Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
27768/15.7T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO-PROMESSA
CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
PERDA DE INTERESSE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DE OBRIGAÇÃO / CONTRATOS / RESOLUÇÃO DO CONTRATO / SINAL / NÃO CUMPRIMENTO / EXECUÇÃO ESPECÍFICA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 432.º, N.º 1, 442.º, 801.º, 808.º, N.ºS 1 E 2 E 830.º.
Sumário :
I. A resolução de contrato-promessa pode ser declarada em face da verificação de uma cláusula resolutiva expressa (art. 432º, nº 1, do CC), da verificação de uma situação mora que, por si, revele a falta de interesse objectivo na conclusão do contrato definitivo (art. 808º, nº 2) ou do decurso de um prazo razoável que tenha sido concedido à contraparte para cumprir (art. 808º, nº 1).

II. A cláusula resolutiva expressa, pelo seu teor ou contexto em que é inserida, deve apresentar-se com natureza taxativa ou peremptória, bem diversa de uma cláusula geral ou de estilo estabelecida que identifique uma data final para a celebração do contrato definitivo.

III. Não constitui uma cláusula resolutiva expressa com efeito resolutivo de um contrato-promessa de permuta de fracções autónomas celebrado em 15-5-15 a que nele foi inserida com o seguinte teor: “A escritura de permuta será celebrada até ao dia 15-8-15, desde que obtida toda a documentação considerada necessária, em data, hora e local a indicar pelos segundos outorgantes (ora RR.), por carta registada com aviso de recepção a expedir com a antecedência mínima de 10 dias úteis em relação à data marcada”.

IV. Em tais circunstâncias, atingido o prazo referido sem que tivesse sido realizada a escritura pública de permuta, verifica-se uma situação de simples mora cuja transformação em incumprimento definitivo implicava a concessão por parte dos AA. de um prazo admonitório para a outorga do contrato definitivo.

V. No contexto daquele contrato-promessa de permuta de duas fracções autónomas de uso habitacional, para além de o prazo que foi fixado para a celebração do contrato definitivo não reflectir o referido carácter taxativo, peremptório ou inultrapassável, o seu decurso não revela, por si, a perda de interesse objectivo de qualquer das partes na outorga do contrato definitivo de permuta.

Decisão Texto Integral:

I - AA e BB intentaram a presente acção declarativa contra CC e DD, pedindo que seja declarado que os RR. não cumpriram o contrato-promessa de permuta que celebraram com os AA. em 15-5-15 e que por isso não podem haver dos AA., nem em singelo, nem em dobro, os montantes que deles receberam a título de sinal, nem requerer a execução específica do mesmo contrato.

Alegaram que, por força do contrato-promessa referido, os AA. e os RR. se obrigaram a celebrar uma permuta de imóveis de que eram proprietários; o contrato prometido deveria ser celebrado até 15-8-15; mas os AA. não receberam dos RR. qualquer notificação para a celebração do contrato prometido até ao dia 14-8-15, pelo que, por carta datada de 21-8-15 que dirigiram aos RR., declararam a resolução do contrato.

Os RR. contestaram, impugnando parte dos factos alegados e o efeito jurídico que os AA. pretendem retirar. Alegam que, no limite, apenas estariam numa situação de mora, e não em incumprimento definitivo, porque o prazo previsto no contrato não era um prazo máximo nem definitivo. Os AA. resolveram o contrato invocando a perda de interesse, sem alegarem factos que permitissem comprovar a perda de interesse, sendo que a simples mora não basta para permitir a resolução do contrato.

Deduziram ainda reconvenção, pedindo a execução específica do contrato-promessa de permuta porque os AA. faltaram ao seu cumprimento, não comparecendo à celebração da escritura que os RR. marcaram, dentro do prazo, prorrogado, do contrato que lhes foi indicado pelos colaboradores da imobiliária contratada pelos AA. e que fora aceite pelos AA.

Os AA. replicaram.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença julgando a acção procedente (considerando-se que tal implicava, necessariamente, a improcedente a reconvenção).

Os RR. interpuseram recurso de apelação para que a sentença fosse revogada e substituída por outra que reconhecesse o direito dos RR. à execução específica do contrato-promessa nos termos pedidos na reconvenção, tendo sido proferido acórdão que revogou a sentença e julgou improcedente tanto a acção como a reconvenção.

Foi interposto recurso de revista por parte dos AA., pretendendo a revogação do acórdão recorrido e a reposição da sentença da 1ª instância.

Suscitaram as seguintes questões essenciais:

- Nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia, uma vez que não foi suscitada pelos RR. a questão de não estar ainda preenchida a condição suspensiva em que o acórdão recorrido fundou o resultado declarado;

- Os RR. não cumpriram a sua obrigação de marcarem a escritura pública de permuta até ao dia 15-8-15, de forma a que pudessem ser apresentados pelos recorrentes os documentos de distrate das hipotecas que incidiam sobre a fracção dos recorrentes, pelo que a impossibilidade objectiva para aferir da verificação da condição lhes é exclusivamente imputável;

- Nesta acção de simples apreciação negativa, era aos RR. que incumbia provar que não ocorrera a condição cuja falta de verificação seria susceptível de arredar o seu incumprimento, justificando o seu direito ao reembolso do sinal ou à execução específica;

- Os recorrentes esclareceram os RR. de que só estariam dispostos a celebrar o negócio nos termos que prometeram se ele se consumasse até ao dia 15-8-15, o que os RR. aceitaram sem reservas;

- Foi essa a razão de ser da cláus. 8ª do contrato-promessa, na qual se plasmou que todas as cláusulas consagradas no presente contrato são essenciais à vontade de contratar das partes, esclarecendo que o incumprimento de qualquer delas determinava o incumprimento de todo o contrato, implicando consequências automáticas e imediatas;

- A celebração do contrato prometido até um termo final foi determinante da vontade de contratar dos AA., realidade de que os RR. tinham conhecimento, nos termos que ficaram consagrados no contrato;

- Os RR. conheciam a vontade real dos AA., pois confessaram no art. 66º da contestação estarem cientes de que a escritura teria de se realizar até ao dia 15-8-15 e de que estavam obrigados a marcar a escritura de permuta;

- A data de 15-8-15 era uma data-limite para a marcação da escritura pública de permuta, pelo que o incumprimento desse prazo determinou o incumprimento definitivo do contrato.


Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.


II – Factos provados:

1. Os AA. são casados entre si no regime de separação de bens.

2. Os AA. são comproprietários, ele na proporção de 1/20 e ela na proporção de 19/20, da fracção autónoma designada pela letra A correspondente ao 1º andar esqº do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na R. …, lote 3….1, em Lisboa, descrito na CRP de Lisboa sob o nº 2…6 da freguesia de …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Parque das Nações sob o art. 4…8.

3. Os AA. celebraram com a EE, Lda, um contrato cuja primeira folha se encontra anexo à réplica como doc. nº 1, de cujo cabeçalho consta a indicação de “FF”.

4. Os RR. entraram em contacto com a FF EXPO/Olivais e os Srs. GG e HH foram seus interlocutores naquela empresa EE da rede FF.

5. Por escritura notarial com a epígrafe “Contrato-Promessa de Permuta com Eficácia Real”, outorgada em 15-5-15, os AA. prometeram permutar com os RR. a fracção autónoma supra descrita em 1., pela fracção autónoma designada pelas letras AB, correspondente ao …-D do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na R. …, lote 3…1 descrito na CRP de Lisboa sob o nº 3…3 da freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Parque das Nações sob o art. 5…0, nos termos e nas condições que constam do documento, onde, entre outras, constam as seguintes cláusulas:

3ª (Ónus e encargos)

A permuta será feita com as fracções totalmente livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades de qualquer natureza, nomeadamente das [4] hipotecas [referidas em 12 infra] que incidem sobre a fracção [dos AA.] e da penhora registada a favor do BANCO II, S.A.,.

4ª (Obrigações)

É da inteira responsabilidade dos [AA.], no que concerne à fracção [referida em 2 supra] e [dos RR.] no que respeita à fracção [referida em 5 supra], a execução das diligências e os custos relativos à obtenção dos documentos necessários à outorga da escritura de permuta, junto das entidades competentes, nomeadamente CRP, Finanças, DGPC e Câmara Municipal, bem como eventuais uniformizações que se mostrem necessárias à outorga da escritura, cancelamento de quaisquer ónus registados sobre as fracções.

[…]

6ª (Celebração da escritura)

1. A escritura de permuta será celebrada até ao dia 15-8-15, desde que obtida toda a documentação considerada necessária, em data, hora e local a indicar pelos [RR.], por carta registada com aviso de recepção a expedir com a antecedência mínima de 10 dias úteis em relação à data marcada.

2. Os [AA.] têm a faculdade de permanecer na fracção [referida 2 supra] por um período posterior à celebração da escritura de permuta.

3. Se a permanência prevista no nº anterior ultrapassar o dia 15-9-15, os [AA.] pagarão aos [RR.] a quantia mensal de € 20.000,00 por cada mês que ultrapassar a mencionada data.

(…)

8ª (Boa fé)

[…]

2. Consideram ambas as partes contraentes que todas as cláusulas consagradas no presente contrato são essenciais à vontade de contratar das partes, pelo que o incumprimento de qualquer delas implica o incumprimento de todo o contrato, com a aplicação das disposições legais e contratuais respectivas.

3. O incumprimento do presente contrato confere à parte não faltosa o direito a efectuar a execução específica do contrato, nos termos do art. 830º do CC ou, em alternativa, o direito à indemnização prevista no art. 442º do CC, tal como descrito de seguida:

 […]                                   

9ª (Comunicações)

Todas as comunicações relativas ao presente contrato deverão ser endereçadas aos domicílios das partes constantes do preâmbulo deste documento, salvo se, entretanto, o destinatário tiver indicado ao remetente, por escrito, outro endereço para esse fim.

(…)

11ª (Alterações)

Quaisquer alterações a este contrato só serão válidas desde que convencionadas por escrito com menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redacção que passa a ter cada uma das editadas ou modificadas.

(…)

14ª (Eficácia real)

Os outorgantes acordam em atribuir eficácia real ao presente contrato promessa de permuta.

6. Para efeitos de permuta, as partes outorgantes atribuíram à fracção autónoma de que os AA. são proprietários o valor de € 1.020.000,00 e à fracção autónoma de que os RR. são proprietários o valor de € 550.000,00, pelo que os RR. deveriam pagar aos AA., a título de preço, o valor global de € 470.000,00, dos quais € 23.500,00 caberiam ao A. e € 446.500,00 caberiam à A.

7. A título de sinal e princípio de pagamento, os RR. entregaram aos AA., no acto de celebração do contrato-promessa, a quantia de € 100.000,00, dos quais € 5.000,00 atribuídos ao A. e € 95.000,00 atribuídos à A.

8. Os RR. estavam cientes de que se encontravam obrigados a marcar a escritura de permuta e que esta teria de se realizar até ao dia 15-8-15.

9. No momento em que foi celebrado o contrato-promessa entre as partes, incidiam sobre a fracção dos AA. 3 hipotecas, todas a favor da Caixa Económica JJ, para garantia dos seguintes empréstimos: (i) no valor de € 102.752,36, sendo o montante máximo assegurado de € 145.661,75; (ii) no valor de € 163.605,71, sendo o montante máximo assegurado de € 207.288,43; (iii) no valor de € 32.920,66, sendo o montante máximo assegurado de € 41.710,47.

