Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
247/09.4YFLSB
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LEITE
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLECTIVAS
FIRMA
MARCA NOTÓRIA
DENOMINAÇÃO SOCIAL
PRINCÍPIO DA NOVIDADE
CONFUSÃO
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL CÍVEL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - O juízo sobre a distinção de firmas, denominações ou marcas, decompõe-se em duas questões: uma, de facto, da exclusiva competência das instâncias, que consiste na apreciação da existência de semelhanças ou dissemelhanças entre as duas expressões que constituem as firmas, denominações ou marcas, quanto aos seus aspectos gráfico e fonético; outra, de direito, da competência do STJ, atenta a sua natureza de tribunal de revista – arts. 26.º da LOFTJ e 721.º do CPC –, que consiste em apurar se, perante tais semelhanças ou dissemelhanças, uma delas deve, ou não, considerar-se ser susceptível de confusão ou erro com a outra.

II - O critério principal a atender, quanto à aferição da confundibilidade/inconfundibilidade da denominação de uma nova firma, reside no facto de tal sinal distintivo não apresentar semelhanças com o de outra firma já constituída e existente em território nacional, de tal modo que, a ocorrência dessa similitude seja susceptível de conduzir terceiros que possam vir a ter relações negociais com as mesmas, considerados aqueles na veste de qualquer cidadão que actue com mediana diligência e atenção, à indução em erro quanto ao objecto social desenvolvido por cada uma das referidas firmas, assim se preterindo a realidade, que sob o ponto de vista da actividade económica e empresarial, cada uma delas visa individualizar.

III - O princípio da novidade não se deve reportar, apenas, às firmas dos comerciantes concorrentes, mas também às firmas de comerciantes não concorrentes.

IV - A sigla comum às denominações da autora e da ré, traduzida na expressão “GALP”, embora constitua a mera expressão inicial da denominação completa de ambas as firmas, não parece poder considerar-se, no que respeita à ré, como o núcleo-chave da sua firma, isto é, como o meio, que, pela sua natureza apelativa e sintética, constitua a forma identificativa da mesma perante o público em geral, já que tal sigla é conotada, pelo cidadão comum, como uma expressão respeitante à designação identificativa de uma marca de combustíveis e produtos afins.

V - Sendo diversas, quer a forma abreviada de utilização pelo cidadão comum da denominação de ambas as firmas, quer a localização das suas sedes sociais, quer a total distinção do objecto social a que se reporta a actividade por cada uma das mesmas desenvolvida, não se vislumbra que a firma-denominação GALP ENERGIA, SGPS S.A. ofenda o princípio da novidade relativamente à firma-denominação GALP – GABINETE DE URBANISMO, ARQUITECTURA E ENGENHARIA, LDA, atendendo a que os fundamentos subjacentes àquele princípio, traduzidos, sobretudo, em evitar a concorrência desleal e a indução em erro, quer dos consumidores relativamente às firmas que comercializem produtos que pretendam adquirir, quer de outros comerciantes que com as firmas em causa realizem quaisquer operações comerciais, não se mostram passíveis de ser objecto de violação.

VI - No domínio do direito administrativo, em que a nulidade tem carácter excepcional e a anulabilidade carácter geral – art. 135.º do CPA –, a omissão da prévia obtenção do certificado de admissibilidade de denominação social não se enquadra no âmbito do preceituado no art. 133.º do CPA, apenas se podendo configurar como um vício de forma, a que corresponde a anulabilidade como sanção do acto que se mostre desconforme com o ordenamento jurídico, por ofensa de normas jurídicas legais ou regulamentares, anulabilidade essa que, para além de se mostrar da exclusiva competência dos tribunais administrativos, encontra-se excluída do conhecimento oficioso.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – GALP – Gabinete de Urbanismo, Arquitectura e Engenharia, Ldª veio demandar no Tribunal do Comércio de Lisboa,
- GALP – Energia SGPS, S.A., em que alega, que esta última, que se encontra constituída e a exercer actividade desde 22/04/1999, data muito posterior à da constituição da A, contém na sua denominação, quer na original (GALP – Petróleos e Gás de Portugal, SGPS, S.A.), quer na actual, a mesma sigla – GALP - utilizada pela A, o que tem gerado a existência de confusões, traduzidas através dos inúmeros telefonemas e correspondência, que, dirigidos à Ré são enviados à A, sendo tal denominação ilícita, por violar o princípio da novidade, e pelo facto da constituição da Ré não ter sido precedida do pedido, nem da emissão, do respectivo certificado de admissibilidade, pelo que, em consequência, peticionou:

- Que seja considerado ilícito, por violação do princípio da novidade, o uso da sigla GALP na denominação social da Ré, com a consequente proibição do uso de tal sigla por parte desta e a anulação do seu registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa;

ou, caso assim se não entenda, e a título subsidiário:

- Que seja considerado ilícito o uso da sigla GALP na denominação social da Ré, por violação do consignado no art. 55º do DL n.º 129/98, por manifesta nulidade, dada a inexistência do certificado de admissibilidade de denominação social no acto de constituição daquela.

