Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
59/07.0TTVRL.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MELO LIMA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 09/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / DESPEDIMENTO POR FACTO IMPUTÁVEL AO EMPREGADOR.
Doutrina:
- Baptista Machado, Obra dispersa, vol. I; Scientia Ivridica, Braga 1991, pp. 138-145.
- Marecos, Diogo Vaz, “Código do Trabalho”, Anotado, 2ª edição, Coimbra editora, p. 807.
- Romano Martinez, “Código do Trabalho”, anotado – 2ª edição revista, 2004, Almedina, p.589; Direito do Trabalho, 2013. 6ªedição, Almedina, pp. 910, 914, 917-918.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGOS 396.º.
Sumário :
1. O Supremo Tribunal de Justiça funcionando estruturalmente como um tribunal de revista, só aprecia, em princípio, matéria de direito, cabendo-lhe aplicar definitivamente à factualidade fixada pelas instâncias o regime jurídico que entenda adequado, só lhe sendo permitido o controlo em matéria de facto quando a censura produzida se circunscreve ao direito probatório material e, com natureza cassatória, o consequente reenvio do processo ao tribunal «a quo», sempre que o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou quando entenda que ocorrem contradições na referida decisão, que inviabilizam a solução jurídica do pleito.

2. O despedimento com justa causa constitui um poder vinculado conferido ao empregador no sentido de extinguir o contrato de trabalho fundado no incumprimento de deveres obrigacionais por parte do trabalhador, pressupondo: (i) o objetivo incumprimento de deveres obrigacionais, em qualquer das modalidades possíveis: incumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso; (ii) sobre tal incumprimento haja de recair um juízo de censurabilidade ético-jurídica [culpa], por via de uma atuação dolosa ou negligente; (iii) tal incumprimento assuma um caráter de gravidade que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

3. No âmbito dos contratos de execução continuada ou que pressupõem uma relação de confiança e de colaboração estreita – assim, o contrato de trabalho - um inadimplemento, ainda que de menor importância, poderá legitimar a resolução se, pela sua natureza e pelas circunstâncias de que se rodeou, for de molde (elemento sintomático) a fazer desaparecer a confiança do credor no exato e fiel cumprimento das obrigações contratuais em geral.

4. Consubstancia violação grave, a tornar inexigível ao empregador RTP a subsistência da relação laboral, a recusa injustificada, por parte do operador repórter, em cumprir obrigação inerente à sua função, por forma que impediu a realização de reportagem que lhe fora superiormente determinada, num comportamento similar (violação do dever de obediência) àquele por que havia sido já sancionado com pena de 12 dias de suspensão, com perda de retribuição.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I Relatório

1. AA intentou contra R.T.P. - Rádio e Televisão de Portugal, S.A ação declarativa de condenação, na forma comum, pedindo:

a) Seja decretada a ilegalidade do despedimento individual do A., com todas as legais consequências;

b) A Ré seja condenada no pagamento de € 5.000 a título de danos morais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento e, no caso de não cumprir o determinado na decisão proferida na providência cautelar, no pagamento da quantia que se vier a apurar, após o trânsito em julgado da decisão que venha a ser proferida, com base no valor de € 1.808,45, incluindo-se não só o valor dos salários que deixou de auferir mas também o que teria direito a título de subsídio de Natal, acrescido de juros de mora, à taxa legal e, ainda, a reintegrar o A. no seu posto de trabalho.

2. Alegou, em síntese:
· Exerce as suas funções de jornalista na delegação da Ré em Vila Real.
· Por carta registada recebida em 26/07/2007, a Ré despediu-o com invocação de justa causa.
· Não violou o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, dado que a função em causa não lhe cabe e, por outro lado, apenas não carregou o tripé porque não se encontrava em perfeitas condições de saúde para tal e, tendo solicitado a colaboração do seu colega para o fazer, não a obteve, o que resultou num impasse e, neste, o colega do A. decidiu, sem concurso do A., não fazer a reportagem, o que não acarretou prejuízo para a Ré.
·  A aplicação da sanção de despedimento por justa causa viola clara e inequivocamente o princípio da proporcionalidade bem como o da adequação da sanção aplicada ao grau de culpa do A.

3. A Ré, devidamente notificada para contestar, fê-lo pugnando pela absolvição do pedido, alegando:
· As funções do A. determinam a obrigatoriedade de transporte dos equipamentos indispensáveis ao desempenho das mesmas.
· As explicações do A. sobre a suposta incapacidade física só surgem na resposta à nota de culpa e no dia 23/06 não lhe foi determinada qualquer incapacidade para o trabalho e não lhe foi entregue qualquer certificado.
· O A. utilizou a reportagem como meio de afrontamento da entidade patronal, desobedecendo às instruções desta por se considerar lesado, por força da cessação do acordo de desempenho de funções especiais.
· O A. desobedeceu às ordens da Ré e violou o dever de realizar o seu trabalho com zelo e diligência.
· O A. já antes fora alvo de ação disciplinar por parte da Ré, por violação do dever de obediência e de realização das suas funções com zelo e diligência.
· A sanção aplicada foi adequada e proporcionada às circunstâncias do caso concreto.

4. Foi proferido o despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, que foi alvo de reclamações indeferidas.

5. Procedeu-se a julgamento, tendo o tribunal decidido a matéria de facto nos termos constantes do despacho de fls. 415 a 418, retificada por despacho de fls. 423.

Foi, depois, proferida sentença (fls. 423 e segs.) que julgou a presente ação improcedente por não provada e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos formulados. Porém,

6. Face à deficiente gravação dos depoimentos das testemunhas procedeu-se à repetição da audiência de julgamento, decidindo o tribunal a matéria de facto e prolatando nova  sentença, de sentido igual à anteriormente proferida.

7. Inconformado, no desiderato de lograr a revogação da sentença absolutória e ver proferido acórdão condenatório da Ré Recorrida nos pedidos formulados na PI, o Autor apelou para o Tribunal da Relação do Porto.

8. Aqui, sem prejuízo da alteração da matéria de facto levada a efeito, foi julgada improcedente a apelação e confirmada a sentença recorrida.

