Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
934/05.6TBMFR.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÂO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL COMUM
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
COLIGAÇÃO PASSIVA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE
(PROPRIEDADE HORIZONTAL).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO / LEGITIMIDADE DAS PARTES / GARANTIAS DA COMPETÊNCIA - PROCESSO / INSTÂNCIA.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS ( EM RAZÃO DA MATÉRIA).
Doutrina:
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, 3ª edição, página 815.
- Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, páginas 31 e 32.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1046.º, 1422.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 31.º, N.º1, 101.º, 288.º, N.º1, 493.º, N.º2, 494.º, ALÍNEA A).
ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS, APROVADO PELA LEI N.º 13/2002, DE 19 DE FEVEREIRO (ETAF): - ARTIGOS 1.º, 4.º, 212.º, N.º3.
LEI N.º 67/2007, DE 31 DE DEZEMBRO, "RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS".
LOFTJ, APROVADA PELA LEI N.º 3/99, DE 13 DE JANEIRO (LOFTJ): - ARTIGO 18.º, N.º1.
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 37.º, N.º1, 64.º, 96.º, 576.º, N.º2, 577.º, AL. A).
REGIME JURÍDICO DO LICENCIAMENTO MUNICIPAL DE OBRAS PÚBLICAS: - ARTIGO 27.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 16/02/2012 E DE 8/11/2012, AMBOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE CONFLITOS:
-DE 25/09/2003, DE 4/07/2006, DE 20/09/2012, E OS DIVERSOS ACÓRDÃOS CITADOS NESTE ARESTO.
-DE 29/06/2004, PROCESSO N.º 01/04 E DE 28/11/2007, PROCESSO N.º 6/07.
Sumário :
I - Os tribunais administrativos são os órgãos de soberania com competência para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.

II - É à jurisdição administrativa que incumbe julgar as acções em que é réu, além de outros, o município sendo pedida a sua condenação por responsabilidade extracontratual fundada, na alegada negligência da Câmara no exercício das suas competências em matéria de urbanismo, por (i) ter emitido uma licença e um alvará de utilização sem verificar a conformidade da obra com o projecto aprovado, (ii) ter aceitado alterações ao projecto inicial, nomeadamente a redução de dois pisos de parqueamento para um só, sem fiscalizar a viabilidade de tal alteração e (iii) ter negligenciado os seus poderes de fiscalização: quer o acto de licença e alvará de utilização, quer a decisão de alteração ao projecto inicial consubstanciam actos administrativos puros que se inserem na função administrativa prosseguida por aquele.

III - Não afasta a competência dos tribunais administrativos a eventualidade de o autor pedir a condenação solidária de entidades públicas e de entidades particulares e o facto de para o conhecimento do pedido formulado contra estas últimas serem competentes os tribunais comuns, caso em que a coligação passiva não é admissível, conduzindo, estes, à absolvição do réu município da instância.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

A Administração do Condomínio do Prédio, sito na … … n.º …, …., n.º …, …, Concelho de Mafra, representada pelos seus Administradores AA e BB, demandou os Réus:

1 - CC e mulher DD;

2 - EE e mulher FF;

3 - Câmara Municipal de …, na pessoa do seu Presidente.

Pede que, na procedência da acção:

a) – Sejam os 1.os e 2.os Réus condenados a demolirem a parede construída em alvenaria de tijolo, construída por ambos na garagem colectiva e a fecharem as escadas construídas que ligam internamente a sub - cave e a cave;

b) – Sejam os 1.os Réus condenados a absterem-se de utilizar os 5/25 avos de que são comproprietários na garagem colectiva como salão de móveis ou para qualquer outro fim que não seja o parqueamento de automóveis;

c) – Seja a 3ª Ré condenada a indemnizar os proprietários do prédio em indemnização a liquidar em execução de sentença.


Fundamentando a sua pretensão, alega, em síntese, que, com o conluio dos segundos Réus, os primeiros Réus utilizam o espaço da garagem colectiva numa área que extravasa aquela que lhes compete segundo o título constitutivo de propriedade horizontal e para fim diverso daquele que consta do mesmo título, tendo mesmo construído parede e escadas sem correspondência com a planta do edifício. Com o seu comportamento, os Réus põem em causa a segurança do edifício e dificultam a circulação de veículos.

A terceira Ré, a quem compete o licenciamento de obras e a respectiva fiscalização, omitiu este dever de diligência, já que basta um simples olhar para verificar que as obras efectuadas não obedecem ao projecto de construção.