Contestando, a Ré veio alegar a incompetência material do tribunal onde a acção foi instaurada, já que a sua propositura deveria ter lugar na jurisdição administrativa, o erro na forma de processo já que o meio próprio para a impugnação ora deduzida seria o recurso hierárquico relativamente à admissibilidade da denominação social que passou a utilizar, uma vez que a referida denominação foi objecto de apreciação e aprovação pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas previamente à sua inscrição no registo comercial, sendo, por outro lado, extremamente remota a possibilidade de confusão entre as duas entidades e constituindo uma manifesta falsidade que a coincidência de siglas tenha dado origem a que a A seja “sufocada” de telefonemas e correspondência dirigidas à contestante, pelo que, por tal motivo, peticionou a condenação daquela como litigante de má fé.

Na réplica que apresentou, a A pronunciou-se pela improcedência das excepções e da sua condenação como litigante de má fé, aduzidas na contestação, requerendo, por seu turno, a condenação da Ré nos mesmos moldes, em virtude da insistência desta na validade de actos contrários à lei.

Seguidamente, foi proferido despacho – fls. 142 a 144 -, que declarou o tribunal de comércio incompetente, em razão da matéria, para conhecer das acções de anulação de denominação social provenientes de decisões do Director-Geral dos Registos e Notariado, por tais acções constituírem matéria cujo conhecimento é atribuído aos tribunais comuns, despacho esse revogado por acórdão da Relação de Lisboa, na sequência de agravo da A – fls. 200 a 203 -, tendo este STJ, em agravo desta decisão, então interposto pela Ré, mantido o decidido pela 2ª instância – fls. 244 a 246.

No despacho saneador, o tribunal foi declarado competente em razão da matéria e improcedente a excepção de erro na forma de processo que havia sido alegada, questões estas que foram objecto de recurso por parte da Ré, o qual não foi, porém, admitido no que respeita à questão da competência.

Enunciada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, ambas as partes reclamaram daquelas indicadas peças, o que não mereceu deferimento do tribunal – fls. 638.

No prosseguimento da normal tramitação processual, veio a ser proferida sentença, na qual foram julgadas improcedentes, quer a acção, quer a condenação da A como litigante de má fé.

Tendo a A apelado, a Relação de Lisboa, sem que porém tenha dado cumprimento ao estatuído no art. 748º, n.º 2 do CPC – fls. 1013 e 1029 -, negou provimento ao agravo da Ré e confirmou a decisão proferida pela 1ª instância.

Do referido aresto a A vem, agora, pedir revista, tendo, nas alegações que apresentou, formulado as seguintes conclusões:

1º - Os elementos - pedidos de certificados de admissibilidade de firmas contendo a palavra “GALP" e ofícios do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, comunicando o indeferi­mento desses pedidos - protestados apresentar na alegação do recurso de apelação e ofere­cidos imediatamente a seguir visam dar a conhecer a orientação administrativa da entidade competente para “[v]elar pelo respeito da exclusividade e verdade das firmas e denominações” [art. 78.°/1 e 2-f) do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, na redacção vigente na data da apresentação desses elementos em Tribunal (aprovado pelo art.º 1 º do Decreto-Lei n." 129/98, de 13 de Maio)].
2.º - Não são elementos de prova.
3.º - A apresentação desses referidos pedidos de certificados de admissibilidade e ofícios de resposta a eles não está sujeita às regras dos art.ºs 523º e 524º, mas sim às estabelecidas nos art.ºs 525º e 706º/2 e 3, todos do Código de Processo Civil (na redacção vigente na data do seu oferecimento. anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto).
4.º - O acórdão sub censura violou o disposto nos art.ºs 523º, 524º, 525º e 706º/2 e 3 do Código de Processo Civil (na redacção vigente na data da apresentação dos documentos em Tribunal anterior ao Decreto-Lei n.º 303/ /2007, de 24 de Agosto).
5.º - As firmas da A e da Ré nenhum elemento contêm que permita ao “homem médio” distinguir se uma é sociedade “criada pelos seus sócios” e outra o foi “por Dec-Lei" ou apreender onde são as sedes das sociedades, nem reflectem a "(não) afinidade ou (não) proximidade" das “actividades” e do "objecto" delas.
6.º - A A integra desde a sua constituição, na sua "firma", a sigla "GALP", resultante, quanto às duas primeiras letras, da “descrição” da sua actividade, aglutinando duas iniciais de outros tantos elementos dela [Gabinete de Urbanismo, Arquitectura e Engenharia. L.da] e, quanto às duas últimas letras, de duas iniciais dos nomes dos seus fundadores [J...C...L... e L...P...R...].
7º - O vocábulo "GALP" é o elemento prevalente, impressivo, preponderante, nuclear, característico, dominante - a "palavra-vedeta" - da firma da A.
8º - Esse mesmo vocábulo repete-se, com absoluta e total semelhança gráfica e fonética, na firma da Ré, em termos de as siglas de ambas as firmas coincidirem letra por letra.
9º - Em ambas as firmas, insere-se logo no início, em termos de uma se associar à outra e, no seu “discurso”, induzir uma relação entre ambas.
10º - A palavra "GALP" não é usual na linguagem comum, não é qualificável como “vocábulo de uso corrente”, na acepção do art.º 32.0/3 do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, nem como “palavra do léxico”.
11º - Assim, a firma da Ré contém um elemento retirado da A – “GALP” - próprio e característico desta, em termos de precipitar confusão entre ambas.
12º - Decidindo que, apesar do uso da sigla "GALP", pela Ré, na sua denominação social “é manifesta a impossibilidade de confusão dos denominações em confronto", pelo que não há violação do "princípio da novidade ou da exclusividade", o acórdão sub censura violou o disposto no art. 10º/3 do Código das Sociedades Comerciais e nos art.ºs 33º e 35º do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.

