Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1205/15.5T9VIS.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
ESCOLHA DA PENA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PENA PARCELAR
PENA DE PRISÃO
PENA DE MULTA
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
PENA SUSPENSA
PENA CUMPRIDA
PENA DE PRISÃO E MULTA
DESCONTO
Data do Acordão: 02/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ALTERADA OFICIOSAMENTE A DECISÃO NO QUE TOCA À INSERÇÃO DA PENA DE MULTA. IMPROCEDENTE NO RESTANTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA / SENTENÇA CONDENATÓRIA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO – EXECUÇÕES.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES / CONHECIMENTO SUPERVENIENTE DO CONCURSO.
Doutrina:
- Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, p. 475, 481, 547, 563, 566 e 574;
- Figueiredo Dias: Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2011, § 409, p. 232 a 357;
- Maria João Antunes, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 144, n.º 3992, 2015, p. 416 ; Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, p. 56;
- Nuno Brandão, anotação ao acórdão deste Tribunal de 03-07-2003, Processo n.º 03P2151, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 15, n.º 1, 2005, p. 129 e ss.;
-Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, notas aos artigos 18.º e 27.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 375.º, N.º 1, 410.º, N.º 2, 412.º E 472.º, N.º 2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 71.º, N.º 3, 77.º, N.º 1 E 78.º, N.ºS 1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 205.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 7/95, DR-I DE 28-12-1995;
- ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 9/2016, DR N.º 111, SÉRIE I, DE 09-06-2016;
- DE 06-02-2008, PROCESSO N.º 4454/07;
- DE 14-05-2009, PROCESSO N.º 6/03.8TPLSB.S1;
- DE 17-10-2012, PROCESSO N.º 182/03.0TAMCN.P2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-07-2014, PROCESSO N.º 39/08.8GBPTG.S1, , IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-06-2015, PROCESSO N.º 488/11.4GALNH, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-11-2015, PROCESSO N.º 1259/14.1T8VFR.S1;
- DE 14-07-2016, PROCESSO N.º 4403/00.2TDLSB.S1;
- DE 28-09-2017, PROCESSO N.º 302/10.8TAPBL.S1, , IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-10-2017, PROCESSO N.º 8/15.1GAOAZ.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;.
- DE 15-11-2017, PROCESSO N.º 336/11.5GALSD.S1, , IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-03-2018, PROCESSO N.º 180/13.5GCVCT.G2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-03-2018, PROCESSO N.º 22/08.3JALRA.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-07-2018, PROCESSO N.º 281/14.2PBBJA.S1, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 15-11-2018, PROCESSO N.º 252/11.0JAAVR.1.P1.S1.
Sumário :
1. Devendo ser aplicada uma pena única, há que levar em conta o disposto no n.º 3 do artigo 77.º do Código Penal (CP), de acordo com o qual, se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza da pena de multa mantém-se na pena única.
2. Penas de diferente natureza, para efeitos deste preceito, são somente as penas principais, de prisão e de multa; se à condenação anterior corresponder uma pena de substituição, a pena única conjunta há-de formar-se a partir da pena de prisão substituída.
3. Estando os crimes numa relação de concurso e estando a decorrer o período de suspensão de execução da pena de prisão, deverá a pena de prisão substituída concorrer para a determinação da pena única, nos termos do artigo 77.º do CP.
4. No caso de a pena de prisão suspensa se encontrar extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do CP, se, decorrido o período da suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação, não pode esta pena integrar o cúmulo.
5. Se, à data da elaboração do cúmulo jurídico, se mostrar decorrido o tempo de suspensão, o qual se conta a partir do trânsito em julgado da decisão que aplica a pena de substituição (artigo 50.º, n.º 5, do CP), deverá previamente ser averiguado e esclarecido se foi proferida decisão de extinção da pena, de revogação da suspensão ou de prorrogação do período de suspensão (artigos 57.º,56.º e 55.º, al. d), do CP), sob pena de nulidade da sentença (artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP).
6. As penas principais, de prisão ou de multa, que estejam cumpridas devem ser consideradas nas operações de cúmulo, procedendo-se ao respectivo desconto no cumprimento da pena única, como decorre expressamente dos artigos 78.º, n.º 1, parte final, e 81.º do CP; o mesmo sucede nos casos de aplicação de pena de multa de substituição (artigo 43.º, n.º 1 do CP), cujo cumprimento não determina a extinção da pena de prisão (principal).
7. Tendo sido eliminado o pressuposto de a pena não “estar cumprida, prescrita ou extinta” e passando o n.º 1 do artigo 78.º a impor que “a pena que já tiver sido cumprida [seja] descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes” (alteração da Lei 59/2007), a coerência do sistema obriga a que o desconto deva abranger todas as penas cumpridas, incluindo as penas de substituição.
8. A revisão do CP de 1982, em 1995, para além de abandonar a “indesejável prescrição cumulativa das penas de prisão e multa na parte especial por uma solução de alternatividade”, afastou expressamente a regra então constante do artigo 78.º, n.º 3, do CP de 1982, segundo a qual, na punição do concurso, a pena de multa e a pena de prisão eram sempre cumuladas entre si.
9. A interpretação a dar ao segmento do n.º 3 do artigo 77.º do CP, segundo o qual «a diferente natureza destas se mantém», não pode acolher a manutenção daquele regime de acumulação, devendo, na ponderação dos elementos histórico e sistemático, entender-se que deve ser aplicada uma pena única de prisão, mantendo-se, no entanto, a “natureza” da pena parcelar de multa anteriormente aplicada, para efeitos de ao condenado ser assegurada a possibilidade de, a todo o tempo, efectuar o pagamento, evitando a execução da prisão subsidiária (n.º 2 do artigo 49.º do Código Penal).
10. Estabelecendo o artigo 49.º, n.º 1, do CP que a prisão subsidiária da multa corresponde ao tempo desta reduzido a dois terços, deverá esta pena de prisão correspondente à multa ser considerada na formação da pena única de prisão.
11. Deverá, porém, ter-se em conta o disposto nos artigos 78.º, n.º 1, parte final, e 81.º do CP, que, em caso de pagamento da multa, impõem o desconto que parecer equitativo da pena já cumprida no cumprimento da pena única de prisão resultante do cúmulo.
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I.  Relatório

1. AA, arguido, com a identificação que consta dos autos, actualmente preso em cumprimento de pena, interpõe recurso do acórdão proferido pelo tribunal colectivo da Instância Central da comarca de ..., de 6 de Junho de 2018, que, realizando o cúmulo jurídico das penas correspondentes aos crimes em concurso, lhe aplicou uma pena única de 12 anos e 6 meses de prisão, acrescida da pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), e uma pena única de 3 anos e 4 meses de prisão, em resultado da condenação nas seguintes penas:

a) Nos presentes autos, por acórdão de 16.11.2016, do tribunal colectivo da Instância Central da comarca de ..., de que foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quanto a todas as penas aplicadas, decidido por acórdão de 13.7.2017, transitado em julgado em 31.7.2017, pela prática de:

i. Um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, nºs 1 e 2, e 177.º, n.º1, al. a), ambos do Código Penal (na pessoa de BB), na pena de 9 (nove) anos de prisão, por factos praticados entre o ano de 2000 e Setembro de 2009;

ii. Um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º1, e 177.º, n.º1, al. a), ambos do Código Penal (na pessoa de CC), na pena de 6 (seis) anos de prisão, acrescida da pena acessória de inibição do exercício do poder paternal, nos termos do art.179.º, al. a), do Código Penal, por factos praticados entre 2006 e 2010;

iii. Um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, nºs 1 e 2, do Código Penal (na pessoa de EE), na pena de 6 (seis) anos de prisão, por factos praticados entre 2006 e 2009;

iv. Um crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo artigo 171.º, n.º1, do Código Penal (na pessoa de DD), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por factos praticados no dia 11 de Dezembro de 2015 (factos respeitantes ao processo n.º 880/15.5GCVIS, apensado a este processo);

Em cúmulo jurídico de todas estas penas, foi o arguido condenado na pena única de 13 (treze) anos de prisão.

b) No processo nº 252/15.1GCVIS da Instância Local da Comarca de ..., por sentença de 15.01.2016, transitada em julgado no dia 15.02.2016, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º s 1, al. a), e 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, condicionada à frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica, por factos praticados entre 2001 e 9.6.2015.

c) No processo nº 47/08.9FBAVR do tribunal da comarca de ..., por sentença de 28.01.2011, transitada em julgado a 04.03.2011, por factos de 22.2.2008, pela prática de um crime de exploração de jogo de fortuna e azar, previsto e punível nos termos dos artigos 1.º, 3.º, 4.º, n.º1, al. g), 108.º e 116.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19/01, na pena de 3 (três) meses de prisão que, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º1, 47.º e 71.º do Código Penal, foi substituída por igual número de dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros) e em 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à mesma taxa diária; em cúmulo destas penas, foi condenado na pena única de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), posteriormente substituída, por despacho de 11.05.2012, nos termos do artigo 48.º, n.º 1, do Código Penal, por 240 horas de trabalho, que cumpriu, tendo a pena sido declarada extinta em 27.6.2016.

2. Apresenta motivação de que extrai as seguintes conclusões (transcrição):

“1ª - No caso em apreço o Arguido Recorrente sofreu as seguintes condenações:

- Proc. nº 47/08.9FBAVR – condenação transitada em julgado em 04/03/2011;

- Proc. nº 252/15.1GCVISS – condenação transitada em julgado em 15/02/2016;

- Proc. nº 1205/15.5T9VIS – condenação transitada em julgado em 31/07/2017;

2ª - Ora, quanto ao primeiro grupo de penas cumulado pelo Tribunal a quo, discorda do Recorrente da inserção da condenação objecto do Proc. nº 47/08.9FBAVR, porquanto a pena que ali lhe foi aplicada, 3 meses de prisão substituída por igual número de dias de multa, à taxa diária de 5€ e de 150 dias de multa à mesma taxa, o que em cúmulo originou uma condenação na pena única de 240€ dias de multa, foi cumprida e já declarada extinta pelo cumprimento em 31/07/2014 – razão pela qual não pode ser englobada no cúmulo jurídico, sob pena de assim se violar o princípio da confiança e do ne bis in idem (art. 29º nº 5 da CRP) (Acórdão do STJ de 29/04/2010, em que é relator Santos Carvalho);

3ª - Posteriormente, na operação de formação dos dois grupos de condenação o Tribunal a quo retirou à pena única aplicada nos presentes autos (13 anos) a pena parcelar correspondente ao crime perpetrado na pessoa de DD (2 anos e meio), vindo depois a integrá-lo num outro grupo, conjuntamente com o crime objecto do Proc. nº 252/15.1GCVIS, o que se veio a revelar manifestamente injusto para o Arguido, porquanto passou a ter-se em linha de conta uma pena parcelar (2 anos e meio) que, não fora o presente cúmulo, o Arguido não iria cumprir na totalidade, em virtude de a mesma ter sido englobada numa pena única.

4ª - Tal operação é também manifestamente injusta, desde logo, pelo facto de pese embora haver sido retirada a pena parcelar de 2 anos e meio a uma pena única de 13 anos, tenha o Tribunal a quo, nesse primeiro grupo de penas de prisão, aplicado uma pena de 12 anos e seis meses, pelo que o “desconto” foi irrisório.

5ª - Indo posteriormente o Tribunal a quo cumular esta pena de 2 anos e meio com a pena aplicada no Proc. nº 225/15.1GCVIS (2 anos e 9 meses de prisão suspensa na execução), alcançando uma pena de 3 anos e 4 meses de prisão efectiva.

6ª - Tal significa fazer tábua rasa do sistema de pena conjunta, adoptando um sistema de acumulação material, porquanto, e como é bom de ver, o Arguido, pelos quatro crimes que nos presentes autos foram alvo de uma pena conjunta de 13 anos de prisão, cumpriria (a manter-se a decisão Recorrida), uma pena superior a esses 13 anos.

7ª - No que concerne às concretas penas aplicadas, discorda o Recorrente da transformação da pena de prisão suspensa aplicada no Proc. 252/15.1GCVIS em pena de prisão efectiva.

8ª - Cremos que a pena de prisão suspensa não pode ser cumulada com uma pena de prisão efectiva, desde já em virtude da sua diferente natureza, mas também, e fundamentalmente, porque, e porque assim o determina a segurança jurídica que as decisões penais devem merecer, uma pena suspensa só pode ser revogada em caso de incumprimento culposo do condenado.

