Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1212/06.9TBCHV.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
BOA FÉ
DEVER DE INFORMAÇÃO
DANOS INDEMNIZÁVEIS
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
Nº do Documento: SJ
Apenso:
Data do Acordão: 12/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: -Almeida Costa, “Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações preparatórias de um contrato”, Coimbra, 1984.
-Almeida Costa, RLJ, 116-206.
-Ana Prata, “Notas Sobre Responsabilidade Pré-Contratual”, pág. 198 e segs..
-Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág.591, 7ª edição.
-Antunes Varela, “Direito das Obrigações”, vol. II, pág. 14.
-Baptista Machado, “Obra Dispersa” vol. I.
-Baptista Machado, RLJ 117-232.
-Carlos Ferreira de Almeida, “Contratos-Conceito, Fontes, Formação”, 2ª edição, Almedina, pág.189.
-Carlos Lacerda Barata, “Contrato de Mediação”, volume I, “Estudos do Instituto de Direito do Consumo” – Julho de 2002 – pág. 192.
- Jhering “Culpa in Contrahendo ou Indemnização em Contratos Nulos ou Não Chegados à Perfeição”, Tradução e nota introdutória de Paulo Mota Pinto – Almedina 2008.
-Menezes Cordeiro –“Da Boa-Fé Código Civil, vol. I.
-Menezes Cordeiro, “Da Boa Fé no Direito Civil”, Colecção Teses.
-Menezes Cordeiro, “Do Contrato de Mediação”, Revista “O Direito”, Ano 139°, 2007, III, págs.516 a 554.
-Mota Pinto – “Cessão da Posição Contratual”, págs. 25 e 350 a 353.
-Paulo Mota Pinto, “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, vol. II, págs. 1191 e 1192.
-Vaz Serra – “Culpa do Devedor” .
Legislação Nacional: - CÓDIGO CIVIL: -ARTIGOS 227º,Nº1, 405º, 496º, NºS 1 E 3, 562º, 566º, Nº1, 559º, 799º, Nº1, 804º, Nº2, 806º, NºS 1 E2.
Jurisprudência Nacional: -ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 9.1.1997, IN BMJ, 457, 308.
-ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 13.5.2003, NÚMERO CONVENCIONAL JSTJ000, ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT .
-ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 4.5.06, DE 18.11.04, DE 28.2.02, E DE 21.12.2005, RESPECTIVAMENTE, PROCESSOS NÚMEROS 06A222, 04B2992, 02B056 E 05B2354, IN WWW.DGSI.PT .
-ACÓRDÃO DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 28.4.2009 – PROC. 09A0457, WWW.DGSI.PT .
Sumário : I) -A culpa in contrahendo consagrada normativamente no Código Civil de 1966, coenvolve deveres de protecção, de informação e de lealdade.

II) – O dever de lealdade implica a proibição de interrupção de negociações em curso, sobretudo, se a conduta do infractor tiver antes contribuído para que o seu interlocutor contratual tenha uma real e fundada expectativa na consumação do contrato, ou seja, o agente que rompe as negociações trai o investimento de confiança que, com a sua conduta, incutiu na outra parte.


III) – Na origem deste dever de indemnizar, com fundamento na culpa in contrahendo, não tem, necessariamente, que estar o incumprimento de uma promessa, de um compromisso, basta que as meras declarações proferidas, no “iter contratual” sejam de molde, se não coerentemente continuadas, a conduzir à ruptura negocial, quando a outra parte, legitimamente, não estivesse a contar com a frustração do processo negocial, mas com a sua conclusão – investimento na confiança.

IV) -Apresentando-se a negociar com o interessado comprador, um dos vários comproprietários de um imóvel, assumindo pelo seu comportamento a liderança do negócio de venda de uma Estalagem, tendo todos os vendedores contratado uma sociedade que se dedica à mediação mobiliária e não tendo aquele comproprietário, durante as negociações, informado o seu interlocutor negocial da possibilidade dos demais interessados não anuírem aos termos que vinham sendo negociados, tendo as negociações avançando sem tal informação e estando acordados os elementos essenciais do contrato, constitui ilicitude o facto daquele comproprietário se retirar das negociações, frustrando a sua conclusão, mediante a singela afirmação de que não representava os demais interessados na venda.

V) – Essa omissão do dever de informar as circunstâncias em que intervinha o comproprietário, e a inopinada ruptura negocial, sendo contrária à actuação de boa-fé e do respeito pelos deveres de lealdade e informação na fase pré negocial, provocando ruptura negocial, numa fase já avançada das negociações, constitui facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar, por defraudar o investimento na confiança.

VI) – O contrato de mediação mobiliária implica a prática, pelo mediador, de actos materiais e, por isso, se distingue do contrato de mandato.

VII) – Se a mediadora praticou mais que actos materiais, exorbitando as funções de que foi incumbida, agindo e praticando actos compreendidos num verdadeiro contrato de mandato, só por aqueles em nome de quem agiu poderá ser responsabilizada no contexto da responsabilidade contratual.

VIII) -A jurisprudência, maioritariamente, sustenta que o dano indemnizável por violação de deveres específicos de comportamento baseados na boa fé, no contexto da culpa in contrahendo é, em regra, o do interesse contratual negativo, ou dano de confiança, devendo o lesado ser colocado na posição em que estaria se não tivesse encetado as negociações, tendo direito a ser ressarcido do que despendeu na expectativa da sua consumação.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA e mulher, BB. intentaram em 22.9.2006, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Chaves – 1º Juízo – acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra:

1ºs Réus:
CC,
DD,
EE,

2ºs Réus:
FF,
GG,
HH,
II e mulher, JJ.
LL e marido,MM,
NN e mulher,OO,
PP e mulher, QQ,
RR e mulher,SS, e;
3ª Ré:
TT-“A..., Mediação Imobiliária, Ldª”.

Pedindo a condenação solidária dos demandados a pagarem-lhes, a título de indemnização, a quantia de € 168.000,00, acrescida de juros desde a citação.

Alegam, como fundamento da sua pretensão, e em resumo, terem entabulado negociações, mediadas pela ré TT-A..., Ldª, com os restantes réus, para compra de uma E... de que estes são comproprietários, verificando-se a ruptura das negociações quando já havia sido acordado o preço para a alienação, pois que a proposta apresentada por eles (autores) havia sido aceite.

Alegam, ainda, que após lhes ser comunicado que os comproprietários estavam todos de acordo com o negócio e que este poderia avançar, foi-lhes transmitido pela mediadora a impossibilidade de realização do negócio, por desentendimentos entre os comproprietários, acabando o imóvel por ser vendido à sociedade comercial de que é gerente uma das comproprietárias, sendo certo que, enquanto negociavam com eles (autores), preparavam os réus a venda do bem que acabaram por efectuar à referida sociedade terceira.

Mais alegam que o projecto negocial os determinou a efectuar despesas em deslocações, projectos, estudos e imobilização de capitais, o que tudo lhes acarretou danos patrimoniais, além de que a frustração do negócio lhes causou ansiedade e nervosismo, que lhes determinaram vários problemas, implicando a existência de danos não patrimoniais. Pretendem assim ser indemnizados nos termos do art. 227.º do Código Civil.

Contestaram os réus RR e mulher, alegando desconhecerem os autores, a mediadora imobiliária, o negócio e os seus termos, tendo ainda invocado a ilegitimidade passiva da ré mulher.

Concluem pela sua absolvição do pedido e bem assim pela absolvição da instância da ré mulher.

A ré TT-A..., Ldª, alega ter tão só dado cumprimento a um contrato de mediação imobiliária celebrado com a primeira ré, sendo totalmente alheia ao decorrer das alterações das várias vontades contratuais, não tendo incumprido qualquer disposição legal do diploma que regula a sua actividade. Invoca a sua versão do sucedido, defendendo a lisura do seu comportamento, bem como da sua mandante, apontando como principal elemento de dissenso entre as partes, a fixação do sinal e as condições a ele referentes, o que bloqueou o negócio.

Conclui pela improcedência da acção.

Contestaram também os restantes réus, logo invocando a ilegitimidade passiva dos demandados cônjuges dos comproprietários.

Mais alegam (com excepção do réu GG), desconhecer totalmente os factos invocados pelos autores, pois que com eles nunca tiveram qualquer contacto, não tendo deles recebido (directamente ou através de outrem, designadamente através de qualquer outro réu) qualquer proposta, não tendo mandatado quem quer que fosse para os representar em eventuais negociações.

O réu GG, subscrevendo a contestação dos demais réus, acrescenta nunca ter confirmado qualquer negócio com os autores, não se tendo comprometido em negócio que pressupunha a anuência de terceiros, sendo certo que nunca foi incumbido pelos demais comproprietários de os representar em qualquer negociação com os autores e ainda que nunca invocou, perante estes, a qualidade de representante dos demais comproprietários, limitando-se a acompanhar (por ser o único comproprietário residente na cidade em que se situa a e...) mais de perto as diligências efectuadas pela mediadora imobiliária em ordem à venda do bem, numa posição de espectador interessado.

Concluem pela absolvição da instância dos cônjuges dos comproprietários e pela total improcedência do pedido.

Replicaram os autores, terminando como na petição, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pelos réus.

No despacho saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância (conhecendo-se expressamente da legitimidade passiva dos cônjuges dos comproprietários, que se afirmou), organizando-se despacho sobre a base instrutória.

***

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os Réus do pedido.

***

Inconformados, apelaram os Autores para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 1.6.2010 – fls. 482 a 535 –, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.


***

De novo inconformados, os Autores recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões:

I) — Os elementos constantes dos autos revelam claramente os pressupostos da responsabilidade fundada na previsão do n.° 1 do art. 227.° do C. Civil, relativamente aos RR. CC, também conhecida por P... A... e TT-A... - Mediação Imobiliária, Lda., circunscrevendo-se a estes RR. a presente revista.

II) — A obrigação de indemnizar decorre do princípio de que os contraentes, quando iniciarem relações com vista à celebração dum contrato, devem agir como pessoa de boa fé.

III) — A indemnização abrange somente os danos resultantes da violação das regras da boa fé.

IV) — A obrigação de indemnizar está condicionada à verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, exigindo-se sempre a ilicitude da desistência das negociações, ou seja, o desrespeito pelos deveres da boa fé, designadamente de lealdade, informação e cooperação, analisada objectivamente.

V) — No caso concreto, os RR. responsáveis pela obrigação de indemnizar são a Dra. CC e UU, a primeira tendo em atenção a contitularidade dos interesses em causa e a natureza da sua intervenção nas negociações e o segundo pela sua participação, autónoma e independente, além da actividade de mediação, em conformidade com a doutrina consagrada no acórdão em análise.