Subsidiariamente, a não se entender assim:

13º - A inexistência de “declaração de admissibilidade da firma originária da Ré - - "GALP - Petróleos e Gás de Portugal SGPS S.A." - previamente à constituição desta, acarreta a nulidade do respectivo acto de constituição, já nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 45°/2 e 55° do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas [aplicáveis analogicamente], já nos do estatuído nos artºs 294º e 295º do Código Civil.
14º - Julgando a ilegalidade do acto de constituição da Ré “irregularidade, sem qualquer previsão de sanção, sanável, que no caso foi sanada", o acórdão recorrido decidiu questão “de que não podia tomar conhecimento, porque da competência dos tribunais adminis­trativos [art.98.°/1 do Código de Processo Civil).
15º - Incorreu em "excesso de pronúncia", determinante da sua nulidade, nos termos do estatuído nos artºs 661º/1 e 668º/1-d) do Código de Processo Civil.
16º - E violou o preceituado nos artºs 268º/4 da Constituição, 55º do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, 4º/1-a e c) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 52º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 98º/1 do Código de Processo Civil.
17.° A julgar-se que não incorreu em “excesso de pronúncia", então ofendeu, consoante se entenda, o estatuído ou nos artºs 45º/2 e 55º do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas ou nos artºs 294º e 295º do Código Civil.

Contra alegando, a Ré pronunciou-se pela manutenção do acórdão impugnado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
+ + + + +
II – Da Relação vem considerada como assente a seguinte matéria de facto:

GALP – Gabinete de Urbanismo, Arquitectura e Engenharia, Lda, NUIPC n.º 500. 441. 375, com sede na R. da Alegria, n.º 1880-Hab 12, Porto, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o n.º 22.069/760728 – (A).

A A. tem por objecto social “actividade de elaboração de projectos de urbanismo, arquitectura e engenharia” - (B).

A A. não alterou a sua denominação social, desde a data da sua inscrição inicial - (C).

Pelo DL 137-A/99 de 22.04, publicado na I Série do Suplemento n.º 94/99 do Diário da República da mesma data, foi constituída a sociedade Ré, sob a denominação de GALP - Petróleos e Gás de Portugal SGPS, tendo sido pelo referido diploma aprovados os seus estatutos, constantes do documento de fls. 57 a 60, referindo esses estatutos, designadamente:
Artigo 1.º
A sociedade adopta a firma GALP – Petróleos e Gás de Portugal, SGPS, SA.
Artigo 2.º
1 - A sede social é em Lisboa, na Rua Mouzinho de Silveira, 26, Freguesia do Coração de Jesus, podendo ser deslocada pelo conselho de administração nos limites da lei.
2 – Compete, ao conselho de administração criar e encerrar sucursais, delegações e outras formas de representação da sociedade, em Portugal e no estrangeiro.
3 – A sociedade é constituída por tempo indeterminado.
Artigo 3.º
A sociedade tem por objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas.

- (D).

As acções representativas do capital social da Ré pertencem ao Estado na sua totalidade - (E).

A Ré rege-se pelo DL citado em (D), pelos seus estatutos, pelas normas reguladoras das sociedades anónimas e demais legislação aplicável - (F).

A sociedade Ré exerce a sua actividade desde 22 de Abril de 1999 - (G).

GALP – Petróleos e Gás de Portugal SGPS, SA”, NUIPC n.º 504 499 777, com sede na R. de Mouzinho da Silveira, 26, Lisboa, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, 2ª Secção, sob n.º 9216/990518 - (H).

Pela apresentação 27/2000.09.13, encontra-se registada a mudança da firma da Ré para GALP ENERGIA, SGPS, SA - (I).

A Ré tem por objecto social “gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas” - (J).

A conservadora auxiliar do Registo Nacional de Pessoas Colectivas certificou, em 10/05/2000, que: em cumprimento do requerido em pedido de certidão entrado neste Registo Nacional em vinte e quatro de Março de dois mil, que, em 12/05/1999, foi emitida declaração do seguinte teor:
“Nos termos do art.º 45º n.º 2 do DL 129/98 de 13 de Maio, foi admitida com a validade de 180 dias, a denominação “GALP – PETRÓLEOS E GÁS DE PORTUGAL, SGPS, SA”, respeitante a sociedade anónima cujos estatutos se mostram já aprovados pelo DL 137-A/99 de 22 de Abril e que terá sede no concelho de Lisboa e o seguinte objecto social: “gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas”. Assinado pela Conservadora I...C...de S...”.

- (L).

Petróleos de Portugal – Petrogal SA, sociedade anónima, declarou, em 10 de Maio de 1999, na qualidade de titular das marcas GALP e Petrogal e das firmas Petrogal Madeira – Distribuição e Comercialização de Combustíveis e Lubrificantes Lda; Petrogal Açores – Distribuição e Comercialização de Combustíveis e Lubrificantes Lda; GALPGESTE – Gestão de Áreas de Serviço, Lda; GALPLUB – - Serviços de Lubrificação, Sociedade Unipessoal Lda., entre outras que usam os vocábulos GALP e PETROGAL, nos termos e para os efeitos dos arts. 33º n.º 4, 45º e 49º do DL 129/98 de 13 de Maio, que “autoriza o Estado Português a incorporar qualquer dos vocábulos e denominações registadas a seu favor, quer na sua denominação, quer nas denominações das sociedades suas participadas, quer ainda, nas marcas de que é proprietária, na denominação que vai constituir sob a forma de lei e do tipo SGPS, da qual será inicialmente o titular da totalidade do seu capital social” - - (M).