9ª Ao assim não ser consideramos ter sido violado o disposto nos arts. 55º e 56º do Código Penal.

10ª - Ainda que assim não se entenda, defendendo-se a possibilidade de cumular tais penas, não resulta do acórdão quaisquer justificações para a transformação da pena suspensa em pena efectiva, não se justificando por qualquer via a não manutenção da suspensão da pena, quando não há qualquer notícia que demonstre que essa suspensão não assegure as finalidades da punição.

11ª - Quanto ao primeiro grupo de penas, e atendendo aos critérios de punição ínsitos no nº 2 do art. 77º, resulta uma moldura penal entre os 9 e os 21 anos de prisão.

12ª - Crê o Recorrente que a fixação em 12 anos e 6 meses é excessiva, ultrapassando a medida da culpa.

13ª - No caso em apreço, e atendendo a que a pena mais elevada é de 9 anos, e as restantes duas de 6 anos cada uma, reputa-se-nos adequada uma pena única de 11 anos de prisão.

14ª - No que tange ao grupo 2, e na sequência do que se deixou já dito supra, crê o Recorrente que a pena de prisão suspensa não pode ser cumulada com a pena de prisão.

15ª - De facto, das penas deste grupo uma delas, de 2 anos e 9 meses, era suspensa, razão pela qual não iria ser cumprida pelo condenado, a menos que violasse grosseiramente as condições que determinaram a suspensão, o que não aparenta ser o caso, e a outra era uma pena parcelar de 2 anos e meio, que o Arguido também não cumpriria integralmente em virtude de a mesma fazer parte de uma pena única (que agora foi desfeita).

16ª - É, pois, excessiva a pena de 3 anos e 4 meses fixada pelo Tribunal a quo para este segundo grupo de penas, crendo o recorrente que de acordo com a moldura aplicável, e atendendo ao concreto circunstancialismo, deve a mesma ser fixada no seu limite mínimo: 2 anos e seis meses.

17ª - Conclui-se desta forma ter sido foi violado o disposto nos artigos 40º e 71º, ambos do Código Penal Termos em que deve o recurso ser julgado procedente com as legais consequências.”

3. Respondeu o Ministério Público, pela Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido, dizendo, em conclusões (transcrição):

“1. O recurso do arguido deve-se, cremos, à errada compreensão das regras aplicáveis quer à efectivação do cúmulo jurídico, quer à determinação da pena do cúmulo

2. No conhecimento superveniente do concurso de crimes, o momento temporal relevante para a verificação dos seus pressupostos é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso

3. No caso concreto, há um primeiro marco temporal a atender (correspondente ao primeiro trânsito em julgado) que delimitará os factos e respectivas penas que hão-de ser abarcados num primeiro cúmulo, e, há também um segundo momento temporal relevante (correspondente ao segundo trânsito em julgado) e que delimitará o âmbito do segundo cúmulo a efectuar.

4. Houve pois que proceder, não a um cúmulo jurídico, mas a dois (por serem dois os momentos temporais relevantes para a determinação de cada uma das penas que será englobada no cúmulo) donde resultaram duas penas únicas a cumprir sucessivamente pelo arguido

5. É competente para o conhecimento superveniente do concurso e para a aplicação das duas referidas penas únicas, o Tribunal (e processo) da última condenação, no caso, o nosso processo, pois que cabe ao Tribunal da última condenação determinar as respectivas penas conjuntas de cada bloco de cúmulos jurídicos e o cumprimento sucessivo de tais penas.

6. Nada impede que seja efectuado o cúmulo jurídico de penas de multa e penas de prisão (mantendo-se a diferente natureza das penas);

7. O facto de uma pena de multa estar extinta pelo pagamento não impede a sua consideração em sede de conhecimento superveniente do concurso, face à nova redacção do artigo 78º do Código Penal em confronto com a redacção anterior.

8. O Tribunal colectivo incluiu e bem no segundo bloco de cúmulo a efectuar da pena de prisão suspensa na sua execução aplicada ao arguido no processo 252/15.1GCVIS por tal pena não se mostrar extinta nos termos do artigo 57º do Código Penal, nem ter decorrido o prazo de suspensão;

9. O primeiro marco temporal a atender é a data do trânsito em julgado ocorrido no processo 47/08.9FBAVR (por ser a primeira destas condenações que transitou em julgado), e o segundo marco relevante, isto é, o 2º trânsito em julgado ocorrido depois daquele e que constituirá o novo marco inultrapassável que definirá o âmbito do 2º cúmulo ou bloco ocorre em 15.02.2016, data do trânsito em julgado da condenação no processo nº252/15.1GCVIS.

10. Foi com base nestes pressupostos que o Tribunal recorrido determinou o âmbito de cada um dos blocos/de cada um dos cúmulos jurídicos, reformulando o anterior cúmulo jurídico, tendo-o feito correctamente e incluindo a referida pena suspensa no segundo bloco e a pena de multa extinta pelo cumprimento.

11. A pretensão do arguido além de não ser legalmente admissível, configurando assim um cúmulo por arrastamento, deixava ainda “de fora” outras penas.

12. Na moldura do concurso o mínimo corresponde à pena parcelar mais elevada e o máximo a soma de todas as penas parcelares aplicadas não podendo a pena exceder o máximo de 25 anos, tendo o Tribunal a quo feito uso de tais critérios

13. Para o primeiro cúmulo ou bloco, o Tribunal considerou uma moldura de 9 anos a 21 anos e 3 meses de prisão, aplicando ao arguido uma pena de 12 anos de prisão, mantendo ainda a condenação das penas de diferente natureza (multa e pena acessória);

14. Para o segundo cúmulo ou bloco, o Tribunal considerou uma moldura de 2 anos e 9 meses a 5 anos e 3 meses de prisão, aplicando ao arguido uma pena de 3 anos e 4 meses de prisão;

15. A pena concretamente encontrada pelo Tribunal na moldura penal considerada para cada um dos blocos é, do nosso ponto de vista ajustada, sendo ao invés benévola.

16. As penas únicas aplicadas pelo Tribunal são ajustadas quer aos critérios gerais determinantes da medida da pena, quer aos especiais atinentes à punição do concurso de crimes, situando-se, em ambos os casos, próxima do ponto médio da moldura penal abstracta considerada pelo Tribunal

17. O Tribunal atendeu ao trecho de vida do arguido, respeitando o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, bem assim como aferindo da existência de uma conduta global e das conexões entre os vários factos que motivaram a condenação do arguido, além das necessidades preventivas.

18. Foi ainda considerada a situação pessoal do arguido

19. Não era possível, em concreto, efectuar um juízo de prognose favorável quanto à pena aplicada ao segundo bloco.

Termos em que, julgando improcedente o recurso interposto pelo arguido, farão Vossas Excelências, com mais elevado critério e como sempre, a costumada Justiça.”

4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitido parecer em que conclui:

“B. Coonestamos integralmente a douta resposta do MP na 1ª instância, que aborda com assinalável proficiência todas as questões objecto recurso, como da leitura da mesma se vê, pelo que nos seus fundamentos nos louvamos.

Somos assim de parecer que o recurso deve «in tottum» ser julgado improcedente.”

5. Notificado para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.

6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso é julgado em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Nada obsta ao conhecimento do recurso, o qual tem por objecto um acórdão proferido pelo tribunal colectivo que aplicou uma pena de prisão superior a 5 anos e visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, da competência deste tribunal (artigos 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP).

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

7. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigo 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal superior quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I de 28.12.1995), os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, e a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).

Como se tem afirmado na jurisprudência deste Tribunal (cfr., entre outros, o acórdão de 14.3.2018, no Proc. 22/08.3JALRA.E1.S1, em www.dgsi.pt), o conhecimento do recurso implica que, no âmbito da sua competência, este Tribunal aprecie e decida todas as questões de direito relacionadas com o objecto e âmbito do recurso.

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso, este Tribunal é, pois, chamado a apreciar e decidir:

(a) Se foram respeitadas as regras de formação do cúmulo jurídico, que conduziram à aplicação de duas penas únicas conjuntas;

(b) Se a pena de multa aplicada no processo 47/08.9FBAVR, substituída por dias de trabalho e declarada extinta, deve ser incluída no cúmulo formado com três das quatro penas aplicadas neste processo 1205/15.5T9VIS (por crimes anteriores a 4.3.2011, que é a data do trânsito em julgado da primeira condenação, a proferida naquele processo 47/08.9FBAVR);

(c) Se a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada no processo 252/15.1GCVIS deve concorrer com uma das penas aplicadas neste processo 1205/15.5T9VIS (a pena correspondente ao crime cometido em 11.12.2015, posterior ao trânsito da sentença proferida no processo 47/08.9FBAVR e anterior à condenação no processo 252/15.1GCVIS);

(d) Se as penas conjuntas aplicadas respeitam os critérios de adequação e proporcionalidade, fazendo correcta aplicação dos artigos 40.º, 71.º e 77.º, n.º 1, do Código Penal.

O acórdão recorrido

8. De acordo com o disposto nos artigos 71.º, n.º 3, do Código Penal e 375.º, n.º 1, do CPP, que concretizam o dever de fundamentação das decisões judiciais estabelecido no artigo 205.º da Constituição, na sentença são expressamente referidos e especificados os fundamentos da medida da pena.

8.1. Os factos estabelecidos nas sentenças, transitadas em julgado, que aplicaram as penas correspondentes aos crimes em concurso, descritos na fundamentação do acórdão recorrido, são os seguintes (transcrição):

8.1. Factos deste processo (1205/15.5T9VIS), a que foi apensado o processo 880/15.5GCVIS:

“1. O arguido é pai de BB, nascida a .../1994, e de CC, nascida a .../2000, e tio e padrinho de EE, nascida a .../1996.

2. As ofendidas BB e CC desde o seu nascimento e até abril de 2015 residiram com o pai e com a mãe, ex-mulher do arguido, inicialmente em ... até ao dia 25.2.2006 e a partir de então na ..., área desta comarca de ....

3. Em abril de 2015 o casal veio a separar-se de facto, divorciando-se em 17.09.2015, permanecendo as filhas com a mãe.

4. A ofendida EE, que é prima da BB e da CC, porque as respetivas mães são irmãs, desde pequena que tinha por hábito pernoitar em casa dos tios: o arguido e a ex-mulher, e das primas e passar grande parte do seu tempo junto deles, frequentando também o Café que o arguido explorou em ..., denominado “...” desde 1997 até 2002 e novamente desde 2004 até 2009.

5. O arguido, aproveitando-se do facto de as ofendidas BB e CC serem suas filhas e de a ofendida EE ser sua sobrinha e afilhada e ter com elas uma relação de proximidade, em data não apurada, resolveu praticar atos sexuais com elas.

6. Assim, na concretização de tal desiderato, em data não concretamente apurada, mas que se reporta ao ano de 2000, quando a BB tinha idade não apurada, mas situada entre os cinco e os seis anos, num dia em que a menina se encontrava a saltar em cima da cama no quarto dos seus pais, na residência sita em ..., o arguido entrou no quarto e disse-lhe que iam começar uma brincadeira nova.

7. O arguido disse então à filha para se deitar na cama de barriga para cima, após o que a despiu da cintura para baixo e, de seguida, com a menor assim desnudada, apalpou-lhe e massajou-lhe a vagina com as mãos e deu-lhe beijos na vagina, onde o arguido introduziu a sua língua.

8. A partir desta altura, o arguido, contando com o silêncio e com a ingenuidade da sua filha, repetia tal comportamento à noite, após chegar a casa, vindo do Café, entre as 2h e as 3h, aproveitando-se do facto de a esposa já estar a dormir, altura em que o arguido entrava no quarto da filha BB, onde esta estava a dormir, e acariciava-lhe a vagina com as mãos, dava-lhe beijos na vagina, manipulava-a com os lábios e metia-lhe a língua na mesma.

9. O arguido repetiu este seu comportamento desde aquele primeiro episódio no ano de 2000 até poucos meses antes de Setembro de 2009, altura em que a menor BB foi estudar para a Escola Profissional de ..., sita em ..., ..., deixando de viver com os pais.

10. Fê-lo regularmente todos os meses, num número variável entre duas a quatro vezes por mês, desde então no ano de 2000 até ao referido episódio em que o arguido regressou de ver o jogo de futebol em Lisboa, sendo que a partir deste, em datas não apuradas, num total de vezes não concretamente apurado, mas não inferior a quatro, o arguido voltou a praticar, já na casa de ..., todos aqueles atos sexuais com a sua filha BB, no quarto dela, à noite, no mencionado contexto descrito.

