunicado.

(…)

Os créditos que lhe foram indicados na referida carta de 18 de julho de 2018 serão acrescidos na proporção do período de aviso prévio excedente agora determinado, designadamente no que respeita à retribuição do corrente mês, que corresponderá a um mês completo, e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal respeitantes ao corrente ano, que serão acrescidos em 1/12 do seu salário e diuturnidades.

Nesta data, entretanto, e por conta da compensação por despedimento que lhe é devida, foi-lhe transferida a importância de € 14.674,17 (catorze mil seiscentos e setenta e quatro euros e dezassete cents.), correspondente a 50% da indemnização conforme comprovativo junto, sendo que o valor remanescente desta e os restantes créditos laborais devidos pela cessação do contrato lhe serão disponibilizados até ao termo do contrato (31.10.2018).

(…).”.

16. A Direção da Ré, a coberto de ofício postal datado de 30 de outubro de 2018 informou o Autor do seguinte:

“Assunto: conclusão do processo

Exmo(a). Senhor(a),

Na sequência das comunicações que, no âmbito do Processo de Despedimento Coletivo, a CRINABEL lhe enviou e, para conclusão do referido processo, informamos que, nesta data, foi creditada, na sua conta, a importância de € 14.840.87, correspondente ao remanescente que lhe era devido, que inclui indemnização e créditos devidos.

Os valores são os seguintes:

Indemnização - € 26.191,93

Créditos (proporcionais de subsídio de férias, férias não gozadas, subsídio de Natal e formação) - € 3.223,11

Os valores acima determinados estão sujeitos aos descontos legais.

(…).”.

17. Em resposta, e através de ofício postal de 30 de outubro de 2018, o Autor comunicou à Ré:

“Exma. Direção da CRINABEL,

Considerando que a compensação global, por despedimento coletivo, que me foi paga, no valor de € 26.191,93, não corresponde à legalmente devida, venho informar, pela presente comunicação, que não aceito o despedimento coletivo de que fui alvo, pelo que irei proceder à sua impugnação judicial. Mais informo que, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 366.º do Código do Trabalho, procedi, na data de hoje, à devolução da totalidade daquele valor compensatório recebido € 26,191,93, por transferência bancária para a Conta n.º ………, com o IBAN PT50 ……….., de que a CRINABEL é titular (comprovativo em anexo).

(…).”.

18. O Autor, em 30 de outubro de 2018, procedeu à devolução à Ré, por transferência bancária, da quantia de 26 191,93 €, correspondente à compensação legal, por despedimento coletivo, que lhe havia sido processada e paga;

19. Em agosto de 2019 a Ré procedeu, novamente ao pagamento ao Autor da quantia de € 26.191,93 em face da convolação dos presentes autos para ação comum;

20. A Ré foi fundada em 16 de setembro de 1975;

21. Foi-lhe atribuído o estatuto de utilidade pública por despacho do Primeiro- Ministro, de 1 de agosto de 1980 (cf. Diário da República, 2.ª série, n.º 233, de 8 de agosto de 1980, pág. 6434);

22. Foi reconhecida como cooperativa de solidariedade social pelo Despacho n.º 13799/99, do Ministro do Trabalho e da Solidariedade (cf. Diário da República, 2.ª série, n.º 167, de 20 de julho de 1999, pág. 10571);

23. A retribuição mensal do A. incluiu, para além do subsídio de refeição, os valores ilíquidos de 915,21 €, a título de remuneração base, e de 105,00 €, a título de diuturnidades;

24. A Ré foi fundada em 1975 por um grupo de pais de crianças deficientes que, juntos e sob a forma de cooperativa, quiseram organizar-se a fim de obter uma resposta social para si próprios e outros em idêntica situação, para a qual não encontraram alternativa;

25. De facto tratava-se de crianças que dificilmente tinham qualquer tipo de evolução na sua autonomia e aptidões, se inseridas em estabelecimentos que não dispusessem de técnicos com formação específica para reduzir dentro do possível as dificuldades motoras, mentais, comportamentais e de aprendizagem;