A A. constituiu-se em 05/03/1976, por escritura pública exarada de folhas 144 a 150 verso do livro 15F e de folhas 1 a 3 do Livro 16-F das notas do 8º Cartório Notarial do Porto - (1º).

O pacto social da A. foi objecto de publicação no Diário do Governo n.º 88 de 13 de Abril de 1976 - (2º).

O artigo 1º, § único do pacto social da A. determina que: “Por simples deliberação da assembleia-geral, a sociedade A, poderá deslocar a sede social dentro da mesma localidade, bem como proceder à abertura ou encerramento de sucursais, agências, delegações ou outras formas de representação social” - (3º).

O art.º 2º do referido pacto social determina que: “A sociedade tem por objecto a actividade de elaboração de projectos de urbanismo, arquitectura e engenharia, podendo, todavia, dedicar-se a qualquer outro ramo de actividade comercial ou industrial que seja permitida por lei e que a assembleia geral resolva que seja explorado” - (4º).

Desde 05/03/1976, que a A. continua a exercer a sua actividade - (5º).

A A. expandiu-se, adquiriu outra dimensão e realiza a sua actividade em todo o território nacional - (6.º).

A A. elabora projectos de urbanismo, arquitectura e engenharia em todo o país - (7º).

A A. detêm, por todo o país, e acompanha vários projectos de obra, quer públicos, quer privados - (8º).

A A. tem vindo a receber diariamente telefonemas sucessivos de clientes da Ré que é a si dirigida, por engano - (10º).

A A. recebe correspondência pertencente à Ré, que é a si dirigida por engano - - (10º).

A sociedade Petróleos de Portugal SA, é titular de duas marcas mistas que contêm o vocábulo GALP, pedidas em 30 de Junho de 1986 - (12º).

A Ré tem uma estrutura muito pequena de apoio à sua administração - (13º).

A sua actividade é dirigida para as empresas em cujo capital participa - (14º).
+ + + + + +

III – Como se extrai das conclusões da recorrente, a discordância desta relativamente ao conteúdo do aresto da Relação, objectiva-se nas seguintes questões:

- indeferimento da junção dos documentos apresentados na alegação da apelação;
- decisão respeitante ao uso pela Ré, na sua denominação social, da sigla GALP; e
- decisão sobre as consequências da inexistência de declaração de admissibilidade da firma original da Ré, à data da sua constituição.
+ + + + + +

IV – Temos, portanto, que a A começa por sustentar, que os elementos documentais por si juntos na 2ª instância não constituem elementos de prova, como foi invocado pela Relação para o indeferimento da sua junção, já que visam apenas dar a conhecer a orientação do Registo Nacional de Pessoas Colectivas sobre a admissibilidade de firmas contendo a palavra GALP, pelo que, por tal motivo, a sua apresentação não se enquadra nas regras dos arts. 523º e 524º do CPC, mas sim nas constantes dos arts. 525º e 706º, n.ºs 2 e 3 da mesma codificação.

Com efeito, no corpo da minuta que apresentou na apelação, a A veio alegar, que, em 2008, a orientação seguida pelo RNPC, relativamente a quem, anonimamente, sem as vestes do Poder, requeira um certificado de admissibilidade de uma firma onde se contenha aquela indicada palavra GALP, reconduz-se ao indeferimento do referido pedido, com fundamento na confundibilidade de tal vocábulo com a sua firma e com as firmas de outras sociedades, com quem sugere relação e indução em erro sobre a titularidade da marca notoriamente conhecida “GALP” – fls. 951 -, asserção essa que comprovou, no dia imediato, através da junção, pelo requerimento de fls. 968 a 971, dos docs. de fls. 973 a 984, onde se contém o indeferimento, por parte daquele organismo registral, dos pedidos relativos ao certificado de admissibilidade das firmas “GALP – Guedes, Alpoim, Lopes e Pinto, Ldª”; “GALP – Grande Agricultura em Portugal, SA” (dois pedidos); e “GALP – Grande Agricultura em Portugal, Ldª”, em que o respectivo objecto social consistia na produção e comercialização de vinho de mesa e vinho do Porto, junção essa que a Relação indeferiu, invocando, para tal, que se não encontrava alegada e demonstrada a ocorrência do condicionalismo previsto nos arts. 523º e 524º do CPC – fls. 1054.
Ora, dispondo-se no art. 706º, n.º 1 do CPC, que “as partes podem juntar documentos às alegações no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”, parece inexistir qualquer impedimento legal que obstaculize à inserção nos autos dos documentos em causa.