9. Inconformado, insurge-se o A. em recurso de revista, retirando da respetiva motivação as seguintes conclusões:

9.1 O facto de o ora recorrente não ter transportado o tripé para a reportagem sobre e-learning na UTAD não se ficou a dever a culpa sua.

9.2 Da não realização da reportagem em causa não resultou qualquer prejuízo para a RTP.

9.3 A reportagem foi posteriormente agendada e teve lugar dias depois, sem que a RTP tivesse invocado quaisquer prejuízos daí emergentes.

9.4 A não efetuação da reportagem ficou a dever-se a desentendimentos entre o A., ora recorrente, e o jornalista BB, que era o chefe de equipa, era o detentor do telemóvel da RTP e conduzia a viatura em que ambos se deslocavam.

9.5 O A., ora recorrente, não transportou o tripé necessário à efetivação da reportagem, por na altura estar fisicamente incapacitado para o efeito.

9.6 O tribunal para aferir da existência de tal prova podia e devia recorrer à figura da presunção judicial.

9.7 Era espectável que o colega BB o ajudasse no transporte do tripé, até porque nada de relevante foi alegado no sentido de recusar a sua colaboração nessa parte.

9.8 Enquanto a RTP decretou o despedimento do A. ora recorrente, nenhuma sanção aplicou ao BB, tão responsável como ele pela não execução da reportagem em causa.

9.9 O A., ora recorrente, após a sentença que decretou a suspensão do despedimento (17/01/2007), tem-se mantido por força da mesma, ininterruptamente ao serviço da RTP, que por sua vez o submete a processos de avaliação com resultados positivos, pelo menos nos anos de 2010, 2011 e 2012.

9.10 Não obstante o comportamento imputado ao A., ora recorrente, mostra-se viável a manutenção da relação laboral, como tem sucedido, decorridos que são mais de 6 anos.

9.11 Reconhecer a existência de justa causa, ao fim de todo este tempo de execução do contrato de trabalho, redundaria em manifesta violação do conceito de justa causa de despedimento.

9.12 O douto acórdão ora posto em crise violou, com evidência, os n.ºs 1 e 2 do art. 396.° do Código do Trabalho de 2003.

10. Em contra-alegação, a R. pugna pela manutenção, in integrum, do acórdão recorrido, apresentando as seguintes conclusões:

10.1 As conclusões do Autor não têm qualquer suporte na matéria de facto fixada, carecendo, em absoluto, de fundamento.

10.2 No âmbito da reportagem sobre e-learning na UTAD no dia 28/04/2006, determinada pela Ré ao Autor e ao seu colega, a obrigação de transportar o tripé, competia ao Autor - conforme ponto 17 da F A e admitido pelo próprio na resposta à nota de culpa, sendo que o colega do Autor, para além de não ter essa obrigação, não poderia fazer a reportagem sozinho uma vez que não sabe operar a câmara.

10.3 O Autor, porque entendeu que "não era sua obrigação" transportar o tripé e tendo o colega entendido que também não deveria transportar o tripé, não efetuou o referido serviço de reportagem, conformando-se com tal resultado - a não realização da reportagem - pontos 13, 14, 15 e 16 da F A.

10.4 O Autor, ao não ter transportado o tripé bem sabendo que tal função lhe competia, atuou de forma consciente e intencional, ciente de que a sua conduta conduziria à não realização da reportagem, resultado com o qual se conformou.

10.5 Os únicos problemas de saúde demonstrados pelo Autor ocorreram 7 dias antes

dos factos em questão, não tendo sido demonstrado qualquer nexo causal, direto ou indireto, entre uns e outros.

10.6 A recusa do Autor em transportar o tripé e a consequente não realização da reportagem foram totalmente injustificadas, tendo, aliás, tal conduta consubstanciado um ato de insubordinação perante a Ré, (intuito propositado de invocar questões não relacionadas com o serviço de reportagem), conforme decorre da exposição de fls. 4 do processo disciplinar.

10.7 Nesta exposição (primeira vez em que se pronunciou sobre os factos em causa), o Autor somente aludiu à ocorrência de uma "divergência entre os elementos da equipa da delegação sobre quem deveria efetuar determinada tarefa" (não tendo feito menção a qualquer limitação física e/ou problema de saúde, nem a qualquer falta de colaboração por parte do seu colega BB), aproveitando para discorrer sobre a "existência de aspetos da relação de trabalho, sem uma definição precisa".

10.8 Acresce que o Autor é reincidente neste tipo de comportamentos, infratores dos

mesmos deveres laborais (e com o mesmo pano de fundo), tendo anteriormente sido sancionado pela Ré com 12 dias de suspensão com perda de retribuição, com base em violação do dever de obediência por se ter recusado a realizar uma reportagem - ponto 12 da F A, consistindo na mais grave sanção disciplinar conservatória da relação laboral aplicável ao abrigo do regime previsto na LCT.

10.9 A não realização da referida reportagem no dia em que estava marcada fez com que a Ré tivesse ficado "privada de uma reportagem, que apenas se poderia realizar num determinado período de tempo (restrito e premente) e que teve de ser reagendada para data posterior, perturbando o encadeamento noticioso que a R. pretendia".

10.10 Para além do risco de tal reportagem não se realizar por força de atualidade informativa que se sobrepusesse ao respetivo interesse, a sua realização noutro dia implicou a deslocação da equipa ao local, gastando tempo e meios que poderiam ser aproveitados para a realização doutra reportagem.

10.11 O Autor falta indecorosamente à verdade quando afirma que "a RTP nenhuma

sanção aplicou ao BB", notando-se que nas instâncias anteriores nunca pôs em causa o critério disciplinar da Ré.

10.12 O Autor, com antiguidade de quase 20 anos (1 da F A), executava as funções de recolha e captação de imagens e sons desde outubro de 2001 - (19 da FA), na delegação da Ré de Vila Real, na qual somente trabalhavam o Autor e o colega BB (7 da F A) ¬circunstâncias estas que agravam ainda mais a responsabilidade daquele.

10.13 Com efeito, o não cumprimento por parte do Autor dos seus deveres inviabiliza, como efetivamente inviabilizou, no presente e na situação disciplinar anterior, a atividade televisiva de serviço público prosseguida pela Ré, que por duas vezes se viu impedida de emitir reportagens determinadas àquele.