26. Ao fim de mais de dez anos as crianças tinham crescido, e surgiu a hipótese de tentar, além das atividades ocupacionais que se manteriam, formar os então jovens para que pudessem colaborar em atividades económicas, aproveitando da melhor forma os seus reduzidos recursos e aptidões;

27. De igual forma foi criada uma residência, tornada indispensável como resposta de solidariedade social aos cooperadores;

28. Contudo, a atividade de formação que se iniciou em 1990 nunca atingiu um patamar de formação curricular ou certificada, não conferindo qualquer grau académico nem sequer dando lugar a classificação final de avaliação;

29. Tal formação era, aliás, designada por “Pré-profissional”, e muito poucos são os formandos que vieram, na sequência de tal formação, a preencher qualquer posto de trabalho;

30. A atividade de formação foi financiada pelo I.E.F.P. e inicialmente com donativos, tendo cessado em 31/03/2018 por não ter sido apresentada nova candidatura da Ré para o efeito;

31. A atividade de formação, que se iniciou em 1990, nunca atingiu um patamar de formação curricular ou certificada, não conferindo qualquer grau académico ou profissional, nem sequer dando lugar a classificação final de avaliação;

32. Deste modo as atividades da Crinabel vieram a organizar-se conforme se expõe no anexo ao Doc. nº 2 da p.i. do apenso, em três estruturas funcionais autónomas que funcionavam na dependência e sob a direção da Direção da Cooperativa, a saber:

a) O Centro de Atividades Ocupacionais (CAO), tutelado pela Segurança Social, visando a valorização pessoal e a integração social de pessoas com deficiência grave, através da realização, em sala, de atividades tanto quanto possível socialmente úteis e estritamente ocupacionais. Destina-se a jovens adultos maiores de 16 anos, com multideficiências, designadamente intelectuais.

b) O Lar – que é uma resposta social de acolhimento de pessoas com deficiência intelectual, que se encontram privadas de suporte familiar, devido a ausência ou incapacidade dos progenitores, e é tutelado pela Segurança Social.

c) O CRPC, Centro de Reabilitação Profissional, que conta com o apoio do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), que se tentou fosse uma estrutura vocacionada para servir pessoas com deficiência intelectual, no sentido de lhes dar hipótese de aceder a um nível de formação possibilitadora da sua ulterior integração no mercado de trabalho.

B) Fundamentação de Direito:

Como já se referiu, o objeto da presente revista, trazida pela Ré, consiste em saber se à relação laboral que manteve como o Autor é aplicável, como defende,  o Contrato Coletivo de Trabalho entre a Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade Social (CNIS) e a Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios, Serviços e outros, e não o IRCT considerado no acórdão recorrido, como é sustentado pelo Autor, sendo este o  mencionado na Portaria n.º 25/2010, de 11 de janeiro (contrato coletivo de trabalho vigente entre a AEEP e a FNE, publicado no BTE 14, de 15 de abril de 2009 e o vigente entre AEEP e a FENPROF, publicado no BTE 8, de 28 de Fevereiro de 2009).

O Tribunal de 1.ª instância pronunciou-se no sentido da tese defendida pela Ré com base na seguinte argumentação:

Da matéria de facto dada por assente resulta que entre o A. e a R. vigorou um contrato de trabalho e na execução do mesmo a R. sempre aplicou um CCT relativo e aplicável às instituições de solidariedade social, pugnando pelo facto de a sua principal atividade não ser a educação, mas a solidariedade social, e como tal não ser aplicável o CCT que o A. pretende seja aplicado.

A questão em apreço passa, pois, por saber qual o CCT aplicável à relação laboral dos autos.

Propugna o A. a aplicação do AEEP e a FNE, publicado no BTE 14, de 15 de abril de 2009 e o vigente entre AEEP e a FENPROF, publicado no BTE 8, de 28 de fevereiro de 2009.

Postula a R. a aplicação do CCT entre CNIS e a FEPCES (BTE 11 de 22 de março de 2008), aplicável por portaria de extensão publicada no BTE 20, de 29 de maio de 2010.

Vejamos.