Na verdade, tendo sido considerado na sentença, que inexistia, relativamente à firma-denominação da Ré, violação do princípio da novidade ou possibilidade de confusão ou associação para o consumidor entre aquela e a firma-denominação da A, mostra-se, de tal, evidente, que o raciocínio expendido na decisão então recorrida colidia frontalmente com a opinião sustentada pelo RNPC, pelo que, constituindo esta entidade administrativa o órgão estadual a quem incumbe apreciar a admissibilidade da denominação das firmas – art. 1º do anexo ao DL n.º 129/98, de 13/05 (RRNPC) -, apenas através de documento emanado de tais serviços registrais poderia a recorrente demonstrar, em sede de impugnação recursiva, a discrepância da apontada disparidade de opiniões, no sentido de fazer reverter em seu benefício a tese que havia sustentado nos articulados, e que não merecera acolhimento do tribunal de 1ª instância, a qual, aliás, coincidia, à data da emissão dos referidos documentos, com o critério técnico seguido por aqueles indicados serviços.

Há, portanto, que admitir a junção dos documentos apresentados pela A/recorrente.
+ + + + + +

V – A recorrente vem, igualmente, questionar a pelas instâncias decidida inexistência de violação do princípio da novidade ou da exclusividade, fundando-se, para tal, em que a firma da Ré contém um elemento retirado da sua firma, elemento esse que sendo próprio e característico desta, precipita a confusão entre ambas.

Ora, vem sendo entendido por este Supremo Tribunal, que o juízo sobre a distinção (de firmas, denominações ou marcas) decompõe-se em duas questões: uma, de facto, da exclusiva competência das instâncias, que consiste na apreciação da existência de semelhanças, ou dissemelhanças, entre as duas expressões que constituem as firmas, denominações ou marcas, quanto aos seus aspectos gráfico e fonético; outra, de direito, da competência deste STJ, atenta a sua natureza de tribunal de revista – arts. 26º da LOFTJ e 721º do CPC -, que consiste em apurar se, perante tais semelhanças ou dissemelhanças, uma delas deve, ou não, considerar-se ser susceptível de confusão ou erro com a outra - Acórdãos de 18/06/1985 (BMJ 348º/436), de 14/06/1995 (CJSTJ III, 2,130), de 29/10/1998 (BMJ 480º/503) e de 06/12/2001.

Temos, pois, que, devendo a composição da denominação da firma de uma sociedade anónima ou por quotas – arts. 200º e 275º do CSC - respeitar o princípio da novidade ou do exclusivismo, de molde a que, e no caso que para aqui ora releva, a denominação particular escolhida não seja “idêntica à firma registada de outra sociedade ou por tal forma semelhante que possa induzir em erro” - art. 10º, n.º 3 do CSC -, de tal decorre, que o critério principal a atender, quanto à aferição da confundibilidade/inconfundibilidade da denominação de uma nova firma, resida no facto de tal sinal distintivo não apresentar semelhanças com o de outra firma já constituída e existente no território nacional, de tal modo que, a ocorrência dessa similitude seja susceptível de conduzir terceiros que possam vir a ter relações negociais com as mesmas, considerados aqueles na veste de qualquer cidadão que actue com mediana diligência e atenção, à indução em erro quanto ao objecto social desenvolvido por cada uma das referidas firmas, assim se preterindo a realidade, que sob o ponto de vista da actividade económica e empresarial, cada uma delas visa individualizar.

Assim, “o melhor critério para dar execução, na prática, ao referido princípio da novidade será o de verificar, com referência à diligência normal do homem médio, se uma firma pode ser confundida com outra, se uma pessoa que tenha em mente o nome de uma firma e pretenda dirigir-se a esta, poderá ser induzida em erro pela semelhança do nome e dirigir-se, portanto, a outra firma. A possibilidade de confusão deve subsistir de modo objectivo” – vide Lições de Direito Comercial do Prof. Ferrer Correia, vol. I, pág. 300, citando os ensinamentos de Ferrara Júnior in La teoria giuridica dell’azienda.
Na situação que constitui objecto dos autos, mostra-se em causa a confundibilidade da firma-denominação da Ré (GALP ENERGIA, SGPS S.A.), com a já existente firma-denominação da A (GALP – Gabinete de Urbanismo, Arquitectura e Engenharia, Ldª), constando do acórdão recorrido “que a única semelhança entre as duas denominações em questão reside no elemento comum GALP” – fls. 1056.

Com efeito, e atendendo a que, à data da propositura da acção -17/04/2001 (art. 267º, n.º 1 do CPC) – a denominação da Ré já havia sido alterada cerca de seis meses antes – (I) e doc. de fls. 63 -, a firma a relevar na impugnação formulada terá de reportar-se à resultante da referida modificação, uma vez que, e relativamente à situação que ora vem suscitada pela A, a extinção da firma-denominação original da Ré tornou inútil a apreciação de quaisquer questões que tenham como pressuposto a sua existência jurídica como tal.

Por outro lado, haverá a considerar, se o aludido princípio da novidade deverá reportar-se apenas às firmas dos comerciantes concorrentes, ou seja, daqueles que exercem actividades económicas idênticas ou similares dentro do mesmo ramo, como é defendido por uma parte da doutrina – Lições de Direito Comercial, do Prof. Pinto Coelho, vol. I, págs. 248/253; Direito Comercial do Dr. Pereira de Almeida, pág. 388;