10.14 Os comportamentos do Autor (sempre contrários aos padrões de conduta que lhe eram exigíveis) consubstanciam violação muito grave e culposa dos deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência e de obediência (art. 121.°, n." 1, als. c) e d) do Cód. Trabalho 2003).

10.15 Tudo ponderado (a recusa injustificada em transportar o tripé / executar função que lhe competia; o resultado/consequências - não realização da reportagem - e a conformação com o mesmo; a efetiva motivação da recusa; a antiguidade e as funções, as circunstâncias da delegação e da atividade da Ré) e tendo em conta o passado disciplinar do Autor (sanção disciplinar anterior de 12 dias - mais grave de acordo com o regime aplicável - por violação dos mesmos deveres e com as mesmas consequências: a não realização de uma reportagem), é forçoso concluir-se que as condutas do Autor  comprometeram o pressuposto fiduciário do contrato de trabalho que mantinha com a Ré, tornando imprevisível para esta saber se, no futuro, o mesmo comportamento (ou similar) não se repetirá, pelo que a manutenção da relação laboral se tornou prática e imediatamente impossível.

10.16 O Acórdão recorrido, assim como a Sentença de Iª instância, fizeram uma corretíssima aplicação do Direito, sendo a sanção de despedimento aplicada inteiramente adequada e proporcional, devendo os presentes autos ser analisados por referência à altura em que se deu a crise contratual entre as partes.

11. Por despacho judicial, de 24.02.2014, foi declarada «com efeitos desde a apresentação nos autos da contestação, operada a substituição da R. originária [leia-se: Radiotelevisão Portuguesa – Serviço Público de Televisão, S.A] por Rádio e Televisão de Portugal, S.A., e consequentemente, extinto, por desnecessidade, o incidente de habilitação instaurado por apenso». (FLS:943)

12. Neste Supremo Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que o recurso deve improceder, mantendo-se a decisão recorrida.

                13. Notificadas as partes deste Parecer, respondeu o recorrente dizendo, em síntese, que o Parecer «além de demonstrar falta de conhecimento do processo também não atingiu o alcance das alegações do recurso».

14. Distribuído o projeto pelos Exm.ºs Juízes Conselheiros, cumpre decidir.

15. Delimitação objetiva do recurso.

A questão decidenda reconduz-se a saber da (des)conformidade legal do despedimento do A./recorrente, por justa causa.[396º C.T.2003]

II Quadro Fáctico


No Tribunal recorrido foi considerada provada a seguinte matéria de facto:

1. O A. foi admitido ao serviço da Ré, em 17/11/1986, para prestar serviço sob as suas ordens, direção e fiscalização dos seus legais representantes, a fim de exercer as funções de operador de imagem e repórter.

2. Durante os primeiros dois anos em que o A. esteve ao serviço da Ré, exerceu as suas funções em Lisboa.

3. Tendo vindo a exercê-las na delegação da RTP sita em Vila Real desde 1988.

4. Em 1992, foi reclassificado como jornalista.

5. Em 01/06/1997, entre A. e Ré foi outorgado um “Acordo de Aditamento ao Contrato de Trabalho” – cfr. doc. de fls. 49 a 54, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

6. A 30/11/2005, a Ré remeteu ao A. carta registada com AR, denunciando o referido aditamento, com efeitos a partir de 31/12/2008 – cfr. doc. de fls. 55, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

7. Na referida delegação de Vila Real, trabalhavam 3 pessoas: o aqui A., o colega BB e uma senhora encarregue da limpeza.

8. No dia 09/06/2006, o A. recebeu uma carta registada da Ré, datada de 08/06/2006, a qual continha nota de culpa, tendente ao seu despedimento.

9. Por carta registada recebida pelo A., a 26/06/2006, a Ré comunicou ao A. que havia decidido despedi-lo com justa causa, juntando o respetivo relatório final – cfr. doc. de fls. 64 a 76, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

10. No âmbito de anterior processo disciplinar, a aqui Ré aplicou ao A. sanção equivalente a 12 dias de suspensão, com perda de retribuição, com base em violação do dever de obediência, por em anterior ocasião se ter recusado a realizar uma reportagem, em virtude da mesma ocorrer fora do seu horário de trabalho.

11. Nos dias 20 e 21 de abril de 2006, o A. esteve incapacitado para o trabalho por motivo de doença.

12. O A. queixava-se algumas vezes de dores nas costas.

12.a). O colega do A., BB, era conhecedor de que o A. tinha estado incapacitado para o trabalho e o diretor do CIR de Bragança teve conhecimento de que o A. se queixava de dores nas costas – facto aditado.

13. No dia 28/04/2006 o A. não fez um serviço de reportagem que lhe havia sido marcado pela sua hierarquia, apesar de se ter deslocado ao local.

14. Estava marcada para esse dia uma reportagem sobre e-learning na UTAD e além do A., estava incumbido de efetuar a reportagem o jornalista BB.

15. Já no local, por divergências entre os dois colegas, a reportagem não se realizou.

16. Tal divergência teve origem em saber qual dos dois trabalhadores deveria carregar o tripé, já que o A. considerou que não era sua obrigação fazê-lo e tendo o colega BB entendido que também não o deveria fazer, o A. não efetuou o trabalho, conformando-se com o respetivo resultado.

17. O A. enquanto operador repórter, tem a obrigação de transportar e manusear o equipamento necessário para efetuar as reportagens (sendo o tripé parte desse equipamento), sendo que o jornalista BB, além de não ter essa obrigação, não poderia fazer a reportagem sozinho, uma vez que não sabe operar a câmara.

17.a). O objeto da reportagem referida em 14. continuou até dia 19 de maio, a mesma foi agendada para outro dia e realizou-se - facto aditado.

18. O agregado familiar do A. composto pelo seu cônjuge e dois filhos menores, vive com o produto do trabalho do A. e da sua esposa, professora do ensino secundário, pelo que o despedimento provocou no A. profunda depressão, por não poder manter o nível de vida da sua família.