Desde logo o BTE 14, de 15 de abril de 2009 procede a uma mera retificação do CCT a que o A. certamente se refere, o publicado no BTE 5, de 8/2/2009. Porém, quer este, quer o CCT celebrado com a SINAPE em BTE 8, de 28 de fevereiro de 2009, ou com a FENPROF em BTE 13, de 8 de abril de 2009, são convenções que visam os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo.

Neste tocante importa considerar ainda a portaria de extensão nº 25/2010 de 11 de janeiro, a qual no seu art.º 1.º estatui que:

Artigo 1.º

As condições de trabalho constantes das alterações dos contratos coletivos de trabalho entre a AEEP - Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 5, de 8 de fevereiro de 2009, com retificação publicada no citado Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 14, de 15 de abril de 2009, e das alterações dos contratos coletivos de trabalho entre a mesma associação de empregadores e o SINAPE - Sindicato Nacional dos Profissionais da Educação, entre a mesma associação de empregadores e o SPLIU - Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades e, ainda, entre a mesma associação de empregadores e a FENPROF - Federação Nacional dos Professores e outros, publicadas, respetivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, n.os 8, de 28 de fevereiro de 2009, e 13, de 8 de abril de 2009, são estendidas, no território do continente:

a) Às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, não filiados na associação de empregadores outorgante, que beneficiem de apoio financeiro do Estado para despesas de pessoal e de funcionamento, mediante a celebração de correspondentes contratos, e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais neles previstas;

b) Às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior filiados na associação de empregadores outorgante e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções, não filiados ou representados pelas associações sindicais outorgantes.

Dado que a R. não estava filiada em nenhuma das associações de empregadores em apreço, cremos que tudo passa, pois, por saber se a R. pode ser considerada um estabelecimento de ensino particular e cooperativo não superior e que beneficia de apoio financeiro do Estado pois se o for então a aplicação do CCT pode ser incontornável.

Ora, aqui cumpre ter presente que a R. tem o estatuto de cooperativa de solidariedade social, tal como dado por assente nos factos provados, resultado da publicação no DR II, nº 167, de 20 de julho. Importa, porém, saber, como já referido, se pode assumir a veste de cooperativa de ensino cooperativo.

E para tal cumpre apelar ao código cooperativo. Este foi aprovado pela lei 119/2015, e sofreu posteriormente alterações, sendo a mais recente a determinada pela lei 66/2017, de 9 de agosto.

No seu art.º 1º é estabelecido o âmbito de aplicação referindo-se que se aplica às cooperativas de todos os graus e às organizações afins, cuja legislação especial para ele expressamente remeta.

E no art.º 2º preceitua-se o que se pode entender por cooperativas para efeitos de aplicação do diploma:

1 - As cooperativas são pessoas coletivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles.

2 - As cooperativas, na prossecução dos seus objetivos, podem realizar operações com terceiros, sem prejuízo de eventuais limites fixados pelas leis próprias de cada ramo.

Os ramos do setor cooperativo encontram-se definidos no art.º 4 do mesmo diploma nos seguintes termos:

1 - Sem prejuízo de outros que venham a ser legalmente consagrados, o sector cooperativo compreende os seguintes ramos:

a) Agrícola;

b) Artesanato;

c) Comercialização;

d) Consumidores;

e) Crédito;

f) Cultura;

g) Ensino;

h) Habitação e construção;

i) Pescas;

j) Produção operária;

k) Serviços;

l) Solidariedade social.

E apesar de serem admitidas cooperativas multissectoriais, que desenvolvam atividades próprias de diversos ramos do sector cooperativo cada uma delas deve indicar no ato de constituição por qual dos ramos opta como elemento de referência com vista à sua integração em cooperativas de grau superior, assim refere o nº 2 do mencionado preceito.

E no nº 4 preceitua o legislador que as cooperativas de solidariedade social que prossigam os objetivos previstos no artigo 1.º do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 172-A/2014, de 14 de novembro, e que sejam reconhecidas nessa qualidade pela Direção-Geral da Ação Social, são equiparadas às instituições particulares de solidariedade social, aplicando-se-lhes o mesmo estatuto de direitos, deveres e benefícios, designadamente fiscais.