11. Acresce que a partir dos 11 anos de idade da menor, com o crescimento dos seios desta após a sua primeira menstruação, o arguido passou igualmente a apalpar-lhe os seios com as mãos em cada uma das relatadas ocasiões. Após esse momento, a menor algumas vezes fingiu estar menstruada, dormindo com um penso higiénico, para dissuadir o pai de a beijar e tocar na vagina.

12. Com tais condutas, no quarto dela, à noite, no contexto descrito, o arguido acabava por acordar a menor BB quando esta não estava já de alerta, ansiosa, aterrorizada e receosa com a entrada do pai no quarto, suportando depois em silêncio a lascívia deste.

13. Para silenciar a menor BB, o arguido dizia-lhe que aqueles atos eram um segredo de ambos que ela jamais poderia contar à mãe, pois se a mãe soubesse podia terminar o casamento com o pai, estando a menor convencida da tristeza que tanto provocaria na sua mãe, acabando por se calar, com receio do pai e para não se sentir culpada pela eventual destruição do casamento de ambos.

14. Também em data não concretamente determinada, quando a BB tinha 8 anos de idade, o arguido, sabendo que a sua esposa não se encontrava em casa, pegou a filha BB ao colo e transportou-a para o quarto de dormir de uma tia, de nome ..., já falecida, que à data residia lá em casa.

15. Ali chegados, o arguido deitou-a em cima da cama, despiu-a, abriu o fecho das calças que ele vestia, tirou o pénis e uma vez em cima da filha tentou introduzir-lhe o pénis ereto na vagina, embora sem o conseguir, com o que provocou dor na menina, tendo esta, por isso, se contraído e ameaçado gritar, evitando desse modo, e dada a sua jovem anatomia, a cópula.

16. Nessa altura o arguido saiu de cima da filha e empurrou-lhe a cabeça na direção do seu pénis, enquanto lhe dizia para lhe dar beijos no pénis, o que ela não fez, tendo entretanto o arguido ejaculado para cima do tapete que ali se encontrava e dito para a filha “agora limpa essa merda”.

17. Cerca de duas semanas depois, numa outra ocasião, o arguido voltou a entrar no quarto da filha, despiu-a e manipulou-lhe a vagina com os lábios após o que se colocou em cima da mesma e tentou de novo introduzir-lhe o pénis ereto na vagina, tendo dito à filha “não forces, deixa ir”, só não o tendo conseguido introduzir porque a menor, que sentiu dores fortes, ficou retraída, deixando depois a menor com um beijo na testa, dizendo-lhe que já tinha passado.

18. Ainda na casa de ..., em data também não precisa do ano de 2006, pouco tempo antes da mudança de casa no dia 25.2.2006 para a ..., o arguido, durante a noite, após ter chegado de Lisboa, vindo de ver um jogo de futebol, enquanto a mulher dormia no quarto do casal, entrou no quarto das menores, onde se encontravam, a dormir, as filhas BB e CC e a sobrinha EE, todas na mesma cama.

19. Ali chegado, o arguido dirigiu-se à BB, que na ocasião se encontrava em convalescença com uma das pernas engessada, levantou-lhe a camisa de dormir, baixou-lhe as cuecas que tinha vestidas, apalpou-lhe e massajou-lhe a vagina, colocou-lhe a boca na vagina, manipulou-lha com os lábios e a língua e deu-lhe beijos, suportando novamente a filha tais atos em silêncio.

20. De imediato, o arguido deixou a filha e dirigiu-se à menor EE, sua sobrinha, que entretanto acordou, puxando-lhe para baixo as calças e cuecas que tinha vestidas, após o que lhe deu beijos na vagina, manipulando-a com os lábios e metendo a língua no interior desta, assim como a massajou com os dedos que também introduziu no seu interior, suportando a menor tais atos em silêncio.

21. Entretanto, a menor BB, inconformada com o comportamento do pai sobre a sua prima EE, gritou, com o que acordou a sua mãe, que de imediato ali apareceu, dizendo-lhe a BB que o pai se estava a meter com elas.

22. Após este episódio, nos dias seguintes, o arguido conversou com a sua mulher e filhas, tendo pedido desculpa pelo sucedido, prometendo-lhes que tanto não se repetiria, recebendo de todas o seu perdão por terem acreditado no alegado arrependimento do arguido.

23. Posteriormente, mas sem ter decorrido um mês após este episódio, no café ... em ..., quando a EE ali estava sentada à mesa da cozinha, o arguido agarrou e tentou baixar-lhe as calças que ela trazia vestidas, no que a menor não consentiu, tendo ainda apalpado os seios da mesma por cima da roupa.

24. De seguida, como a menor lhe mostrasse o seu desagrado, o arguido pediu-lhe desculpa e prometeu-lhe que tais atos não se repetiriam.

25. Contudo, passados uns dias, quando a menor EE se encontrava a comer um gelado na esplanada do mesmo estabelecimento de Café, o arguido chamou-a. Como tivesse acreditado no arrependimento do arguido, a menor entrou no dito Café e, uma vez ali, junto do balcão, aquele agarrou-a por trás.

26. Nessa ocasião, como tivesse o pénis ereto, o arguido roçou-o no rabo da menor, por cima da roupa que esta vestia, acabando ela por lhe agarrar o pénis, a pedido dele. O arguido meteu a mão dele pelo interior das calças e cuecas dela, tocando-a com os dedos na vagina e perguntando-lhe se ela estava a gostar, acabando ela por se urinar para cima da mão dele e ir ao w/c limpar-se.

27. Tal comportamento com a menor EE repetiu-se no interior do dito Café, num total de vezes não apurado, nunca inferior a cinco, entres os anos de 2006 e 2009, apalpando-a o arguido com as mãos diretamente nos seios e na vagina, introduzindo os dedos no interior desta.

28. Em consequência dos atos sexuais do arguido, seu tio, a menor EE sofreu forte abalo psicológico, ficando com medo, triste e chorando quando recorda o sucedido, sentindo estranheza no envolvimento íntimo com outros jovens.

29. Ao longo do referido período temporal até ao ano de 2009, enquanto explorou o dito café ... em ..., o arguido, por diversas vezes, pelo menos uma vez por mês, quando estava a sós com a filha BB no referido estabelecimento, beijava-a na boca, chegando a dizer-lhe que a queria ensinar a dar “um linguado”, e apalpava-a nos seios e nas costas, quer por cima, quer por baixo da roupa da menor, perguntando-lhe se gostava e se se arrepiava.

30. Em consequência de todo o relatado comportamento sexual do arguido, a sua filha BB ficou com profunda tristeza por si e pela sua mãe, sentindo medo do pai, evitando ficar sozinha com ele e mesmo levar amigas suas para casa, ficando muito ansiosa, com pesadelos e dificuldade em dormir, sentindo estranheza no envolvimento íntimo com outros jovens, sequelas que – todas elas - ainda hoje perduram.

31. Desde data não concretamente determinada, mas pelo menos desde data anterior a 25.02.2006, tinha ao tempo a CC 5 anos de idade, e até esta ter cerca de 10 anos, por um número indeterminado de vezes, sentado no sofá da sala da residência, quer em ..., onde aconteceu pelo menos três vezes, quer depois na ..., onde aconteceu a partir de meados de 2006, pelo menos uma vez por mês, o arguido sentava a filha sobre o pénis, virada para si, ambos vestidos, e agarrando-a, roçava-o no corpo da filha, movimentando-a para trás e para a frente. Nessas ocasiões o arguido metia-lhe a mão por dentro das cuecas que ela trazia vestida, apalpava-lhe diretamente a vagina com os dedos e beijava-a na boca.

32. Também no interior do Café ... em ..., atrás do balcão, o arguido, num total de vezes não apurado, mas nunca inferior a cinco, agarrou a filha, sentou-a virada para si sobre o pénis e roçava-o no corpo dela, movimentando-a para trás e para a frente, apalpando-lhe com as mãos a vagina por cima da roupa.

33. Numa outra ocasião, em data não apurada mas situada entre Setembro de 2009 e o ano de 2010, como a CC não gostasse de dormir sozinha no quarto dela, foi deitar-se na cama dos pais, no meio deles.

34. O arguido, após ter verificado que a esposa havia adormecido, meteu a mão por baixo das cuecas da sua filha e apalpou e massajou a vagina desta, tendo depois pegado numa das mãos da CC e colocou-a no seu pénis, tendo-a feito movimentar para cima e para baixo.

35. Em consequência do relatado comportamento sexual do arguido, a sua filha CC ficou abalada psicologicamente, com medo no contacto com os adultos e sentindo ódio e vergonha pelo sucedido com o seu pai.

36. As menores BB, EE e CC, tendo em conta a sua idade, não compreendiam nem tinham discernimento para entender o alcance e o significado dos atos de natureza sexual que o arguido praticou consigo nem conseguiam autodeterminar-se sexualmente.

37. O arguido tinha perfeito conhecimento de que a BB e a CC eram suas filhas e que as mesmas, bem como a EE, tinham menos de 14 anos de idade, e que tais circunstâncias lhe agravavam a responsabilidade criminal em que sabia incorrer.

38. As ofendidas, apenas permitiram que o arguido levasse a cabo os atos acima referidos devido à sua ingenuidade, imaturidade, falta de experiência e incapacidade de avaliar as consequências dos aludidos atos em face da sua tenra idade, aproveitando-se o arguido de tal incapacidade de resistência das mesmas para dessa forma satisfazer os seus instintos libidinosos.

39. O arguido atuou da forma supra descrita, com o propósito concretizado de, por meio do corpo de cada umas das ofendidas, satisfazer os seus desejos libidinosos, bem sabendo que os sobreditos atos sexuais, que sabia e quis praticar, eram adequados a prejudicar o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade das suas filhas e da sua sobrinha e afilhada na sua esfera sexual, aproveitando-se da idade das crianças que as tornava incapazes de oporem resistência aos atos que levou a cabo, bem como da sua ingenuidade e inexperiência e da sua qualidade de pai e de tio e padrinho, assim as constrangendo e perturbando e ofendendo os mais elementares princípios da moral sexual.

40. O arguido agiu em todas as circunstâncias atrás descritas voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era suscetível de por em causa o desenvolvimento, a formação e a liberdade de autodeterminação de cada uma das ofendidas, quer como pessoas quer como mulheres.

41. O arguido bem sabia ainda que todas as suas condutas o faziam incorrer em responsabilidade criminal.

42. Neste processo o arguido foi constituído e interrogado nessa qualidade no dia 4.05.2015 (fls.55-9) e novamente no dia 8.10.2015 (fls.112-120).

Do apenso ex-880/15.5GCVIS:

43. A ofendida DD, nascida no dia ... de 2004, é filha de -- e de --, e reside na ..., com os pais e com uma irmã mais velha.

44. No dia 11 de Dezembro de 2015, cerca das 15h00, a menor DD deslocou-se sozinha ao café “...”, sito naquela mesma localidade, a fim de ali comprar gomas para comer.

45. Ali chegada, a menor encontrou o arguido, que ao tempo explora esse mesmo café, a quem comprou então 1€ em gomas, despedindo-se de seguida.

46. Quando a menor DD se preparava para sair do Café, por razões não apuradas acabou por voltar atrás e aproximar-se do arguido, dizendo-lhe este que ela estava bonita.

47. De seguida, com o intuito de satisfazer a sua lascívia, o arguido apalpou com as suas mãos os seios e a vagina da menor sobre a roupa que esta vestia. Nessa ocasião o arguido começou a puxar-lhe as calças para baixo, ao que a menor de imediato se opôs, puxando as calças para cima, e tentando com que ela se sentasse no colo dele.

48. Assustada, a DD disse ao arguido que tinha de ir embora de imediato porque o seu pai estava à sua espera, pelo que o arguido acabou por a deixar ir embora.

49. O arguido sabia perfeitamente que a DD tinha idade muito inferior a 14 anos, quer porque já conhecia por ali ter ido várias vezes, quer porque a aparência física da mesma corresponde à sua idade real.

50. Em toda a relatada conduta o arguido bem sabia e quis praticar com a menor DD os sobreditos atos sexuais com o propósito de assim satisfazer as suas intenções libidinosas, o que conseguiu, ciente que a mesma ofendida tinha menos de 14 anos de idade, facto a que foi indiferente.

51. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e penalmente punida.

52. Em consequência da relatada conduta do arguido, a menor DD ficou emocionalmente perturbada, com medo, nervosa e revoltada com o arguido, sem compreender a atitude deste para consigo, falando amiúde no episódio nos dias imediatamente seguintes.”