10. Para além das hipotecas supra referidas, sobre a fracção autónoma dos autores incide uma outra hipoteca sobre a proporção de 5% de que é titular o A., registada a favor da A. para garantia de um empréstimo no valor de € 35.000,00 e uma penhora também sobre a proporção de 5% de que é titular o A. registada a favor do Banco KK, S.A., para garantia da quantia exequenda de € 101.617,05.

11. Até ao dia 14-8-15, os AA. não receberam dos RR. qualquer notificação para a celebração do contrato prometido.

12. Em dia não apurado de Julho de 2015, o R. contactou a mediadora imobiliária, no sentido de saber se da parte dos AA. haveria disponibilidade para adiar a marcação da escritura até ao dia 15-9-15.

13. No dia 15-7-15, o R. enviou um SMS para o Sr. GG, perguntando o seguinte:

Como está o andamento?

14. No dia 28-7-15, o A. enviou ao Sr. HH um email com o seguinte teor:

Caro HH

Gostaria que me informasses em reply a este email se já tens os documentos todos do Sr. LL e sua mulher necessários à escritura de venda da nossa casa. Gostaria também que me enviasses hoje ou amanhã uma cópia da minuta dessa escritura. Já deve estar feita, pois tem que estar pronta e deve ser-nos enviada 15 dias antes do dia 15/08. Obrigado, abraço.

15. Entre o dia 15-7-15 e o dia 2-8-15, o R. teve conversas telefónicas com o Sr. GG em ordem a fazer o ponto da situação quanto à data da escritura.

16. No dia 2-8-15, o Sr. GG informou por SMS o R. de que:

Boa tarde, …! Conseguimos prolongar o prazo da escritura para 15 de Setembro. Vamos falando. Abraço.

Ao que o R. respondeu, igualmente por SMS:

Não vai dar problema. Se for para dar complicação poderei ir para o dia 15-8-15.

17. No dia 5-8-15, o R. enviou nova mensagem para o Sr. GG, dizendo-lhe o seguinte:

Boa tarde. Já falei com o HH e ele me disse que pode ser para o dia 15-9-15, que o Sr. quer ficar mais um mês. Para mim é melhor que a minha esposa pode dar mais atenção à minha filha nesse período, pega por escrito.

18. O Sr. GG respondeu, novamente por SMS, dizendo:

Boa tarde …, já lhe tinha confirmado que estava tudo ok. Vou pegar por escrito esta semana. Grande abraço.

19. No dia 6-8-15, o Sr. HH enviou aos AA. um email, dizendo o seguinte:

Boa tarde R… e A…

Conforme falado e a pedido da R… coloco à vossa consideração 3 questões que me foram solicitadas pelo LL e sua esposa.

Foram avós novamente e a filha está a precisar de uma assistência extra (….).

O comprador que encontrámos para a casa deles (da permuta) está a ultimar uma movimentação de capitais e só no final de Agosto é que teremos luz verde.

Por último como vocês também iriam ficar até final de Setembro na casa acharam que não haveria problema alterar a data da escritura para 15-9, naturalmente o vosso prazo de saída também atrasa 30 dias.

Por último queria informar-vos que a viagem está marcada para 8-9.

Beijinho e abraço.

20. No dia 7-8-15, o A. enviou ao Sr. HH um email com o seguinte teor:

Caro HH,

Uma vez que o contrato que assinámos com o casal LL está ultrapassado, pede sff ao senhor LL que nos remeta a sua proposta, conforme nossa conversa telefónica de hoje.

21. No dia 21-8-15, os AA. dirigiram aos RR. uma carta com o seguinte teor:

Assunto: contrato de promessa de permuta de 15-5-15:

Tendo em conta que não foi cumprido por V.Exªs o nº 1 da cláusula 6ª do contrato promessa com eficácia real entre nós celebrado [no dia…] vimos pela presente reiterar a perda do nosso interesse na celebração do contrato prometido, dando assim por resolvido o mencionado contrato promessa.

22. A carta referida supra foi enviada sob o cuidado do correio registado com aviso de recepção, com a ref.ª postal RD 6…8 PT, tendo vindo a ser devolvida com a menção “objecto não reclamado”.

23. No dia 6-9-15, o R. enviou novo SMS ao Sr. GG dizendo:

Chego segunda-feira às 12.15, marcamos a escritura para dia 15-9-15, verifique com seu jurídico toda documentação.

24. Com data de 8-9-15, os RR. dirigiram aos AA. a seguinte carta:

Assunto: marcação de escritura:

Conforme acordado com os seus representantes, na sequência do contrato de promessa de permuta de 15-5-15, de acordo com a cláus. 6ª do contrato, vimos por este meio indicar que a escritura pública de permuta se encontrava designada para o dia 15-9-11, pelas 11h, no Cartório Notarial da Drª MM.

Caso se afigure de todo impossível a V.Exªs reunir toda a documentação necessária relativa ao imóvel de que são proprietários e prometido permutar (incluindo os documentos necessários ao cancelamento dos ónus actualmente existentes), fica desde já agendada nova para data […] para o dia 23-9-15, à mesma hora e local […].

25. A pedido dos RR., os AA. reenviaram-lhes, em 9-9-15, a carta de 21-8 que viera devolvida, carta essa que foi anexa à carta datada de 9-9-15, com o seguinte teor:

Junto enviamos a carta […]

Lamentamos sinceramente que o Sr. HH não vos tenha comunicado ou reenviado os nossos e-mails, em particular o que lhe enviámos quando nos telefonou dizendo que o Sr. LL e a Srª. D. M… gostariam de adiar a data da escritura. Estamos certos que as coisas teriam evoluído de outra forma.

Neste momento, sugerimos que o vosso advogado contacte o Sr. Dr. NN, nosso advogado, que melhor explicará o que se passa.