Como saber, pois, se a R. pode ser encarada como uma cooperativa de ensino para efeitos de aplicação do CCT que o A. postula como aplicável, e para definição do ramo do sector cooperativo mencionado neste art.º 4?

Cremos que tal tem de ser feito por recurso ao DL 441-A/82, de 6 de novembro, em cujo art.º 2.º se define o que assim se pode entender.

1 - São cooperativas de ensino as que tenham por objeto principal a manutenção de um estabelecimento de ensino.

2 - A utilização da forma cooperativa não isenta da obrigatoriedade da conformidade do exercício da sua atividade com a lei, da obtenção de autorizações e licenças e de outras formalidades exigíveis nos termos legais, devendo as entidades de quem dependam as referidas autorizações e licenças ter em conta a especial natureza e função social das cooperativas.

Donde, tudo passa por saber se o objeto principal da atividade da R. é a manutenção de um estabelecimento de ensino.

Pugna a R. pelo facto de ser uma cooperativa de solidariedade social, na medida em que prossegue, a título principal, os objetivos previstos pelos estatutos das IPSS previsto no DL 172-A/2014, de 14 de novembro.

Ora, neste tocante não se pode ignorar o disposto no art.º 2.º do DL 7/98, de 15 de janeiro (regime jurídico das cooperativas de solidariedade social), o qual define o que se deve entender por cooperativas de solidariedade social, aquelas que através da cooperação e entreajuda dos seus membros, em obediência aos princípios cooperativos, visem sem fins lucrativos, a satisfação das respetivas necessidades sociais e sua formação e integração em alguns domínios, um dos quais é precisamente a promoção do acesso à educação, formação e integração profissional de grupos socialmente desfavorecidos.

Aqui chegados, temos, pois, que aferir se a formação profissional que a R. ministrava lhe confere o estatuto de cooperativa de ensino (e consequentemente com aplicação do CCT relativo aos estabelecimentos de ensino) ou de cooperativa de solidariedade social que atue nesse domínio (e consequentemente com aplicação correta do CCT tal qual fez).

E cremos que assiste inteira razão à R. por duas ordens de motivos.

Por um lado, a atividade principal da R. não é a educação, e, tal como deixámos expresso supra, tinha de ser essa a atividade principal para que pudesse ser considerada como cooperativa de ensino. Cremos não ser essa a atividade principal por um motivo que se prova por si mesmo: a R. deixou de ministrar formação profissional e ainda subsiste ao que se sabe nos mesmos moldes em que antes sucedia, embora com menos trabalhadores, os que trabalhavam na área da formação. Tinha a R. várias valências de solidariedade social a seu cargo, que desenvolvia, e ainda a formação, mas deixou de ministrar formação e as demais áreas em que atua persistem, o que significa que essa não foi, nem é, a sua atividade principal.

Por outro lado, o ensino ou formação que ministrava não conferia qualquer grau reconhecido em termos oficiais de ensino ou formação profissional, o que significa que essa atividade desenvolvida tinha um cariz de solidariedade e não um âmbito profissional, tal qual o legislador quis proteger quando estabeleceu um CCT para os estabelecimentos de ensino e cooperativas de ensino.

Por fim, e argumento essencial a considerar reside no facto de os destinatários dessa formação, por banda da R., serem pessoas portadoras de deficiências. E não provou o A., como lhe cabia em termos de ónus probatório para a sua pretensão (de ser uma cooperativa de ensino) que a R. atuasse com escopo financeiro nessa área de formação. Não provou que os mesmos pagassem propinas, ou que a R. retirasse algum lucro com tal formação. Donde, considerando o facto de os destinatários da formação ministrada serem pessoas com deficiências, tendo presente que a R. o fazia sem visar o lucro mas antes dentro do âmbito da sua competência e estatuto de utilidade púbica, sabendo-se que tinha a par da formação que ministrava outras valências de atuação, claramente no âmbito da solidariedade social, e que essas se mantêm ao invés da formação que deixou de ser ministrada, cremos pois que o fim principal da atividade da R. é a solidariedade social e não o ensino e que a mesma deve ser juridicamente encarada como cooperativa de solidariedade social e não como cooperativa de ensino.