Direito Comercial (Direito da Empresa) do Dr. Pupo Correia, pág. 90; Comentário ao Código das Sociedades Comerciais do Cons. Pinto Furtado, pág. 382 – e da jurisprudência - Acórdãos deste Supremo de 23/05/1991 (BMJ 407º/571), de 28/05/1992 (BMJ 417/652), de 26/09/1996 (BMJ 459/562), de 28/04/1998, de 06/10/1998, de 07/07/1999 e de 15/02/2000 -, ou também, e concomitantemente, às firmas de comerciantes não concorrentes, como é propugnado por outra parte da doutrina – pág. 301 das Lições citadas do Prof. Ferrer Correia; Curso de Direito Comercial, do Prof. Coutinho de Abreu, vol. I, págs. 144/145 – e da jurisprudência – Acórdãos deste Supremo de 18/06/1996, de 03/04/2001, de 19/02/2002, e de 01/07/2003 -, sendo que esta última posição corresponde àquela, que, no momento presente, se propende a subscrever, por ser aquela que se mostra mais consentânea no sentido da abrangência da crescente fobia a que vem de assistir-se relativamente à constituição de sociedades, nomeadamente através da insistentemente propagandeada constituição de “empresas na hora” – DL n.º 111/2005, de 08/07, - ou, inclusive, por via on-line – DL n.º 125/2006, de 29/06, -, em que os respectivos objectos sociais são os mais diversos e díspares, factor este susceptível de potenciar, pelo elevado número de aderentes a tal procedimento simplificado, à confundibilidade das firmas-denominação, atendendo a que o certificado da sua admissibilidade constitui mera presunção de exclusividade da referida denominação – art. 35º, n.º 2 do RRNPC -, o que é manifestamente conducente, no que respeita à firma já antecedentemente constituída, à ocorrência de prejuízos, não só em relação à perda de potenciais clientes, pela eventual confusão nestes gerada quanto à firma com quem, na realidade, pretendem, efectivamente, manter relações comerciais, como à susceptibilidade de ser imputável a uma das firmas os reveses económicos da outra, para além dos eventuais prejuízos decorrentes do envio indevido das comunicações telefónicas, telegráficas e postais a uma firma a quem as mesmas não respeitem.

E, se é evidente que, de acordo com o primeiro dos indicados critérios, e atenta a diversidade respeitante ao objecto social da A e da Ré – elaboração de projectos de urbanismo, arquitectura e engenharia e gestão de participações sociais de outras sociedades, respectivamente -, tal confundibilidade se mostra desde logo excluída, todavia, e pelos motivos acima referenciados, há que apreciar se aquela se verifica, ou inverifica, relativamente às firmas-denominação da A e da Ré, de acordo com o segundo dos critérios antecedentemente enunciados.

Assim, e para a apreciação da susceptibilidade da indução em erro da denominação de uma firma nova relativamente à de uma firma já existente, dir-se-á que tal se verifica, “quando, atendendo à grafia das palavras, ao efeito fonético das expressões, ao núcleo caracterizante, à forma oficiosa dos signos, o público médio as não consegue distinguir, as confunde, tomando uma por outra, ou, dada a semelhança entre elas, crê erroneamente referirem-se a comerciantes distintos mas especialmente relacionados” – págs. 142/143 da obra e volume citados do Prof. Coutinho de Abreu -, devendo, relativamente a tal juízo de apreciação, ser tido em conta, ainda que como critérios secundários, “o tipo de pessoa”, “o seu domicílio ou sede”, “a afinidade ou proximidade das suas actividades” e “o âmbito territorial destas” - art. 33º, n.º 2 do RRNPC e Estudo do Dr. Carlos Olavo in Estudos em homenagem ao Prof. Dr. Raul Ventura, vol. II, pág. 392.

Por outro lado, e ainda que a comparação das firmas deva ser efectuada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem o conteúdo global de cada uma das mesmas, já que aquele constitui o elemento sensibilizador do público consumidor, em manifesto detrimento das diferenças que poderiam oferecer os seus diversos pormenores quando isolados e separadamente considerados, tal não impede que a simples existência de um elemento comum possa, pela sua predominância, dar lugar à confusão ou erro entre as mesmas, já que os elementos prevalecentes de um sinal complexo, que se mostrem, por si só, dotados de eficácia distintiva, por serem os que mais facilmente são retidos na memória pelo público, não podem deixar de merecer protecção reforçada - págs. 393 a 395 do Estudo citado do Dr. Carlos Olavo.
Ora, a sigla comum às denominações da A e da Ré, traduzida na expressão “GALP”, embora constitua a mera expressão inicial da denominação completa de ambas as firmas, não parece poder considerar-se, no que respeita à Ré, como o núcleo-chave da sua firma, isto é, como o meio, que, pela sua natureza apelativa e sintética, constitua a forma oficiosa identificativa da mesma perante o público em geral, já que tal sigla é conotada, pelo cidadão comum, como uma expressão respeitante à designação identificativa de uma “marca” de combustíveis e produtos afins, elemento este que constitui sinal distintivo do comércio diverso e distinto do ora em análise, pelo que a sua apreciação comparativa, no âmbito da sua confundibilidade pelo cidadão comum como simples “marca”, mostra-se aqui e agora totalmente deslocada relativamente à questão que constitui objecto da impugnação que vem aduzida pela recorrente – arts. 660º, n.º 2, segunda parte, 713º, n.º 2 e 726º do CPC.

Por outro lado, haverá, também, e desde já a referir, como elementos atendíveis na distinção das “denominações” em causa, que o núcleo impressivo da denominação da Ré se reconduz à expressão “GALP ENERGIA” – vide certidão registral de fls. 63 -, sem qualquer separação (hífen) entre os vocábulos que a compõem, para além de que os elementos a considerar, como critérios secundários de atendibilidade, se reconduzem a que a sede social da A se situa no Porto e a da Ré em Lisboa – (A) e (D) – e que se mostram manifestamente dissemelhantes o objecto social de cada uma das sociedades em causa.
Com efeito, desenvolvendo-se o objecto social da A no domínio da elaboração de projectos de urbanismo, arquitectura e engenharia, já, por seu turno, a actividade da Ré, constitutiva do exercício, por forma indirecta, de uma actividade económica, tem por objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades, através da realização da compra, gestão e venda de participações financeiras, advindo-lhe os proventos económicos de tal actividade dos dividendos e lucros recebidos das respectivas participadas e das mais-valias realizadas com a alienação das participações de que seja detentora – art. 1º do DL n.º 495/88, de 30/12, e Direito das Sociedades Comerciais do Dr. P. Olavo Cunha, pág. 790 e segs. -, pelo que o exercício da referida actividade de gestão financeira, concretizada, como regra geral, exclusivamente através de negócios em bolsa, pressuponha, que, relativamente à mesma, os respectivos intervenientes sejam portadores de conhecimentos, que, pela sua especificidade, se não mostram ao alcance do cidadão comum, e daí que lhes seja exigível um grau de diligência manifestamente superior ao daquele último, relativamente à identificação da firma a que se reportem os eventuais negócios bolsistas ou de aquisição de participações não cotadas em bolsa.

Temos, portanto, que, sendo diversas, quer a forma abreviada de utilização pelo cidadão comum da denominação de ambas as firmas, já que relativamente às suas firmas “oficiais” nenhuma hipótese de confundibilidade é susceptível de conjecturar-se – art. 171º do CSC -, quer a localização das suas sedes sociais, quer a total distinção do objecto social a que se reporta a actividade por cada uma das mesmas desenvolvida, e tendo em consideração que “a circunstância de uma confusão ter tido lugar pelo descuido ou ligeireza de qualquer cliente não é suficiente quando as firmas se apresentem diferenciadas aos olhos de uma pessoa de diligência média” – local e volume indicados das Lições citadas do Prof. Ferrer Correia -, não se vislumbra que a firma-denominação GALP ENERGIA, SGPS S.A. ofenda o princípio da novidade relativamente à firma-denominação GALP–GABINETE DE URBANISMO, ARQUICTETURA E ENGENHARIA, Ldª, atendendo a que os fundamentos subjacentes àquele princípio, traduzidos, sobretudo, em evitar a concorrência desleal e a indução em erro, quer dos consumidores relativamente às firmas que comercializem produtos que pretendam adquirir, quer de outros comerciantes que com as firmas em causa realizem quaisquer operações comerciais, não se mostram passíveis de ser objecto de violação.

E, relativamente ao entendimento sufragado pelo RNPC, constante dos documentos cuja admissão consta do antecedente item IV, em que o fundamento invocado por aquele serviço registral para a não admissibilidade da denominação requerida, se traduziu no facto desta última induzir em erro sobre a titularidade da “marca” notoriamente conhecida “GALP”, sempre se dirá, que, na apontada situação apresentada àqueles serviços estava em causa uma “denominação” e não uma “marca”, e o conteúdo do n.º 5 do art. 33º do RRNPC tem específica aplicação aos sinais distintivos no mesmo referenciados, sinais esses onde se não integra o respeitante à apontada “denominação”, sendo certo, por outro lado, que aquela nomeada expressão em que se concretizavam as denominações requeridas não coincide, nos seus precisos termos fonéticos, com a sigla da Ré, que, como foi referido, deve concretamente ser tida em linha de consideração para a apreciação da sua confundibilidade, pelo que, para além do critério ora sustentado pelo RNPC se mostrar inócuo para a decisão em causa nos autos, o mesmo mostra-se, igualmente, passível de discordância.
+ + + + + +

VI – Invoca, também, a recorrente, que, caso improceda a questão por si suscitada relativamente à violação do princípio da novidade, ter-se-á de considerar que o acórdão da Relação enferma de excesso de pronúncia, em consequência do mesmo se ter pronunciado sobre uma questão da competência do foro administrativo, pelo que, por tal motivo, os autos devem ser remetidos à 1ª instância, para a prolação de decisão no foro competente sobre a legalidade/ilegalidade do acto de constituição da Ré, ou, caso assim não seja entendido, que tal constituição deve ser declarada, então, e desde já, nula.

Com efeito, a título subsidiário, a A formulou o pedido de declaração da ilicitude do uso pela Ré da sigla GALP, uma vez que, no acto de constituição desta última não houve lugar à apresentação do certificado de admissibilidade da sua denominação social, o que configura, em seu entender, e por violação do preceituado no art. 55º do RRNPC, a nulidade de tal constituição, arguição essa a que, na contestação, a Ré contrapôs a incompetência material do tribunal para o conhecimento de tal matéria.

Por seu turno, e dado que, no despacho saneador, o tribunal declarou-se competente, ainda que de uma forma meramente tabelar, para o conhecimento da referida questão – fls. 321 -, a Ré agravou do mesmo – fls. 332 -, recurso esse, porém, que foi rejeitado, com fundamento em que a anterior decisão proferida por este STJ sobre a competência do Tribunal do Comércio abrangia a competência material do referido tribunal – fls. 398 -, despacho esse que transitou em julgado, o que origina, face ao disposto nos arts. 660, n.º 2, 668º, n.º 1, al. d) e 713º, n.º 2 do CPC, que se inverifique a nulidade processual que ora vem arguida.

E, no que respeita à requerida remessa dos autos à 1ª instância para decisão, no foro administrativo, da legalidade da constituição da recorrida, sempre se referirá, que, para além da A, contrariamente ao que ora vem defender na presente revista, ter sustentado na réplica – fls. 93 -, que:

“A sociedade Ré, mormente ser uma sociedade de capitais públicos, rege-se pelas regras de direito privado, e como tal é um ente sujeito a tais regras.
Não detêm pois sentido, como pretende a Ré a atribuição de competência ao Supremo Tribunal Administrativo, para conhecer esta acção sob pena de distorcer e de uso e abuso de especificidades que o próprio legislador não quis atribuir. “, também tal questão nunca foi considerada pelas instâncias como revestindo a natureza de uma questão prejudicial, pelo que, atento o já referenciado trânsito em julgado da decisão proferida sobre a competência material do tribunal civil, a peticionada remessa dos autos à 1ª instância mostra-se legalmente inadmissível, atenta a já antecedentemente enunciada natureza deste Supremo Tribunal como tribunal de revista.

Assim, e perante o conteúdo da apontada decisão respeitante à competência material, há, necessariamente, que apreciar a pela recorrente arguida nulidade da constituição da Ré, que a mesma fundou na violação dos arts. 45º, n.º 2 e 55º do RRNPC.

Com efeito, no primeiro daqueles invocados normativos dispunha-se:

O Estado e outros entes públicos devem também, antes de promover a criação de pessoas colectivas, ……obter do RNPC declaração de admissibilidade das correspondentes firmas ou denominações., e, no restante:

É nula a escritura pública lavrada ……sem exibição do certificado de admissibilidade, quando este deva ser exigido.

Porém, dado que a Ré foi constituída através do DL n.º 137-A/99, de 22/04, a sua criação foi levada a cabo através de um acto que reveste a natureza de um verdadeiro acto administrativo – pág. 295 da obra citada do Cons. Pinto Furtado -, ao qual, como é óbvio, não são aplicáveis as normas substantivas civis – art. 2º do CPA -, podendo, ainda, adjuntar-se, que, inclusive, e independentemente da apontada natureza do referido acto constitutivo, face ao estatuído nos arts. 2º do CSC e 980º e segs. do CC, nomeadamente ao preceituado no seu art. 981º, nunca poderia colher aqui qualquer pertinência a invocação levada a cabo pela recorrente relativamente à violação, na criação da Ré, dos arts. 294º e 295º daquela última codificação.

E, se é certo que no RRNPC não foi consagrada qualquer sanção para a inobservância, pelos entes públicos, da obtenção prévia do certificado de admissibilidade da denominação de um qualquer sociedade pelos mesmos criada, a circunstância de ter sido apenas sancionada tal omissão para o caso da constituição voluntária da mesma, não permite configurar tal ocorrência, como decidiram as instâncias, como uma mera irregularidade no âmbito do direito substantivo civil, já que residindo tal forma de constituição da sociedade num acto de direito público, será no âmbito deste ramo de direito que a solução deve ser encontrada, sob pena de se ter de considerar que o legislador estabeleceu uma imposição sem sanção, o que se mostra em frontal desacordo com o princípio geral vertido no art. 9º, n.º 3 do CC.

Assim, e no domínio do direito administrativo, em que a nulidade tem carácter excepcional e a anulabilidade carácter geral – art. 135º do CPA e Curso de Direito Administrativo do Prof. Freitas do Amaral, vol. II, pág. 408 -, a invocada omissão da prévia obtenção do aludido certificado não se enquadra no âmbito do preceituado no art. 133º do CPA, apenas se podendo configurar como um vício de forma – págs. 389, 420 e 421 da obra citada do Prof. Freitas do Amaral -, a que corresponde a anulabilidade como sanção do acto que se mostre desconforme com o ordenamento jurídico, por ofensa de normas jurídicas legais ou regulamentares – Código do Procedimento Administrativo dos Drs. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, pág. 656 -, anulabilidade essa, porém, que, para além de, por impositivo legal, se mostrar da exclusiva competência dos tribunais administrativos, também, e por outro lado, a mesma encontra-se excluída do conhecimento oficioso – - vide art. 136º, n.º 2 do CPA, pág. 408 do volume e obra citados do Prof. Freitas do Amaral e págs. 661/662 daquele último indicado comentário ao CPA.

Temos, portanto, que a pretensão da recorrente, no sentido da declaração por este Supremo Tribunal da nulidade do acto administrativo de constituição da Ré se mostra legalmente inadmissível, podendo ainda e por outro lado acrescentar-se, que o prazo respeitante à impugnação contenciosa tendente à sua anulabilidade se mostra já esgotado – arts. 28º da LPTA e 26º, n.º 1 al. e) do ETAF, nas redacções à data vigentes.

Perante o que vem de explanar-se, improcedem, pois, as conclusões da recorrente.
+ + + + + +

VII – Face ao exposto, e ainda que por fundamentos substancialmente distintos dos aduzidos no acórdão da Relação, vai negada a revista.
Custas pela recorrente.

+ + + + + + LISBOA, 20 de Outubro de 2009
Sousa Leite (Relator)
Salreta Pereira
João Camilo