VI) — Na primeira parte das negociações, até ao acordo sobre o preço, efectuado em Outubro de 2003 e algum tempo depois, podendo estabelecer-se como marco os princípios de 2004, AA. e RR. nas relações negociais desenvolvidas, tiveram sempre uma postura correcta e leal, cultivando uma familiaridade saudável que veio a alicerçar, uma sólida e recíproca confiança.

VII) — A segunda parte caracterizou-se por diversas visitas dos AA. com técnicos ao imóvel e a redacção de sucessivas minutas de contrato promessa.

VIII) — Paralelamente a Dra. CC, em Fevereiro de 2004, requereu a alteração da propriedade horizontal da “E...” (doc. 7 junto com a p.i.) e em Setembro de 2004 por si e em representação dos seus irmãos, juntamente com os demais comproprietários procederam à modificação do respectivo título constitutivo (doc. 8 junto com a p.i.), onde a fls. 89 v. expressamente se refere que “pretendem agora dividir a mesma em duas fracções, alterando-lhe o seu destino e composição”.

IX) — A Dra. CC, na qualidade de gerente da sociedade VV-“F... C... — Sociedade de Investimentos Imobiliários, Lda., comunicou aos outros comproprietários que esta sociedade pretendia fazer as obras de transformação da “E...” em apartamentos em conformidade com os projectos aprovados. (q.40)

X) — UU participava nas visitas, à “E...”, sugeria alguns aspectos do contrato e contactava com os comproprietários da família A..., mantendo-os informados do que se passava.

XI) — No âmbito desta segunda fase, a Dra. XX, mandatária dos AA., para satisfazer mais alguns pormenores solicitados, elaborou, entre outras, a minuta do contrato que se juntou e ficou a constituir doc. 10 da p.i., documento enviado por fax para a TT-A..., Ldª, conforme confirmação de envio junto com o documento, ficando os AA. a aguardar a sua apreciação e resposta dos RR.

XII) — Acontece que os RR. jamais deram resposta a esta minuta. (doc. 10 da p.i.)

XIII) — No fim do ano de 2004, em 20 de Dezembro, o Autor marido, face ao silêncio ocorrido, decidiu escrever à Dra. CC a carta transcrita nos autos, onde solicita uma reunião com todos os comproprietários. (doc. 11 da p.i.)

XIV) — A aludida carta mereceu a resposta da Dra. CC, que se encontra também transcrita, (doc. 17 da p.i.) que pela falta de razões positivas, acaba por deixar transparecer o comportamento censurável da sua autora, tendo a virtude de confessar que já há alguns meses atrás, (já em 2004) não via qualquer interesse em qualquer reunião.

XV) — Nas costas dos AA., antes da carta de 20 de Dezembro, os RR. regressaram ao projecto de transformar a “E...” em apartamentos, mantendo a aparência da possível realização do negócio de compra e venda, com as visitas ao edifício e a elaboração de contratos promessa.

XVI) — Os AA. vieram a saber mais tarde o que seria necessário concluir mais cedo, se não fosse a discrição com que os RR. agiam na segunda fase do processo negocial.

XVII) — Em Fevereiro de 2004 a Dra. CC requereu a modificação da propriedade horizontal da “E...”.

XVIII) — Em Agosto de 2004 o Autor marido visitou a “E...” na companhia de engenheiros e arquitectos da ZZ.

XIX) — Em Setembro a Dra. CC e os restantes comproprietários alteraram o título constitutivo da propriedade horizontal, onde, a dada altura, dizem que pretendem alterar o destino da fracção dividida.

XX) — Modificado o fim da fracção dividida, conforme declaração de fls. 89 do doc. 8 da p.i., já essa fracção não poderia interessar aos AA. recorrentes, porquanto estes queriam adquirir esse espaço para continuar a ser “E...”, traduzindo-se esse facto, na impossibilidade objectiva de efectuar o negócio pretendido.

XXI) — Em Outubro de 2004, para satisfazer mais alguns pormenores solicitados a Dra. XX elaborou a minuta de contrato promessa (doc. 10) enviada aos RR. por fax para a TT-“A...”, que nunca teve resposta, como se disse acima. (q. 36)

XXII) — Em Janeiro de 2005, quando a Dra. CC comunica aos outros comproprietários que a sociedade VV-“F... C...” da qual é gerente, que pretendia fazer as obras de transformação, de acordo com os projectos aprovados, é óbvio que o processo de execução e formalização dos projectos tem de ser de 2004.

XXIII) — Quando na sua missiva de 2 de Fevereiro de 2005 a Dra. CC diz “há meses que não via interesse em reuniões”, essa tomada de posição, muito embora calada, só poderia ter acontecido em 2004.

XXIV) — Conforme conclusão XI e XXI os AA. ora recorrentes deduziram proposta (minuta do contrato) que exigia análise e resposta dos RR. recorridos.

XXV) — A ausência da resposta dos recorridos constitui o acto omisso voluntário, através do qual manifestaram a sua desistência das negociações.

XXVI) — A aludida ausência de resposta ao doc. 10 da p.i., de Outubro de 2004, acontece posteriormente à modificação da finalidade das fracções constantes da alteração do título da propriedade horizontal, (doc. 8 fls. 89 v.), a que se refere a conclusão XX.
XXVII) — Os recorridos deixaram de dialogar com os recorrentes, com vista à compra e venda da “E... S...”, sem explicações ou justificação alguma, ao fim de três anos de negociações, aproximadamente, sabendo bem da confiança que os recorrentes tinham na finalização do contrato.

XXVIII) — A conduta dos recorridos, defraudatória das firmes expectativas dos recorrentes, violam frontalmente os deveres de comportamento exigidos pela boa fé, nas negociações preliminares dos contratos, pelo que, devem os recorridos indemnizar os recorrentes dos danos que culposamente lhes causaram, em conformidade com o art. 227.° do Cód. Civil.

Termos em que,

a) Deve ser dado provimento ao presente recurso.

b) Deve revogar-se o acórdão, em crise, no que respeita aos recorridos CC e TT-A...-Mediação Imobiliária, Lda., representada pelo sócio gerente UU, porque não traduz a factualidade provada nos autos.

c) Deve proferir-se decisão que condene os mencionados recorridos em conformidade com os factos provados relativamente ao pedido inicial.

As recorridas CC e TT-“A...” contra-alegaram, pugnando pela confirmação do julgado.

***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provado os seguintes factos ;

1) - Os réus CC, DD e EE são donos em comum de ¾ das fracções autónomas designadas pelas letras B, C, D, E e F do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, vulgarmente conhecido por ‘E... S...’, sito na R. das L... e do O..., da freguesia e concelho de Chaves, descrito na CRP de Chaves sob o n.º ..., inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...-D;

2) - Os réus FF, GG, HH, II, LL, NN, PP e RR são donos no conjunto de ¼ das mencionadas fracções do referido prédio urbano;

3) - Os réus II, LL, NN, PP e RR são casados sob o regime de comunhão de adquiridos com, respectivamente, JJ, MM, OO, QQ e SS;

4) - Em Setembro de 2004, foi lavrada escritura pública de modificação da propriedade horizontal, exarada no Cartório Notarial de Chaves, onde outorgaram: 1º CC, por si e na qualidade de procuradora de DD e EE; 2º FF; 3º GG, por si e na qualidade de procurador de HH, II e mulher, LL e marido, NN e PP, devidamente autorizados pelos seus cônjuges; 4º AAA, na qualidade de procurador de RR, devidamente autorizado pelo seu cônjuge; 5º BBB e mulher, CCC, tendo os outorgantes dividido a fracção autónoma designada pela letra D em duas novas fracções autónomas a que couberam as letras D e F;

5) - Os autores, há alguns anos, emigraram para o L..., país onde trabalham;

6) - A ré TT-A..., Mediação Imobiliária, Ldª, é uma imobiliária que se dedica à mediação imobiliária nesta cidade;

7) - Em Junho de 2002, através de anúncios publicados no jornal ‘N... de C...’, de .../06/2002 e .../06/2002, os autores tomaram conhecimento que a ‘E... S...’ se encontrava à venda;

8) - De imediato os autores entraram em contacto com a imobiliária TT-A..., Ldª, tendo sido atendidos pelo sócio gerente, UU, a quem comunicaram o seu interesse em negociar a compra da e..., tendo este dito nessa altura, após breve diálogo, que o preço estabelecido era de 500.000,00€;

9) - Em Agosto de 2002, os autores vieram a Portugal e dirigiram-se à imobiliária e fizeram uma proposta de aquisição no valor de 400.000,00€;

10) - Algum tempo depois, UU contactou com os autores por telefone para o L..., comunicando-lhes que havia um interessado ‘americano’ que tinha feito uma oferta maior, muito embora não dissesse quanto;

11) - Na mesma ocasião, e em resposta, os autores fizeram uma proposta de 425.000,00€.

12) - Mais tarde, depois de vários diálogos sobre o assunto, em Agosto de 2003, UU baixou o preço de venda para € 475.000,00, tendo os autores replicado com a oferta de € 450.000,00;

13) - No princípio do mês de Outubro de 2003, mais uma vez UU contactou os autores, dizendo-lhes que CC, também conhecida por Dr.ª CC, líder da família A... (réus referidos no anterior facto 1º), havia anteriormente encomendado um projecto de arquitectura para transformar a E... S... em apartamentos, que lhe custou € 15.000,00, questionando, ao mesmo tempo, os autores se estavam na disposição de subir a oferta de € 450.000,00 para € 465.000,00;

14) - Dado o facto de os autores não estarem interessados em tal projecto, pois queriam dar continuidade à E..., manifestaram o seu desacordo relativamente a essa questão, mantendo a oferta de € 450.000,00;

15) - Em 16 de Outubro de 2003 UU voltou a contactar os autores no sentido de saber se concordavam em pagar metade do projecto, ou seja, € 7.500,00, ao que os autores responderam que não, continuando a manter a mesma oferta;

16) - Em seguida, UU comunicou aos autores que tinha ordens da família A... (réus referidos no anterior facto 1º), para fechar o negócio pela oferta de € 450.000,00, acrescentando que a Dr.ª CC iria suportar os custos do projecto;

17) - Mais informou que iria confirmar o negócio junto do representante da família A... (os réus referidos no anterior facto 2º);

18) - Dias depois, UU, tendo a seu lado GG, telefonou aos autores para confirmar que os valores do negócio da compra da E... S... se podiam considerar encontrados, mas comunicando-lhe que havia outros assuntos a resolver;