E assim sendo, o CCT que aplicou para cálculo do valor da retribuição, diuturnidades ao longo da execução do contrato do A., e para apurar o valor da compensação pelo despedimento coletivo, foi o correto porque observou o CCT das cooperativas de solidariedade social (BTE 11 de 22/3/2008) e nada há a apontar nesse tocante.

E com tais fundamentos improcede a pretensão do A. (fim da transcrição da fundamentação de direito da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância).

                                                  *

Por seu turno, o Acórdão recorrido acolheu a tese do Autor com base nos seguintes argumentos:

Vem o Apelante propugnar a aplicabilidade à relação entre as partes em litígio dos IRCT mencionados no artigo 1.º da Portaria de Extensão n.º 25/2010, de 11 de janeiro fundando-se na circunstância de a Apelada ser um estabelecimento de ensino particular e cooperativo.

(…) 

Antes de avançarmos, desde já explicitamos que o Tribunal começou por equacionar a questão em moldes adequados, ou seja, a aplicabilidade dos IRC a que se reporta a Portaria em referência depende da circunstância de a R. se poder ter como “um estabelecimento de ensino particular e cooperativo não superior e que beneficia de apoio financeiro do estado”.

Também o Apelante defende tal pressuposto como essencial à sua tese esgrimindo, para o efeito, o argumento de acordo com o qual a Recorrida, a par de atividades no âmbito da solidariedade social, desenvolvia uma atividade de ensino, corporizada no designado “CRPC”, estrutura funcional autónoma, mas, como as demais, na dependência da Direção da Recorrida, onde o Recorrente, desde 1 de maio de 1991, exercia a sua atividade. (cf. n.º 4 dos Factos Provados).

Prossegue o Apelante no desenvolvimento da sua argumentação defendendo que é curial averiguar o que se entende por “Estabelecimentos de ensino particular e Cooperativo”, para o que há que convocar dois diplomas legais fundamentais, a saber, a Lei de Bases do Sistema Educativo - Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, com as alterações introduzidas pelas Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro, Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto e Lei n.º 85/2009, de 27 de Agosto e o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-lei n.º 152/2013, de 4 de Novembro (que revogou o anterior estatuto aprovado pelo Decreto-lei n.º 553/80, de 21 de Novembro). Conclui a sua tese alegando que em face das normas constantes dos artigos 4.º, n.ºs. 1 e 3, 20.º, n.ºs. 1, alínea a) e 3, alínea g), e 57.º, da Lei de Bases do Sistema Educativo, e, ainda, dos artigos 2.º e 3.º do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, é forçoso concluir que a formação ministrada no denominado “CRPC”, criado e existente na Recorrida, integra o Sistema Educativo, sendo que a formação aí ministrada é do tipo “educação especial”, visando a recuperação e a integração socioeducativas de indivíduos com necessidades educativas específicas, devidas a deficiências físicas e mentais, assumindo especial relevo, entre outras, a preparação para uma adequada formação profissional e integração na vida ativa.

A Apelada, por seu turno, alega que a Crinabel não é Cooperativa do ramo do ensino, quer na aceção do Código Cooperativo, quer na do regime jurídico do Ensino Particular e Cooperativo, pelo que interpretando extensivamente a alínea a) do art.º 1º da Portaria de Extensão, que determina a aplicação do CCT entre a CNIS e a FENPROF e outros publicado no BTE nº 35 de 22/9/2009 e no BTE nº 45 de 8/12/2009, às instituições particulares de solidariedade social, no sentido da sua aplicabilidade às entidades empregadoras equiparadas a instituições particulares de solidariedade social, é este o IRCT aplicável à relação laboral aqui em causa.

Vejamos!

Como dissemos acima a aplicabilidade da Portaria que está no cerne da discórdia pressupõe que possamos visualizar no caso um estabelecimento de ensino particular e cooperativo não superior. Contudo, distintamente da sentença – e da tese avançada pelo Ministério Público-, não vemos que a questão passe por qualificar a R. como cooperativa de ensino.