26. À carta de 21-8-15 responderam os RR. com a deles, datada de 18-9-15:

Em resposta à vossa carta recebida […] consignamos que, ao contrário do que afirmam, não existiu nem existe qualquer atraso da nossa parte na marcação da prometida escritura de permuta.

Como muito bem sabem, no início do passado mês de Agosto V.Exªs, aceitaram a prorrogação do prazo fixado no n° 1 da cláus. 6ª do contrato-promessa de permuta com eficácia real celebrado em 15 de Maio último, até ao presente dia 15 de Setembro. Tal aceitação foi-nos, aliás, expressamente comunicada pelos mediadores imobiliários por vós contratados para a efectivação desta transacção.

Exclusivamente por esse motivo, marcámos as nossas viagens do ... para Portugal para o dia 8 de Setembro e, em estrito cumprimento do disposto naquele contrato-promessa e por carta remetida no mesmo dia da nossa chegada, agendámos para hoje a prometida escritura de permuta das duas fracções autónomas, a qual, infelizmente, não se realizou pela vossa não comparência.

Ainda que não se considere que foi acordada uma prorrogação do prazo para a realização da escritura de permuta, o que apenas por mero raciocínio se admite, e sem conceder, sempre se sublinhará que nesse caso existiria tão-somente um atraso da nossa parte. Atraso esse que foi totalmente suprido pela nossa carta do passado dia 8 de Setembro.

Assim, não compreendemos como se permitem V. Exªs. invocar uma suposta perda do interesse na celebração do contrato prometido que, de todo, não existe.

A existir qualquer atraso na marcação da escritura pública - que, repete-se, não existe - V. Exªs. encontravam-se legalmente obrigadas a conceder-nos um prazo admonitório para a realização da mesma, o que, de todo, não fizeram. Desta forma, a vossa tentativa de resolução do redito contrato-promessa de permuta com eficácia real celebrado em 15-5-15 é absolutamente inválida.

Terminamos reiterando o teor da nossa carta de 8 de Setembro último, repetindo que a prometida escritura pública de permuta terá lugar na segunda data constante da mesma, ou seja, no próximo dia 23 de Setembro, às 11 horas, no Cartório Notarial […].

Mais informamos, que a totalidade da documentação referente à nossa fracção autónoma já se encontra em posse daquele cartório notarial.

27. Os AA. não compareceram no Notário nem no dia 15, nem no dia 23-9-15.

28. Com data de 25-9-15, os RR. dirigiram aos AA. a seguinte carta:

Face ao vosso não cumprimento do Contrato-Promessa de Permuta com Eficácia Real celebrado em 15 de Maio último, por não terem permitido a realização da escritura […], na data contratualmente agendada (23-9-15) prevalecemo-nos da presente para notificar V. Exªs., nos termos e para os efeitos do n° 1 do art. 808º do CC, que a prometida escritura pública de permuta será realizada no próximo dia 15-10-15, pelas 11h, no Cartório Notarial […]

Relembramos ainda V. Exªs, que deverão disponibilizar, em tempo útil, os documentos de vossa responsabilidade necessários para a outorga da escritura pública de permuta.

Caso V. Exªs, não compareçam ou, de outro modo, não proporcionem a realização da referida escritura, na data e local supra indicados, verificar-se-á o incumprimento definitivo do mencionado contrato-promessa de permuta com eficácia real, com todos os efeitos daí decorrentes, designadamente os previstos no n° 3 da cl.ª 8 daquele contrato-promessa.

Em razão do que antecede, queremos evidenciar que, uma vez que a obrigação se encontra vencida desde 23-9-15, caso até ao próximo dia 15-10-15 a referida escritura não seja celebrada, ficam V. Exªs. desde já advertidos de que a presente comunicação constitui uma verdadeira interpelação admonitória, razão pela qual, uma vez não cumprido tal prazo, a obrigação será tida como definitivamente não cumprida com as consequências daí decorrentes.

29. À carta supra referida, os AA. responderam com a seguinte carta datada de 30-9-15:

Como é do vosso conhecimento, há muito demos a questão acima referida por encerrada, face ao vosso incumprimento do nº 1 da cláus. 6ª do contrato-promessa supra citado, como tivemos ocasião de vos expressar na carta por nós enviada a 21-8-15. Essa carta veio devolvida e foi-vos reenviada, como solicitado a 10-9-15.

30. Os AA. não compareceram no Cart. Notarial de L… no dia 15-10-15.

31. Os RR. enviaram aos AA. uma carta datada de 16-10-15, com o seguinte teor:

Assunto: Contrato-promessa de permuta com eficácia real celebrado em 15-5-15.

Com referência ao Contrato-Promessa […], registo o vosso incumprimento das obrigações de celebração da prometida escritura pública de permuta e de desocupação da fracção […]

Atendendo a que aceitei o pedido, veiculado através dos vossos mediadores imobiliários, da vossa permanência no referido andar até ao dia 15-10-15 sem qualquer contrapartida, alerto para o facto do não cumprimento atempado da obrigação de desocupação daquela fracção autónoma gerar a vossa obrigação de pagamento de € 20.000,00 mensais, conforme previsto no nº 3 da Cláus. 6ª do Contrato-Promessa […].

Mais informo que exigirei, incluindo por via judicial se necessário, o pagamento daquela importância mensal até à data em que a mencionada fracção autónoma me seja definitivamente entregue.

32. A empresa de mediação imobiliária tinha comunicado ao R. que os AA. nada teriam a opor ao adiamento da realização da escritura.

33. Pelo menos no dia 7-8-15, o Sr. HH ficou a saber que os AA. não davam assentimento à pretendida alteração do contrato.

34. Pelo Cart. Notarial de L… foram lavrados os instrumentos anexos à contestação como docs. nºs 7, 9, 12 [a dar conta da razão de não ter sido celebrada a escritura: falta de comparência [dos autores]].