19) - UU sugeriu aos autores que fizessem e apresentassem uma minuta para o contrato-promessa de compra e venda relativo à E... S...;

20) - Em 31 de Outubro de 2003 o autor voltou a Portugal e, juntamente com uma amigo pessoal, de nome DDD, deslocou-se à imobiliária, onde falaram com UU, tendo-lhes este dado a minuta do contrato-promessa que se encontra junto à p.i. como doc. nº 3, do seguinte teor:
Contrato promessa e compra e venda
Entre:
Primeiros outorgantes:
--------------------------------------------------------------------------------
Na qualidade de promitentes vendedores
Segundo outorgante:
--------------------------------------------------------------------------------
Como promitente comprador
Celebram entre si o presente contrato promessa subordinado às cláusulas seguintes:
Primeira: Os primeiros outorgantes são donos e legítimos possuidores da fracção «D» e «E» de um prédio urbano, sito na Rua das L... e na Rua do O..., prédio esse que no seu conjunto está constituído em propriedade horizontal, tendo as referidas fracções respectivamente os números de matriz ...-D e ...-E, encontrando-se ambas descritas na Conservatória do Registo Predial sob os números 00.../... «D» e «E».
Segunda: A fracção «D» é composta dos pisos 2 e 3, estabelecimento de recolhas e serviço de garagem com dois níveis.
Terceira: No Nível 1 a zona de recolhas tem 554,95 m2 e a zona de serviços 152,91 m2.
Quarta: Os promitentes vendedores comprometem-se a alterar a escritura de propriedade horizontal de modo a autonomizarem o referido nível 1 no prazo de -.
Quinta: Pelo presente contrato os primeiros prometem vender ao segundo e este aceita a fracção «E» e o nível 1 da fracção «D», pelo preço total de -----------
Sexta: Neste momento o segundo paga aos primeiros a título de sinal e como princípio de pagamento a quantia de ---------, comprometendo-se a pagar o restante ou seja -------- no dia da concretização da escritura que será outorgada no Cartório Notarial de Chaves, trinta dias após a mencionada alteração da propriedade horizontal, devendo o segundo outorgante avisar os primeiros para o efeito com 15 dias de antecedência por carta registada.
Sétima: Na eventualidade de os primeiros não autonomizarem na propriedade horizontal o indicado nível 1 da fracção «D» no prazo de ---- terão de restituir ao segundo a importância que agora receberam a título de sinal acrescida de juros legais a contar desta data.
Oitava: Se o contrato se consumar, o promitente comprador assume desde já o compromisso de reparar o telhado do edifício, dando desde já os primeiros autorização para o efeito.
Nona: Estes, ou seja os promitentes vendedores autorizam desde já que o promitente comprador possa eventualmente efectuar obras no prédio, nomeadamente aumentando-o, caso seja essa a sua vontade.
Décima: A fracção e o nível atrás identificados objecto desta promessa de compra e venda, serão vendidos livres de quaisquer ónus ou encargos.
Décima primeira: As despesas com a escritura e registo em nome do comprador correm por conta exclusiva deste.
Décima segunda: Este contrato promessa de compra e venda fica sujeito ao regime de execução específica prevista no art. 830º do C. Civ.’.

21) - O autor e o amigo decidiram procurar advogado para os elucidar do conteúdo do citado contrato e os apoiar na formalização do negócio, e dirigiram-se ao escritório da Dr.ª XX, advogada desta comarca, a quem informaram que o autor pretendia comprar a E... S... através da imobiliária TT-A..., Ldª., e que UU, pessoa com quem o autor tinha negociado, lhes tinha dado a minuta de contrato relativamente ao qual pretendiam saber o verdadeiro significado;

22) - Após a análise da minuta do contrato, a Dr.ª XX comunicou ao autor e ao seu amigo que o respectivo documento tinha algumas omissões e imprecisões que seria conveniente eliminar, no interesse de ambas as partes, já que poderiam vir a ser, eventualmente, motivo de discordâncias;

23) - Dois ou três dias depois, o autor e o seu amigo e UU foram ao escritório da técnica em causa e a advogada, na presença dos três, explicou-lhes as razões das suas objecções, e a necessidade de corrigir alguns elementos do contrato, tendo o UU concordado que a advogada fizesse outra minuta de contrato-promessa de compra e venda da ‘E... S...’;

24) - Em 08 ou 09 de Novembro o autor regressou ao L..., tendo deixado a representá-lo, além da advogada, o seu amigo DDD, que acompanharia as obras e tudo o mais que estivesse relacionado com a reconstrução da E...;

25) - Em 18 de Novembro de 2003 foi elaborada pela advogada e enviada à imobiliária uma segunda minuta do contrato-promessa, que se encontra junta à p.i. como doc. n.º 4, com o seguinte teor:
Contrato promessa de compra e venda
Entre:
----------------,
----------------,
----------------,
----------------,
na qualidade de primeiros outorgantes e promitentes vendedores
E
AA, portador do bilhete de identidade nº ... emitido em 22/02/01 pelos Sic de V... R..., contribuinte fiscal nº ..., natural de V..., freguesia de E..., do concelho de V..., residente no L..., 2 Rue M..., ... M..., casado sobre o regime de comunhão de bens adquiridos com BB, natural de S. J... de M..., concelho de C..., portadora do Bilhete de Identidade nº ..., emitido em 22/02/01 pelos Sic de V... R..., contribuinte fiscal nº ...,
na qualidade de segundo outorgante e promitente comprador,
é celebrado o presente contrato promessa de compra e venda, nos termos e com as cláusulas seguintes:
1ª: Os primeiros outorgantes ----------------, ----------------, ---------------- e ----------------, são donos e legítimos possuidores do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o nº 00.../... «D» e «E» e inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia de C... com os art.s ...-D e ...-E;
2ª: A primeira outorgante ----------------, é usufrutuária das fracções … do aludido prédio;
3ª: Pelo presente contrato, os 1º outorgantes prometem vender ao 2º os seus direitos de propriedade e usufruto, respectivamente, relativos a
a – Nível 1 do estabelecimento de recolhas e serviço de garagem, com entrada pela Rua do O..., composto por uma zona de recolhas com a área de 554,95 m2, zonas de serviço – instalações sanitárias, quarto de empregados, armazenagem, zona de máquinas e rampa de acesso com a área de 152,91 m2 (art. 00.../... «D», nível 1, Conservatória do Registo Predial de C...);
b – Estabelecimento hoteleiro com entrada pela Rua do O... e Rua das L... e distribuído por 4 níveis (pisos 1, 3, 4 e 5 do edifício). Nível 1 (piso 1 do edifício): formado por uma zona de máquinas com a área de 44,28 m2, com acesso privativo pela Rua das L...; Nível 2 (piso 3 do edifício): formado por uma recepção e caixa de escadas de acesso a todos os pisos superiores, com a área de 29,64 m2, designada pela mesma letra desta fracção E; Níveis 3 e 4 (pisos 4 e 5 do edifício): formados por quartos, quartos de banho, restaurante e todos os serviços de apoio normais para este tipo de estabelecimento hoteleiro, com a área de 1.458,47 m2, ocupando a totalidade da área dos pisos 4 e 5 deste edifício;
4ª- A fracção «E» e o nível 1 da fracção «D serão vendidos livres de quaisquer ónus ou encargos;
5º- O prédio está constituído em regime de propriedade horizontal desde o dia 21 de Maio de 1987 por escritura outorgada no 1º Cartório Notarial do Porto e lavrada a folhas ... e seguintes do Livro ...-B, correspondendo à fracção «D» na sua totalidade (enquanto composta pelos níveis 1 e 2) 366,23% do valor total do prédio e à fracção «E» 470,438% do valor total do prédio;
6ª- Os promitentes vendedores comprometem-se a diligenciar no sentido de obterem a alteração da constituição da propriedade horizontal por forma a autonomizarem o nível da fracção «D» que aqui prometem vender, tornando-o uma fracção independente, distinta e isolada do nível 2 da mesma fracção, correndo por sua conta todas as despesas;
7ª- As fracções aqui prometidas vender possuem licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de Chaves em / / , com o nº
8ª- Esta venda será feita pelo preço global de ……., pago pela forma seguinte:
a- na data da assinatura do presente contrato, o segundo outorgante paga aos primeiros ou ao representante que estes indicarem a quantia de …… como antecipação parcial de pagamento;
b- o restante do preço será pago aquando da outorga da escritura de compra e venda;
9ª- Os primeiros e segundo outorgantes convencionam desde já que a escritura de compra e venda relativa ao cumprimento definitivo da promessa aqui celebrada será feita no Cartório Notarial de Chaves;
10ª- A sua marcação ficará a cargo dos 1ºs outorgantes que se comprometem a observar o seguinte:
a- comunicarem ao 2º outorgante a efectivação da alteração da propriedade horizontal, logo que realizada, mediante envio de cópia da respectiva escritura;
b- nessa data acordarem na data mais conveniente a todos os outorgantes para a realização da escritura de compra e venda que deverá ser realizada no prazo de 45 dias após a dita comunicação referida na alínea a) desta cláusula, prazo que fica desde já excepcionado por impossibilidade do Cartório Notarial ou por facto não imputável a nenhum dos outorgantes;
c- a comunicação da data definitiva deverá ser feita por carta com aviso de recepção enviado pelos 1º outorgantes ao 2º, logo que dela tenham conhecimento para que o promitente comprador possa providenciar pela disponibilização do dinheiro para liquidar o preço;
11ª- O presente contrato fica por vontade dos seus outorgantes sujeito ao regime da execução específica previsto no art. 830 do Código Civil;
12ª- Se os 1º.s outorgantes não obtiverem a alteração da constituição da propriedade horizontal conforme o supra prometido no prazo de …., deverão dar conhecimento de tal facto ao 2º outorgante mediante o suporte documental que tiverem obtido e terão de restituir-lhe o que receberam como antecipação parcial do pagamento, acrescido do juros legais fixados para o comércio e ainda da indemnização por perdas e danos a que derem lugar;
13ª- Se se concretizar o contrato definitivo aqui prometido, o promitente comprador compromete-se a reparar o telhado do edifício, para o que os promitentes vendedores, na qualidade de condóminos das fracções «B», «C» e da que vier a ser atribuída ao nível 2 da fracção «D» do aludido prédio, dão desde já a sua autorização, bem como se comprometem a diligenciar pela obtenção da autorização do condómino da fracção «A«;
14ª- Relativamente à referida reparação do telhado a responsabilidade do promitente comprador, para além da responsabilidade do construtor que realizar a obra, limitar-se-á à que lhe advier da sua qualidade de futuro condómino;
15ª- Os promitentes vendedores, na qualidade condóminos das fracções mencionadas na cláusula 13ª, autorizam desde já que o promitente comprador possa efectuar obras no prédio, nomeadamente aumentando-o, alterando a sua fachada, ou ainda a rede de água, luz e esgotos que sejam necessárias para servir as fracções que houver adquirido, bem como outras que possam surgir;
16ª- Os promitentes vendedores na mesma qualidade de condóminos comprometem-se ainda a diligenciar pelas autorizações que forem necessárias para os efeitos descritos na cláusula anterior (obras e levar a cabo no prédio para efectivação do estabelecimento hoteleiro que aí vier a funcionar e que sejam julgadas pertinentes ou necessárias para o adaptar às condições actuais de segurança e modernidade, impostas pela legislação em vigor e autorizadas pela Câmara Municipal de Chaves e desde que não ponham em risco a estabilidade e solidez do edifício) junto do condómino da fracção «A», especialmente nos casos em que seja necessária a unanimidade dos condóminos para levar as alterações a cabo;
17ª- As despesas com a escritura de compra e venda e respectivo registo em nome do promitente comprador são da sua responsabilidade exclusiva.