8.2. Do processo 252/15.1GCVIS da Instância Local da Comarca de ...:

“1. AA e FF foram casados durante 21 anos.

2. Dessa união nasceram duas filhas, BB e CC, de 20 e 14 anos de idade.

3. Até ao dia 03 de Abril de 2015, o casal residiu com as filhas na Rua ..., ..., data em que cessou a co-habitação do casal.

4. Durante o período de casamento, o arguido consumiu, ainda que com carácter esporádico, estupefacientes, o que era do conhecimento de FF e das filhas do casal.

5. Durante o período de casamento, em datas que não foi possível precisar, no interior da residência do casal e, por vezes, diante das filhas do casal, o arguido apodava com frequência FF de “não vales nada, não prestas! És uma burra, não sabes nada!”, proferindo também tais expressões diante de familiares da ofendida.

6. Em data que não foi possível apurar, o arguido, na presença de ---, disse a FF “És uma burra não sabes fazer nada, nem parece que és funcionária de uma escola.”.

7. O arguido, com frequência, mandava calar FF, dizendo-lhe que era “burra”, pedindo desculpa de seguida.

8. O arguido, por diversas vezes e em datas que não foi possível precisar, afirmou que se ia matar, o que provocava desgaste emocional e psicológico na ofendida FF e nas filhas do casal.

9. No Inverno de 2011, o arguido escreveu no diário da filha BB que estava arrependido por ela ter nascido e não ter feito nada para que a mãe tivesse abortado, o que foi lido pela ofendida Maria José que o confrontou com tal declaração.

10. Nessa altura, na loja da residência onde viviam, o arguido pegou no ferro do recuperador e dirigindo-se a FF, ameaçou dar-lhe com ele, desferindo, de seguida, uma pancada com o ferro no próprio recuperador, o que assustou a ofendida.

11. No Verão de 2012, em dia que não foi possível apurar, FF telefonou ao arguido e atendeu-lhe uma voz feminina, tendo, posteriormente, retirado o telemóvel ao arguido.

12. Quando o arguido encontrou o telemóvel dirigiu-se à ofendida, apertou-lhe o pescoço, deitou-a em cima da cama, dizendo-lhe que o telemóvel era dele.

13. No dia 03 de Abril de 2015, sexta-feira santa, FF pediu ao arguido que a ajudasse no jardim, porém, o arguido disse-lhe que ia passear o cão. Quando voltou, FF disse-lhe que poderia ter ajudado a retirar as ervas do jardim, ao que o arguido sorriu.

14. Passados alguns minutos, FF entrou em casa e foi buscar uma caneca onde o arguido tinha haxixe escondido e foi parti-la à sua frente.

15. Nessa sequência, o arguido ainda investiu em direcção àquela, mas a filha BB, que estava presente, impediu que este tocasse na mãe, dizendo ao arguido que era um violador e que a mãe teria que escolher entre ela ou o pai.

16. Nessa noite, o arguido enviou uma mensagem telefónica à ofendida a dizer que estava de partida, tendo-lhe a ofendida respondido que tinha a mala preparada pois pensava que este iria para a Suíça.

17. Logo depois de enviar a mensagem, a ofendida ouviu um grito vindo da garagem pelo que foi a correr, verificando que o arguido tinha uma corda no pescoço e simulava enforcar-se, uma vez que a corda se encontrava esticada e o arguido chegava com os pés ao chão.

18. Após estes factos, o arguido esteve internado no centro Hospitalar ...- ..., EPE no período compreendido entre 06.04.2015 a 10.04.2015 e quando saiu foi para casa da sua irmã, não voltando mais a viver com a ofendida.

19. Após este episódio, o arguido contactou telefonicamente a ofendida, pedindo-lhe para não depor contra ele, dizendo que a matava e que se matava a seguir.

20. Que em data não concretamente apurada, mas possivelmente no dia 01 de Junho de 2015, o arguido passou junto à residência onde vive a ofendida FF e disse-lhe se estava contente com o que se estava a passar, mais dizendo: “descansa que tu vais ter paz”.

21. No dia 08 de Junho de 2015, o arguido enviou uma mensagem telefónica à ofendida a dizer-lhe “deixa chegar o fim do mês”.

22. No dia 09 de Junho de 2015, o arguido telefonou à filha CC - a qual colocou a chamada em alta voz para que a sua mãe FF ouvisse -, dizendo: “ Toda a gente morre, há aqueles que morrem em sofrimento e eu vou ter pena da tua mãe e que lhe iria dar 15 dias para pensar no assunto”.

23. Perante tais episódios de chamadas e mensagens telefónicas, a ofendida teve medo que o arguido pretendesse matá-la.

24. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de causar medo à ofendida, bem como, de a limitar na sua liberdade e na sua autodeterminação, já que sabia que o conteúdo destas expressões era adequado a causar medo àquela e a limitá-la na sua liberdade e na sua autodeterminação, o que realmente aconteceu.

25. Durante os anos de casamento, o arguido habitualmente humilhou a ofendida à frente das filhas e de outros familiares, rebaixando-a.

26. As filhas do casal assistiram a muitas dessas humilhações ouvindo muitas vezes o arguido dizer que se ia matar.

27. Ao proferir com frequência as expressões “és uma burra, não sabes nada”, o arguido visava atingir a honra e a dignidade pessoal de FF, o que conseguiu.

28. Na verdade, com as condutas descritas o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente com o propósito de ofender FF, humilhando-a, provocando-a e atingindo-a emocionalmente. Mais dizendo que a matava e que se matava a seguir, o arguido quis provocar receio na ofendida FF, sabendo que as expressões eram adequadas a produzir receio, medo e inquietação pela vida e integridade física da própria, o que almejou e conseguiu.

29. O arguido agiu pois consciente e voluntariamente, bem sabendo que molestava psiquicamente a sua esposa, humilhando-a, debilitando-a psicologicamente, fazendo-a recear pela sua integridade física e pela sua vida e cerceando a sua liberdade pessoal, prejudicando assim o seu bem-estar psicossocial e ofendendo-a na sua dignidade humana, na presença das filhas de ambos.”

8.4. Do processo 47/08.9FBAVR do tribunal da comarca de ...:

“No dia 22 de Fevereiro de 2008, pelas 15 horas e 35 minutos, no interior e sobre o balcão do estabelecimento comercial denominado "Café ...", sito em ..., ..., propriedade e explorado pelo arguido, foi encontrada pronta a funcionar e acessível a todos os clientes, uma máquina de pequenas dimensões, sem qualquer referência exterior quanto à origem, designação ou modelo;

Esta máquina tem as seguintes características: Móvel tipo portátil, de cor azul e cinzenta e estrutura em fórmica, tendo na parte frontal um painel em vidro acrílico. No canto superior esquerdo da máquina é possível visualizar a sua designação "distribuidor de Berlindes Decorativos" e ao lado encontramos o mecanismo de introdução e eventual devolução de moedas rejeitadas, no qual está aposto um autocolante informando que a máquina aceita moedas de 0,50 cêntimos, 1 euro e 2 euros;

Ao centro do aludido painel situa-se um mostrador circular dividido em oito pontos, os quais, observados no sentido dos ponteiros do relógio são identificados pelos seguintes números: 1, 50, 100, 5, 20, 200, 10;

No enfiamento de cada número situa-se um orifício que se ilumina à passagem de um sinal luminoso que gira num movimento circular, percorrendo todos os orifícios quando a máquina desenvolve lima jogada;

Ao centro do referido círculo é possível visionar uma janela digital onde são apresentados os pontos ganhos em cada jogada, bem como o valor de cada jogada;

Quando o ponto luminoso pára num dos pontos referidos, todo o círculo se ilumina, dando conta que o jogador tem uma jogada premiada, aparecendo de imediato na janela digital já referida o valor dos pontos/créditos;

Ao lado do círculo acima descrito é possível visualizar uma outra janela digital com a inscrição "créditos", que assinala os créditos introduzidos, sendo que uma moeda de 50 cêntimos proporciona 50 créditos, sendo este o valor mínimo para se iniciar uma jogada;

Imediatamente abaixo do aludido círculo encontra-se instalado um pequeno botão de cor encarnada que tem como função efectuar jogadas por conta dos pontos ganhos, sendo que cada ponto permite efectuar duas jogadas;

Na base lateral direita da máquina visualiza-se o cofre protegido por uma fechadura em metal e, do lado esquerdo, para além do botão on/off, encontram-se dois pequenos parafusos metálicos que têm como única função efectuar o reset à máquina, ou seja, proceder à desmarcação de créditos de eventuais jogadas premiadas;

Após a introdução de uma das moedas aceites pela máquina, automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre num movimento circular uniformemente desacelerado os vários orifícios existentes no mostrador, iluminando-os à sua passagem;

De seguida, sem que o jogador tenha qualquer interferência, o ponto luminoso inicia o seu movimento giratório animado de grande velocidade que vai perdendo gradualmente até parar ao fim de cinco ou seis voltas, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios já mencionados;

Neste ponto, duas situações podem acontecer: 1- o orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números já referidos e, neste caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 a 200, pontos esses que são de imediato visualizados na janela digital já referida, sendo que, por norma, os pontos são convertidos em quantias monetárias, á razão de 1 euro por cada ponto; 2- o ponto luminoso pára num dos restantes orifícios, sem qualquer referência a pontos, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas;

O ritmo do jogo é significativamente rápido, permitindo a realização de várias jogadas por minuto;

Ao descrito funcionamento dos jogos referidos, mantidos em funcionamento junto do público em geral pelo arguido, é estranha a perícia do agente pois que depende exclusivamente de factores que este não pode controlar, já que depende da máquina que o ponto luminoso se imobilize num dos orifícios com direito a prémio, resultado esse que em tudo depende da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador, traduzindo-se a intervenção deste na introdução da moeda;

Sabia o arguido que não estava legalmente autorizado pela Inspecção-Geral de Jogos a explorar aquele jogo;

Conhecia a natureza ilícita da actividade que promovia no seu estabelecimento comercial pois bem sabia, como toda a gente sabe, não ser permitido o jogo a dinheiro senão em locais definidos na lei para o efeito;

Estava o arguido ciente da natureza aleatória do jogo em causa, certo que estava também de que o mesmo, não exigindo do jogador qualquer mestria ou perícia, assentava exclusivamente na sorte;

O arguido agiu voluntária e conscientemente, movido pelo propósito de auferir para si lucros que sabia ilegítimos;

Sabia ainda que os factos que praticava o faziam incorrer em responsabilidade criminal.”

8.5. Da audiência prevista no artigo 472.º, n.º 2, do CPP, para efectivação do cúmulo, resultou ainda provado que:

““I - Dados relevantes do processo de socialização

1) O arguido é o quarto dos seis filhos de uma família natural da freguesia de ....

2) Pelos dados recolhidos o seu processo de desenvolvimento terá decorrido, dentro dos parâmetros considerados normais, pese embora, ter sido alegadamente enquadrado numa complexa dinâmica familiar, com registos de violência conjugal e um modelo educativo fortemente repressivo, imposta pelo progenitor, que na perspetiva do arguido sempre se afirmou como uma figura austera e intolerante. Como consequência disso, mas também devido a uma reconhecida irreverência pessoal, sempre manteve, com aquele elemento, uma relação tensa a qual subsiste hoje em dia.

3) Frequentou o sistema de ensino até ao 9.º ano de escolaridade, o qual viria a completar após várias retenções, num processo marcado pelo absentismo e pela desmotivação.

4) Após abandonar o sistema de ensino, começou a trabalhar no setor da restauração, onde viria a acumular experiência profissional significativa que o levaram a estabelecer-se por conta própria, entre 1997 e 2009.

5) Na sequência da ocorrência de uma gravidez indesejada, o arguido viria a contrair matrimónio, com FF a 27 de fevereiro de 1994, tendo desta relação nascido, duas filhas a BB, atualmente com 22 anos, que se encontra a estudar em ... e a CC com 16 anos, que permanece junto da progenitora, na ..., em ...,

6) O arguido considera que, até ao final de 2009, a relação conjugal sempre se havia pautado por um quadro de normalidade, no entanto, a partir desse ano, com o precipitar da estabilidade económica da família, fruto da convergência de diversos fatores, toda a situação familiar se alterou profundamente.