De relevo para fundamentar esta questão provou-se que entre as estruturas da R. a mesma mantém um Centro de Reabilitação Profissional, que conta com o apoio do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), que se tentou fosse uma estrutura vocacionada para servir pessoas com deficiência intelectual, no sentido de lhes dar hipótese de aceder a um nível de formação possibilitadora da sua ulterior integração no mercado de trabalho. Desde 1 de maio de 1991 o A. exerce funções no Centro de Reabilitação Profissional da CRINABEL (CRPR), no …….., local onde desempenha as funções inerentes à sua categoria de Gestor Administrativo.

Decorre da Lei de Bases do Sistema Educativo que o sistema educativo é o conjunto de meios pelo qual se concretiza o direito à educação, que se exprime pela garantia de uma permanente ação formativa orientada para favorecer o desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade, desenvolvendo-se segundo um conjunto organizado de estruturas e de ações diversificadas, por iniciativa e sob responsabilidade de diferentes instituições e entidades públicas, particulares e cooperativas (Art.º 1.º/2.º e 3.º). O Estado reconhece  o valor do ensino particular e cooperativo como uma expressão concreta da liberdade de aprender e ensinar e do direito da família a orientar a educação dos filhos, regendo-se este por legislação e estatuto próprios, que devem subordinar-se ao disposto na lei em referência (Art.º 57.º).

Do Art.º 4.º/1 e 3 decorre que  o sistema educativo compreende a educação pré-escolar, a educação escolar e a educação extraescolar, compreendendo-se na educação escolar os ensinos básico, secundário e superior, e integrando-se na mesma, modalidades especiais e atividades de ocupação de tempos livres.

Relativamente às modalidades especiais o sistema comporta, entre outros, a educação especial e a formação profissional (Art.º 19.º), sendo que  a educação especial visa a recuperação e a integração socioeducativas dos indivíduos com necessidades educativas específicas devidas a deficiências físicas e mentais (Art.º 20.º/1), aí assumindo relevo a preparação para uma adequada formação profissional e integração na vida ativa (n.º 3-g).

A R. é uma cooperativa de solidariedade social com estatuto de utilidade pública atribuído, que, além das atividades ocupacionais que proporciona a jovens com dificuldades motoras, mentais, comportamentais e de aprendizagem, se propôs formar tais jovens para que pudessem colaborar em atividades económicas, aproveitando da melhor forma os seus reduzidos recursos e aptidões. Contudo, a atividade de formação que se iniciou em 1990 nunca atingiu um patamar de formação curricular ou certificada, não conferindo qualquer grau académico nem sequer dando lugar a classificação final de avaliação, antes assumindo a designação de “Pré-profissional”. Não obstante, a atividade de formação foi financiada pelo I.E.F.P. e inicialmente com donativos, tendo cessado em 31/03/2018 por não ter sido apresentada nova candidatura da Ré para o efeito.

Poderá o Centro supra referido ter-se como um estabelecimento de ensino cooperativo especial?

O Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo DL 152/2013 de 4/11 define, no Art.º 2.º/1, o seu âmbito de aplicação às escolas do ensino particular e cooperativo não superior que não estejam excecionadas no n.º 2.

O estabelecimento da R. não se enquadra em nenhuma das situações mencionadas no número 2, pelo que subsiste a questão – poderá ter-se como uma escola de ensino particular e cooperativo?

Ora, dispõe o Art.º 3.º/1 que para efeitos do disposto no Estatuto, consideram-se «estabelecimentos de ensino particular e cooperativo» as instituições criadas por pessoas singulares ou coletivas, com ou sem finalidade lucrativa, em que se ministre ensino coletivo a mais de cinco alunos ou em que se desenvolvam atividades regulares de carácter educativo ou formativo.

Ou seja, para que se conclua pela natureza de estabelecimento de ensino de cariz particular e cooperativo urge que dos factos possamos concluir que a R. desenvolve atividades de ensino a mais de cinco alunos ou desenvolve atividades regulares de carater educativo ou formativo.