26) - Nesta fase, de acordo com os vendedores, o autor contactou um arquitecto para lhe fazer o projecto de reconstrução da E..., bem como para proceder ao estudo da situação em que o mesmo se encontrava para poder ajuizar com o empreiteiro a dimensão e natureza da obra;

27) - Em 25 de Novembro de 2003 a TT-A..., Ldª, enviou para o escritório da Dr.ª XX o fax que se encontra junto à p.i. como documento nº 5, com o seguinte teor:
Contrato Promessa de Compra e Venda
Alterações a efectuar ao Contrato Promessa de Compra e Venda de 18 de Novembro adaptando-o ao negociado
Cláusulas
12ª- Se os primeiros outorgantes não obtiverem a alteração da Constituição da Propriedade Horizontal conforme o supra prometido no prazo de 365 dias deverão dar conhecimento de tal facto ao segundo outorgante mediante o suporte documental que tiverem obtido e terão que restituir por inteiro o valor recebido como antecipação do pagamento, sem qualquer adicional ou encargo;
13ª, 14ª, 15ª e 16ª – Substituição por uma cláusula única devidamente especificada
Na data da escritura do Contrato Promessa os primeiros outorgantes comprometem-se a entregar a Acta da Assembleia Geral de Condóminos com a deliberação da autorização para realização de obras nas fracções agora prometidas vender para as adaptar às imposições legais tendo em vista a reactivação do Estabelecimento Hoteleiro.
Neste tipo de autorização compreendem-se toda a classe de obras interiores inclusive alteração da capacidade hoteleira instalada. Não estará jamais autorizadas obras de ampliação das fracções que aumentem a capacidade construtiva do terreno ou que alterem as permilagens definidas no título constitutivo da propriedade horizontal.
Serão ainda autorizadas na referida Assembleia Geral de Condóminos todo o tipo de obras nas partes comuns do prédio, concretamente Telhado, Fachadas, Caixilharias, Rede de Águas, Rede de Saneamento, Rede eléctrica, etc., que não careça, de licenciamento camarário e se tornem necessárias à modernização das fracções agora prometidas vender mas os respectivos custos serão da integral responsabilidade do promitente comprador pois só a ele beneficiam.

28) - Em princípios de Dezembro de 2003 o arquitecto FFF, acompanhado por um Eng. Civil e outro electrotécnico, do gabinete de arquitectura ZZ-‘E..., Ldª’, fizeram uma vistoria à e..., assistidos pela advogada, procurador DDD e UU, que abriu as portas das instalações;

29) - Em Dezembro de 2003 foi feita uma reunião nos escritórios da TT-A..., Ldª, onde estiveram presentes a Dr.ª CC, sua mãe e o irmão EEE, o procurador DDD, a advogada XX e UU;

30) - Nessa reunião falou-se, nomeadamente:
- da necessidade de introduzir no exterior do edifício um elevador;
- nas autorizações necessárias para as redes de águas, saneamentos e electricidade;
- os elementos que acompanhavam o estabelecimento;
- das obras no telhado;
- da possibilidade de ocupação exclusiva do sótão comum do prédio;
- de não ser entregue qualquer importância a título de sinal enquanto não estivesse feita a alteração da propriedade horizontal, prevendo a Dr.ª CC para isso o período de um ano, sendo certo que nessa altura já existia acordo quanto ao preço do negócio;

31) - Em 02/02/04, o aludido Gabinete enviou o relatório de que se encontra junta fotocópia à p.i., como doc. nº 6, documento este que foi de imediato comunicado à TT-A..., Ldª;

32) - Em Fevereiro de 2004 CC requereu na Câmara Municipal de Chaves a alteração da certidão da propriedade horizontal do edifício da E... S..., o que foi deferido.

33) - Em Agosto de 2004, o autor voltou a Portugal e visitou a E... na companhia dos engenheiros e arquitecto da ZZ e da Dr.ª XX;

34) - Em meados de Outubro de 2004, a Dr.ª XX redigiu a minuta que se encontra junta à p.i. como doc. nº 9;

35) - Quando eram solicitados os elementos de identificação dos comproprietários, UU dizia que muitos viviam fora da cidade e alguns fora do país, não se sabendo ainda quem ia estar presente para assinar o contrato e quem seria representado, acrescentando que isso não era importante;

36) - Em meados de Outubro de 2004 a Dr.ª XX, para satisfazer mais alguns pormenores solicitados, elaborou a minuta do contrato que se juntou e fica a constituir o doc. 10 da p.i;
37) - UU não mais apareceu no escritório da Dr.ª XX nem lhe prestou explicação alguma do que se estava a passar;

38) - Em 20 de Dezembro de 2004 o autor remeteu à Dr.ª CC, dando conhecimento da mesma ao Eng. GG, carta do seguinte teor (onde lhe solicitou a marcação de uma reunião com todos os comproprietários da E...):
‘Venho junto de V. Exa. em virtude de ser a pessoa que lidera o processo da venda da E... S... em representação dos demais comproprietários e, na sequência de me ter sido transmitido pela Imobiliária TT-A... que o negócio identificado em epígrafe estaria difícil, quando já há bastante tempo me tinha sido confirmado, solicitar-lhe diligencie no sentido de se realizar uma reunião com todos os comproprietários da E... S... e demais interessados que entenda necessários e eu próprio nos termos e para os fundamentos seguintes:
Como é do conhecimento de V. Exa., ocorreram negociações entre a Imobiliária TT-A... de Chaves que os representa na venda da E... S... e eu próprio.
Nessas negociações tiveram ainda intervenção V. Exa. e de forma directa, o Exmo. Senhor EEE, a Exma. Senhora Sua mãe e o Exmo. Professor GG, intervindo em minha representação a Dr.ª XX e o senhor DDD.
Dúvidas não restam de que dessas negociações resultou a conclusão do negócio nos termos e condições pretendidas por ambas as partes.
Foram feitas sucessivas minutas de contratos-promessa até se chegar àquele que segundo me foi transmitido pela TT-A..., merecia o consenso de toda a gente.
Durante aproximadamente um ano V. Exas. agiram em conformidade com o acordado e prepararam aquilo que lhes foi solicitado para a efectivação do negócio em termos notariais, ou seja, procederam à alteração da constituição da propriedade horizontal e diligenciaram pela obtenção de autorizações para esse e outros efeitos junto dos demais condóminos.
Há portanto mais de um ano que estão fixados os termos do negócio designadamente no tocante aos sujeitos, ao preço, condições de pagamento e prazos.
Tudo foi feito para lhe dar a forma que interessava a todos até que se chegou à última minuta do contrato-promessa que foi transmitido à TT-A.... Obtive em resposta a comunicação que este era do agrado de todos e que haveria agora um pequeno problema que não me dizia respeito, antes ocorria entre os comproprietários da E... para decidirem quem suportaria os custos de um projecto de arquitectura que tinha sido encomendado para transformar aquele edifício num prédio de apartamentos e escritórios. Porém, já muito antes me tinha sido confirmado e reconfirmado o negócio em que eu sou o promitente comprador. Inclusive me foi dito pela TT-A... há pouco tempo para transferir o dinheiro para Portugal para a conta à ordem, pois seria uma questão de dias para encontrar uma data conveniente a todos para assinarem. Inexplicavelmente foi depois de tudo o sumariamente exposto ter ocorrido que me foi comunicado pela TT-A... que o negócio estava difícil porque as pessoas agora já não se entendiam e a Dr.ª CC estaria a acusar o desgaste de ter liderado as negociações em representação da sua família e manifestava a intenção de se afastar deixando que os outros interessados fizessem o que entendessem.
Foi pois neste sentido, primeiro por ter um negócio acordado, depois porque sempre me pareceu estar a lidar com pessoas de palavra, que solicitei à TT-A... diligenciasse pela marcação de uma reunião onde estivéssemos presentes todos e cada um pudesse apresentar as tais dificuldades e esclarecer cada uma das pretensões.
Foi com mais estranheza ainda que recebi a comunicação da TT-A... de que V. Exa. não via interesse na tal reunião. Solicitei os seus contactos à imobiliária e foram-me negados, tendo de os obter de outra forma. E, salvo melhor opinião, porque não vejo qual o inconveniente de uma reunião deste género, lhe solicito diligencie pela marcação da mesma junto de todos os interessados, comprometendo-me eu próprio a deslocar-me mais uma vez do L... a Portugal para esse efeito.
Como compreenderá, se «as coisas estiverem difíceis» como me foi transmitido, é o lugar certo para ultrapassar as dificuldades e se por difícil se tiver que interpretar «impossível», é imperioso apurar responsabilidades.
Como é também do conhecimento de V. Exa., do Exmo. Professor A... e da imobiliária, procedi à venda de património próprio, desinvesti, vendi acções, retirei dinheiro de depósitos a prazo, enfim, toda uma série de incontáveis prejuízos para que o dinheiro estivesse, como está, disponível para o negócio que tinha realizado e me tinham confirmado. Para já não falar das despesas que tive com advogados, arquitectos e engenheiros.
Por tudo me parece que esta disponibilidade total dos interessados revelaria um enorme bom senso e boa fé para esclarecer em definitivo e com verdade a presente situação.
Como já tinha transmitido à TT-A... essa reunião poderia ocorrer onde bem entendessem, inclusive no Porto se assim preferirem, preciso apenas de alguns dias para organizar a minha vida profissional aqui no L... para poder estar presente.
Esta carta vai com cópia ao Exmo. Senhor Professor A... uma vez que representa neste negócio a parte dos comproprietários da família A..., estando informado de o mais e tendo sido uma das pessoas que me confirmou o negócio directamente.
Na certeza de que o presente assunto merecerá da parte de V. Exa. a melhor atenção e uma rápida resposta’;