AA e outros, na qualidade de comproprietários da fracção “B” deduziram nos autos o incidente de intervenção principal espontânea, (fls. 567 a 574), admitida conforme despacho de fls. 674 a 676, formulando os seguintes pedidos:

a) – Condenar todos os Réus individual e solidariamente a demolirem, à custa dos mesmos, a parede construída em alvenaria de tijolo na garagem correspondente à fracção “B”;

b) – Condenar todos os Réus individual e solidariamente a demolirem, à custa dos mesmos, as escadas que ligam internamente a sub - cave (fracção A) à cave (fracção B) e a taparem o acesso que fizeram à fracção B, emparedando-o;

c) – Condenar todos os Réus individual e solidariamente a tapar e emparedar, às custas dos mesmos, os vãos/montras que aqueles abriram para o hall da entrada do prédio que dá acesso às fracções e partes comuns;

d) – Condenar os 1.os Réus a absterem-se de utilizar a garagem, fracção B como extensão da fracção A, que ocupam com exposição e comércio de móveis, por tal fim não ser permitido pelo título constitutivo da propriedade horizontal e pela licença de utilização, devendo a sua ocupação limitar-se ao parqueamento de veículos automóveis e apenas na proporção de que são titulares inscritos no registo predial;

e) – Condenar-se todos os Réus individual e solidariamente ao pagamento de uma indemnização global no valor de € 110.000,00, pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da citação dos Réus, até efectivo e integral pagamento.


Na parte que ora interessa, a Câmara Municipal de …, contestando a acção, suscitou, por excepção, a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, peticionando a sua absolvição da instância.

O Autor e os intervenientes responderam, defendendo a improcedência das excepções deduzidas, concluindo que os pedidos formulados pelo Autor e pelos intervenientes devem ser julgados procedentes.

Findos os articulados, o Tribunal da 1ª Instância declarou-se materialmente incompetente para conhecer da acção, na parte em que a mesma corre contra a Câmara Municipal de …, sustentando a sua decisão nos critérios de atribuição positiva de competência e de competência residual, apurados também em função do tema a decidir, considerando competentes os tribunais administrativos e, considerando ainda existir uma causa prejudicial entre esta acção e a que venha a ser proferida, determinou que os autos aguardassem até desfecho daquela referenciada acção (vide fls. 722 a 729).

Inconformados, apelaram a Administração do Condomínio e os Intervenientes devidamente identificados nos autos (vide fls. 567), pretendendo que o Tribunal recorrido fosse considerado competente em razão da matéria para julgar o pedido efectuado, também contra a Ré Câmara Municipal da …, ordenando-se o prosseguimento dos autos.

O Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 12/12/2013, sustenta que a competência em razão da matéria deve aferir-se com referência ao pedido formulado e, se o mesmo se fundar numa causa de pedir complexa, aquela aferição há-de ser feita (também) com referência à causa de pedir dominante.

Considerando, seguidamente, que a causa de pedir é complexa e apreciando a competência material em função dos aludidos critérios, concluiu que o tribunal judicial de 1ª instância é materialmente competente para apreciar a causa também na parte referente à Ré Câmara Municipal, admitindo, porém, que se está num terreno onde se cruzam o direito privado e o direito público.

E assim, na procedência da apelação, revogou a decisão recorrida, considerou o Tribunal comum o competente, determinando o prosseguimento dos autos (vide fls. 855 a 866).


Agora inconformada, recorre de revista a Ré Câmara Municipal de …, finalizando a alegação com as seguintes conclusões:

1ª - O Acórdão recorrido enferma de um erro de julgamento na interpretação e aplicação das normas aplicáveis, violando frontalmente a lei substantiva, ao considerar materialmente competente (o Tribunal a quo) para apreciar, nos presentes autos, o pedido de condenação na parte referente à ora recorrente;

2ª - Com efeito, os recorridos fundamentam o pedido de condenação da ora recorrente Câmara Municipal de …, (na petição inicial e no requerimento de intervenção principal espontânea), no facto da mesma ter emitido uma licença e um alvará de utilização sem verificar a conformidade da obra com o projecto aprovado, ter permitido alterações ao projecto inicial, nomeadamente a redução de 2 pisos de parqueamento para um só, sem fiscalizar a viabilidade de tal alteração, e ter negligenciado os seus poderes de fiscalização;

3ª - Acontece que o acto de licença e alvará de utilização, a decisão de alteração ao projecto inicial consubstanciam actos administrativos puros e que os poderes de fiscalização da recorrente se inserem na função administrativa prosseguida pela recorrente - pessoa colectiva de direito público, investida de poderes públicos;