19. A partir de outubro de 2001 têm sido atribuídas ao A. exclusivamente funções de recolha e captação de imagens e sons no exterior, sendo o mesmo normalmente acompanhado de outro jornalista redator.

III Conhecendo

Com a presente Revista, pretende o Recorrente ver reconhecido por este STJ o que as instâncias recorridas não lograram reconhecer. Ou dizer, a pretensão formulada ab initio, em 1ª instância, de que o ora recorrente «Não violou o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, dado que a junção em causa não lhe cabia e, por outro lado, apenas não carregou o tripé porque não se encontrava em perfeitas condições de saúde para tal e, tendo solicitado a colaboração do seu colega para o fazer, não a obteve, o que resultou num impasse e, neste, o colega do A. decidiu, sem concurso do A., não fazer a reportagem, o que não acarretou prejuízo para a Ré»; bem assim, que «A aplicação da sanção de despedimento por justa causa viola clara e inequivocamente o princípio da proporcionalidade bem como o da adequação da sanção aplicada ao grau de culpa do A.»

1. Em jeito de nota prévia, importará definir o correto enquadramento fáctico sob que se há-de conhecer e decidir a questão de direito que se deixou enunciada: confirmação/infirmação da justa causa no despedimento.

In casu, torna-se exigível uma correta definição fáctica em face das alterações apontadas pelo Recorrente – assim nas conclusões deixadas transcritas - ao quadro comprovado, desenhado nas 1ª e 2ª Instâncias.

Uma definição que, à partida, não poderá deixar de ter subjacente o princípio de que a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante para a decisão, é meramente residual, praticamente apenas limitada à verificação da conformidade da decisão com as regras do direito material probatório. [Artigos 674º nº3 e 682º do CPC/2013]

Sendo certo que, de uma parte, não vem alegada qualquer violação ao direito material probatório e, também aqui, tal não se vislumbra; pari passu, não se vê «falta ou contradição dos elementos de facto» que, por inviabilização da decisão jurídica do pleito, devessem determinar novo julgamento. 

1.1 Insiste o Recorrente na afirmação de que «não transportou o tripé necessário à efetivação da reportagem, por na altura estar fisicamente incapacitado para o efeito.

Em sede de reapreciação da prova, no Recurso de Apelação, o Tribunal da Relação ponderou sobre esta questão, rejeitando a pretensão formulada:

«Quanto ao quesito 2º (ponto 12 dos factos provados):
Ao contrário do alegado pelo recorrente, não resulta dos documentos juntos aos autos, nem do depoimento das testemunhas que o recorrente esteve incapacitado devido a dores lombares ou na coluna que ainda persistem.
Dos documentos que indica resulta que o A. esteve incapacitado para o trabalho nos dias 20 e 21 de abril de 2006; que adquiriu medicamentos e, ainda, que no dia 23/06/2006 apresentava lombalgias intensas, mecânicas e de difícil controlo terapêutico, situação que pode ter episódios de agravamento das suas queixas dolorosas; ou seja, da conjugação destes documentos resulta que o recorrente esteve incapacitado para o trabalho nos dias 20 e 21/04/2006, por doença natural (resposta ao quesito 1º) não identificada e que no dia 23/06/2006 o A. apresentava aqueles sintomas passíveis de agravamento mas já não que a incapacidade de dois dias se ficou a dever a problemas musculares, na coluna, que ainda persistem.
A testemunha CC referiu que se recorda de o A. dizer, em abril de 2006, que tinha dores lombares e a testemunha DD que o A. esteve incapacitado para o trabalho antes dos factos em causa e que lhe falou em dores na coluna.
Assim sendo, apenas se apurou que o trabalhador se queixou de dores nas costas, sendo certo que a causa da incapacidade para o trabalho deve ser atestada pelos serviços competentes.»

Destarte, a contrariar a antedita justificação - «O A., ora recorrente, não transportou o tripé necessário à efetivação da reportagem, por na altura estar fisicamente incapacitado para o efeito» - relevará a factualidade decorrente dos itens 15 e 16 do quadro fáctico comprovado, respetivamente: «Já no local, por divergência entre os dois colegas, a reportagem não se realizou», «Tal divergência teve origem em saber qual dos dois trabalhadores deveria carregar o tripé, já que o A. considerou que não era sua obrigação fazê-lo e tendo o colega BB entendido que também não o deveria fazer, o A. não efetuou o trabalho, conformando-se com o respetivo resultado.»

Dizer: onde o Recorrente coloca a razão de ser da recusa do transporte do tripé na incapacidade física, de que então padeceria, as instâncias recorridas, afastando esta, tiveram por adquirido que o A. não transportou o dito tripé com a justificação de que «não era sua obrigação fazê-lo».

Obviamente, esta versão fáctica prevalecerá.

1.2 Independentemente da sua maior ou menor relevância para a afirmação do direito no caso concreto, importa dar conta, ainda, que o Recorrente invoca como realidade fáctica adquirida que: (i) «Da não realização da reportagem em causa não resultou qualquer prejuízo para a RTP» [Conclusão 9.2]; (ii) «Enquanto a RTP decretou o despedimento do A. ora recorrente, nenhuma sanção aplicou ao BB, tão responsável como ele pela não execução da reportagem em causa» [Conclusão 9.8]; (iii) finalmente, mantendo-se, por força da decretada suspensão do despedimento, ao serviço da RTP, esta «o submete a processos de avaliação com resultados positivos, pelo menos nos anos de 2010, 2011 e 2012.» [Conclusão 9.9]

Em causa, factualidade que por não constar do quadro fáctico comprovado, não é passível de ponderação na subsunção jurídica, valendo, a propósito, o velho brocardo «quod non est in actis, non est in mundo».

2. Enquadramento jurídico.

2.1 O quadro normativo em que o Tribunal da 1ª Instância e o Tribunal da Relação do Porto assentaram a decisão de sentido unívoco quanto à licitude do despedimento, coincidiu com o artigo 396º do Código do Trabalho de 2003 ([1]).