39) - À referida carta, respondeu a Dr.ª CC, com carta datada de 02 de Fevereiro de 2005, do seguinte teor:
Acuso a recepção da v/ prezada carta, com data de registo de 20 de Dezembro de 2004, à qual passo a responder.
Cumpre-se esclarecer um primeiro equívoco de V. Excia., aliás importante e que acaba por inquinar o raciocínio expresso na carta em causa, que se traduz no facto de me considerar a «pessoa que lidera o processo de venda da E... S... em representação dos demais comproprietários».
É que, e como bem deviam saber as pessoas que o representaram na reunião havida, nunca representei os demais proprietários, jamais invoquei essa qualidade, e, de resto, jamais o faria, até por se tratar de ramos familiares com interesses bem distintos.
Acresce que, e mesmo no âmbito da minha família «directa», tive o cuidado, sempre que possível, de assegurar a presença, na única reunião que ocorreu, quer de minha mãe, quer de meu irmão, tal não sendo possível, infelizmente, em relação à minha irmã EE, que, não obstante, jamais outorgou mandato/procuração a quem quer que fosse, como de todos e por todos é sobejamente sabido.
O elenco de pessoas que V. Excia. cita na sua missiva como intervenientes na reunião, da qual não fez parte nenhum elemento da família A..., é bem prova do que acabo de afirmar e da contradição nas suas palavras.
Assim, os consensos (se os houve) – aliás, só parciais – estabelecidos «entre as partes», em termos de elementos essenciais do negócio, apenas «vinculam» – só podem «vincular» quem eventualmente os tenha assumido.
E os seus representantes bem sabem que houve quem não os não assumisse.
E, queira ainda V. Excia notar – segundo equívoco evidenciado –, esses consensos, para além de não abarcarem a totalidade das pessoas envolvidas, nunca foram totais, isto é, nunca abrangeram a totalidade dos elementos negociais, com o que se inviabilizou o negócio em vista do qual se fez a referida reunião.
Nesta altura, como de resto desde há já alguns meses atrás, não vejo qualquer interesse em realizar qualquer reunião, pois os dissensos são significativos.
E, se alguns factos foram praticados no prédio em apreço, tal só sucedeu porque já estava previsto que sucedesse, independentemente do resultado das negociações mantidas.
Se V Excia. fez o que fez – desinvestimentos, etc. –, o que se desconhece, permita que lhe diga que o fez por «conta e risco próprios» – ignoramos se a, ou com o, conselho de alguém –, certamente acalentando esperanças (subjectivas) num negócio que, porém, nunca foi seguro para ninguém, sendo certo que, mais importante que isso, eu própria jamais incuti essa esperança, sequer por mim, muito menos em nome de quem quer que fosse.
Em face do exposto rechaço, veementemente, a tentativa de responsabilização enunciada na missiva em questão, aconselhando V. Excia a não forçar, por esta ou outra via um negócio que está visto, não tem condições para vingar.
Certa de que esta esclarecerá todos os equívocos evidenciados, e sem mais de momento, apresento a V. Excia os meus melhores cumprimentos.’

40) - Em Janeiro de 2005 a Dr.ª CC enviou aos restantes condóminos do prédio em causa uma proposta escrita dando conta que a VV-‘F... C... – Sociedade de Investimentos Imobiliários, Ldª’, da qual aquela é gerente, pretendia proceder às obras de transformação das fracções E e F, que constituem a E..., em apartamentos em conformidade com os projectos aprovados;

41) - Todos os pedidos formulados pela sociedade referida no anterior facto foram aceites por unanimidade dos condóminos, salvo o da concessão da autorização à dita sociedade para proceder ao licenciamento das obras, que não foi votado pela Dr.ª CC;

42) - As obras de remodelação da E... iniciaram-se no Verão de 2005, após emissão do respectivo alvará, solicitado pela Dr.ª CC em 28 de Julho de 2005;

43) - Para a realização do negócio em apreço os autores deslocaram-se por três vezes a Portugal;

44) - Os autores encomendaram ao Gabinete de Arquitectura e Engenharia ZZ, Ldª, um estudo prévio da E... S..., a fim de posteriormente ser elaborado o projecto definitivo dos arranjos e modificações pretendidas;

45) - No L..., o autor, para além das actividades normais de trabalho, costumava fazer negócios imobiliários;

46) - Na expectativa de investimento que iam fazer em Chaves, mantiveram, por período cuja duração não foi possível apurar, no Banco do L... em depósito à ordem o valor de 483.000,00€;

47) - Venderam acções da C... e da B..., que juntaram a outros depósitos na agência de Chaves do Banco M..., no montante global de 323.229,05€, do qual podiam dispor no espaço de um mês;

48) - Em transportes os autores gastaram quantia cujo concreto montante não foi possível apurar;

49) - Os autores despenderam com a vistoria e estudo prévio efectuados pelo Gabinete ZZ 2.500,00 €;

50) - Com os serviços prestados pela advogada XX, 3.000,00 €;

51) - A partir da altura em que se definiu o preço da E... o autor andou muito entusiasmado com a realização da expectativa da respectiva aquisição;

52) - A não realização do negócio causou ao autor perturbações psicológicas e nervosas;

53) - À ansiedade de realizar o negócio seguiram-se períodos de tristeza e desinteresse, que alternavam com grande nervosismo;

54) - Tais situações manifestavam-se e faziam-se sentir no seu relacionamento no meio familiar, na sua actividade de trabalho e nos contactos com as outras pessoas.
Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se as RR. CC (ao longo do processo referida por Dr.ª CC) e a TT-“A...-Mediação Mobiliária, Ldª”, devem indemnizar os AA., no quadro da responsabilidade pré-contratual, pelo facto de não se ter consumado o contrato de compra e venda em cujas negociações intervieram.

Vejamos:

Dispõe o art. 227º do Código Civil:

“1.Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
2. A responsabilidade prescreve nos termos do artigo 498º.”.

A responsabilidade pré-contratual pressupõe uma conduta eticamente censurável, e de forma acentuada, em termos idênticos aos do abuso do direito...” – Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9.2.1999, in CJSTJ, 1999, I, 84.

“I – O instituto da responsabilidade pré-contratual ou pré-negocial ou da culpa in contrahendo fundamenta-se na tutela da confiança do sujeito na correcção, na honestidade, na lisura e na lealdade do comportamento da outra parte, quando tal confiança se reporta a uma conduta juridicamente relevante e capaz de provocar-lhe danos.
II – Em aplicação do princípio da boa fé em que assentam os artigos 239º, 334º, 437º, nº1, e 762º, nº2, do Código Civil, dispõe o nº1 do artigo 227º do mesmo Código que quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação, dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar a outra parte...” – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.1.1997, in BMJ, 457, 308.

O Professor Menezes Cordeiro, na sua obra, “Da Boa Fé no Direito Civil”, Colecção Teses, depois de referir que a concepção da culpa in contrahendo acolhida no art. 227º do Código Civil encerra os deveres de protecção, de informação e de lealdade, escreve:

Os deveres de protecção obrigam a que, sob pretexto de negociações preliminares, não se inflijam danos à contraparte: danos directos, por um lado, à sua pessoa e bens, embora esta situação, em Portugal, possa ser solucionada pelos esquemas da responsabilidade civil, […]; danos indirectos, por outro, derivados de despesas e outros sacrifícios normais na contratação revestirem, por força do desenvolvimento subsequente do processo negocial, uma característica de anormalidade.

Os deveres de informação adstringem as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato.
Tanto podem ser violados por acção, portanto com indicações inexactas, como por omissão, ou seja, pelo silêncio face a elementos que a contraparte tinha interesse objectivo em conhecer. O dolo negocial – art. 253º/1 – implica, de forma automática, a violação dos deveres de informação. Mas não a esgota: pode haver violação que, não justificando a anulação do contrato por dolo, constitua, no entanto, violação culposa do cuidado exigível e, por isso, obrigue a indemnizar por culpa in contrahendo.

Os deveres de lealdade vinculam os negociadores a não assumir comportamentos que se desviem de uma negociação correcta e honesta [...]” (destaque nosso).

“Ultrapassada pelas legislações modernas a fase inicial (devido aos estudos de Jehring (1) em que este tipo de responsabilidade se colocava apenas a respeito da celebração de negócios nulos ou anuláveis, a evolução legislativa orientou-se no sentido de alargar cada vez mais os horizontes da responsabilidade pré-negocial “até englobarem no seu conceito, quer as hipóteses de negócio inválido e ineficaz, quer aquelas em que se haja estipulado um negócio válido e eficaz, surgindo, todavia, do processo formativo danos a reparar, quer ainda, as situações em que não se tenha celebrado negócio algum, por virtude de ruptura de fase negociatória ou decisória” (cfr. Prof. Almeida Costa – “Direito das Obrigações” – 4ª edição - 203) – Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13.5.2003 acessível no sítio da www.dgsi.pt, número convencional JSTJ000, de que foi Relator o Ex.mo Conselheiro Moreira Alves.


“O princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem” – Baptista Machado in, RLJ 117-232, [...].

“Toda a conduta, todo o agir ou interagir comunicativo, além de carrear uma pretensão de verdade ou de autenticidade (de fidelidade à própria identidade pessoal) desperta nos outros expectativas quanto à futura conduta do agente” e “todo o agir comunicativo implica uma auto-vinculação (uma exigência de fidelidade à pretensão que lhe é inerente), na medida em que desperta nos outros determinadas expectativas quanto a uma conduta futura. Mas esta auto-vinculação não tem que ter em todos os casos a mesma força” (p. 233).


“Do ponto de vista estrito do direito, parece-nos que a tutela da confiança só tem razão de ser quando a conduta contrária à “fides” causar ou for susceptível de causar danos a outrem” – Baptista Machado, in RLJ 117-295.

O dano indemnizável é o interesse negativo – “O dano resultante de violação da confiança de uma das partes na probidade e lisura do procedimento da outra por ocasião dos preliminares e da formação do contrato” (Almeida Costa, in RLJ, 116-206).

“Na responsabilidade pré-negocial protege-se a confiança depositada por cada uma das partes na boa-fé da outra e consequentes expectativas quanto à futura celebração do contrato ou à sua validade e eficácia”.

Antunes Varela, in “Direito das Obrigações”, Vol. II, pág. 14, cita a definição que do conceito dá Diez Picado – é um “arquétipo de conduta social: a lealdade nas relações, o proceder honesto, esmerado, diligente”.