Desconhecendo-se, embora, o número de jovens que, em cada ano letivo, receberam, desde o ano da instituição do Centro até Março de 2018, formação, podemos concluir que a instituição proporcionou durante tal lapso temporal atividades regulares de carater formativo – pontos 28 e 29. E, assim, durante esse período a R. assumiu, não obstante a falta de currículo ou certificação, a natureza de estabelecimento de ensino particular e cooperativo, com o que subscrevemos a tese propugnada pelo Apelante segundo a qual tal estatuto não pressupõe a atribuição de qualquer grau académico ou classificação final de avaliação.

E não acompanhamos a sentença quando exige para que se reconheça tal estatuto que a atividade principal da R. deva ser a educação, que o ensino ou formação que ministrava deva conferir algum grau reconhecido em termos oficiais de ensino ou formação profissional, ou que a R. devesse atuar com escopo financeiro na área de formação a deficientes (“não provou que os mesmos pagassem propinas, ou que a R. retirasse algum lucro com tal formação”).

Donde, se conclui que desde 1990 até 31/03/2018 a Apelada manteve um estabelecimento a que se reconhece a natureza de estabelecimento de ensino particular e cooperativo. A partir de então, a mesma manteve apenas o seu estatuto de cooperativa de solidariedade social.

Na verdade, sendo uma evidência que na base da sua instituição esteve a vontade de ministrar ensino aos jovens com necessidades muito especiais, também é certo que a atividade de formação que se iniciou acabou por cessar em 31/03/2018. Donde, à data em que se concretizou o despedimento – 31 de outubro de 2018 – a R. não se podia caracterizar como um estabelecimento de ensino particular e cooperativo.(fim da transcrição parcial da fundamentação do acórdão recorrido)

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A portaria de extensão n.º 25/2010, de 11 de janeiro, estende as condições de trabalho constantes das alterações dos contratos coletivos de trabalho entre a AEEP - Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, não filiados na associação de empregadores outorgante, que beneficiem de apoio financeiro do Estado para despesas de pessoal e de funcionamento, mediante a celebração de correspondentes contratos, e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais neles previstas.

O artigo 514.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe Extensão de convenção coletiva ou decisão arbitral dispõe:

1 - A convenção coletiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento.

2 - A extensão é possível mediante ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere.

Tal como foi equacionado pelas instâncias, importa determinar se a relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré, no período de janeiro de 2009 até 31/3/2018, se desenrolou no âmbito de uma atividade desenvolvida pela Ré de ensino cooperativo que tenha beneficiado de apoio financeiro do Estado para despesas de pessoal e de funcionamento, mediante a celebração de correspondentes contratos.

A Ré foi fundada em 1975 por um grupo de pais de crianças deficientes que, juntos e sob a forma de cooperativa, quiseram organizar-se a fim de obter uma resposta social para si próprios e outros em idêntica situação, para a qual não encontraram alternativa (ponto 24 dos factos provados).

Tratava-se de crianças que dificilmente tinham qualquer tipo de evolução na sua autonomia e aptidões, se inseridas em estabelecimentos que não dispusessem de técnicos com formação específica para reduzir dentro do possível as dificuldades motoras, mentais, comportamentais e de aprendizagem (ponto 25 dos factos provados).

Ao fim de mais de dez anos as crianças tinham crescido, e surgiu a hipótese de tentar, além das atividades ocupacionais que se manteriam, formar os então jovens para que pudessem colaborar em atividades económicas, aproveitando da melhor forma os seus reduzidos recursos e aptidões (ponto 26 dos factos provados).

A atividade de formação que se iniciou em 1990 nunca atingiu um patamar de formação curricular ou certificada, não conferindo qualquer grau académico ou profissional, nem sequer dando lugar a classificação final de avaliação (ponto 28 e 31 dos factos provados).

Tal formação era, aliás, designada por “Pré-profissional”, e muito poucos são os formandos que vieram, na sequência de tal formação, a preencher qualquer posto de trabalho (ponto 29 dos factos provados).

A atividade de formação foi financiada pelo I.E.F.P. e inicialmente com donativos, tendo cessado em 31/03/2018 por não ter sido apresentada nova candidatura da Ré para o efeito (ponto 30 dos factos provados).