35. O Cart. Notarial de L… lavrou os textos da prometida escritura de permuta que se encontram anexos à contestação como docs. nºs 8, 10, 13 e 14.

36. Os RR. já liquidaram e pagaram a totalidade do IMT e o imposto de selo incidente sobre a permuta em causa.

37. O endereço dos RR. que consta do preâmbulo do contrato-promessa é aquele para onde os AA. enviaram as três cartas que lhes endereçaram.


III – Decidindo:

1. No acórdão recorrido afirmou-se que as partes outorgaram um contrato-promessa com eficácia real submetido a uma condição suspensiva (desde que toda a documentação fosse obtida), considerando-se que a mesma não se verificara na ocasião em que os AA. declararam a resolução do contrato. Aduziu-se ainda que a inverificação de tal condição resulta do facto de estarem inscritas quatro hipotecas sobre a fracção, não estando demonstrado o seu cancelamento.

Todavia, nele se afirmou também que o prazo que foi aposto no contrato-promessa de permuta correspondia a uma cláusula de estilo colocada no “formulário” adoptado pelas partes, não se revelando, assim, um prazo que objectiva ou subjectivamente fosse essencial.

Nestes dois fundamentos alternativos foi sustentada a revogação da sentença da 1ª instância e a consequente improcedência da acção, considerando-se que não estavam reunidos os requisitos para a declaração de resolução do contrato-promessa de permuta que foi emitida pelos AA.

Alegam os AA. recorrentes que, ao apreciar a inverificação de uma condição suspensiva, a Relação proferiu um acórdão em excesso de pronúncia, mas tal não se confirma.

Com efeito, tratando-se de matéria de direito, não há motivo algum para assacar ao acórdão recorrido a nulidade que foi invocada com base no excesso de pronúncia. Perante os factos que foram apurados, com destaque para o teor do contrato-promessa de permuta com eficácia real e os factos relacionados com o alegado incumprimento do mesmo por parte dos RR., a Relação limitou-se a extrair os efeitos jurídicos, tendo em conta as normas que considerou ajustadas ao caso concreto.

Improcede, pois, a arguida nulidade do acórdão.


2. Em sede de mérito do recurso de revista as questões que acima foram enunciadas acabam por resumir-se ao seguinte:

Existia ou não motivo para que os AA. declarassem aos RR. a resolução do contrato com base no facto de o contrato-prometido, que deveria ser marcado pelos RR., não ter sido concretizado até ao dia que foi fixado no contrato, ou seja, até ao dia 15-8-15?

A 1ª instância respondeu afirmativamente, no que foi contrariada pela Relação que concluiu, ao invés, que o contrato-promessa de permuta não continha uma cláusula resolutiva expressa que permitisse aos AA. a imediata declaração de resolução, tratando a indicação do prazo referido como prazo não essencial, decorrente de uma cláusula genérica. Além disso, considerou que, estando dependente esse prazo da verificação de uma condição suspensiva, os AA. também não demonstraram que essa condição estivesse verificada.

Importa notar ainda que na declaração de resolução os AA. apontam ao excesso do prazo que foi fixado o efeito de ter revelado a perda de interesse na realização do contrato de permuta.

Da apreciação do mérito fica excluído o segmento do acórdão recorrido que, perante a matéria de facto, julgou improcedente o pedido reconvencional através do qual os RR. pretendiam que o tribunal se substituísse de imediato à declaração de vontade dos AA. declarando os efeitos reais decorrentes do contrato de permuta das fracções. Afinal, de tal segmento decisório não foi interposto recurso por partes dos RR., de modo que fica inviabilizada a possibilidade de extrair dos factos apurados um outro e merecido efeito jurídico.


3. A revista não pode proceder, devendo, ao invés, ser confirmado o acórdão recorrido.

A matéria de facto que foi alegada e provada não esgotará porventura todos os motivos que terão estado na base de uma reacção tão precipitada como aquela que se traduziu na declaração de resolução de um contrato por parte dos AA. Mas não deixa de se estranhar que um contrato de um tão elevado valor, a que as partes atribuíram eficácia real, tenha tido o desenlace que ocorreu, só porque os RR., contra o que ficara fixado na cláus. 6ª do contrato, não marcaram a escritura pública de permuta para o dia 15-8-15, o que levou a que tivessem sido destinatários de uma carta de resolução do contrato datada do dia 21-8-15, nu ma ocasião em que aparentemente tinham acertado com a agência de mediação imobiliária contratada pelos AA. uma outra data, o dia 15-9-15, que conviria a ambas as partes.

No entanto, não será nestes aspectos que se fundará a declaração da improcedência da revista. Afinal, num ponto os AA. têm razão (formal) que lhes é conferida pelo texto do contrato: qualquer alteração ao clausulado (incluindo, é claro, o que se reportasse ao prazo para a outorga do contrato prometido) deveria ter sido formalizada mediante acordo das partes (cláus. 11ª), não existindo nos autos elementos que confirmem que a combinação que terá sido acertada entre a referida agência de mediação e os RR. tivesse subjacente algum mandato que os AA. lhes tivessem conferido para tal efeito.

Ainda assim, a improcedência da revista e a confirmação do acórdão recorrido é manifestamente o que emerge da restante matéria de facto apurada, em conjugação com o direito material aplicável.

Tal é o resultado da constatação de que, como se assumiu no acórdão recorrido, o prazo indicado no contrato-promessa não tinha natureza essencial, de modo que, independentemente da verificação ou não da condição suspensiva relacionada com a documentação – questão que nos parece irrelevante para o caso – a ultrapassagem de tal prazo, no contexto do presente contrato, revela uma situação de simples mora que não se confunde com a de incumprimento definitivo que poderia justificar a resolução do contrato.