A culpa in contrahendo consagrada normativamente no Código Civil de 1966 coenvolve deveres de protecção, de informação e de lealdade.

O dever de lealdade implica a proibição de interrupção de negociações em curso, sobretudo, se a conduta do infractor tiver antes contribuído para que o seu interlocutor contratual tenha uma real e fundada expectativa na consumação do contrato, ou seja, o agente que rompe as negociações trai o investimento de confiança que com a sua conduta incutiu na outra parte.

Como ensina o Professor Menezes Cordeiro in, “Da Boa-Fé no Código Civil”, Colecção Teses, págs. 583-584:

“A culpa in contrahendo funciona, assim, quando a violação dos deveres de protecção, de informação e de lealdade conduza à frustração da confiança criada na contraparte pela actividade anterior do violador ou quando essa mesma violação retire às negociações o seu sentido substancial profundo de busca de um consenso na formação de um contrato válido, apto a prosseguir o escopo que, em termos de normalidade, as partes lhe atribuam”.
“ [...] Não há qualquer motivo para a limitar a negócios consensuais: a lei não faz restrição, não há negociações sujeitas a forma e os negócios solenes exigem, por maioria de razão, negociações sérias e honestas; tão pouco há motivo para eliminar a responsabilidade quando a parte prejudicada tenha conhecimento do evento danoso, salvo, como é natural, quando ela, tendo presentes todas as consequências de tal evento e a sua intensidade, dispense, de modo objectivo, a efectivação de informação ou não integre uma situação de confiança...”.

O princípio da liberdade contratual – art. 405º do Código Civil – não pode ser entendido tão latamente que legitime qualquer conduta das partes durante uma negociação [ninguém é obrigado a contratar mesmo entrando num processo negocial], mas, não menos certo é que, havendo negociações avançadas de modo a criar expectativas legítimas na consumação do negócio, a parte que as romper sem fundamento, viola deveres de boa-fé e, por tal, constitui-se na obrigação de indemnizar pelo interesse negativo ou de confiança.

A culpa in contrahendo pressupõe violação culposa de deveres acessórios de conduta que, muitas vezes, se inscreve no âmbito de condutas abusivas do direito – art. 334º do Código Civil.

Na origem deste dever de indemnizar, com fundamento na culpa in contrahendo, não tem, necessariamente, que estar o incumprimento de uma promessa, de um compromisso, basta que as meras declarações proferidas, no “iter contratual” sejam de molde, se não coerentemente continuadas, a conduzir à ruptura negocial, quando a outra parte, legitimamente, não estivesse a contar com a frustração do processo negocial, mas com a sua conclusão – investimento na confiança.

Como ensina Baptista Machado em estudo publicado em “Obra Dispersa” Vol. I, págs.351/352.

“Desta “auto vinculação” inerente à nossa conduta comunicativa derivam ao mesmo tempo regras de conduta básicas, também postuladas pelas exigências elementares de uma ordem de convivência e de interacção, que o próprio direito não pode deixar de tutelar, já que sem a sua observância nem essa ordem de convivência nem o direito seriam possíveis.
Donde poderíamos já concluir que as próprias “declarações de ciência” ou o simples dictum (que não chega ser um promissum) podem vincular, quer porque envolvem uma responsabilização pela pretensão de verdade que lhes é inerente, quer pelos efeitos que podem ter sobre a conduta dos outros que acreditam em tais declarações [...].
Do exposto podemos também concluir que o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e que a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem.
Assim tem de ser, pois, como vimos, poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens.”

A responsabilidade contratual pressupõe que a parte que rompe as negociações traia as expectativas que legitimamente incutiu na parte com quem negociava, de modo a que frustração do negócio exprima uma indesculpável violação da ética negocial, mormente da protecção da confiança e da prevenção do insucesso.

“A responsabilidade por culpa na formação dos contratos tem natureza contratual e não extracontratual.
A responsabilidade resulta de ter sido ofendido o princípio da boa fé que impõe o respeito pela confiança na situação que uma das partes criou e que determinou a outra parte a um conjunto de despesas em cumprimento da obrigação a que se considerou vinculada” – Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 4.7.1991,in BMJ 409, 743.

O interesse protegido pelo normativo do art. 227º do Código Civil é a boa-fé a confiança de quem negoceia para a conclusão do negócio, sendo que aquele que induz a confiança terá de ser responsabilizado se a trai, já que o Direito tem cada vez mais uma componente ética traduzível na sempre actual máxima romanista alterum non laedere.

Após esta alusão ao quadro normativo aplicável apreciemos o essencial dos factos.

Em síntese, a controvérsia gira em torno do contrato de compra e venda de uma e... dos 2ºs e 3ºs RR., em compropriedade, que estes pretendiam alienar através da 3ª Ré que agiu como mediadora.

As negociações em que foram “faces visíveis” os Autores, pretendendo comprar, a Ré mediadora através do seu gerente UU e a 1ª Ré CC, que ao longo do processo é sempre referida como Dr.ª CC que, conjuntamente com dois irmãos, era detentora de ¾ de quatro fracções autónomas do prédio urbano conhecido por “E... S...”. O ¼ restante era propriedade dos 2ºs RR.

A 3ª Ré – uma sociedade imobiliária que se dedica à mediação imobiliária na cidade Chaves – fez publicar anúncios no Jornal “N... de C...” – em Junho de 2002 relativamente à venda da E..., o que levou o Autor – que residia no L... e se dedicava a negócios imobiliários – a entrar em contacto com aquela mediadora com vista à aquisição do imóvel onde estava instalado o estabelecimento.

O preço pedido era de € 500.000,00, tendo o Autor, em Agosto de 2002, contraposto a quantia de € 400.000,00. As negociações prosseguiram tendo como pontos cruciais o preço e o facto dos AA. pretenderem que não existissem alterações nas fracções que alterassem o destino do imóvel.

Factualmente existe prova de a 1ª Ré, Dr.ª CC, ter intervindo, no princípio do mês de Outubro de 2003, mais de um ano após o início das negociações entre o Autor e a mediadora incumbida do negócio pelos donos das fracções.

No item 13) dos factos provados afirma-se que naquela data o legal representante da mediadora – UU – disse ao Autor que a Ré CC (Dr.ª CC) era a “líder da família A...” (1ºs RR.), informando-o, ainda, que por ela havia sido encomendado um projecto de arquitectura para transformar a E... S... em apartamentos, o que lhe custou € 15.000,00, questionando os AA. se estavam na disposição de subir a oferta de € 450.000,00 para € 465.000,00.

Os autores por não estarem interessados em tal projecto, pois queriam dar continuidade à E..., manifestaram o seu desacordo relativamente a essa questão, mantendo a oferta de € 450.000,00.

Depois de vários contactos sobre o pagamento de despesas feitas pela 1ª Ré com vista às alterações projectadas, UU comunicou aos autores que tinha ordens da família A... (1ºs réus) para fechar o negócio pela oferta de € 450.000,00, acrescentando que a Dr.ª CC iria suportar os custos do projecto: informou que iria confirmar o negócio junto do representante da família A... .

Dias depois, UU, tendo a seu lado GG, telefonou aos autores para confirmar que os valores do negócio da compra da E... S... se podiam considerar encontrados, mas comunicando-lhe que havia outros assuntos a resolver.

Seria despiciendo considerar que, tendo as partes acordado num dos pontos cruciais da negociação, o preço no valor significativo de € 450.000,00, mesmo faltando a aquiescência expressa dos 2ºs RR., um passo grande estava dado no sentido da concretização do negócio, tanto mais que nas negociações que até esse ponto crucial consumiram cerca de um ano, intervieram pessoas com responsabilidade na condução do negócio no interesse dos vendedores – a mediadora que eles incumbiram e uma das comproprietárias apresentada como líder dos donos de ¾ do imóvel.

Sinal de que as negociações caminhavam em boa direcção é o facto de, pese embora os 2ºs RR. não terem acordado no negócio (sempre se podendo considerar que a mediadora agia incumbida por eles, de outro modo seria abusivo ter acertado o preço), foi do interesse da mediadora e dos AA. dar enquadramento jurídico ao projectado negócio através da celebração de contrato-promessa de compra e venda tendo sido elaboradas várias minutas que foram alteradas consensualmente por sugestão das partes, o que é deveras relevante como elemento indiciador da vontade séria de contratar, passos estes que naturalmente iam conferindo confiança; pois não é que havia já acordo quanto ao preço e se preparava a formalização do contrato?

De notar que a minuta do contrato-promessa foi entregue ao Autor em 32.10.2003 aquando de uma sua vinda a Portugal.

Depois, por solicitação do Autor, a sua Advogada elaborou outra minuta de contrato-promessa. Em 25.11.2003, a 3ª Ré enviou para o escritório da Advogada dos AA. uma minuta contendo “alterações a efectuar ao Contrato Promessa de Compra e Venda de 18 de Novembro adaptando ao negociado…” – cfr. item 27) dos factos provados.

Por esta altura, com o acompanhamento da 3ª Ré, já os AA. vistoriavam as instalações com o seu Arquitecto, Engenheiro Civil e Electrotécnico do gabinete de arquitectura ZZ-“E...”.

Como resulta do facto provado no item 30):

Em Dezembro de 2003 foi feita uma reunião nos escritórios da TT-A..., Ldª, onde estiveram presentes a Dr.ª CC, sua mãe e o irmão EEE, o procurador (dos AA.) DDD, a advogada XX e UU;
Nessa reunião falou-se, nomeadamente:
- da necessidade de introduzir no exterior do edifício um elevador;
- nas autorizações necessárias para as redes de águas, saneamentos e electricidade;
- os elementos que acompanhavam o estabelecimento;
- das obras no telhado;
- da possibilidade de ocupação exclusiva do sótão comum do prédio;
- de não ser entregue qualquer importância a título de sinal enquanto não estivesse feita a alteração da propriedade horizontal, prevendo a Dr.ª CC para isso o período de um ano, sendo certo que nessa altura já existia acordo quanto ao preço do negócio”. (destaque e sublinhados nossos).

Aqui chegados estavam assentes: o preço a pagar pelos AA. compradores, a realização de obras que a Dr.ª CC previa concluídas dentro de um ano, ou seja, estimativamente, em Dezembro de 2004, o imóvel estaria remodelado.

Mais um passo significativo em direcção à conclusão de negócio foi dado, pois existiu acordo quanto às obras a realizar no imóvel – alteração da propriedade horizontal – sendo que a data prevista foi indicada pela Dr.ª CC que, neste ponto crucial das negociações não consta ter informado do risco da não concretização do negócio, por não existir acordo entre todos os donos-vendedores, nem que não representava todos eles, apesar do contrato de mediação que os vendedores celebraram com a 3ª Ré.