7) Colocando a tónica na vertente económica, defende que a instabilidade que passou a registar-se a esse nível incrementou de forma significativa a tensão ao nível das relações familiares, tendo-se assistido a um aumento significativo dos conflitos domésticos. Por outro lado, considera que a não aceitação dos seus consumos de haxixe por parte da cônjuge e as suspeitas do seu envolvimento sexual com as filhas, possam ter ao longo dos últimos anos degradado de forma significativa a relação conjugal.

8) Com o precipitar de toda a situação e com os factos que dariam origem ao Processo nº252/15.1GCVIS, no âmbito do qual viria a ser condenado por crime de violência doméstica, o arguido acabaria por abandonar a casa morada de família, no início do mês de abril 2015, tendo o divórcio sido decretado em setembro desse mesmo ano.

9) A não aceitação da desagregação do núcleo familiar, terá precipitado um quadro depressivo na sequência do qual viria a estar internado cerca de uma semana no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar .../..., após alegada tentativa de suicídio.

10) Pese embora, numa fase inicial da desagregação familiar, o arguido ter reagido negativamente à separação e ter discordado da interdição de contactos imposta pelo tribunal, o mesmo acabaria por acatar essa decisão, tendo as fases subsequentes do processo decorrido sem incidentes.

11) II - Condições sociais e pessoais

12) À data dos primeiros factos reportados na acusação e relativos aos presentes autos, o arguido ocupava com a cônjuge e com as duas filhas, em regime de arrendamento, uma pequena habitação, situada na localidade de ..., após o que a família mudar-se-ia para a ..., onde entretanto haviam mandado construir uma moradia.

13) Em termos ocupacionais, o agregado explorou em dois períodos distintos de cinco anos, entre 1997 e 2009, o estabelecimento de Café ... em ..., estando ambos os elementos do casal envolvidos diretamente nesta atividade.

14) Depois de 2009, o arguido passou a trabalhar sem grande regularidade, em trabalhos indiferenciados, procurando dar resposta a solicitações em diversas áreas, ao passo que a ainda cônjuge já trabalhava havia alguns anos como auxiliar de ação educativa, numa escola do 1º ciclo do Ensino Básico da cidade de .... Não obstante esta última ter garantido uma fonte regular de rendimento, o valor do salário correspondente, nivelado pelo SMN e a irregularidade dos retornos garantidos pelo arguido, precipitaram fortemente toda a economia doméstica, circunstância que no entender do arguido acabaria por inevitavelmente comprometer o projeto de vida comum.

15) Na sequência das medidas de coação aplicadas no âmbito do Processo nº 252/15.1 GCVIS, o arguido abandonou a casa morada de família, no início do mês de abril 2015, vindo a ser acolhido por uma irmã residente em ..., espaço residencial que também era partilhado pelo progenitor.

16) Depois de ter falhado o projeto de exploração de um bar no Parque do ..., devido a não ter dinheiro para a reabilitação do espaço e depois de algum tempo a trabalhar no setor das canalizações e aquecimentos, o arguido passou a explorar entre outubro de 2015 e maio de 2016, um pequeno café em..., período e espaço a que dizem respeito os factos relativos ao Processo nº 880/15.5 GCVIS apenso aos presentes autos.

17) Presentemente, o arguido ocupa um quarto numa habitação com outros inquilinos, depois de alguns atritos com o progenitor terem precipitado a sua saída daquela residência.

18) Sem qualquer tipo de trabalho regular, vivencia uma situação económica bastante precária, onde os encargos mensais fixos, relativos à renda do quarto, mais despesas associadas (eletricidade, água e gás) que rondam os €160,00 e as obrigações decorrentes das suas responsabilidades parentais (presentemente €100,00 por cada uma das filhas) o obrigam a um quotidiano de grande contenção de despesas, onde por vezes, segundo o próprio pouco sobra para a alimentação.

19) Em termos pessoais e apesar de toda a tensão motivada por todo este quadro, onde sobressai naturalmente a apreensão relativa aos presentes autos, considera que emocionalmente, se encontra mais estabilizado, em grande medida por ter abandonado o consumo excessivo de estupefacientes e bebidas alcoólicas, que reconhecidamente, em casos de intoxicação aguda lhe provocavam profundas alterações comportamentais.

20) Junto da comunidade residente e apesar de ser considerado como uma pessoa sociável, pese embora serem-lhe também reconhecidas algumas características de impulsividade e reactividade desadequadas, a imagem do arguido foi naturalmente abalada pelo conhecimento dos factos subjacentes ao presente processo.

21) III - Impacto da situação jurídico-penal

22) Os primeiros contactos do arguido com os nossos serviços reportam-se a setembro de 2011 e foram relativos ao Processo nº 47/08.9 FBAVR, no âmbito do qual o mesmo acabaria por ser condenado pelo crime de exploração de jogo de fortuna e azar, numa pena de multa, mais tarde convertida, em 240 horas de trabalho comunitário. Pondo em evidência algumas das características da personalidade do arguido, o processo viria a registar alguns incidentes, levando ao seu afastamento das duas entidades para onde foi sucessivamente encaminhado. Finalmente acabaria por proceder ao pagamento relativo a 20 horas que nunca chegou a concluir.

23) Mais tarde, pelos factos que deram origem ao Processo nº 252/15.1 GCVIS, foi sujeito, entre outras, às medidas de coação de não contactar com a vítima, nem de se aproximar a uma distância inferior a 500 metros, medida esta que foi controlada por meios técnicos de controlo à distância. Apesar de numa fase inicial ter reagido negativamente a estas condições, o arguido acabaria por respeitar as suas obrigações, não tendo infringido as zonas de exclusão que o tribunal lhe determinou.

24) Na sequência do mesmo processo viria a ser condenado pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de dois anos e nove meses de prisão, suspensa na sua execução e condicionada à frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica. Relativamente a este último processo o arguido tem vindo a cumprir com o conjunto dos seus deveres.

25) No que concerne aos factos imputados, apesar de referir que muitas das situações não corresponderem à verdade, o arguido sempre reconheceu, num momento de grande desorganização pessoal e enorme alienação, consequência de um quadro de intoxicação aguda por álcool e droga, poder ter tido algum envolvimento físico de natureza sexual com as filhas. Em sentido contrário, nega todavia, os factos quer relativos à sobrinha, quer os mais recentes, respeitantes ao Processo nº 880/15.5 GCVIS.”

9. A determinação das penas únicas vem fundamentada nos seguintes termos:

“Realizada que foi a audiência prevista no art.472º, do C. Proc. Penal, cumpre proceder ao cúmulo de penas em razão do conhecimento superveniente do concurso de crimes, tendo em consideração nos termos dos art.ºs 77.º e 78.º, do C. Penal, o conjunto dos factos e a personalidade do arguido, a partir dos seguintes critérios legais que ao caso interessam:

I. -- A pena conjunta não pode ser inferior à mais elevada das penas parcelares;

II. -- Não pode ser superior à soma material das mesmas penas parcelares;

III.-- Não pode exceder o máximo legal da penalidade;

IV.-- A pena única ou pena de concurso pode assumir duas formas diferentes: a pena unitária (ou única) ou pena conjunta. A pena unitária (ou única) existe quando a punição do concurso sobrevém sem consideração pelo número de crimes concorrentes e independentemente da forma como poderiam combinar-se as penas que a cada um caberiam; a pena conjunta verifica-se quando as molduras penais previstas, ou as penas concretamente determinadas para cada um dos crimes em concurso, são depois transformadas ou convertidas segundo um princípio de combinação legal na moldura penal ou na pena do concurso, resultando de uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente;

V. -- Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores -art.77º, nº3 do C.Penal. As penas de espécie diversa (multa e prisão) não estão sujeitas a cúmulo jurídico, razão pela qual são cumuladas materialmente em vez de originarem uma pena conjunta.

VI.-- No caso de conhecimento superveniente do concurso de penas de substituição (ex. prisão substituída por multa, trabalho a favor da comunidade, etc), o concurso destas com outra pena de prisão deve ser conhecido e - assim - realizado o cumulo jurídico das duas penas principais de prisão, após o que, uma vez determinada a pena conjunta, o Tribunal decidirá da admissibilidade e pertinência da sua substituição - cfr. F. Dias in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pg.295. Em relação às penas de substituição e mais concretamente à pena de prisão substituída por multa, conforme Ac. RP 14.05.2008, www.dgsi, deve ser efectuado o cúmulo jurídico com a pena de prisão (pena principal), independentemente de ter sido paga a multa de substituição, colocando-se, no caso de ter havido lugar a tal pagamento, a questão ao nível da liquidação da respectivo pena única.

VII.-- Encontrando-se as penas de prisão, em situação de concurso, devem ser objeto de cúmulo jurídico, apesar de alguma(s) delas ter sido suspensa na sua execução. Ainda que suspensa na respetiva execução, a pena de prisão mantém a mesma natureza da prisão efetiva. Conforme jurisprudência dominante, a forma da sua execução (suspensão) não é abrangido pelo caso julgado formado por cada uma das condenações e o cúmulo jurídico destas penas é a solução que melhor se adequa à avaliação global dos factos e da personalidade do arguido, escopo fundamental do instituto em apreço.

VIII.-- Encontrando-se as penas de prisão, em situação de concurso, devem ser objecto de cúmulo jurídico, apesar de alguma(s) delas ter sido substituída por trabalho a favor da comunidade. A pena de prisão mantém a mesma natureza da prisão efectiva. Conforme jurisprudência dominante, a forma da sua execução não é abrangida pelo caso julgado formado por cada uma das condenações e o cúmulo jurídico destas penas é a solução que melhor se adequa à avaliação global dos factos e da personalidade do arguido, escopo fundamental do instituto em apreço. -- No caso de conhecimento superveniente do concurso de penas de substituição (ex. trabalho a favor da comunidade), o concurso destas com outra pena de prisão deve ser conhecido e - assim - realizado o cumulo jurídico das duas penas principais de prisão, após o que, uma vez determinada a pena conjunta, o Tribunal decidirá da admissibilidade e pertinência da sua substituição - cfr. F. Dias in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pg. 295.

IX. Para efeitos da punição do concurso de crimes há que distinguir os crimes instantâneos, dos crimes permanentes, continuados, ou habituais. Nos crimes instantâneos a consumação coincide com a prática do ato criminoso e esgota-se neste «verificado o evento, verificada está a prática definitiva do mesmo», nos demais, como sucede com os crimes considerados nos presentes autos de acordo com a configuração de trato sucessivo que aqui mereceram, quer os crimes sexuais deste processo nº1205/15.5T9VIS e apenso, quer o crime de violência doméstica do processo nº252/15.1GCVIS, a execução prolonga-se no tempo e o momento temporal relevante a considerar é o da data da cessação da consumação ou o da prática do último ato.

X. -- É inadmissível o cumulo jurídico por arrastamento, já que é pressuposto substantivo da regra da punição (art. 77.º, n.º 1 do C. Penal) que o cúmulo jurídico só opera em relação às penas efectivamente em situação de concurso, havendo sucessão daquelas que se encontrem excluídas dessa situação e que devem ser cumpridas autonomamente no processo da respectiva condenação - cfr. neste sentido Paulo Dá Mesquita, in O Concurso de Penas, 1997, pg.57 e ss; STJ 7.02.2002, CJ, t.1, 202 (com amplas citações de outros Acórdãos do STJ no mesmo sentido); STJ 17.01.2002, CJ, t.1, 180; STJ 6.05.99; STJ 4.12.97; STJ 20.03.91 e RL 6.07.2000, todos in www.dgsi.pt.

XI. Não existe fundamento legal para a restrição do concurso, sendo incompatível com sistema vigente a divisão do concurso em várias parcelas e distintos tribunais, impondo o legislador a prolação de uma decisão cumulatória que abranja todas condenações transitadas e todas as penas em concurso, nos termos dos arts. 77.º e 78.º do CP. Esta conclusão impõe-se mesmo que haja lugar à ponderação de diversos concursos distintos e sucessivos, mas sempre confluindo numa única decisão que defina a reacção penal global – cfr. RC 22-10-2008 (Fernando Ventura) www.dgsi.pt.