As atividades da Crinabel vieram a organizar-se conforme se expõe no anexo ao Doc. nº 2 da p.i. do apenso, em três estruturas funcionais autónomas que funcionavam na dependência e sob a direção da Direção da Cooperativa, a saber:

a) O Centro de Atividades Ocupacionais (CAO), tutelado pela Segurança Social, visando a valorização pessoal e a integração social de pessoas com deficiência grave, através da realização, em sala, de atividades tanto quanto possível socialmente úteis e estritamente ocupacionais. Destina-se a jovens adultos maiores de 16 anos, com multideficiências, designadamente intelectuais.

b) O Lar – que é uma resposta social de acolhimento de pessoas com deficiência intelectual, que se encontram privadas de suporte familiar, devido a ausência ou incapacidade dos progenitores, e é tutelado pela Segurança Social.

c) O CRPC, Centro de Reabilitação Profissional, que conta com o apoio do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), que se tentou fosse uma estrutura vocacionada para servir pessoas com deficiência intelectual, no sentido de lhes dar hipótese de aceder a um nível de formação possibilitadora da sua ulterior integração no mercado de trabalho (ponto 32 dos factos provados).

O Autor, em 1 de maio de 1991, passou a exercer funções, inerentes à sua categoria de Gestor Administrativo, no Centro de Reabilitação Profissional da CRINABEL, no …….. (pontos 4. e 5. dos fatos provados).

O art.º 3º, n.º 1 do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo DL 152/2013, de 4/11, considera estabelecimentos de ensino particular e cooperativo as instituições criadas por pessoas singulares ou coletivas, com ou sem finalidade lucrativa, em que se ministre ensino coletivo a mais de cinco alunos ou em que se desenvolvam atividades regulares de carácter educativo ou formativo.

Da matéria de facto provada resulta que se tentou que o Centro de Reabilitação Profissional criado pela Ré fosse uma estrutura vocacionada para servir pessoas com deficiência intelectual, no sentido de lhes dar hipótese de aceder a um nível de formação possibilitadora da sua ulterior integração no mercado de trabalho (ponto 32 alínea c.).

No entanto, essa atividade de formação que se iniciou em 1990 nunca atingiu um patamar de formação curricular ou certificada, não conferindo qualquer grau académico ou profissional, nem sequer dando lugar a classificação final de avaliação (ponto 28 e 31 dos factos provados).

A formação que foi ministrada era designada por “Pré-profissional”, e muito poucos foram os formandos que vieram, na sequência de tal formação, a preencher qualquer posto de trabalho (ponto 29 dos factos provados).

A factualidade provada não permite concluir que  o Centro de Reabilitação Profissional da CRINABEL tivesse desenvolvido atividades regulares de carácter educativo ou formativo, mesmo na aceção ampla assumida no Acórdão recorrido, fundada nos princípios que derivam  da Lei de Bases do Sistema Educativo.

Por outro lado, a factualidade dada como provada também não permite concluir que a Ré tivesse sido uma cooperativa de ensino, nos termos previstos no DL 441-A/82, de 6 de novembro (Estabelece disposições relativas às cooperativas de ensino), pois o seu objetivo principal  não era  a manutenção de um estabelecimento de ensino, como resulta do art.º 32 dos factos provados.

Temos assim, que no caso concreto dos autos, não se provou factualidade suficiente para se poder concluir pela aplicabilidade do CCT celebrado entre a AEEP - Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, por força da Portaria de Extensão n.º 25/2010, de 11 de janeiro, à relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré.

III

Decisão

  Face ao exposto acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que  revogou a sentença, no que concerne ao Proc.º 9039/19….., repristinando-se a sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª instância.

Custas na 2.ª instância e no STJ a cargo do Autor.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 3 de março de 2021.

Chambel Mourisco (relator)

Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que as Exmas. Senhoras Juízas Conselheiras adjuntas Maria Paula  Moreira Sá Fernandes e Leonor Maria da Conceição Cruz Rodrigues votaram em conformidade.