Mas algo de perturbador ocorreu em Outubro de 2004 com a recusa, por parte da mediadora, em fornecer a identificação de todos os comproprietários para formalizar o contrato-promessa, ao mesmo tempo que a mediadora, através de UU, ter deixado de “aparecer” no escritório da Advogada dos AA.

Ante o impasse, o Autor escreveu à Dr.ª CC, em 20.12.2004, a carta cujo teor consta do item 38) dos factos provados, onde além do mais, pedia que se realizasse uma reunião com todos os proprietários da E..., afirmando que a destinatária da carta tinha tido uma intervenção de “forma directa”, afirmando - “…Dúvidas não restam de que dessas negociações resultou a conclusão do negócio nos termos e condições pretendidas por ambas as partes. Foram feitas as sucessivas minutas de contratos-promessa até se chegar àquela que segundo me foi transmitido pela TT-A..., merecia o consenso de toda a gente.
Durante aproximadamente um ano V. Exas. agiram em conformidade com o acordado e prepararam aquilo que lhes foi solicitado para a efectivação do negócio em termos notariais, ou seja, procederam à alteração da constituição da propriedade horizontal e diligenciaram pela obtenção de autorizações para esse e outros efeitos junto dos demais condóminos.
Há portanto mais de um ano que estão fixados os termos do negócio designadamente no tocante aos sujeitos, ao preço, condições de pagamento e prazos…Inexplicavelmente foi depois de tudo o sumariamente exposto ter ocorrido que me foi comunicado pela TT-A... que o negócio estava difícil porque as pessoas agora já não se entendiam e a Dr.ª CC estaria a acusar o desgaste de ter liderado as negociações em representação da sua família e manifestava a intenção de se afastar deixando que os outros interessados fizessem o que entendessem…”. (cfr. fls.503).

A esta carta respondeu a destinatária, em 2.2.2005, afirmando que o Autor estava triplamente equivocado já que nunca liderou o processo em representação dos demais comproprietários.
Depois afirma –“Assim, os consensos (se os houve) – aliás, só parciais – estabelecidos “entre as partes”, em termos de elementos essenciais do negócio, apenas “vinculam” – só podem “vincular” quem eventualmente os tenha assumido.
E os seus representantes bem sabem que houve quem não os assumisse.
E, queira ainda V. Excia notar – segundo equívoco evidenciado –, esses consensos, para além de não abarcarem a totalidade das pessoas envolvidas, nunca foram totais, isto é, nunca abrangeram a totalidade dos elementos negociais, com o que se inviabilizou o negócio em vista do qual se fez a referida reunião.
Nesta altura, como de resto há alguns meses atrás, não vejo qualquer interesse em realizar qualquer reunião pois os dissensos são significativos.
E se alguns factos foram praticados no prédio em apreço, tal só sucedeu porque já estava previsto que sucedesse, independentemente do resultado das negociações mantidas”.

Através desta carta, a 1ª Ré além de declinar qualquer representação de facto, dos demais comproprietários – em manifesta contradição com a sua actuação liderante (veja-se o facto provado no item 30) – reconhece que existiram consensos, mas que não abrangiam a totalidade do negócio.

Deveras relevante para apreciar a actuação da referida Ré, na perspectiva da actuação de boa-fé, é o facto provado no item 40).

Com efeito, dele decorre que, ainda antes de ter respondido ao Autor, nos termos atrás referidos, aquela Ré, na qualidade de gerente da sociedade VV-“F... C... -Sociedade de Investimentos Imobiliários, Ldª”, em Janeiro de 2005, ter enviado aos restantes condóminos do prédio uma proposta dando conta que aquela sociedade pretendia proceder às obras de transformação das fracções E e F, que constituem a E..., em apartamentos, em conformidade com os projectos aprovados.

Como se provou – itens 41) e 42) dos factos provados – “Todos os pedidos formulados pela sociedade referida no anterior facto foram aceites por unanimidade dos condóminos, salvo o da concessão da autorização à dita sociedade para proceder ao licenciamento das obras, que não foi votado pela Dr.ª CC. As obras de remodelação da E... iniciaram-se no Verão de 2005, após emissão do respectivo alvará, solicitado pela Dr.ª CC em 28 de Julho de 2005”.

Como vimos, as partes envolvidas num processo negocial estão vinculadas a agir de boa-fé, com lisura e consideração pelos interesses patrimoniais da outra parte.

Entres esses deveres avulta o dever de fornecer toda a informação, de modo a que se saiba que quem negoceia, desde logo tem poderes para se vincular e a outros ou não, circunstância que manifestamente a 1ª Ré escamoteou, omitindo aos AA. factos relevantes para a decisão senão de contratar, ao menos de prosseguir as negociações.

Na verdade, pese embora o seu desmentido de liderança, que só fez numa fase avançada das negociações, foi ela quem entabulou negociações com o Autor, apesar de ter contratado uma empresa de mediação imobiliária.

Era dever da referida Ré, logo no início do processo negocial, avisar o Autor que as negociações poderiam malograr-se, caso os demais comproprietários – que não representava – pudessem não anuir ao negócio, assim, disponibilizando ao comprador interessado um elemento relevantíssimo com vista a moderar as suas expectativas na concretização do negócio.

Mas a Dr.ª CC não fez isso, teve reuniões com o Autor, deixou que aspectos essenciais do negócio (como o preço e a realização de obras) fossem negociados e até acordados, ao menos pela mediadora que a representava e aos demais comproprietários, mormente, deixando que fossem elaboradas minutas do contrato-promessa de compra e venda da E..., sem nunca tomar a iniciativa de ir informando o Autor do risco de não concretização do negócio.

Durante os quase dois anos que mediaram desde os primeiros contactos até à ruptura anunciada pela carta de 2.2.2005, onde a 1ª Ré refere que o Autor está equivocado em vários aspectos do seu (dela) papel negocial, e se retira das negociações, num quadro manifestante violador das regras da boa-fé negocial e dos deveres de protecção dos interesses da contraparte, desconsiderando o valor e o princípio da confiança.

Os ditames da boa-fé e os deveres acessórios de conduta, sobretudo o respeito pelos direitos do Autor e a confiança que razoavelmente adquiriu no sucesso das negociações, foram desconsideradas pela actuação da 1ª Ré, que omitiu deveres de informação e protecção que, se acatados, seriam decisivos, numa perspectiva de razoabilidade e experiência comum, sobretudo para quem opera no mercado imobiliário tomar opções baseadas em informações imprescindíveis e correctas, que devem ser observadas num são padrão de negociações preliminares à celebração de um contrato de significativa expressão económica, como é o caso dos autos.

Com efeito – facto não despiciendo – a Ré era gerente duma Sociedade imobiliária que tinha em vista e obteve licença para proceder a alterações em duas das fracções que constituem a “E...”, visando a sua transformação em apartamentos.

Esse pedido foi feito pela sociedade de que era gerente aquela Ré (Dr.ª CC) e não será ousado concluir que, ao mesmo tempo que decorriam as negociações com o Autor, a 1ª Ré tinha em mente outro destino para o imóvel, que se fosse dado a conhecer ao Autor implicava a perda do seu interesse, já que como se provou ele pretendia manter a E... no imóvel.

Com o devido respeito pelo Acórdão sob censura, pese embora a sua erudita fundamentação, há uma insuficiente valoração da conduta negocial dos RR., mormente da 1ª Ré.

No que concerne à 3ª Ré – a sociedade mediadora – apesar da sua actuação não se ter pautado pela correcção e por uma actuação proba, em sede negocial, importa considerar que as suas funções não eram senão as que cabem no âmbito da sua actividade profissional, no desempenho de um contrato de mediação.

Carlos Lacerda Barata, no estudo “Contrato de Mediação”, publicado no volume I da obra “Estudos do Instituto de Direito do Consumo” – Julho de 2002 – pág. 192 – define contrato de mediação como o – “Contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição”.

Afirmando ainda – “Da noção proposta, decorrem cinco elementos, caracterizadores do contrato: - obrigação de aproximação de sujeitos; - actividade tendente à celebração de negócio; - ocasionalidade; - retribuição”.

O Professor Menezes Cordeiro, no estudo “Do Contrato de Mediação”, publicado na Revista “O Direito”, Ano 139º, 2007, III, págs.516 a 554, dá a noção básica de tal contrato nos seguintes termos – pág. 517:

“Em sentido amplo, diz-se mediação o acto ou efeito de aproximar voluntariamente duas ou mais pessoas, de modo a que, entre elas, se estabeleça uma relação de negociação eventualmente conducente à celebração de um contrato definitivo.
Em sentido técnico ou estrito, a mediação exige ainda que o mediador não represente nenhuma das partes a aproximar e, ainda, que não esteja ligado a nenhuma delas por vínculos de subordinação”.

Essa actividade pode ter sido acordada num contrato que implica a prática, pelo mediador, de actos materiais e, por isso, se distingue do contrato de mandato.

No citado estudo – pág. 545 – distinguindo-se a mediação da figura afim do contrato de mandato, pode ler-se:

“A mediação pressupõe, por parte do obrigado, uma actuação material.
Além disso, configura-se como um contrato aleatório, só dando azo a retribuição quando tenha êxito.
A sua distinção perante o mandato fica facilitada:
- o mandato pressupõe uma actuação jurídica por conta do mandante; a mediação conduz a condutas materiais;
- o mandatário age por conta do mandante; o mediador actua por conta própria;
- o mandato pode ser acompanhado por poderes de representação; a mediação, a sê-lo, será uma mediação imprópria.”

Se a mediadora praticou mais que actos materiais, exorbitando as funções de que foi incumbida, agindo e praticando actos compreendidos num verdadeiro contrato de mandato, só por aqueles em nome de quem agiu poderá ser responsabilizada no contexto da responsabilidade contratual, isto sem embargo de considerarmos que a sua actuação não primou pelas regras das boas práticas profissionais.

Importa, então, apurar à luz da lei e dos ensinamentos da doutrina e jurisprudência, qual a responsabilidade da 1ª Ré.

Os AA. peticionaram indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais (danos emergentes € 18.000,00) e lucros cessantes (€ 115.000,00, avultando nestes a perda de ganho com a exploração da E... que quantificaram em € 50.000,00) e compensação por danos não patrimoniais (€ 35.000,00).