Acresce que não existe motivo algum para qualificar o referido prazo como um prazo peremptório cujo decurso legitimasse os AA. a emitir, de de forma automática e imediata, a declaração de resolução, ao abrigo do art. 432º, nº 1, do CC.

Finalmente, também não se verifica minimamente a falta de um interesse objectivo que permitisse a declaração de resolução, ao abrigo da norma geral do art. 808º do CC.


4. Alinhando os factos essenciais percebe-se melhor o desajuste da actuação dos AA. e a valia dos argumentos que levam à improcedência da pretensão que apresentaram e na qual insistem na presente revista:

- No contrato-promessa de permuta outorgado em 15-5-15 estipulou-se que a escritura de permuta seria celebrada até ao dia 15-8-15, desde que fosse obtida toda a documentação considerada necessária, em data, hora e local a indicar pelos RR., por carta registada com aviso de recepção a expedir com a antecedência mínima de 10 dias úteis em relação à data marcada (ou seja, até 5-8-15 deveriam os RR. avisar os AA. para comparecerem no notário para a outorga da escritura de permuta);

- Nos termos da cláus. 8ª, as partes consideraram que todas as cláusulas consagradas no presente contrato eram essenciais à vontade de contratar, pelo que o incumprimento de qualquer delas implicava o incumprimento de todo o contrato, com a aplicação das disposições legais e contratuais respectivas;

Na cláus. 11ª estipulou-se que quaisquer alterações a este contrato só seriam válidas desde que convencionadas por escrito, com menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redacção que passasse a ter cada uma das editadas ou modificadas;

- Os RR. estavam cientes de que se encontravam obrigados a marcar a escritura de permuta e que esta teria de se realizar até ao dia 15-8-15;

- Mas no dia 6-8-15, HH, da agência de intermediação imobiliária, enviou aos AA. um email, perguntando, no essencial, se, devido a razões pessoais dos RR., haveria algum problema em que a data da escritura passasse para 15-9-15 (um mês depois);

- Logo no dia seguinte, 7-8-15, ou seja, uma semana antes da data fixada no contrato para a outorga do contrato definitivo - 15-8-15 -, o A. enviou a HH, da agência mediadora, um email dizendo que o contrato estavaultrapassado”, pretendendo a remessa de nova proposta;

- Efectivamente, a empresa de mediação imobiliária tinha comunicado ao R. que os AA. nada teriam a opor ao adiamento da realização da escritura, mas, pelo menos no dia 7-8-15, o colaborador HH ficou a saber que os AA. não davam assentimento à pretendida alteração do contrato;

- Até ao dia 14-8-15, os AA. não receberam dos RR. qualquer notificação para a celebração do contrato prometido, de modo que no dia 21-8-15, dirigiram aos RR. uma carta declarando a resolução do contrato, a qual veio devolvida, sendo reenviada em 9-9-15, depois de solicitada pelos RR.; 

- Não surtiu efeitos a tentativa que os RR. ainda fizeram de designar a data de 15-9-15  para a realização da escritura (podendo ser para o dia 23-9-15 se aos AA. isso conviesse), esbarrando com a recusa de ceder ou de comparecer.


5. O que a matéria de facto assim sintetizada revela com toda a crueza é que os AA. procuraram extrair dividendos imediatos e automáticos do mero facto de não ter sido rigorosamente respeitado o calendário contratual (malgrado as diligências que se estabeleceram entre os RR. e a empresa de mediação e entre esta empresa e os AA.). Já no dia 7-8-15, ou seja, uma semana antes da data até à qual a escritura pública deveria ser realizada, os AA. consideravam os RR. em situação de incumprimento, neste caso, pelo simples facto de não terem sido avisados com os 10 dias de antecedência referidos no contrato. Posição que assumiram com mais firmeza logo que passou a data designada no contrato-promessa para a outorga da escritura de permuta.

Ora, é verdade que em matéria de direitos privados prevalece a vontade contratual nos termos acordados por ambas as partes. Mas também é seguro que, salvo situações muito especiais, efeitos tão gravosos como os que decorrem da resolução do contrato-promessa (com consequências na ruptura negocial e efeitos ao nível da perda do sinal, restituição do dobro do sinal ou qualquer outra forma de indemnização) apenas poderão ser extraídos em face de três situações tipificadas.

Em primeiro lugar, quando tal for expressa e inequivocamente convencionado, ou seja, quando exista uma cláusula resolutiva expressa que, pelo seu teor e pelo contexto em que se inscreve, determine o efeito resolutivo por decorrência directa, imediata e automática da verificação do evento previsto pelas partes.

Tal é o que transparece do art. 432º, nº 1, do CC, constituindo entendimento geral da jurisprudência e da doutrina que não deve confundir-se uma tal cláusula resolutiva, a que normalmente subjaz um interesse objectivo ou subjectivo que se esgota com a ocorrência do evento previsto, com cláusulas gerais, mais ou menos tabelares ou de estilo, como aquela que as partes convencionaram in casu.

Se é certo que no contrato-promessa de permuta as partes fixaram o dia 15-8-15 como data-limite para a celebração do contrato definitivo, também é verdade que o fizeram em termos que não apresentam aquela taxatividade que pudesse ser imposta a qualquer delas. Cada uma ficou a saber que essa era a data que deveria ser respeitada. Todavia, sem qualquer outro ingrediente proporcionado pelo contrato ou pela matéria de facto indiciadora dos motivos de tal fixação, não é possível afirmar que cada uma das partes, ou ambas, pretendesse atribuir à cláusula de termo o sentido rigorista que os AA. lhe atribuíram quando, logo na semana anterior, já consideravam os RR. em situação de incumprimento, nos termos que comunicaram à agência de mediação.

Aliás, outros segmentos do clausulado indiciam precisamente outro significado menos rigorista e mais compreensivo, na medida em que também foi previsto que o respeito pelo referido prazo poderia sofrer a interferência do facto de alguma das partes carecer de obter “documentação necessária”.