Dispõe-se aqui, na parte considerada pertinente por um e outro tribunais:
«1. O comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento.
2. Para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
3. Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:

a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;

……
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho que lhe esteja confiado.» ([2])

Nas palavras de Romano Martinez, «o despedimento com justa causa (subjetiva) constitui um poder vinculado conferido ao empregador no sentido de extinguir o contrato de trabalho fundado no incumprimento de deveres obrigacionais por parte do trabalhador». ([3])

Impõe-se, então, como primeiro pressuposto, o objetivo incumprimento de deveres obrigacionais, em qualquer das modalidades possíveis: incumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso.

Exige-se, outrossim, que sobre tal incumprimento haja de recair um juízo de censurabilidade ético-jurídica [culpa], seja por via de uma atuação dolosa, seja por via de uma atuação negligente.

Impõe-se, finalmente, a exigência de que tal incumprimento assuma um caráter de gravidade que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

Conjugada e cumulativamente, pois, a licitude de um despedimento do trabalhador com justa causa pressupõe um comportamento ilícito e culposo que, pela sua gravidade, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. 

2.2 Tiveram as instâncias recorridas por verificado o incumprimento (culposo) dos deveres obrigacionais por parte do A.

Na fundamentação da presente ação que instaurou, o ora Recorrente começou por alegar:
«Não violou o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, dado que a junção em causa não lhe cabe e, por outro lado, apenas não carregou o tripé porque não se encontrava em perfeitas condições de saúde para tal e, tendo solicitado a colaboração do seu colega para o fazer, não a obteve, o que resultou num impasse e, neste, o colega do A. decidiu, sem concurso do A., não fazer a reportagem, o que não acarretou prejuízo para a Ré.»

Verdade, porém, que submetida tal alegação ao crivo da prova, não logrou a mesma obter resposta de conformidade como, em sinopse crítica, logo se afere da leitura do quadro fáctico deixado comprovado, quer ao nível da 1ª Instância, quer ao nível do Tribunal da Relação, mesmo com as alterações aqui produzidas.

Em face de um tal quadro, o Tribunal da 1ª Instância, comprovado o objetivo incumprimento da «não realização de um serviço de reportagem que lhe havia sido marcado pela sua hierarquia, apesar de se ter deslocado ao local» [Facto 13] logo ponderou, ao nível do juízo de culpa:
«Ao tomar-se conhecimento dos factos acima relatados, o que ressalta à vista de quem desapaixonadamente os lê, é a falta de motivação séria para que a reportagem em questão não se tivesse realizado. Ainda que tivesse surgido um desentendimento entre os funcionários encarregues de procederem à mesma, este desentendimento não deveria ter prevalecido sobre a necessidade premente de cumprir a obrigação profissional a que ambos estavam adstritos.
É, de certo modo, incompreensível que dois profissionais, sendo o aqui A. funcionário da R. há cerca de 20 anos, falhem uma reportagem por um motivo tão fútil como aquele que acima consta do elenco factual.
A situação torna-se ainda mais bizarra, quando ao invés de tentar solucionar a questão no local onde se encontravam, e onde deveriam proceder à realização da reportagem, o A. e o seu colega se ausentaram para as instalações da delegação da R. em Vila Real, sem dar conhecimento imediato ao seu superior hierárquico do que se estava a passar. O contacto telefónico, no local, era certamente possível e teria mais facilmente solucionado o problema, caso ambos tivessem acatado a sua decisão, dado que solicitando ao seu coordenador que lhe indicasse o que fazer e que servisse até de intermediário na disputa gerada entre colegas, não só respeitaria a cadeia hierárquica, como demonstraria que da sua parte havia toda a vontade e disponibilidade para realizar a pretendida reportagem.
A estas considerações acresce o facto de o A. não ter demonstrado qualquer limitação física de desempenhar a sua profissão e de transportar o equipamento necessário ao cabal exercício da mesma. Na verdade, qualquer trabalhador, em qualquer profissão ou está em condições de a desempenhar e se apresenta ao serviço, ou então, estando incapacitado por doença, deve procurar assistência e comunicar tal circunstância à sua entidade patronal, de forma a recompor-se e tornar ao serviço. O que certamente não deve fazer é manter-se ao serviço escusando-se de praticar tarefas que lhe assistem, tentando até impô-las aos colegas, com base numa incapacidade que não estava determinada por quem o devia fazer – médico assistente.
Conclui-se, assim, que o estado emocional do A. prevaleceu sobre o racional e impediu-o de desempenhar cabalmente as suas funções, causando prejuízo à R. no sentido de que a mesma ficou privada de uma reportagem, que apenas se poderia realizar num determinado período de tempo (restrito e premente) e que teve de ser reagendada para data posterior, perturbando o encadeamento noticioso que a R. pretendia.»
(…….)
Temos, pois, que o A. cometeu uma infração, que consistiu na não realização da reportagem que lhe foi incumbida, o que fez de forma consciente, bem sabendo que ausentando-se do local, no momento em que o fez e inexistindo outro repórter de imagem que pudesse acompanhar, em tempo útil, ao local, o seu colega jornalista e sendo este incapaz de sozinho desempenhar as necessárias funções que produzissem a reportagem em apreço, atuando desta forma de modo culposo, dado que lhe era exigível que agisse de forma a cumprir a sua obrigação profissional.
A tarefa que se recusou a desempenhar estava incluída dentro do seu estrito núcleo profissional e tendo já tido anterior procedimento disciplinar com base na violação do dever de obediência e de zelo profissional, ainda assim persistiu, numa atitude claramente desafiadora das regras de hierarquia e de cumprimento das ordens da sua entidade patronal, sem qualquer motivo justificativo atendível.»

Relativamente a este juízo de confirmação do incumprimento culposo dos deveres obrigacionais por parte do A., ora Recorrente, não divergiu o Tribunal da Relação.

Nem, aqui, na presente Revista, merece tal conclusão qualquer censura.

Enquanto operador repórter, incumbia ao A. transportar e manusear o equipamento necessário para efetuar as reportagens (sendo o tripé parte desse equipamento), sendo certo, ainda, que o jornalista BB, além de não ter essa obrigação, não poderia fazer a reportagem sozinho uma vez que não sabia operar a câmara.