4ª - A responsabilidade derivada dessa actuação terá de ser apreciada no quadro do exercício da actividade administrativa, tanto que os recorridos invocaram especificamente o artigo 23º do Regime Jurídico do Licenciamento Municipal de Obras Públicas;

5ª - Em relação aos 1.os e 2.os Réus, os Recorridos já fundamentaram a imputação da sua responsabilidade na violação dos artigos 1406º e 1422º do Código Civil;

6ª - Em 1ª instância o tribunal a quo declarou-se materialmente incompetente para conhecer da acção na parte em que a mesma corre contra a Câmara Municipal de …, na medida em que as regras de competência determinavam a incompetência material dos tribunais judiciais para conhecer desta questão, absolvendo-a da instância;

7ª - Os ora Recorridos apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa que revogou aquela decisão por entender que da aferição da competência em razão da matéria com referência ao pedido formulado e à causa de pedir dominante resultaria a competência dos “tribunais judiciais para apreciar a questão também na parte respeitante à ora recorrida”;

8ª - Entende a ora Recorrente que, conjugadas as normas sobre a competência material com os termos em que a acção foi proposta e pela forma como os recorridos estruturaram os fundamentos do seu pedido, se conclui em sentido diverso;

9ª - Com efeito, a causa de pedir, fundamento da responsabilidade civil extracontratual imputada à ora recorrente, é a alegada negligência na sua actuação enquanto entidade competente para emitir licenças e alvarás de utilização bem como para exercer poderes de fiscalização - todas respeitantes às suas competências no âmbito do exercício da actividade administrativa ao abrigo de normas de direito público;

10ª - Para efeitos de apuramento da responsabilidade civil extracontratual de pessoas colectivas de direito público por actos praticados no exercício da função administrativa existe um regime especial - o regulado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, "Responsabilidade Civil do Estado e demais Entidades Públicas", que veio substituir o anterior regime especial sobre responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público - o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967;

11ª - Neste regime especial ficam expressamente incluídas "(…) as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”;

12ª - Acresce que nos termos do artigo 4º do ETAF compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a apreciação de actos emanados por pessoas colectivas de direito públicas ao abrigo de disposições de direito administrativo bem como a apreciação das questões que dêem azo ao apuramento de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público.

13ª - Por outro lado, os tribunais judiciais têm uma competência material residual, vide artigo 18º, n.º 1 da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.

14ª - Fica assim excluída do âmbito da ordem judicial a apreciação de uma questão na qual uma parte impute a outra responsabilidades no âmbito e pelo exercício da sua actividade administrativa, socorrendo-se inclusivamente de normas de direito administrativo para justificar a ilicitude daquela actuação.

15ª - Justamente o que sucede na presente acção na parte referente à recorrente por parte dos recorridos, pelo que andou bem o tribunal de 1ª Instância quando se declarou materialmente incompetente.

16ª - Com efeito, o artigo 101º do antigo CPC, (artigo 96º do NCPC), determina que a incompetência do tribunal em razão da matéria compreende uma incompetência absoluta, a qual nos termos do artigo 494º, alínea a) do antigo CPC (577º, alínea a) do NCPC) consubstancia uma excepção dilatória que importa a absolvição da instância (artigo 493º, n.º 2 do antigo CPC e 576º, n.º 2 do NCPC).

Termos em que (…) deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o Acórdão recorrido, repristinando o despacho através do qual o tribunal de 1ª instância se declarou materialmente incompetente para apreciar a demanda na parte referente à ora recorrida.


Contra – alegaram os Recorridos, finalizando com as seguintes conclusões:

1ª - O presente recurso de revista interposto pela 3ª Ré, tem apenas por objecto, (delimitado pelas respectivas conclusões), a questão da competência do Tribunal “a quo” para conhecer do pedido efectuado contra a 3ª Ré Câmara Municipal de …, não tendo impugnado a decisão na parte que ordenou o prosseguimento dos autos, por não se verificar a situação de prejudicialidade apontada pela decisão proferida pelo Tribunal da 1ª Instância, pelo que deve ter-se definitivamente por assente a decisão proferida quanto à 2ª questão, a qual ordenou o prosseguimento dos autos.

2ª – O Autor recorrido na sua petição inicial e os intervenientes recorridos no seu articulado não põem em causa o licenciamento da fracção “B” (Garagem) para o fim a que se destina, tal como consta do título constitutivo e da licença de utilização, mas apenas a sua utilização e alterações indevidas por parte de um dos comproprietários, os 1.os Réus com o conluio dos 2.os Réus, e conhecimento e autorização por parte da 3ª Ré, ora Recorrente, por desconformidade com a finalidade fixada no título constitutivo da propriedade horizontal e no licenciamento municipal (vide nomeadamente artigos 4º ,5º, 20º, 21º, 22º a 25º e 43º da petição inicial e artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 13º, 14º a 18º do articulado dos intervenientes, bem como artigos 28º a 31º da réplica do Autor e artigos 9º a 17º da réplica dos intervenientes, que aqui se dão integralmente por reproduzidos por uma questão de economia processual), sendo assim, falso o que a recorrente alega nas alíneas a), b), c) d), h), i), j), l) das suas conclusões.

3ª - Tal entendimento resulta ainda dos pedidos efectuados pelo Autor e pelos intervenientes recorridos nas suas peças processuais, a saber:

3.1 – Na petição inicial, quanto à 3ª Ré, recorrente Câmara, o Autor recorrido pede:

Ser a 3ª Ré condenada a indemnizar os proprietários do prédio em indemnização a liquidar em execução de sentença;

3.2 - No requerimento de intervenção os intervenientes recorridos pedem quanto à 3ª Ré:

a) – Condenar-se todos os Réus, individual e solidariamente, a demolirem, à custa dos mesmos, a parede construída em alvenaria de tijolo na garagem correspondente à fracção “B”;

b) – Condenar-se todos os Réus, individual e solidariamente, a demolirem, à custa dos mesmos, as escadas que ligam internamente a sub - cave (fracção A) à cave (fracção B), e a taparem o acesso que fizeram à fracção B, emparedando-o;

c) – Condenar-se todos os Réus, individual e solidariamente a tapar e emparedar, às custas dos mesmos, os vãos/montras que aqueles abriram para o hall da entrada do prédio que dá acesso às fracções e partes comuns;

d) – Condenar-se os 1.os Réus a absterem-se de utilizar a garagem fracção B como extensão da fracção A que ocupam com exposição e comércio de móveis, por tal fim não ser permitido pelo título constitutivo da propriedade horizontal e pela licença de utilização, devendo a sua ocupação limitar-se ao parqueamento de veículos automóveis, e apenas na proporção de que são titulares inscritos no registo predial;

e) - Condenar-se todos os Réus, individual e solidariamente, ao pagamento de uma indemnização global no valor de € 110.000 (cento e dez mil euros), pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da citação dos Réus até efectivo e integral pagamento, com tudo o que for de Lei.

4ª - A causa de pedir é a mesma relativamente a todos os Réus, não há motivo para a exclusão da 3ª Ré quanto à natureza cível da causa de pedir, tratando-se de um conflito com uma determinada unidade, não se vislumbrando impedimento legal à preservação dessa unidade, como muito bem considerou o Tribunal da Relação de Lisboa.

5ª - Estamos perante questões de direito privado, designadamente entre comproprietários, respeitantes à utilização e alterações da fracção “B” (Garagem), em desconformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal que se encontra registado no registo predial do imóvel onde se insere a fracção, totalmente distintas das questões administrativas que se prendem com o licenciamento municipal, estando em causa nos autos essencialmente a violação de normas de direito privado (nomeadamente artigos 483º, 486º, 1406º e 1422º nº 1 e 2 alíneas a) e b) todos do Código Civil) e não de normas de direito público.

6ª - A situação dos autos (os quais deram entrada no ano 2005) não se enquadra em nenhuma das alíneas do referido nº 1 do artigo 4º do ETAF (Lei 13/2002 de 19 de Fevereiro, conjugado com n.º 1 do artigo 1º do mesmo diploma, e ainda no nº 3 do artigo 212º da CRP), ao contrário do preconizado pela recorrente na alínea f), m), o), p) e q) das suas conclusões.

7ª - De acordo com o artigo 18º da LOFTJ e artigo 64º do CPC, as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional são da competência dos Tribunais judiciais. A competência dos tribunais judiciais é, pois, residual, incumbindo-lhes conhecer de todas as acções que não sejam atribuídas por lei ou por disposição especial a qualquer outro tribunal.

8ª - A questão em causa nos autos, relativamente à 3ª Ré, prende-se com o facto de esta ter emitido uma licença de utilização (cuja validade não é posta em causa) e ter permitido, como ainda permite, a utilização e alterações indevidas que um dos comproprietários da fracção “B” faz da mesma, os aqui 1.os Réus, com o conluio dos 2.os Réus, por desconformidade com a fixada no título constitutivo da propriedade horizontal e na licença de utilização emitida pela 3ª Ré, não estando em causa o interesse público, nem a fiscalização da legalidade do acto administrativo de licenciamento, mas sim a lesão de interesses privados dos intervenientes e do Autor recorridos, únicos afectados com a conduta da Ré Câmara.

9ª - Verifica-se a existência de um nexo de causalidade entre a conduta omissiva da Ré Câmara ao permitir a utilização e alterações indevidas da fracção B por parte de um dos comproprietários, sendo que a 3ª Ré era e é conhecedora da utilização e alterações indevidas da fracção B por tal lhe ter sido formalmente comunicado pelo Autor recorrido Condomínio (vide documentos n.os11 e 12 juntos aos autos por requerimento datado 07/02/2008) e os danos invocados pelo Autor e pelos intervenientes, pelo que, o Tribunal Judicial é competente para conhecer do pedido efectuado solidariamente contra a 3ª Ré/recorrente.

10ª – O presente litígio envolve uma situação de responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa colectiva de direito público, conexa com uma relação jurídica de direito privado, referente ao apuramento do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual estabelecidos no Código Civil, sem embargo de um dos intervenientes ser uma autarquia.

11ª - Não se impugna nem se pretende impugnar o acto de licenciamento da fracção B, como falsamente pretende fazer crer a recorrente nas suas conclusões, mas fazer cessar a utilização e alterações indevidas de tal fracção, repondo a situação tal como está no licenciamento e no título constitutivo da propriedade horizontal, bem como o ressarcimento dos danos causados com tal utilização e alterações indevidas (responsabilidade civil extracontratual). (Neste entendimento, a título meramente exemplificativo, vide Acórdãos do STJ de 12 de Janeiro de 2010, de 13 de Março de 2008, de 10 de Abril de 2008, de 14 de Novembro de 2006 e de 13 de Maio de 2004).

12ª - O Tribunal da Relação de Lisboa, ao decidir como decidiu, não violou qualquer norma jurídica, não existindo qualquer erro de julgamento na interpretação e aplicação das normas jurídicas, não tendo violado a lei substantiva nem adjectiva, tendo interpretado e aplicado correctamente a Lei ao caso concreto, nomeadamente, o disposto no nº 1 do artigo 4º do ETAF (Lei 13/2002 de 19 de Fevereiro), o nº 1 do artigo 1º do mesmo diploma, o nº 3 do artigo 212º da CRP, o artigo 18º da LOFTJ e artigo 64º do CPC, bem como o disposto nos artigos 483º, 486º, 1406º e 1422º, nos 1 e 2 alíneas a) e b) todos do Código Civil.

Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso de revista interposto pela 3ª Ré, Câmara Municipal de …, mantendo-se o acórdão recorrido e, em consequência, considerar-se o Tribunal de 1ª instância competente em razão da matéria para julgar o pedido efectuado, também, contra a 3ª Ré, ordenando-se o prosseguimento dos autos, com as legais consequências.

2.

Atendendo às conclusões da Recorrente, que afinal configuram e delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir é a de saber quais os tribunais competentes para decidir a presente causa, no que concerne aos pedidos formulados contra a 3ª Ré, a Câmara Municipal, se os tribunais administrativos como decidiu a 1ª instância, tese que a Recorrente sufraga, ou se os tribunais comuns, como decidiu a Relação, tese que os Recorridos defendem.

3.

Além do que consta do relatório, o Tribunal da Relação considerou como relevantes para a decisão os seguintes factos que constam dos artigos 41º a 53º da petição inicial e que constituem, quanto à 3ª Ré, a causa de pedir:

1º - Nos termos da lei, compete à 3ª Ré o licenciamento das obras particulares, englobando todas as obras de construção civil, designadamente novos edifícios, e o licenciamento engloba a totalidade da obra a executar (artigo 41º).

2º - Compete ainda à 3ª Ré a fiscalização das obras sujeitas a licenciamento municipal (artigo 42º).

3º - Ora, no caso concreto, a obra esteve sujeita a vistoria para emissão da respectiva licença e alvará de utilização, nos termos do artigo 27º do Regime Jurídico do Licenciamento Municipal de Obras Públicas (Doc. n.º 8) (artigo 43º).

4º - No entanto, não foi denunciada qualquer irregularidade na construção, nem desconformidade com o projecto aprovado (artigo 44º).

5º - Quando, pelo menos, em sede de garagem, existem mais 6 pilares não mencionados nas telas finais, o portão da garagem não se localiza conforme é indicado, tendo ainda mais três janelas não mencionadas no projecto (artigo 45º).

6º - E por último, e face à planta que corresponde às telas finais do piso da garagem, basta um simples olhar para verificar que o espaço não comporta, mesmo sem a redução imposta pelos 1.os Réus, 25 veículos (artigo 46º).

7º - Houve portanto negligência por parte da 3ª Ré, ao emitir uma licença e um alvará de utilização, sem ter verificado da conformidade da obra com o projecto aprovado (artigo 47º).

8º - Houve ainda negligência por parte da 3ª Ré ao aceitar alterações ao projecto, designadamente da redução de 2 pisos de parqueamento para um só, sem fiscalizar em concreto da viabilidade de tal alteração (artigo 48º).

9º - Ao emitir a licença e alvará de utilização, existindo umas escadas que fazem a ligação da sub - cave para a cave no canto noroeste dos pisos, duma parede construída na garagem que reduz em muito o seu espaço, e da existência de mais 3 janelas ao nível da garagem, tudo em desconformidade com o projecto aprovado (artigo 49º).

10º - É portanto a 3ª Ré responsável pelos prejuízos causados ao licenciar um prédio em desconformidade com o projecto aprovado (artigo 50º).

11º - A aprovação de obras pela Câmara Municipal de … não impede o exercício dos direitos dos lesados com a sua execução, o que fazem através desta acção os comproprietários (artigo 51º).

12º - Nos termos do artigo 486º do Código Civil “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando independentemente dos outros requisitos legais, havia por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido” (artigo 52º).

13º - Ora, ao não cumprir cabalmente o seu dever de fiscalização, e ao licenciar uma construção que não cumpria todos os requisitos legais para tal, a Câmara Municipal de …, violou o seu dever legal de fiscalização e de licenciamento, causando danos que lhe cabe reparar (artigo 53º).

14º - Segundo a decisão, está em causa a aferição da conformidade das telas finais com os projectos e determinar se o licenciamento da garagem foi conforme às normas que regulam esta matéria.

15º - O M.mo Juiz, no essencial, entendeu que não está em causa a violação das normas de direito civil para aferir se a garagem foi correctamente construída. E precisou que ”não se trata, na versão do Autor, de saber se a mesma viola o título constitutivo da propriedade horizontal, esse sim, do foro cível, e de direito privado, competência destes Tribunais, mas antes saber se o licenciamento e a fiscalização foram violadas porque foram desconformes com o projecto e telas finais”. Por isso, concluiu pela competência dos Tribunais Administrativos.

16º - A tese dos apelantes centra-se em que o Autor na petição inicial e os intervenientes no seu articulado não põem em causa o licenciamento da fracção B (garagem) para o fim a que se destina, tal como consta do título constitutivo e da licença de utilização, mas apenas a sua utilização e alterações indevidas por parte de um dos comproprietários, aqui, primeiros Réus, com o conluio dos 2.os Réus, e autorização por parte da 3ª Ré, por desconformidade com a finalidade fixada no título constitutivo da propriedade horizontal e no licenciamento municipal (nomeadamente artigos 4º, 5º, 20º, 21º, 22º a 25º e 43º da petição inicial e artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 13º, 14º a 18º do articulado dos intervenientes, bem como artigos 28º a 31º da réplica do Autor e artigos 9º a 17º da réplica dos intervenientes).

4.

Tal como decorre dos factos atrás referidos, os Recorridos demandaram em acção declarativa de condenação, com processo ordinário, a Câmara Municipal de …, ora Recorrente, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual e em regime de solidariedade com os restantes Réus, com o fundamento de que aquela teria actuado com negligência, ao emitir uma licença de utilização sem ter verificado a respectiva conformidade com o projecto inicial e ao ter aprovado determinadas alterações ao projecto inicial sem fiscalizar a viabilidade de tal operação.

Ou seja, o pedido de condenação por responsabilidade extracontratual em relação à 3ª Ré, ora Recorrente, funda-se, seja na petição inicial, seja no requerimento inicial do incidente de intervenção principal espontânea, na alegada negligência da Câmara no exercício das suas competências em matéria de urbanismo, pela prática dos seguintes actos administrativos:

a) – Ter emitido uma licença e um alvará de utilização sem verificar a conformidade da obra com o projecto aprovado;

b) – Ter aceitado alterações ao projecto inicial, nomeadamente a redução de dois pisos de parqueamento para um só, sem fiscalizar a viabilidade de tal alteração;

c) – Ter negligenciado os seus poderes de fiscalização.

Ora, como é sabido e constitui jurisprudência constante quer do Tribunal de Conflitos, quer do STJ, quer do STA, a competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a acção é proposta, concretamente, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como configurada na petição inicial, isto é, no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir, sendo que em sede da indagação a proceder em termos de se determinar a competência material do tribunal é irrelevante o juízo de prognose que, hipoteticamente, se pretendesse fazer relativamente á viabilidade da acção, por se tratar de questão atinente com o mérito da pretensão[1].

A regra de competência dos tribunais da ordem judicial segue o princípio da residualidade, isto é, são da sua competência as causas não legalmente atribuídas à competência de outros tribunais de outra ordem jurisdicional (artigo 64º do NCPC e artigo 18º, n.º 1 da LOFTJ, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro).

Porque no caso sub judice, o confronto é delineado entre a competência dos tribunais da ordem judicial e a dos tribunais da ordem administrativa, importará conhecer qual é o âmbito da competência destes últimos.

Em conformidade com o comando constitucional (artigo 212º, n.º 3), e no desenvolvimento do mesmo, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, doravante ETAF, preceitua que «os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» (vide artigo 1º, n.º 1 do ETAF), entendendo-se como relação jurídico – administrativa “aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista á realização de um interesse público legalmente definido”.

Ou, nas palavras e ensinamentos dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira[2], a qualificação como relações jurídicas administrativas ou fiscais “transporta duas dimensões caracterizadoras: as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público; as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico – civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico – administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”.

No âmbito da jurisprudência firmada pelo Tribunal de Conflitos na relação jurídica administrativa e de função administrativa “avulta a realização de um interesse público levado a cabo através do exercício de um poder público e, portanto, de autoridade, seja por uma entidade pública, seja por uma entidade privada, em que esta actua no uso de prerrogativas próprias daquele poder ou no âmbito de uma actividade regulada por normas do direito administrativo ou fiscal[3]”.

A jurisdição administrativa passa assim a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado.

Assim, a distinção entre actividade de gestão pública e de gestão privada dos entes públicos deixa de ter interesse relevante para o efeito de determinar a jurisdição competente, que passa a ser, em qualquer caso, a jurisdição administrativa. Todos os litígios emergentes de actuação da Administração Pública que constituam pessoas colectivas de direito público em responsabilidade extracontratual pertencem, portanto, à competência dos tribunais administrativos[4].

Neste sentido, o artigo 4º do ETAF, pronunciando-se sobre o âmbito da jurisdição administrativa, enuncia, exemplificativamente, questões ou litígios sujeitos ao foro administrativo.

Além de outras e ao que aqui interessa, a alínea g) do n.º 1 estabelece que “compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto (…) questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante da função jurisdicional e da função legislativa”.

Reportando-nos ao caso concreto, os recorridos fundamentaram o pedido de condenação da Câmara Municipal de …, em regime de solidariedade com os restantes Réus, pelo alegado exercício negligente da sua actividade administrativa, o que determinaria a sua responsabilidade através do regime da responsabilidade civil extracontratual e, por conseguinte, a condenação solidária da Recorrente no pagamento de uma indemnização com os restantes Réus, embora quanto a estes os fundamentos do pedido de condenação sejam diferentes: - os 1.os Réus têm ocupado um espaço no prédio que é destinado a garagem colectiva (artigos 12º e seguintes da petição) e os 1.os e 2.os Réus construíram uma parede divisória para uso exclusivo de uma parte comum (artigos 17º e seguintes da petição e artigo 3º da intervenção principal espontânea).

Ora, quer o acto de licença e alvará de utilização quer a decisão de alteração ao projecto inicial consubstanciam actos administrativos puros que se inserem na função administrativa prosseguida pela recorrente.

Tais actos não só foram praticados por uma pessoa colectiva de direito público como o foram ao abrigo de disposições de direito público.

Especificamente em relação aos poderes de fiscalização da Recorrente, tais poderes também se situam no campo da sua actuação administrativa enquanto pessoa colectiva de direito pública, investida de poderes públicos.

Ou seja, a actuação da Recorrente que é apontada como negligente por parte dos recorridos e, em consequência, geradora de responsabilidade civil extracontratual traduz-se na responsabilidade adveniente de actos praticados no exercício da actividade administrativa, tendo os Recorridos invocado especificamente o artigo 27º do Regime Jurídico do Licenciamento Municipal de Obras Públicas (vide artigo 43º da petição e artigo 3º da Intervenção).

Ora, para efeitos de apuramento da responsabilidade civil extracontratual de pessoas colectivas de direito público por actos praticados no exercício da função administrativa existe um regime especial - o regulado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, "Responsabilidade Civil do Estado e demais Entidades Públicas", que veio substituir o anterior regime especial sobre responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público - o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967.

Neste regime especial ficam expressamente incluídas "(…) as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.

Donde, uma alegada responsabilidade extracontratual da Câmara Municipal de … só poderá ser apreciada no quadro do exercício da sua actividade administrativa.

Tomando, então, em consideração os critérios acabados de enunciar, é patente que a competência para conhecer da acção no referente ao ente público demandado (Câmara Municipal) incumbe aos tribunais administrativos, tal como de resto se decidiu no Tribunal Judicial de Mafra, no quadro da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, o que, claramente, se integra na previsão da alínea g) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro).

Ou seja, no concernente à Câmara Municipal, estamos em face de um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa (vide artigo 1º do ETAF) e daí a competência dos tribunais administrativos para conhecer de tal acção no respeitante ao pedido formulado contra a mesma.

Tal conclusão não é infirmada pela circunstância de o Tribunal Judicial de Mafra ser o competente para conhecer da acção no referente aos demais Réus, recordando-se que a imputação da sua responsabilidade civil é fundamentada na violação dos artigos 1046º e 1422º do Código Civil, regime da propriedade horizontal.

Acolhe-se, aqui, a argumentação aduzida quanto a esta questão nos Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 29/06/2004, Processo n.º 01/04 e de 28/11/2007, Processo n.º 6/07, de onde resulta, em síntese, que não afasta a competência dos tribunais administrativos a eventualidade de o Autor pedir a condenação solidária de entidades públicas e de entidades particulares e o facto de para o conhecimento do pedido formulado contra estas últimas ser competente “o tribunal comum”.

5.

O n.º 1 do artigo 31º do CPC, artigo 37º, n.º 1 do NCPC, determina que a coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia.

O artigo 101º do CPC, artigo 96º do NCPC, determina que a incompetência do tribunal em razão da matéria compreende uma incompetência absoluta.

Nos termos do artigo 494º, alínea a) do antigo CPC, agora alínea a) do artigo 577º, a incompetência absoluta do tribunal consubstancia uma excepção dilatória, o que importa a absolvição da instância, sendo dever do juiz abster-se do conhecimento do pedido com a consequente absolvição do réu da instância (artigos 493º, n.º 2 e 288º, n.º 1 do antigo CPC e artigo 576º, n.º 2 do NCPC).

6.

Concluindo:

I - Os tribunais administrativos são os órgãos de soberania com competência para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.

II - É à jurisdição administrativa que incumbe julgar as acções em que é réu, além de outros, o município sendo pedida a sua condenação por responsabilidade extracontratual fundada, na alegada negligência da Câmara no exercício das suas competências em matéria de urbanismo, por (i) ter emitido uma licença e um alvará de utilização sem verificar a conformidade da obra com o projecto aprovado, (ii) ter aceitado alterações ao projecto inicial, nomeadamente a redução de dois pisos de parqueamento para um só, sem fiscalizar a viabilidade de tal alteração e (iii) ter negligenciado os seus poderes de fiscalização: quer o acto de licença e alvará de utilização, quer a decisão de alteração ao projecto inicial consubstanciam actos administrativos puros que se inserem na função administrativa prosseguida por aquele.

III - Não afasta a competência dos tribunais administrativos a eventualidade de o autor pedir a condenação solidária de entidades públicas e de entidades particulares e o facto de para o conhecimento do pedido formulado contra estas últimas serem competentes os tribunais comuns, caso em que a coligação passiva não é admissível, conduzindo, estes, à absolvição do réu município da instância.

7.

DECISÃO:

Nestes termos, na parcial procedência da revista, derrogando-se o acórdão recorrido, acordam em julgar os tribunais administrativos como os competentes, em razão da matéria, para conhecer da acção intentada pelo Autor e pelos Intervenientes contra a Câmara Municipal de …, absolvendo-se, consequentemente, esta Ré da instância.

Acordam, ainda, em declarar o Tribunal Judicial de Mafra como o competente para conhecer da acção quando aos demais Réus, devendo prosseguir quanto a estes a acção.

Custas pelos Recorridos.


Lisboa, 9 de Julho de 2014

Manuel F. Granja da Fonseca

António Silva Gonçalves

Fernanda Isabel Pereira


[1] Ac. de 25/09/2003, Tribunal de Conflitos, Ac. de 4/07/2006, Tribunal de Conflitos, Ac. de 20/09/2012, Tribunal de Conflitos e os diversos acórdãos citados neste aresto.
[2] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, página 815.
[3] Neste sentido, vide, entre muitos, o Ac. de 16/02/2012 (Cons. Rodrigues da Costa) e de 8/11/2012 (Cons. A. Geraldes), ambos disponíveis em www.itij.pt.
[4] Vide Professor Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, páginas 31 e 32.