Tratou-se de uma cautela que ficou consignada no contrato e que tanto podia aproveitar aos AA. como aos RR., ante a natural inviabilidade de se preverem antecipadamente todas as dificuldades de ordem burocrática que poderiam surgir na preparação da escritura pública de permuta, o que tanto nos remetia para a eventual documentação (cuja natureza, aliás, não ficou pré-definida) que os RR. ainda não detivessem nem conseguissem obter a tempo (v.g. dificuldades no registo predial, problemas na liquidação do IMT, obstáculos conexos com a eventual concessão de crédito e constituição de hipoteca, etc.), como poderia abarcar alguma documentação que aos AA. coubesse apresentar, sendo de destacar, pelo seu relevo em concreto, os documentos comprovativos dos distrates das quatro hipotecas e do cancelamento da penhora sobre a fracção que era sua propriedade, a qual deveria ser alienada livre de quaisquer ónus e encargos.

O facto de no contrato-promessa se prever que os AA. poderiam continuar a ocupar a sua fracção mesmo depois da escritura, contra o pagamento de uma elevadíssima quantia, igualmente invalida a natureza peremptória do prazo que foi previsto.

Como se disse, o grau de precipitação dos AA. (ou, noutra perspectiva, alguma ideia de aproveitamento do primeiro deslize contratual por parte dos RR.) revelou-se logo na semana anterior àquela em que deveria estar agendada a escritura de permuta, numa altura em que nem sequer se sabia ainda se porventura os RR. se defrontavam com alguma dificuldade no que concerne à recolha da referida “documentação necessária” para a outorga da escritura que no contrato ficara assinalada para justificar alguma dilação na outorga do contrato definitivo.

Ora, o prazo que foi estabelecido era, sem dúvida alguma, um prazo sério e que impunha a cada uma das partes um elevado grau de diligência quanto ao seu cumprimento, dentro das regras da boa fé. Todavia, de modo algum pode ser visto como um marco inultrapassável e sujeito a um tão gravíssimo efeito como aquele que os AA. accionaram quando, com esse único motivo e apesar das circunstâncias em que os RR. se encontravam, se apressaram a declarar a resolução do contrato, com efeitos que se projectariam na retenção do sinal que haviam recebido.

Por esta via, ou seja, pela invocação de uma cláusula resolutiva, não pode proceder a pretensão dos AA.


6. A resolução contratual pode ser despoletada ainda perante uma situação de incumprimento do contrato, nos termos do art. 801º do CC.

A aplicação desse preceito em sede de contrato-promessa conta com uma numerosíssima e sólida jurisprudência reflectida em dezenas e dezenas de arestos, assim como com a posição assumida pela generalidade dos autores, tudo no sentido de exigir uma situação que possa qualificar-se como de incumprimento definitivo, bem distinta de uma situação de simples mora emergente do mero decurso de algum prazo não taxativo ou peremptório que tenha sido fixado para a outorga do contrato definitivo.

Na verdade, apenas nessa situação extrema se considera que o promitente não faltoso pode despoletar a resolução do contrato, sendo esta negada em casos de simples mora. Nestas situações, de que o caso sub judice é um (bom/mau) exemplo, é entendimento corrente e totalmente pacífico que a resolução apenas poderá ser accionada depois de operada a conversão da situação de mora em incumprimento definitivo, nos termos do art. 808º, nº 1, 2ª parte, do CC, mediante a fixação de um prazo admonitório razoável que permita à contraparte o cumprimento sob pena de suportar a referida consequência.

No limite, poderia porventura encontrar-se na matéria de facto apurada (numa interpretação eivada de algum formalismo e pouco ajustada às concretas circunstâncias) uma situação de mora objectivamente imputável aos RR. Afinal, nessa referida interpretação, os RR., sabendo que estava designado um prazo para a outorga da escritura, deslocaram-se para o … e, em lugar de estabelecerem directamente com os AA. uma dilação, sujeitando-a a escrito, como previa o contrato, limitaram-se a contactar a mediadora imobiliária contratada pelos AA. em cujas informações fizeram fé.

Mas, mesmo nesta interpretação da realidade que é reflectida pela matéria apurada, não seria ultrapassada uma situação de simples mora insuficiente para dela extrair o efeito resolutivo sem que, antes disso, os AA. cominassem os RR. com um prazo razoável que lhes permitisse outorgar a escritura de permuta.

Não foi esta a opção dos AA. cuja posição se encontrava porventura viciada por um errado e injustificado entendimento de que o contrato já previa um prazo taxativo e inultrapassável, sem necessidade de qualquer outra diligência.

Não fora a inusitada sofreguidão dos AA. pelo efeito resolutivo e tudo indicaria que os RR. celebrariam o contrato prometido dentro de um prazo adicional que fosse razoável. Aliás, como o revelam as comunicações que estabeleceram com a agência de mediação, os RR. até se predispuseram a alterar o plano de férias e regressar mais cedo do Brasil, onde se encontravam, se acaso tivessem sido informados da existência de alguma objecção apresentada pelos AA. quanto a uma pretendida dilação do prazo contratado.

Ora, essa exigência dos AA. nunca lhes foi transmitida directamente nem pela agência que servia de mediadora, a qual fora contratada pelos AA., nem pelos AA. que se limitaram a recusar a proposta que a mediadora lhes apresentou.

Seja como for, os AA. não abdicaram do prazo contratualizado que encararam de uma forma sacralizada, ao arrepio de tudo quanto outros factos revelam, de que se destaca a inequívoca vontade que os RR. sempre manifestaram no sentido da outorga do contrato definitivo traduzida quer na tentativa de convencimento dos AA. quanto à marcação de nova data bem próxima da data que fora assinalada no contrato, quer na concessão que (avisadamente) lhes fizeram de uma segunda oportunidade para cumprir, mesmo depois de terem sido confrontados com a declaração de resolução, quer ainda na efectiva comprovação de que nos dias agendados (cerca de um mês depois da data fixada no contrato) estavam prontos a outorgar a escritura de permuta e entregar aos AA. o diferencial entre o valor da sua fracção e o valor da fracção dos AA.