Ora, importa afirmar que a maioria da doutrina (2). e da jurisprudência, sustentam que na responsabilidade pré-contratual já se está verdadeiramente no âmbito da responsabilidade obrigacional, uma vez que os direitos subjectivos violados são os deveres de actuação de boa-fé pelo que, ao invés do que sucede com a responsabilidade extracontratual, é aos demandados em acção indemnizatória baseada no art. 227º, nº1, do Código Civil que incumbe ilidir a presunção de culpa que sobre si impende – art. 799º, nº1, do Código Civil.

Carlos Ferreira de Almeida, in “Contratos-Conceito, Fontes, Formação”, 2ª ed., Almedina, pág.189, opina:

“…Com a doutrina e a jurisprudência, neste ponto dominantes quase sem discrepância, inclinamo-nos para a solução de presunção de culpa, porque a valoração das insuficiências ou dos excessos de comunicação na relação pré-contratual têm com o incumprimento, pleno ou defeituoso, de obrigações a semelhança bastante para justificar a aplicação analógica.”

Daí o considerarmos que competia aos RR. fazer prova de que adoptaram condutas idóneas a prevenir o insucesso e a frustração da conclusão negocial, ilidindo a presunção de culpa do art. 799º, nº1, do Código Civil.

Menezes Cordeiro, obra citada, pág. 585, afirma:

“Esclareça-se, ainda, sempre pela culpa in contrahendo portuguesa, a natureza da responsabilidade em jogo.
Trata-se de uma responsabilidade obrigacional, por violação de deveres específicos de comportamento baseados na boa fé.
O que, em termos de Direito substantivo, releva, no essencial, em que, demonstrada a violação, presume-se a culpa da parte faltosa, nos termos do art. 799º/l.
Por fim, sublinhe-se, na linha de Ruy de Albuquerque (…), de que foi dada conta oportuna, a inexistência de qualquer motivo para limitar a responsabilidade do prevaricador ao interesse negativo ou de confiança: ele responde, como manda o art. 227°/l, por todos os danos causados, nos termos gerais, tendo em conta, segundo a causalidade adequada, os lucros cessantes, embora descontando, sempre de acordo com os princípios da responsabilidade, as vantagens advenientes da violação para o prejudicado e, designadamente, não havendo contrato válido, o facto de ele não ter de o cumprir c de não correr os riscos inerentes às vicissitudes contratuais.
Em jogo, pois, estão os artigos 562.° ss. do Código Civil…”, (destaque e sublinhados nossos).

O Professor Paulo Mota Pinto, in “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, vol. II, págs. 1191 e 1192:

“Afigura-se, assim, mais útil para os nossos propósitos adoptar uma classificação das hipóteses de responsabilidade pré-contratual que atenda ao evento danoso — ou, na expressão do artigo 562.° ao definir o princípio geral em matéria de obrigação de indemnização, ao “evento que obriga à reparação”.
Ora, nos casos de responsabilidade pré-contratual, este evento é a violação de um dever pré-contratual, ou a criação de confiança e/ou a sua frustração (alternativa, esta última, cuja exacta dilucidação se afigura cheia de consequências para a distinção entre a indemnização pelo interesse positivo ou pelo interesse negativo).
Correspondentemente, o lesado deve ser colocado, nos termos do artigo 562.°, na situação em que estaria se não tivesse sido violado o dever pré-contratual ou não tivesse sido criada (e/ou frustrada) a sua confiança, sendo, pois, hipotizável, segundo as regras gerais e consoante o curso hipotético dos acontecimentos, que a indemnização se refira quer ao interesse negativo quer ao interesse positivo.
Tudo depende da configuração da hipótese de responsabilidade, para nela identificar o “evento que obriga à reparação”.

A jurisprudência, maioritariamente, considera, contudo, como regra, que o dano indemnizável é apenas o do interesse contratual negativo, ou dano de confiança cfr. inter alia, os Acórdãos deste Alto Tribunal de 4.5.06, de 18.11.04, de 28.2.02, e de 21.12.2005, in www.dgsi.pt, respectivamente, Processos números 06A222, 04B2992, 02B056 e 05B2354.

Todavia o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28.4.2009 –Proc. 09A0457 – in www.dgsi.pt, considerou que, em casos concretos, a indemnização deve contemplar o interesse contratual positivo.

Assim no sumário deste aresto pode ler-se:

“Na falta de uma disposição legal especial que regule a indemnização devida pela responsabilidade contratual é de aplicar a regra geral do art. 562º e segs do Código Civil. Nos casos de ruptura ilícita de negociações, a indemnização será, em regra, pelo interesse contratual negativo.
Contudo, há situações em que a indemnização será pelo interesse contratual positivo, quando as negociações tiverem atingido um desenvolvimento tal que justifique a confiança na celebração do negócio. Será o caso de se ter atingido um acordo sobre todas as questões e apenas faltar a concretização/celebração do acordo através da forma legal “.

O lesado deve ser colocado na posição em que estaria se não tivesse encetado as negociações, pelo que tem direito a haver aquilo que despendeu na expectativa da consumação das negociações.

A 1ª Ré deve, pois, “responder pelos danos que culposamente causou” – parte final do nº1 do art. 227º do Código Civil – entendendo-se que esses danos são, não só os emergentes como os lucros cessantes.

O Autor sofreu danos directos de natureza patrimonial que podem desde já ser liquidados.

A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” – art. 562º do Código Civil.

Dano é a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar” – Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág.591, 7ª edição.

Na definição do citado civilista, “O dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado”.

Este dano abrange não só o dano emergente ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado.

O lucro cessante abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito mas a que ainda não tinha direito à data da lesão” (ibidem, pág. 593).

A par da ressarcibilidade dos danos patrimoniais a lei contempla, também, a “compensação” pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indirectamente podem ser compensados – art. 496º, nº1, do Código Civil.

O art. 566º do citado Código, consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade.

Não sendo possível a reconstituição natural, não reparando ela integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1 do art. 566º do Código Civil.

A indemnização pecuniária deve manifestamente medir-se por uma diferença (id. quod interest como diziam os glosadores) – pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido” – Antunes Varela, obra citada, pág. 906.

A lei consagra, assim, a teoria da diferença, tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” – art. 566º, nº2, do Código Civil.

Como danos patrimoniais importa considerar que apenas se provou que, em transportes, os autores gastaram quantia cujo concreto montante não foi possível apurar; despenderam com a vistoria e estudo prévio efectuados pelo Gabinete ZZ € 2.500,00 e com os serviços prestados pela Advogada XX, € 3.000,00.

Ou seja os AA. tiveram um prejuízo cujo montante, já liquidado, ascende no total a € 5.500,00.

Por outro lado, não é ainda líquido o montante despendido com deslocações feitas em transportes (cfr. facto provado 48), pelo que se relega para incidente de liquidação o “quantum” que, a esse título, incumbirá à 1ª Ré indemnizar. – arts. 378º e 661, nº2, do Código de Processo Civil.
Quanto aos danos não patrimoniais.

Provou-se que - “A partir da altura em que se definiu o preço da E... o autor andou muito entusiasmado com a realização da expectativa da respectiva aquisição; a não realização do negócio causou ao autor perturbações psicológicas e nervosas; a ansiedade de realizar o negócio seguiram-se períodos de tristeza e desinteresse, que alternavam com grande nervosismo; tais situações manifestavam-se e faziam-se sentir no seu relacionamento no meio familiar, na sua actividade de trabalho e nos contactos com as outras pessoas.”

Dispõe o art. 496º do Código Civil:

“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. (...)
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.”

“Danos não patrimoniais – são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l. °-571.

São indemnizáveis, com base na equidade, os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” – nºs 1 e 3 do art. 496º do Código Civil.

A não consumação do negócio causou aos Autor, dano moral, sofrimento, frustração de expectativas e incómodos com repercussão comportamental com na sua vida pessoal, familiar e profissional.

Reputa-se equitativa a compensação de € 2.500,00.

Sobre os valores já liquidados incidem juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo reembolso – arts. 804º, nº2, 806º, nºs 1 e 2, e 556º e 559º do Código Civil.

Decisão.

Nestes termos, concede-se parcialmente a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, condenando-se agora a Ré CC, a pagar aos AA. a quantia de € 5.500,00, a título de danos patrimoniais (a que acrescerá o valor que se apurar em execução de sentença, relativamente ao despendido pelos AA. em transportes), e € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais.
Sobre tais quantias acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

Custas aqui e nas instâncias na proporção de vencido.

Supremo Tribunal de Justiça,


Lisboa, 16 de Dezembro de 2010.

Fonseca Ramos (Relator)
Salazar Casanova
Azevedo Ramos
_____________________

(1) No Estudo de Jhering “Culpa in Contrahendo ou Indemnização em Contratos Nulos ou Não Chegados à Perfeição”, Tradução e nota introdutória de Paulo Mota Pinto – Almedina 2008 – pode ler-se nas págs. XIII e XIV da Nota Introdutória – “Jhering propôs, na verdade, a partir dos casos que referiu, uma generalização do princípio para além dos casos das fontes (como o da venda da herança), e escreveu para tal a conhecida frase: “Quem contrata, sai deste modo do círculo de deveres puramente negativo do tráfico extracontratual e entra no positivo da esfera contratual, sai do campo da mera culpa in faciendo para o da culpa in non faciendo, da diligentia positiva, e a primeira e mais geral obrigação que assume é a seguinte: aplicar a necessária diligentia logo no próprio contratar. Não são apenas as relações contratuais formadas, mas antes logo as que estão em formação que têm de estar sob a protecção das regras sobre a culpa, se não se quiser que o tráfico contratual seja neste aspecto obstaculizado de forma significativa, que cada contraente seja exposto ao perigo de se tomar vítima da negligência alheia” [...].
[…] “O imperativo da diligentia contratual vale, tal como para relações contratuais existentes, também para as que estão a nascer, e uma sua violação fundamenta aqui, como ali, a acção ex contractu dirigida a uma indemnização”.
“Para Jhering, com efeito, a culpa in contrahendo não seria mais do que a culpa contratual numa vertente específica, sendo-lhe aplicáveis os mesmos princípios quanto ao grau de culpa que valem durante a relação contratual.”
(2) No sentido de que se trata de responsabilidade contratual Ana Prata, in “Notas Sobre Responsabilidade Pré-Contratual”, pág. 198 e segs. onde nos dá conta de ser esse o entendimento de Mota Pinto – “Cessão da Posição Contratual”, págs. 25 e 350 a 353, Vaz Serra – “Culpa do Devedor” e Menezes Cordeiro –“Da Boa-Fé no Direito Civil”, vol.I, pág.585. Em sentido contrário na doutrina Almeida Costa – “Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações preparatórias de um contrato”, Coimbra, 1984.