Ora, divergindo deste, o A. «considerou que não era sua obrigação fazê-lo», pelo que «não efetuou o trabalho, conformando-se com o respetivo resultado» [Factos 16 e 17]

Dizer, então: o A., agindo com dolo (voluntariedade na conduta, representação e conformação com o resultado) recusou a prestação a que estava obrigado, acabando por não realizar o serviço de reportagem que lhe havia sido marcado pela respetiva hierarquia.

Imperiosa se torna a conclusão de um incumprimento de dever obrigacional quando da correspondente desobediência ilegítima à ordem dada por responsável hierarquicamente superior.

Outrossim, se tomada em consideração a anterior sanção cominada ao A., equivalente a 12 dias de suspensão, com perda de retribuição - também com base em violação do dever de obediência, por recusa de realização de uma reportagem -, legítima se torna a conclusão quanto à repetição no desinteresse pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho que lhe esteja confiado. [396º/3/al. d) CT/2003]

2.3 Ficou já expressa a inferência normativa de que o incumprimento, de per si, não legitima a resolução unilateral do contrato de trabalho.

Na verdade, a lei só confere ao empregador o poder de despedir o trabalhador verificado que se mostre o incumprimento grave que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral. [396º/1 CT/2003]

Ora, é particularmente neste âmbito que o Recorrente, com apelo aos princípios da razoabilidade e da adequação, põe em causa a decisão tomada nas instâncias recorridas quando reconheceram a justa causa para o despedimento.

Como decidir?

2.3.1 As instâncias recorridas, sem hesitação, tiveram por verificado este pressuposto da gravidade.

Ponderou-se na 1ª Instância:
«Os critérios a seguir, na fixação da sanção, são o da gravidade da mesma e o da culpa do infractor.

(…)
Na avaliação da culpabilidade do trabalhador, para efeitos de determinação da proporcionalidade da sanção disciplinar, o empregador deverá ter em consideração se o trabalhador atuou com dolo (e qual o tipo de dolo) ou negligência e, por outro lado, ponderar a existência de circunstâncias exteriores e sua influência para a determinação da conduta do agente.”.
Em face dos critérios que acima se deixaram expostos entende-se que a conduta do A. foi grave e culposa e daí se ter concluído que era merecedora de sanção e tendo em vista, por um lado a sua extensa experiência profissional que eleva a fasquia do seu desempenho profissional, bem como o conhecimento intrínseco do conteúdo das suas funções e da importância das mesmas para a cabal concretização das reportagens que lhe são incumbidas, bem como a existência de anterior sanção disciplinar, reveladora, em nossa opinião, dum espírito não de colaboração, com os colegas e superiores hierárquicos, por parte do aqui demandante, mas antes de revolta e de insubordinação, violador das regras de obediência a que o A. estava vinculado e mais uma vez não se escusou de demonstrar, bem sabendo que causava, como causou, com a sua conduta, prejuízo à R.
Acaso os funcionários da R. se recusassem a efetuar as reportagens que lhes estão incumbidas, como preencheria a R. o seu espaço noticioso? Como cumpriria o seu serviço público de informação televisiva? A gravidade da conduta do A. deve ainda ser ponderada também à luz da dimensão dos funcionários que a R. tem ao seu serviço, em termos de objetivos de prevenção geral que aqui se pretendem atingir, mas também do peso que cada um dos seus colaboradores (repórteres de imagem e jornalistas) detêm dentro da sua estrutura empresarial.
Sabendo o A. da censura que a violação do dever de obediência merecia, por parte da sua entidade patronal, tal como ficou bem patente na sanção disciplinar que lhe havia sido aplicada anteriormente, ainda assim não se escusou de reiterar o seu comportamento, demonstrando à aqui R. não só o desrespeito pelas suas ordens, como também pelas sanções disciplinares que lhe haviam sido comunicadas pela mesma.
Concluindo, não se pode deixar de considerar que a sanção aplicada ao A. se mostra adequada, tendo-se a relação laboral tornado inviável, pela quebra de confiança no acatamento das ordens transmitidas evidenciada na conduta acima dada como assente pelo aqui A.»

Não foi diferente, no essencial, a fundamentação adrede aduzida pelo Tribunal da Relação:
«….este comportamento é grave em si mesmo e nas suas consequências e põe em causa a manutenção da relação laboral.
O trabalhador recorrente já tinha 20 anos de serviço, razão pela qual não podia desconhecer a importância das tarefas a que estava adstrito e, já tendo sido sancionado com uma suspensão, com perda de retribuição, com base em violação do dever de obediência, por se ter recusado a realizar uma reportagem, em virtude da mesma ocorrer fora do seu horário de trabalho, reincidiu. E, pese embora a reportagem tenha acabado por se realizar, o comportamento do A. provocou à Ré os inerentes prejuízos de reagendamento bem como o risco da sua não realização.
E, assim, não é exigível à Ré que continue a confiar no trabalhador no sentido de que o mesmo cumprirá as tarefas de que é incumbido.
Face ao que ficou dito, o despedimento afigura-se-nos uma sanção adequada e proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do trabalhador (artigo 367.º do C.T. de 2003)»

2.3.2 Acompanham-se, no essencial, as motivações reproduzidas.

Nomeadamente, com referência ao apelo que nelas ressuma, que é do conhecimento público e não carece de particulares lucubrações exegéticas, como é dizer o serviço público de informação televisiva que incumbe à RTP.

Serviço público de informação que, de per si, deve transmitir àqueles que ali trabalham uma maior consciencialização e um elevado sentido de responsabilidade no cumprimento dos deveres obrigacionais assumidos no vínculo contratual.

Visto que o Recorrente suporta a pretensão formulada na presente Revista em ver reconhecida a inexistência de justa causa por violação dos princípios da razoabilidade e da adequação – contrapondo, se bem se interpreta, a mui relativa ou escassa importância do facto, a que acrescenta a inexistência de «qualquer prejuízo» – importará aprofundar a questão à luz do conteúdo axiológico-normativo subjacente à disposição legal invocada e aplicável no caso concreto.

Romano Martinez falava, a este propósito, da necessidade de «verificar se o comportamento culposo de uma das partes (o trabalhador) põe em causa a subsistência de uma relação contratual duradoura», para concluir que «a questão não é específica do contrato de trabalho (onde tem, evidentemente, as suas particularidades), mas das relações duradouras.» ([4])

Esta última referência traz-nos à memória os ensinamentos de Baptista Machado a propósito do inadimplemento sintomático, que transcrevemos:
«Diferentemente dos contratos de execução instantânea, os de execução continuada ou periódica criam uma relação contratual mais complexa que apresenta aspetos particulares no que se refere à valoração do inadimplemento para efeitos de resolução.»

(………)
«[d]a mesma estrutura também deriva ou pode derivar que tenhamos de adotar, para avaliar a gravidade do inadimplemento suscetível de legitimar a resolução, um critério especial. É que a particular natureza do contrato faz com que cada prestação, ou cada inadimplemento, não devam ser tomados e valorados isoladamente, mas, antes, com referência à relação contratual complexiva
Se «em regra, não bastará o inadimplemento de uma só prestação para fazer desaparecer o interesse do credor na subsistência da relação», «um inadimplemento, ainda que de menor importância, já poderá legitimar a resolução se, pela sua natureza e pelas circunstâncias de que se rodeou (….) for de molde a fazer desaparecer a confiança do credor no exato e fiel cumprimento das prestações subsequentes, ou das obrigações contratuais em geral. Ora esta perda de confiança não tem diretamente a ver com a gravidade do inadimplemento ( …..) Aqui o inadimplemento tem a função ou o valor de um elemento sintomático…».

Ponderava, ainda, em tal âmbito, aquele mestre de Coimbra:
«[t]emos de considerar as obrigações derivadas de contratos de execução continuada celebrados intuitu personae ou que pressupõem uma relação de confiança e de colaboração estreita, ou pressupõem certas qualidades de honorabilidade, lealdade, confidencialidade, etc, que são fundamentais para a consecução da finalidade contratual. Como tais podemos considerar, p. ex., o contrato de trabalho, certos contratos especiais de prestação de serviços, etc. Por eles se constitui uma relação de confiança recíproca e de colaboração, em que muito contam as qualidades pessoais dos contraentes e porventura até as sua relações sociais e a sua solidez financeira.
Pois bem, pode dizer-se que destes contratos surge uma obrigação de conteúdo mais amplo: uma obrigação de abstenção de qualquer comportamento que faça desaparecer aquela relação de confiança, um dever genérico de correção, lealdade e boa-fé a que, dado o seu caráter de meio indispensável à consecução do fim do contrato, podemos conferir o valor de uma obrigação principal.
Ora esta obrigação pode ser violada pelas mais diversas maneiras. E também o seu inadimplemento (a sua violação) não é apreciado pelo critério do prejuízo certo que ele possa causar à outra ou às outras partes no contrato, mas, antes, como elemento sintomático, como facto capaz de fazer desaparecer a particular confiança que no adimplemento depositavam os outros contraentes e de fazer desaparecer, portanto, aquela garantia de observância, por parte do inadimplente, de todas as sua obrigações de leal cooperação.
Pode dizer-se, em síntese, que nos contratos de que decorre uma relação particularmente estreita de confiança mútua e de leal colaboração, tais como…., o contrato de trabalho, ….(…), todo o comportamento que afete gravemente essa relação põe em perigo o próprio fim do contrato, abala o fundamento deste, e pode justificar, por isso, a resolução.»
«Não é, pois, de surpreender que neste domínio de relações duradoiras - …. – apareça com frequência como fundamento da resolução a «justa causa». Assim é na relação laboral…»
«Será uma “justa causa” ou um “fundamento importante” qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa-fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual.» ([5])

Neste quadro de pensamento está também, se bem se interpreta, Romano Martinez quando, a propósito da «Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa» ([6]) refere que não têm os mesmos de ser avultados, «pois o que releva é a quebra na confiança»:
«Daí que sendo os danos patrimoniais irrisórios, como o furto de uma pequena soma de dinheiro, pode haver justa causa de despedimento; por outro lado, ainda que o trabalhador, confrontado com a lesão causada, tenha ressarcido totalmente os danos sofridos pela empresa, não exclui a justa causa. A gravidade dos danos pode relevar para se inferir da impossibilidade de subsistência da relação laboral, mas não é uma fator decisivo; ainda que os prejuízos da empresa sejam pouco avultados ou tenham sido ressarcidos - … - não obsta à existência de justa causa.»
«…no âmbito laboral, o montante do dano é um mero elemento de ponderação da quebra de confiança.
A lesão de interesses patrimoniais sérios pode até ser meramente potencial…»

Em jeito de conclusão, retira-se do mesmo autor:
«Perante o comportamento culposo do trabalhador impõe-se uma ponderação de interesses; é necessário que, objetivamente, não seja razoável exigir do empregador a subsistência da relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra da relação de confiança motivada pelo comportamento culposo.» ([7])

2.3.3 Descendo ao caso concreto.

Da factualidade provada, da qual emerge o fundamento da sanção disciplinar cominada, são relevantes os seguintes pontos: (i) o A., admitido ao serviço da Ré, em 17.11.1986, para o exercício de funções de operador de imagem e repórter, trabalhava, desde 1988, na delegação da RTP, sita em Vila Real; (ii) nesta delegação, trabalhavam apenas o A., o jornalista BB e a senhora encarregada da limpeza; (iii) enquanto operador repórter, competia ao A. transportar e manusear o equipamento – tripé incluído – necessário à efetivação das reportagens, sendo certo que o BB não sabia operar com a câmara; (iv) para o dia 28.04.2006, foi marcado, pelo respetivo superior hierárquico, um serviço de reportagem sobre e-learning na UTAD, a levar a efeito pelo A. e pelo BB; (v) o A. e o BB deslocaram-se ao local, porém, «por divergências entre os dois colegas, a reportagem não se realizou»; (vi) incidiu tal divergência sobre qual dos dois deveria carregar o tripé: porque o A. considerou «que não era sua obrigação fazê-lo» e o BB entendeu que também não o deveria fazer, «o A. não efetuou o trabalho, conformando-se com o respetivo resultado»; (vi) o objeto da reportagem continuou até dia 19 de maio, e tendo a mesma sido agendada para outro dia, realizou-se; (vii) no âmbito de anterior processo disciplinar, a Ré aplicou ao A. sanção equivalente a 12 dias de suspensão, com perda de retribuição, com base em violação do dever de obediência, por em anterior ocasião se ter recusado a realizar uma reportagem, em virtude da mesma ocorrer fora do seu horário de trabalho.

Em face do quadro fáctico assim desenhado, torna-se óbvia a conclusão quanto à verificação, aliás já acima assumida, nomeadamente quanto ao juízo de culpa, de um comportamento do A. a ler à luz quer de uma objetiva desobediência ilegítima à ordem dada por responsável hierarquicamente superior, quer de um desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício da função que lhe estava confiada.

Pergunta-se agora: revestir-se-á a falta de uma gravidade tal que não se torne já razoavelmente exigível a aplicação de sanção disciplinar de índole conservatória? ([8])

Antes, assumirá tal comportamento a gravidade que consinta a formulação de um juízo de inexigibilidade para a parte não inadimplente na continuação da relação contratual?

Subjacente ao pensamento que se deixou exposto a ideia de que o pressuposto da inexigibilidade verificar-se-á quando na justa ponderação conjugada do comportamento do trabalhador e das circunstâncias do caso, «a subsistência do vínculo atinja de modo violento a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal, quando colocada na posição real do empregador, no circunstancialismo apurado» ([9])

Em termos de circunstancialismo e/ou posição real do empregador importará ter presente, como é facto notório e de conhecimento público, que a RTP exerce um serviço público de informação.

É, pari passu, comummente reconhecida a importância da informação em tempo. Tenham-se presentes as frequentes chamadas de atenção para as notícias de «Última hora», «Em primeira mão», «Em cima do acontecimento».

A informação em tempo útil e breve é, não raro, objeto de disputa e, de todo o modo, desiderato de qualquer estação de rádio ou televisão.

Daí, as delegações, visando assegurar uma proximidade dos locais e das populações que de modo mais rápido e eficiente consintam a realização das reportagens que os “acontecimentos” exijam.

Com a disponibilidade e eficiência das quais a RTP, como qualquer outra estação emissora, conta.

Nesta conformidade, a recusa da prestação por questão de «lana caprina», como justificadamente foi referido na fundamentação jurídica da 1ª instância, empresta à desobediência cometida pelo A. um cariz de gravidade que, compreensivelmente, mina a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento de um contrato de trabalho.

Com um tempo de serviço muito próximo dos 20 anos [Factos 1 e 13] e visto a sanção disciplinar já sofrida – sanção equivalente a 12 dias de suspensão, com perda de retribuição, por violação do dever de obediência – seria compreensivelmente de pressupor, no A., ora Recorrente, um outro sentido de responsabilidade no cumprimento dos seus deveres profissionais.

Aliás, na escala das sanções disciplinares de índole conservatória, aquela sanção atingira o cume da gravidade.

Nesta conformidade, a repetência na desobediência torna, ainda, mais compreensível o juízo de perda de confiança, logo de impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação laboral.

Contrapõe o A. a inexistência de prejuízos. Bem assim o largo tempo que vai decorrido, mantendo-se o A. ao serviço da R.

Sem razão.

No que ao tempo concerne, não pode o mesmo ser agora considerado qual facto novo, não considerado nas instâncias recorridas. Este Supremo Tribunal julga de direito, de acordo com o quadro fáctico definido nas instâncias recorridas.

 De todo o modo, não se olvide que a manutenção ao serviço da R. resulta do cumprimento de uma decisão judicial, em sede de procedimento cautelar.

Sobre a invocada ausência de prejuízos: independentemente dos prejuízos que necessariamente resultam de uma deslocação e perda de tempo inúteis, a verdade é que – tudo representando custos – a reportagem teve de ser levada a efeito num outro dia.

Porém, não é aqui, no maior ou menor prejuízo (patrimonial) que deve incidir o enfoque da inexigibilidade. É, antes, na perda de confiança.

Repetindo, embora:
«Um inadimplemento, ainda que de menor importância, já poderá legitimar a resolução se, pela sua natureza e pelas circunstâncias de que se rodeou (….) for de molde a fazer desaparecer a confiança do credor no exato e fiel cumprimento das prestações subsequentes, ou das obrigações contratuais em geral. Ora esta perda de confiança não tem diretamente a ver com a gravidade do inadimplemento ( …..) Aqui o inadimplemento tem a função ou o valor de um elemento sintomático…»

Destarte, conclui-se como se concluiu no Tribunal recorrido, no sentido da verificação de uma gravidade objetiva, em si e nos seus efeitos, que minando irremediavelmente a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento de um contrato de trabalho, tornou inexigível ao empregador RTP a manutenção da relação laboral.

IV DECISÃO

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas do recurso a cargo do Recorrente. 

(Anexa-se o sumário do acórdão).



Lisboa, 10 de Setembro de 2014


Melo Lima (Relator)

Mário Belo Morgado

Pinto Hespanhol

____________________
[1] Aplicável, na consideração conjugada da data da prática dos factos [28 de abril de 2006] e do disposto no Artigo 7º nº1 da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro.
[2] Redação, com alterações formais que não de substância, mantida no artigo 351º nºs 1 e 2 als. a) e d), e nº3 do CT/2009.
[3] MARTINEZ, PEDRO ROMANODIREITO DO TRABALHO, 2013. 6ªEdição; Almedina, pág. 910 [Itálico do Relator]
[4] CÓDIGO DO TRABALHO, ANOTADO – 2ª Edição revista, 2004, Almedina, pág.589
[5] OBRA DISPERSA, Vol. I; SCIENTIA IVRIDICA, Braga 1991, págs. 138-145
[6] Artigo 396º/3/al. e) do CT/2003; Artigo 351º/2/al. e) do CT/2009
[7] DIREITO DO TRABALHO, 2013. 6ªEdição, Almedina, págs. 914, 917-918 [Negrito, do Relator]
[8] Respetivamente: repreensão, repreensão registada, sanção pecuniária, perda de dias de férias, suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade [Artigo 366º alíneas a), b), c), d), e) do CT/2003]
[9] MARECOS, DIOGO VAZCÓDIGO DO TRABALHO ANOTADO, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 807