XII. A circunstância de alguma das penas em concurso se encontrar cumprida atualmente não obsta ao respetivo cúmulo jurídico, exceto se este for desfavorável para o arguido por não poder descontá-la na pena única. Com efeito, a nova redação do cit art.78.º, n.º 1, do C. Penal, com a supressão do segmento “mas antes de a respetiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”, diversamente do que ocorria na redação anterior, veio prescrever que o cúmulo jurídico consequente ao conhecimento superveniente de novo crime, que se integre no concurso, não exclui, antes passa a abranger, as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena já cumprida. Após a reforma de 2007 passaram a ser cumuláveis as penas já cumpridas, alteração que obviamente, se mostra favorável ao arguido (como refere o Ac STJ 25-03-2009, CJ, t.1, pg.233), apenas sendo de excluir a pena cumprida no caso de não existir qualquer benefício para o arguido se se fizer o cúmulo jurídico da referida pena com outra ou outras condenações, considerada a previsão dos arts. 80.º e 81.º, do C.Penal, como é o caso da pena de prisão suspensa se tiver sido declarada extinta nos termos do art.57.º, nº1, do C. Penal.

A formação do cúmulo jurídico implica sempre a eliminação de cúmulos parcelares anteriores, ou seja, não é possível integrar nos cúmulos penas conjuntas, mas apenas penas parcelares.

Segundo a melhor doutrina fixada pela jurisprudência superior a respeito da interpretação da expressão “por qualquer deles” referida no art.77º, n.º1, do C. Penal, o momento determinante para a realização do cúmulo jurídico só pode ser o do trânsito em julgado da primeira condenação que ocorrer.

Assim, encontram-se em relação de concurso as condenações nos seguintes processos:

1º grupo: penas de prisão

Tendo presentes os ensinamentos supra enunciados verifica-se no caso concreto que o primeiro trânsito em julgado das referidas condenações ocorreu no dia 4.03.2011 no processo nº47/08.9FBAVR, com o qual se encontram em relação de concurso os crimes sexuais deste processo nº1205/15.5T9VIS e de que foram vitimas BB, EE e CC, já que os factos correspondentes relativamente a todas elas se prolongaram até data anterior aquele trânsito (4.03.2011).

A pena parcelar mais elevada destas condenações foi de 9 anos de prisão (aplicada neste processo nº1205/15.5T9VIS), somando as restantes 12 anos e 3 meses de prisão.

De referir que neste grupo de condenações mantém pela autonomia as penas de natureza diferente de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), aplicada no processo nº47/08.9FBAVR, e a pena acessória de inibição do exercício do poder paternal sobre a menor, sua filha CC, pelo período decorrente até perfazer os dezoito anos de idade aplicada neste processo n.º 1205/15.5T9VIS.

2º grupo: penas de prisão

Ao referido grupo de condenações segue-se nas restantes o trânsito em julgado primeiramente ocorrido no dia 15.02.2016 no processo n.º 252/15.1GCVIS, com o qual se encontra em relação de concurso o crime sexual do apenso ex-880/15.5GCVIS, de que foi vitima DD, já que os factos correspondentes ocorreram em 11.12.2015.

Neste grupo de condenações a pena parcelar mais elevada foi de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão aplicada no processo n.º 252/15.1GCVIS, sendo a restante de 2 (dois) anos e 6(seis) meses de prisão.

Resta-nos, então, determinar a pena única emergente destes grupos de penas em concurso, nos termos dos art.ºs 77.º e 78.º do C. Penal, tendo em consideração a avaliação conjunta dos factos e a personalidade do arguido que respiga das respetivas decisões condenatórias.

Assim, ponderar-se-á relativamente a cada grupo de condenações que :

- o grau de ilicitude dos factos e a culpa do arguido foram globalmente acentuados;

- na generalidade das condenações o arguido não colaborou de forma especialmente relevante para a descoberta da verdade;

- as condenações do arguido revelam a prática de diversos tipos de crimes, com propensão para os crimes contra as pessoas;

- o empreendimento criminoso do arguido apresenta acentuada dispersão temporal, apenas interrompido com a sua reclusão;

- os fins ou motivos que o determinaram, que eram a satisfação dos seus desejos, que sobrepôs aos interesses de desenvolvimento harmonioso da criança;

- consubstanciam fatores de risco de reincidência a falta de consciência critica e de arrependimento sincero, sendo que em julgamento o arguido negou e/ou desvalorizou sobremaneira a sua atuação sobre as menores;

- a falta de arrependimento sério emerge da reiteração da conduta após sucessivas verbalizações de perdão e falsas promessas de não mais voltar acontecer;

- a marcada pedofilia do arguido é socialmente tida como grave e desonrosa, aclamando fortes exigências de prevenção geral;

- a reiteração da conduta evidencia relevante perigosidade social do arguido, mostrando-se insensível aos valores que fundamentam o crescimento saudável de uma personalidade em formação;

– o arguido não beneficia de integração familiar nem estabilidade sócio-profissional;

- o fator de risco que subsiste para a reincidência da prática de crime de idêntica natureza, consiste na atitude de justificação do seu comportamento através de fatores externos, negando-o e desvalorizando-o em grande parte;

- o arguido tem antecedentes criminais, também eles evidenciando a sua personalidade violenta, como seja o crime de violência doméstica na pessoa da sua ex-mulher;

- o dolo do arguido foi sempre direto e intenso;

- no contexto e motivação dos factos, a conduta do arguido mostra-se bastante censurável;

- a favor do arguido milita o longo tempo decorrido sobre os factos relativos às vitimas BB, CC e EE, embora eles comportem um tão grande desvalor objetivo-subjetivo que não passa ao limbo do esquecimento comunitário;

- diferente em relação à vitima DD, cujo abuso sexual é recente, depondo severamente contra o arguido a circunstância deste ter ocorrido pouco tempo depois de constituído e interrogado como arguido por factos idênticos, o que sublinha a sua indiferença relativamente às vitimas e à ação da justiça. Recorda-se que foi constituído e interrogado nessa qualidade no dia 4.05.2015 (fls.55-9) e novamente no dia 8.10.2015 (fls.112-120) no processo nº 1205/15.5T9VIS, cometendo os factos objeto do apenso ex-880/15.5GCVIS no dia 11 de Dezembro de 2015;

- contra si depõe também o numero total de vitimas, a tenra idade e a sua relação familiar em relação à generalidade delas, a repetição das investidas sexuais do arguido ao longo de vários anos, a falta de arrependimento sincero e a elevadíssima gravidade e censurabilidade global dos factos, embora sem lesões corporais, mas com fortes danos psicológicos sobretudo das menores;

- as exigências de prevenção geral, é sabido, têm vindo a ganhar crescente relevância na sociedade contemporânea com a crescente necessidade de proteção da liberdade e autodeterminação sexual sobretudo das crianças, a significar uma preocupação comunitária da maior grandeza pelas suas dimensões e gravíssimas consequências, tanto individual como coletivamente, constituindo a sua ofensa motivo de generalizado e crescente repúdio social;

- avultando as exigências de prevenção geral, no plano da prevenção especial mostra-se ajustada uma importante resposta punitiva que previna a prática de comportamentos da mesma natureza.

Neste quadro, numa taxa de compressão menos forte no domínio dos crimes contra as pessoas, afigura-se equilibrada em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares de prisão:

- a pena única de 12(doze) anos e 6(seis) meses de prisão para o 1º grupo de condenações;

- a pena única de 3(três) anos e 4(quatro) meses de prisão para o 2º grupo de condenações.

Em abstrato, a pena única de prisão aplicada ao arguido no 2º grupo de condenações, porque não superior a cinco anos, consente a suspensão da sua execução.

O arguido tem várias condenações por diversos crimes, alguns deles cometidos depois de lhe terem sido aplicada no processo nº47/08.9 FBAVR uma pena substitutiva.

O arguido tem vários antecedentes criminais por diversos tipos de crimes, com propensão para os crimes contra as pessoas.

As suas características pessoais patenteadas no tipo de crimes cometidos consubstanciam significativos fatores de risco, encontrando-se atualmente recluso.

Neste contexto não é possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão possam responder eficazmente a imposições de prevenção geral e especial.

Realça-se aqui que em relação às vítimas, sua ex-mulher e a menor DD, os factos prolongaram-se ou ocorreram deste de constituído e interrogado como arguido nestes autos, o que sublinha a sua indiferença relativamente às vítimas e à ação da justiça. Recorda-se que foi constituído e interrogado nessa qualidade no dia 4.05.2015 (fls.55-9) e novamente no dia 8.10.2015 (fls.112-120) no processo nº1205/15.5T9VIS, cometendo os factos objeto do apenso ex-880/15.5GCVIS no dia 11 de Dezembro de 2015 e prolongando aqueles objeto do processo nº252/15.1GCVIS até 9.06.2015.

Em suma, num juízo de prognose desfavorável, a suspensão daquela pena única deve ser negada.”

Quanto aos crimes em concurso e às penas a considerar no cúmulo

10. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, ou seja, a primeira das condenações, é condenado numa única pena, na qual são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Esta regra é aplicável em caso de, após o trânsito em julgado de uma decisão condenatória por qualquer desses crimes, haver conhecimento de condenações em outros processos por crimes praticados em data anterior, isto é, em caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes (artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal).

Sendo necessário o trânsito em julgado das condenações (artigo 78.º, n.º 2, do Código Penal), fixou este Tribunal jurisprudência no sentido de que “o momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso” (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 9/2016, DR n.º 111, Série I, de 09.06.2016).

A pena única corresponde a uma pena conjunta resultante das penas correspondentes aos crimes em concurso segundo um princípio de cúmulo jurídico, seguindo-se o procedimento normal de determinação e escolha das penas – que, em caso de conhecimento superveniente, se encerrou definitivamente com o trânsito em julgado da decisão relativamente a cada uma delas, nos processos em que foram aplicadas –, a partir das quais se obtém a moldura penal do concurso.

A pena aplicável aos crimes em concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal). Sendo as penas aplicadas umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação deste critério (artigo 77.º, n.º 3).

Penas de diferente natureza, para efeitos deste preceito, são somente as penas principais, de prisão e de multa, como se sublinhou no acórdão de 15.11.2018 proc. 252/11.0JAAVR.1.P1.S1 (acórdão ainda não publicado; assim, Maria João Antunes, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 144, n.º 3992, 2015, p. 416). Por conseguinte, se à condenação anterior corresponder uma pena de substituição, a pena única conjunta há-de formar-se a partir da pena de prisão substituída.

A questão da substituição da pena colocar-se-á somente a final, perante a pena única conjunta, em função dos critérios gerais de escolha da pena, como repetidamente tem sido afirmado na jurisprudência deste Tribunal, na linha do pensamento do Prof. Figueiredo Dias: “sabendo-se que a pena que vai ser efectivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, torna-se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da sua substituição” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2011, § 409; assim também Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, p. 56. Crítica a esta solução, expressando posição minoritária, sobretudo com base no argumento da força do caso julgado, pode ver-se na anotação de Nuno Brandão ao acórdão deste Tribunal de 3.7.2003, Proc. 03P2151, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 15, n.º 1, 2005, pp. 129ss).

11. A questão da consideração da pena de prisão suspensa na sua execução nas operações de cúmulo tem sido objecto de vasta elaboração jurisprudencial, sendo hoje uniforme o entendimento de que, estando os crimes numa relação de concurso e estando a decorrer o período de suspensão, deverá a pena de prisão substituída concorrer para a determinação da pena única, nos termos do artigo 77.º do Código Penal (como se afirmou no acórdão de 12.7.2018, proc. 281/14.2PBBJA.S1, sumário publicado em www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/11/criminal_sumarios_julho_ 2018.pdf; cfr., por todos, os acórdãos de 4.11.2015, no proc. 1259/14.1T8VFR.S1, rel. Cons. Manuel Matos, e de 14.5.2009, no proc. 6/03.8TPLSB.S1, da 3.ª Secção, rel. Cons. Armindo Monteiro, bem como a numerosa jurisprudência neles citada).

Diferente deve ser, porém, a solução no caso de a pena se encontrar extinta, nos termos do disposto no artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, por declaração do tribunal, se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação. Sendo declarada extinta, não pode esta pena integrar o cúmulo, como tem sido afirmado em jurisprudência uniforme deste Tribunal, face à redacção do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal resultante da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, (neste sentido, por todos, com indicação de exaustiva jurisprudência, o acórdão de 7.3.2018, Proc. 180/13.5GCVCT.G2.S1, rel. Cons. Raul Borges, em www.dgsi.pt). Se, à data da elaboração do cúmulo jurídico, se mostrar decorrido o tempo de suspensão, o qual se conta a partir do trânsito em julgado da decisão que aplica tal pena de substituição (artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal), não deverá a pena ser considerada sem previamente ser averiguado e esclarecido se foi proferida decisão de extinção da pena, de revogação da suspensão ou de prorrogação do período de suspensão (artigos 57.º,56.º e 55.º, al. d),respectivamente, do Código Penal), sob pena de nulidade da sentença (artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP) – assim, nomeadamente, os acórdãos de 15.11.2017, Proc. 336/11.5GALSD.S1 (Cons. Raul Borges), de 28.9.2017, Proc. 302/10.8TAPBL.S1 (Cons. Helena Moniz), de 9.7.2014, Proc. 39/08.8GBPTG.S1 (Cons. Pires da Graça) e de 17.10.2012, Proc. 182/03.0TAMCN.P2.S1 (Cons. Santos Cabral), todos em www.dgsi.pt.

12. Quanto às penas principais, de prisão ou de multa, que estejam cumpridas constitui jurisprudência constante deste Tribunal a de que devem estas ser consideradas nas operações de cúmulo, procedendo-se ao respectivo desconto na pena única, como decorre expressamente dos artigos 78.º, n.º 1, parte final, e 81.º do Código Penal (sobre este ponto, neste sentido, cfr. o acórdão de 18.10.2017, no Proc. 8/15.1GAOAZ.P1.S1, rel. Cons. Raul Borges, e a abundante jurisprudência nele citada, em www.dgsi.pt).

O mesmo deve suceder também nos casos de aplicação de pena de multa de substituição (artigo 43.º, n.º 1 do Código Penal), cujo cumprimento não determina a extinção da pena de prisão (principal), diferentemente do que acontece, como se viu, no caso de suspensão da execução da pena de prisão (artigo 57.º do Código Penal) e ainda nos casos previstos no artigo 43.º, n.º 6, e 59.º, n.º 3, do Código Penal, de substituição da pena de prisão por proibição do exercício de profissão, função ou actividade, e de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Tendo sido eliminado o pressuposto de a pena não “estar cumprida, prescrita ou extinta” e passando o n.º 1 do artigo 78.º a impor que “a pena que já tiver sido cumprida [seja] descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes” (alteração da Lei 59/2007), a coerência interna do sistema obriga a que o desconto deva abranger todas as penas cumpridas, incluindo as penas de substituição. Como observa Maria João Antunes (ob. cit., p. 60), embora questionando a diferença de tratamento das diversas penas de substituição (e defendendo que, não havendo razões para tratamento diferenciado, apenas se deveriam descontar as penas que ainda estejam a ser cumpridas), “esta eliminação leva, à partida, a uma extensão dos casos de determinação da pena superveniente da pena, sem que deva admitir-se, no entanto, uma tal determinação quando a pena anterior já esteja prescrita (artigo 122.º do CP). (…) Se se entender que a parte final do n.º 1 do artigo 78.º do CP não é meramente redundante face ao disposto no artigo 81.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo código, tal significará que entrarão na determinação da pena única as penas já cumpridas (...), mas já não penas entretanto extintas (artigos 57.º, 43.º, n.º 6, e 59.º, n.º 3, do CP) ou prescritas (...).”

Esta solução parece harmonizar-se, assim, com o defendido por Figueiredo Dias (loc. cit. p. 300-301), em 1993, antes da revisão do Código Penal de 1995: “Da leitura dos artigos 80.º a 82.º parece resultar que, no pensamento da lei, o instituto do desconto só funciona relativamente a (…) penas de prisão e (ou) a penas de multa, já não relativamente a outras penas de substituição (…). Uma tal restrição não parece porém (…) político-criminalmente justificável. Melhor será, por isso, considerar que se está perante uma lacuna, que o juiz pode integrar – tratando-se, como se trata, de uma solução favorável ao delinquente –, sempre que se possa encontrar um critério de desconto adequado ao sistema legal e dotado de suficiente determinação. (…) O critério de equitatividade permite que (…) se preencha a lacuna em que a pena – anterior ou (e) posterior – é uma pena diferente da de prisão ou multa (…): em todos estes casos o tribunal deve, por analogia favorável ao condenado, fazer na nova pena o desconto que lhe parecer equitativo”. Nesta linha de pensamento, veio este critério a ser consagrado em 1995, no n.º 2 do artigo 81.º, que passou a dispor que “se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo.”

13. Em conformidade com o que vem de se expor, há, pois que verificar os pressupostos que determinaram a aplicação das duas penas conjuntas.

14. Como se explicita na fundamentação da decisão recorrida, identificam-se dois momentos determinantes que definem os crimes que se relacionam numa posição de concurso:

(a) O primeiro, 4.3.2011, que corresponde à data do trânsito em julgado da primeira condenação. No conjunto determinado por este limite temporal incluem-se os crimes cometidos anteriormente a essa data: o crime de exploração de jogo de fortuna e azar (processo nº 47/08.9FBAVR), cometido em 28.1.2011, e os crimes de abusos sexuais de que foram vítimas as ofendidas BB, CC e EE (processo n.º 1205/15.5T9VIS), cometidos entre 2000 e 2010;

(b) O segundo, 15.2.2016, que corresponde à data do trânsito da segunda condenação. No conjunto por este determinado incluem-se o crime de violência doméstica (processo nº 252/15.1GCVIS), cometido entre 2001 e 9.6.2015, e o crime de abuso sexual de que foi vítima DD (processo n.º 1205/15.5T9VIS), cometido em 11.12.2015.

O facto de ao crime de crime de exploração de jogo de fortuna e azar terem sido aplicadas uma pena de multa de 240 dias de multa, que inclui a pena de multa de substituição (90 dias, correspondentes a igual tempo de prisão) e uma pena de multa complementar (150 dias), não obsta, como se viu, à sua inclusão no cúmulo. A referência que, no acórdão recorrido, é feita ao facto de a pena ter sido “declarada extinta” diz respeito à declaração de extinção da execução da pena, por esta estar “cumprida”, nos termos do artigo 475.º do CPP, como consta do despacho proferido a 27.6.2016 (fls. 614). De notar que, devendo o arguido cumprir, no total, 240 dias de multa à taxa diária de 5 euros, foi esta pena cumprida por via de prestação de trabalho, no total de 218 horas, e de pagamento de parte da multa, no montante de 110 euros (fls. 613). Pelo que, na pena única, deverá proceder-se ao desconto da pena de multa, nos termos do artigo 81.º do Código Penal e não da pena de 90 dias de prisão, como resulta implícito da decisão do acórdão recorrido que, a final, manda que sejam “descontadas as penas correspondentes já cumpridas a liquidar oportunamente” (infra, 18).

O facto de ao crime de violência doméstica ter sido aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução, também não obsta à inclusão da pena de prisão na pena única, como anteriormente se referiu e foi decidido no acórdão recorrido, pois que à data da aplicação da pena única (6.6.2018) ainda não tinha decorrido o prazo de suspensão, que terminaria em 15.11.2018.

15. Assim sendo, respondendo às três primeiras questões suscitadas no recurso (supra, 7), conclui-se que foram respeitadas as regras de formação do cúmulo jurídico, que conduziram à aplicação de duas penas únicas conjuntas, que a pena de multa aplicada no processo 47/08.9FBAVR deve ser incluída no cúmulo formado com três das quatro penas aplicadas neste processo 1205/15.5T9VIS (por crimes anteriores a 4.3.2011) e que a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada no processo 252/15.1GCVIS deve concorrer com uma das penas aplicadas neste processo 1205/15.5T9VIS (a pena correspondente ao crime cometido em 11.12.2015).

Pelo que, nesta parte, o recurso deve ser julgado improcedente.

Quanto às penas únicas

16. Como se tem sublinhado na jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, e retomando-se o que se afirmou no recente acórdão proferido no processo n.º 144/14.0JACBR-A.S1 (ainda não publicado), citando-se os acórdãos de 06-02-2008 (Proc. n.º 4454/07), de 14.07.2016 e de 17.06.2015 (Proc. 4403/00.2TDLSB.S1, rel. Cons. Pires da Graça, e 488/11.4GALNH, rel Cons. Maia Costa, em www.dgsi.pt), com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente; importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.

Citando Figueiredo Dias (ob. cit., p. 291): «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». 

O substrato da medida da pena não pode bastar-se com os factos que constituem os elementos do tipo de ilícito ou do tipo de culpa, sendo necessário atender a todas as circunstâncias que, deles não fazendo parte, possam depor a favor do agente ou contra ele, nos termos do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, seguindo os critérios da culpa e da prevenção, bem como ter em conta o critério especial do artigo 77.º, n.º 1, in fine (assim, Maria João Antunes, ob. cit., pp. 45 e 57), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração (artigo 71.º, n.º 2, do CPP). Impõe este critério que, na medida da pena, sejam considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente – a personalidade do agente manifestada no facto, em que se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais deste, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a susceptibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita (Figueiredo Dias, ob. cit., p. 248ss).

17. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no artigo 71.º do mesmo diploma. Encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (cfr. Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º).

A projecção destes princípios no modelo de determinação da pena justifica-se pela necessidade de protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas (finalidade de prevenção geral) e pelas necessidades de ressocialização (finalidade de prevenção especial), em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado (artigos 40.º e n.º 1 do 71.º do Código Penal). Na determinação da medida da pena, nos termos do n.º 2 artigo 71.º, para avaliação da gravidade do facto devem ser levadas em consideração as circunstâncias relacionadas com o facto ilícito típico praticado (grau de ilicitude, modo de execução e intensidade do dolo – al. a) e b)), com o grau de violação dos deveres impostos ao agente (al. a), com os sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram (al. c)), e com a personalidade do agente manifestada no facto, como as condições pessoais e situação económica do agente (al. d))), a conduta anterior (em particular os antecedentes criminais) e posterior ao facto e com a falta de preparação para manter uma conduta lícita (al. d), e) e f)), relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, circunstâncias não incluídas no denominado “tipo complexivo total” que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele (cfr. Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, em particular pp. 475, 481, 547, 563, 566, 574, e Figueiredo Dias, op. cit., pp. 232-357).

18. De acordo com o acórdão recorrido, aos crimes em concurso são aplicáveis:

(a) No primeiro caso, uma pena de 9 anos – que corresponde à mais elevada das penas correspondentes aos crimes em concurso (pena pelo crime de abuso sexual de crianças agravado de que foi vítima a menor BB) – a 21 anos e 3 meses de prisão – que corresponde à soma das penas aplicadas aos crimes nesta relação de concurso (9 anos por este crime, acrescido de 6 anos pelo crime de abuso sexual de crianças agravado de que foi vítima a menor CC, de 6 anos pelo crime de abuso sexual de crianças de que foi vítima a menor EE e de 3 meses de prisão substituída por igual número de dias de multa, à taxa diária de €5,00, pelo crime de exploração de jogo de fortuna e azar) –, acrescida de 150 dias de multa, à mesma taxa diária, por este último crime.

(b) No segundo caso, uma pena de 2 anos e 9 meses de prisão – que corresponde à pena mais elevada deste concurso (pena pelo crime de violência doméstica) – a 5 anos e 3 meses de prisão (soma desta pena com a pena de 2 anos e 6 meses aplicada ao crime de abuso sexual de crianças de que foi vítima a menor DD).

Quanto ao primeiro cúmulo, considerou o acórdão recorrido (supra, 9) que nele deve ser incluída aquela pena de 3 meses de prisão aplicada no processo n.º 47/08.9FBAVR (“somando as restantes 12 anos e 3 meses de prisão”, diz o acórdão, referindo-se às restantes duas penas de 6 anos de prisão cada uma e à pena de 3 meses de prisão), salientando que se “mantém pela autonomia”, por ser de diferente natureza, a pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), aplicada nesse processo.

Nesta parte, deve, porém, ser feita uma correcção, pois que tal pena, juntamente com a pena de 150 dias de multa, originou uma “pena única”, de 240 dias de multa (como se refere no ponto 27 da fundamentação do acórdão recorrido).

A razão de ser desta “pena única” de multa resulta do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que procedeu à revisão do Código Penal de 1982, e que, destinando-se a regular situações transitórias de aplicação de normas penais avulsas prevendo a aplicação de penas de prisão e multa dispõe: “Enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão”.

À data da entrada em vigor deste diploma encontrava-se em vigor o artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, que prevê o crime de exploração ilícita de jogo, por que o arguido foi condenado, punindo-o com prisão até 2 anos e multa até 200 dias, que ainda não foi alterado de forma a adaptar a punição ao regime das penas instituído pela revisão do Código Penal de 1995, que pôs fim à pena complementar de multa. Pelo que lhe é aplicável o disposto naquele artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48/95.

Assim, a pena aplicada ao arguido é “uma só pena” de multa, a que, nos termos do n.º 2 deste mesmo preceito, é aplicável o regime previsto no artigo 49.º do Código Penal.

Em consequência, não pode a pena de 3 meses de prisão ser incluída no cúmulo a efectuar com as restantes penas de prisão que concorreram para a aplicação da pena única de 12 anos e 6 meses de prisão.

19. Na determinação das penas únicas (supra, 9), o tribunal recorrido levou em devida consideração os factores relevantes a que se refere o artigo 71.º do Código Penal, nomeadamente o grau de ilicitude e intensidade do dolo, a reiteração criminosa, a violação dos deveres impostos no âmbito da relação familiar, as consequências dos crimes, o comportamento anterior e posterior aos crimes, os fins e motivos que determinaram a sua prática e as condições pessoais e sociais do arguido.

Na consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal), relevam, em particular quanto aos crimes mais graves, a conexão e o contexto familiares em que foram praticados, a elevada frequência da repetição das condutas criminosas, a sua duração ao longo de anos, o número e as idades das vítimas, as relações de parentesco, o abuso e aproveitamento da qualidade de pai e de tio das vítimas e a gravíssima violação dos deveres resultantes dessas relações, a evidenciar características de personalidade, manifestadas nos factos praticados, em que se mostra presente uma forte propensão para a prática de crimes de natureza sexual contra crianças, severamente censuráveis.

Pelo que, tendo em conta este critério, numa ponderação conjunta dos factos praticados e das características de personalidade do arguido neles manifestada, bem como as molduras das penas dos cúmulos, não se encontra qualquer fundamento para se poder concluir que o acórdão recorrido, ao fixar as penas únicas conjuntas em 12 anos e 6 meses e em 3 anos e 4 meses de prisão, violou os critérios de adequação e proporcionalidade que presidem à aplicação da pena. Mesmo não levando em conta a pena de 90 dias de prisão excluída do cúmulo (supra, 18), não se encontra motivo que, na determinação da pena única (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal), justifique alteração da pena de 12 anos e 6 meses de prisão aplicada.

Em consequência, respondendo à quarta questão suscitada (supra, 7), deve o recurso, nesta parte, ser também julgado improcedente.

Quanto ao cúmulo das penas de prisão e multa

20. Devendo ser aplicada uma pena única, há que levar em conta o disposto no n.º 3 do artigo 77.º do Código Penal, de acordo com o qual, se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas (penas de multa) mantém-se na pena única.

No caso, foi aplicada uma pena única de 12 anos e 6 meses de prisão, acrescida da pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros). Como se viu, a pena de multa foi cumprida por dias de trabalho (artigo 48.º do Código Penal) – que constitui uma forma de cumprimento da pena de multa, distinguindo-se da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º do Código Penal), e não uma pena – e pelo pagamento parcial, sendo, pois, incluída no cúmulo.

Considerou, porém, o tribunal recorrido que as penas de espécie diversa (multa e prisão) não estão sujeitas a cúmulo jurídico, devendo ser “cumuladas materialmente em vez de originarem uma pena conjunta”.

O critério adoptado, de acumulação material das penas, resultou, assim, na aplicação, não de uma única pena, mas de duas penas (prisão e multa complementar). Ao que se opõe o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que impõe aplicação de uma só pena (“única pena”).

21. A questão, como é sabido, não tem recebido resposta unânime na jurisprudência e na doutrina.

No sentido da acumulação material das penas de prisão e multa pode ver-se, nomeadamente, Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, 3.ª ed., Católica Editora, p. 378), que defende que «as penas de multa são sempre cumuladas materialmente com a de prisão e, quando não seja paga a pena de multa, a execução da prisão em que venha a ser convertida seguir-se-á à execução da prisão directamente aplicada» (no mesmo sentido, pode ver-se a jurisprudência e doutrina aí citada). Em idêntico sentido considerou-se no acórdão de 17.05.2012 (proc. 471/06.1GALSD.P1.S1, rel Cons. Arménio Sottomayor, em www.dgsi.pt): “No Projecto de Revisão do Código Penal elaborado pela respectiva Comissão, previamente à Reforma do Código Penal em 1995, era proposto que havendo que cumular penas de prisão e penas de multa, estas seriam convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços. Abandonada essa solução o cúmulo far-se-á, na opinião do Conselheiro Maia Gonçalves, «entre as diversas espécies de penas, sendo a pena final uma pena compósita, composta por penas parcelares de espécies diferentes» (Código Penal Português 18, pág. 294/295). E no mesmo sentido se pronuncia o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal 2, pág.284): «Em caso de crimes punidos com penas de natureza diversa, a diferente natureza das mesmas mantém-se na pena conjunta. Assim, havendo concurso de crimes punidos com pena de prisão e crimes punidos com pena de multa [...] verifica-se uma verdadeira cumulação material das penas, mantendo-se autonomamente as penas de multa, o que tem relevância prática para efeitos da extinção da pena de multa pelo pagamento». Todavia, para a Prof.ª Maria João Antunes a norma do art. 77º nº 3 «não consagra o sistema da acumulação material quando as penas aplicadas aos crimes em concurso forem a prisão e multa. Do conteúdo desta norma resulta, por um lado, a reafirmação do sistema da pena única e, por outro, a possibilidade que o condenado tem de optar pela acumulação. Ou seja, quando se dispõe que «a diferente natureza destas mantém-se na pena única», quer isto significar somente que o condenado pode sempre pagar a multa, evitando assim que a pena única seja agravada» (Droga – Decisões de Tribunais de 1ª Instância - 1997 - Comentários, pág. 286)” (em sentido convergente pode ver-se também o acórdão de 14.03.2013, proc. 142/07.1PBCTB.C1.S1, rel. Cons. Maia Costa, em www.dgsi.pt).

Diferente entendimento se manifestou no acórdão de 06.03.2002 (proc. 01P4217, rel Cons. Lourenço Martins, em www.dgsi.pt), onde se lê: “… a disposição do aludido n.º 3 do artigo 77º do Código Penal não consagra o sistema da acumulação material quando as penas aplicadas aos crimes em concurso forem a prisão e multa. Do conteúdo desta norma resulta, por um lado, a reafirmação do sistema da pena única e, por outro, a possibilidade que o condenado tem de optar pela acumulação. Ou seja, quando se dispõe que «a diferente natureza destas mantém-se na pena única», quer isto significar somente que o condenado pode sempre pagar a multa, evitando assim que a pena única seja agravada. (…) Com efeito, para uma situação de concurso de penas de prisão e de multa haveria uma pena única, considerando-se a pena de multa convertida em prisão, segundo um critério que afinal era o geral (resultava também do n.º 3 do artigo 46º na versão originária do Código Penal) - dizia a CRCP. Repetindo a hipótese - concurso de penas de prisão e de multa -, o texto vigente afirma a pena única, mas com manutenção da diferente natureza de ambas. Em termos práticos: se a pena de multa for convertida em pena de prisão para efeito do cúmulo jurídico, mas mantiver a sua autonomia como pena parcelar, haverá algum obstáculo a que o condenado possa vir a efectuar o seu pagamento em qualquer momento que o deseje? Parece que não, uma vez que a pena foi concretamente discriminada antes da elaboração do cúmulo” (cita-se, neste sentido, Maria João Antunes, Droga - Decisões de Tribunais de 1.ª Instância, IPDT, 2000, pp. 286/87).

22. O n.º 1 do artigo 77.º do Código obriga, pois, como se disse, à aplicação de uma única pena – de uma só pena – e o n.º 3 do mesmo preceito estabelece que a diferente natureza da pena de multa se mantém nessa pena.

Embora não haja notícia das concretas razões por que, neste preceito, não foi acolhida a proposta de revisão do Código Penal de 1982 (em que se dizia: «se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, (…) considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços» – o que difere substancialmente da redacção do n.º 3 do artigo 77.º, que não considera a pena de multa convertida ope legis em prisão, para efeitos de cúmulo), deve ter-se presente que a revisão de 1995 abandonou a «indesejável prescrição cumulativa das penas de prisão e multa na parte especial por uma solução de alternatividade» (ponto 4 da exposição de motivos da Proposta de Lei de autorização legislativa), o que não pode deixar de ser considerado na resposta a dar à questão de saber se esta solução, de não acumulação, deve também ser a adoptada na punição do concurso. Sendo certo – importa sublinhá-lo – que, em 1995, se afastou expressamente a regra então constante do artigo 78.º, n.º 3, do Código Penal (de 1982), segundo a qual, na punição do concurso, a pena de multa e a pena de prisão eram sempre cumuladas entre si (dizia este preceito: «3 - A pena de multa e a prisão por condenação em alternativa, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 46.º, são sempre cumuladas entre si e com a pena de prisão»).

Tendo, pois, por seguro ter havido a intenção clara de afastar o anterior regime de acumulação de penas de prisão e de multa em caso de concurso, a interpretação a dar ao segmento do preceito do n.º 3 do artigo 77.º do Código Penal, segundo o qual «a diferente natureza destas se mantém», não pode acolher a manutenção daquele regime de acumulação, devendo, por razões de unidade e coerência interna do sistema, na ponderação dos elementos histórico e sistemático, entender-se que deve ser fixada uma pena única de prisão, mantendo-se, no entanto, a “natureza” da pena parcelar de multa anteriormente aplicada, a qual, no seu regime, admite a possibilidade de, a todo o tempo, o condenado efectuar o pagamento, evitando a execução da prisão subsidiária (n.º 2 do artigo 49.º do Código Penal).

Assim, estabelecendo o artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal que a prisão subsidiária da multa corresponde ao tempo desta reduzido a dois terços, deverá esta pena de prisão, a fixar por este critério, ser considerada na formação da pena única de prisão, a determinar segundo o princípio do cúmulo jurídico estabelecido no artigo 77.º do Código Penal. Devendo, porém, ter-se em conta o disposto no artigo 81.º do Código Penal, segundo o qual, se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, é descontada nesta a pena anterior, na medida em que tiver sido cumprida (n.º 1); no caso de a pena anterior e a posterior serem de natureza diferente, ou seja, de prisão e de multa, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo (n.º 2).

23. Em síntese, tendo o arguido sido condenado numa pena de 240 dias de multa, e tendo em conta que a esta pena correspondem 160 dias de prisão (tempo correspondente reduzido a dois terços), deve esta pena de prisão ser incluída nas operações de cúmulo jurídico das penas dos crimes em concurso. Pelo que o limite máximo da pena aplicável passaria a ser de 21 anos, 5 meses e 10 dias de prisão. Este acréscimo é, porém, irrelevante na determinação da pena única (supra, 19), a qual, de qualquer forma, não poderia ser agravada por a isso se opor o princípio da proibição da reformatio in pejus (artigo 409.º do CPP).

Uma vez que essa pena já se encontra cumprida, deve o tribunal com competência para a execução proceder ao desconto que parecer equitativo no cumprimento da pena única de prisão, nos termos dos artigos 78.º, n.º 1, e 81.º, n.º 2, do Código Penal.

Segue-se, assim, o preconizado por Maria João Antunes, que, na linha do que vem defendendo desde 2000, escreve na Revista de Legislação e Jurisprudência (ano 144, n.º 3992, 2015, p. 410-416): “Em suma, o artigo 77.º, n.º 3, do Código Penal não consagra o sistema de acumulação material quando as penas aplicadas aos crimes em concurso forem a prisão e a multa. Consagra antes o sistema da pena única conjunta, a determinar segundo um princípio de cúmulo jurídico, nos termos do qual há: (…) a conversão dos dias de multa em prisão subsidiária, segundo as regras do artigo 49.º, n.º 1; a construção da moldura penal do concurso, com um limite máximo correspondente à soma do tempo de pena de prisão concretamente aplicada a cada um dos crimes com o tempo de prisão subsidiária relativo ao outro crime (…)”.

Quanto a custas

24. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, que dispõe sobre a responsabilidade do arguido por custas, só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.

Não havendo decaimento total no recurso, não há lugar a pagamento.

III. Decisão

25. Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA;

b) Alterar oficiosamente a decisão recorrida, incluindo no conjunto das penas parcelares, para efeitos do cúmulo jurídico de que resultou a pena única de 12 anos e 6 meses de prisão, a pena de 160 dias de prisão subsidiária correspondente à pena de 240 dias de multa aplicada no processo nº 47/08.9FBAVR do tribunal da comarca de ..., devendo o tribunal competente proceder ao desconto que parecer equitativo no cumprimento daquela pena única de prisão,

Mantendo-se, no mais, o decidido no acórdão recorrido.

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Fevereiro de 2019.

Lopes da Mota (Relator)

Vinício Ribeiro