Em confronto com a conduta dos AA., apresenta-se-nos um comportamento irrepreensível e que manifestamente foi orientado pelos bons princípios por que se devem orientar as partes nas negociações, no sentido de garantir a outorga do contrato definitivo, depois de uma tão grande solenidade que foi atribuída ao contrato-promessa de permuta que foi dotado de eficácia real.

Também por esta via, ou seja, pela inverificação de uma situação de incumprimento definitivo decai a pretensão dos AA.


7. No art. 808º, nºs 1 e 2, do CC, prevê-se ainda a verificação de uma situação de incumprimento definitivo do contrato decorrente da verificação da perda de interesse objectivo na prestação em consequência da mora.

A par da indicação de que tinha sido ultrapassada a data fixada no contrato, os AA. invocaram que tal tinha determinado a perda de interesse na celebração do contrato definitivo (“tendo em conta que não foi cumprido por V. Exªs o nº 1 da cláus. 6ª do contrato promessa … vimos pela presente reiterar a perda do nosso interesse na celebração do contrato prometido, dando assim por resolvido o mencionado contrato promessa”).

A generalidade dos contratos e, em concreto, os contratos-promessa de compra e venda ou de permuta não estão imunes a esta cláusula geral, na medida em que pode ocorrer que existam motivos ponderosos que permitam estabelecer uma equiparação entre a situação de mora e a de incumprimento definitivo, ou seja, em que o decurso de algum prazo sem que seja outorgado o contrato definitivo revele, em concreto, a falta de interesse objectivo da contraparte na sua outorga.

Pode acontecer que, relativamente a determinados contratos-promessa, a sua conversão em contratos definitivos apenas revele interesse para a parte se for realizada dentro do prazo acordado e que, transcorrido este, deixe de ter interesse para a contraparte a outorga do contrato.

O art. 808º do CC, constitui um preceito legal cuja aparente simplicidade oculta uma grande dificuldade de interpretação e de aplicação, para o que, mais uma vez, somos guiados pelos sinais conferidos a partir da análise da generalizada jurisprudência e doutrina, sempre apontando no sentido de apenas valorar para o efeito a perda de interesse objectivo.

Tem-se considerado, por exemplo, em matéria de contratos-promessa de compra e venda, que o interesse revelado pelos promitentes na promessa de venda ou na promessa de compra de imóveis não se extingue, por regra, com a mera verificação do prazo que tenha sido fixado para a outorga do contrato definitivo. Ao invés, por regra, tal reflectirá, em regra, uma situação de simples mora na conclusão do contrato prometido da qual não resulta para nenhuma das partes a extinção do interesse que a levou a celebrar o contrato-promessa, a não ser que porventura exista algum elemento ligado designadamente à parte, à natureza do bem ou à finalidade do contrato prometido que integre uma circunstância demonstrativa da inexigibilidade da manutenção da obrigação de celebrar o contrato definitivo.

O exemplo que pode apresentar-se é o da promessa de aquisição de um imóvel com uma finalidade específica que tenha ficado expressa no contrato, cujo interesse se esvazia se acaso o contrato prometido não for realizado no prazo acordado.

Tal não ocorre evidentemente no caso concreto: trata-se de uma promessa de permuta a que foi atribuída eficácia real, envolvendo duas fracções autónomas de valores bem elevados (a dos AA. mais do que a dos RR); as própria partes deixaram ressalvada alguma dificuldade na recolha de documentação; foi acordado inclusive que os AA. poderiam continuar a habitar a fracção que entregavam na permuta, contra o pagamento de uma elevadíssima quantia; a experiência evidencia que o mercado imobiliário em Lisboa (reportado a 2015) se encontrava pujante, constituindo a aquisição ou a venda de imóveis um bom pretexto para a aplicação de capitais e obtenção de mais-valias; no caso concreto, tratava-se de duas fracções de prédios urbanos situados na Zona da Expo que é sujeita a muita procura.

A falta de uma perda de interesse objectivo mais se acentua no caso concreto, quando se verifica que os AA. aproveitaram o primeiro pretexto (é, na verdade, de um mero pretexto que estamos a tratar, bem longe de um interesse objectivo e legítimo que importasse considerar) para confrontar os RR. com a ruptura do contrato-promessa no âmbito do qual já tinham recebido um valor substancial de € 100.000,00 a título de sinal, o que nos leva a concluir que, na realidade, o que estava verdadeiramente em causa, na perspectiva dos AA., Era uma recusa em cumprir sustentada em razões de ordem meramente subjectiva a que o direito não atribui os efeitos resolutivos invocados.

Com efeito, nenhum dos motivos invocados pelos AA. permite inverter o sentido do acórdão recorrido, sendo bem justificada, no caso, a afirmação de que não se verificava qualquer motivo legal ou contratual para a declaração de resolução do contrato-promessa de permuta que os AA. accionaram no dia 21-8-15, ou seja, no 6º dia (!) posterior ao prazo que no contrato foi estabelecido para a realização da escritura pública de permuta, sem qualquer consideração pelo teor generalizante da cláusula, pela irrelevância do prazo que superava a data fixada no contrato ou pela atitude dos RR. que sempre se esforçaram no sentido da conclusão do contrato prometido.

Por conseguinte, nem por esta terceira via que foi expressamente invocada pelos AA. na declaração de resolução do contrato pode proceder a sua pretensão.


IV – Face ao exposto, acorda-se em negar provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo dos AA.

Notifique.

Lisboa, 2-11-17


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo