Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
398/19.7GCSTR.E1.S2
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
HOMICÍDIO
PARTICIPAÇÃO EM RIXA
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA AGRAVADA PELO RESULTADO
NAVALHA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I- Havendo apenas 2 intervenientes no confronto, do qual resultou a morte da vítima por o arguido ter desferido um golpe com uma navalha junto ao coração do ofendido, fica desde logo afastada a possibilidade de equacionar a subsunção dos factos ao crime de participação em rixa dado o disposto no art. 151.º, do Código Penal (CP), se seguirmos o entendimento desenvolvido por alguns autores que entendem que num crime de participação em rixa devem intervir pelo menos três pessoas.
II- Mas, ainda que sigamos a posição de quem defende que os intervenientes num crime de participação em rixa possam ser apenas dois , certo é que “[n]o caso de se provar quem foi o autor da morte (...) [deve] aplicar-se, naturalmente, o art. 131.º — homicídio doloso” (Taipa de Carvalho).
III- Considerando a conduta do arguido — o golpe desferido contra a vítima com uma navalha (facto provado 14) — e o resultado que desta adveio — morte da vítima [cf. facto provado 18: “(...) vindo a falecer, como consequência direta e necessária do último golpe desferido pelo arguido (...)”] — estão preenchidos os elementos objetivos do tipo legal de crime de homicídio: agente — que pode ser qualquer pessoa, no caso o arguido; conduta — a conduta do agente da qual tenha resultado a morte da vítima; e lesão do bem jurídico protegido pela norma — a vida humana. Para além disto, é necessário que o agente tenha atuado com dolo do tipo, enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo. Ora, sabendo que nos temos de ater aos factos provados, e não havendo factos provados no sentido que o arguido pretende — o de que estaria a atuar em sua defesa —, necessariamente temos de concluir pela atuação dolosa do arguido uma vez que ficou provado que representou, pretendeu e alcançou o resultado (facto provado 22) e agiu com conhecimento da ilicitude da conduta (facto provado 23), e assim demonstrou uma atitude contrária ao direito. Estão, pois, preenchidos todos os elementos do tipo legal de crime de homicídio.
IV- Tendo em consideração: - o modo de execução do facto: o uso de instrumento corto-perfurante — uma navalha — durante um confronto físico, a sua utilização num local do corpo junto a órgãos vitais da pessoa humana, e com força (significativa) para atingir fatalmente a vítima; - a forma como os factos foram praticados, uma vez que no âmbito do confronto físico entre o arguido e a vítima o arguido devia-se ter abstido da utilização de um instrumento corto-perfurante potencialmente perigoso para a vida do ofendido, sem esquecer que o arguido à data dos factos com 55 anos (quase 56) não se coibiu de agredir um jovem de 25 anos (a vítima nasceu a .../.../1994 — facto provado 36); e o modo como atuou após os factos; - e a completa indiferença perante o bem jurídico mais protegido por todo o ordenamento jurídico-penal, não constando da matéria de facto provada a indicação de o arguido estar arrependido; ­ - considera-se que as necessidades de prevenção especial são elevadas atento o facto praticado a demonstrar um desfasamento em relação às regras da sã convivência comunitária, e as elevadas necessidades de prevenção geral sempre reclamadas na prática de um ato deste tipo, impõem uma pena claramente acima do limite mínimo.
V- Mesmo sabendo que num certo entendimento do crime de participação em rixa este pode ser integrado quando se encontram em confronto apenas duas pessoas, e que o crime de homicídio, analisado globalmente o comportamento do agente, prevalece sobre aquele, e que poderá haver lugar a atenuação especial, nos termos do art. 72.º, n.º 1, do CP, quando haja uma contribuição causal da vítima para a criação da situação de perigo (a rixa) , consideramos que no caso esta atenuação especial não deve ser aplicada por falta de verificação dos pressupostos consagrados no normativo referido.
VI- Sabendo que a moldura penal oscila entre os 8 e os 16 anos, e que a metade da moldura se situa nos 12 anos, entendemos como necessária, adequada e proporcional a pena que lhe foi aplicada de 12 anos de prisão.
Decisão Texto Integral:



Proc. n. º 398/19.7GCSTR.E1.S2




Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I
Relatório
1. Nestes autos, por acórdão de 17.03.2021 do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo Central Criminal ..., Juiz ...), o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de homicídio, nos termos dos art. 131.º do Código Penal (CP), na pena de prisão de 12 (doze) anos.
Foi ainda condenado no pagamento de indemnização civil por danos patrimoniais e não patrimoniais aos demandados (que se constituíram assistentes), num valor global de 196 514, 50 euros.
2. Deste acórdão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 07.09.2021, decidiu:
«- corrigir o lapso material quanto ao montante compensatório que é de 156.514,50 € (cento e cinquenta e seis mil, quinhentos e catorze euros e  cinquenta cêntimos).
- negar provimento ao recurso.»
3. Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 24.03.2022, decidiu “declarar nulo o acórdão recorrido e determinando-se a remessa do processo ao Tribunal da Relação de Évora para o devido suprimento (das invalidades).
4. Foi, então, prolatado acórdão, de 07.06.2022, pelo Tribunal da Relação de Évora, tendo decidido «- corrigir o lapso material quanto ao montante compensatório que é de 156.514,50 € (cento e cinquenta e seis mil, quinhentos e catorze euros e cinquenta cêntimos).
- negar provimento ao recurso.»
5. Veio agora, novamente, o arguido recorrer deste último acórdão; termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
«a) A decisão de que ora se recorre, tem na base decisão do Tribunal Coletivo no processo à margem melhor identificado, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – ... – ....
b) E do qual o arguido AA recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, que, no essencial, limitou-se a reproduzir o acórdão de 1.ª Instância, mantendo inalterável a pena aplicada ao ora recorrente.
c) Inconformado, veio o arguido recorrer para o Douto Supremo Tribunal de Justiça, que decidiu declarar nulo o acórdão recorrido e remetê-lo para o Tribunal da Relação para suprimento das invalidades.
d) Que proferiu novo acórdão de que ora se recorre.
e) Seria de esperar que a aplicação de uma pena única de prisão em medida concreta tão elevada, 12 anos (doze anos), conduzisse o Tribunal da Relação, neste novo acórdão, (e, antes dele, o Tribunal de 1.ª instância), a uma análise detida e cuidada de todos os factos, das provas existentes e válidas, e, no final, da sua subsunção ao Direito, em particular às normas incriminadoras aplicáveis.
f) O arguido está convicto, contudo, que V. Exas. repararão as injustiças e os erros de que o mesmo tem sido alvo, aplicando o Direito como é apanágio deste Supremo Tribunal de Justiça, em respeito por uma ideia de processo penal garantístico e de um Direito Penal de última ratio e de natureza fragmentária, ambos enquadrados num ESTADO de DIREITO como é o nosso.
g) É por isso que o arguido AA pede: que o processo seja lido e analisado, que o acórdão recorrido seja analisado, bem como a presente motivação de recurso e as respectivas conclusões, e, a partir daí, que este Supremo Tribunal aplique a Lei e o Direito e, no final, que se cumpra sempre a almejada JUSTIÇA.
h) O arguido AA, foi condenado, por acórdão de 17 de Março de 2021, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio p.p pelo art. 131.º do C. Penal, na pena de prisão de 12 anos (doze anos).
i) É essa decisão do Tribunal da Relação de Évora, recorrível (em toda a sua extensão), que o arguido pretende, com a interposição do presente recurso, que seja reexaminada por este Supremo Tribunal de Justiça.
j) Assim, e com devido respeito, mantém o arguido a sua total incompreensão quanto à dedução lógica e jurídica que determina a manutenção do presente acórdão que nada trouxe de novo em relação ao anterior que foi declarado nulo pelo SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA e que mandou que fossem supridas as invalidades.
k) Na leitura rigorosa e atenta deste “novo” acórdão, e com o devido respeito, parece que o conteúdo do acórdão, em si mesmo, se mantém inalterado, apenas vestido com uma nova roupagem que em nada consegue, no nosso entendimento, justificar o caminho lógico que determinou a forma condenatória do arguido.
l) Manteve o novo acórdão, inalteradas todas as omissões conclusivas que ditam o seu entendimento jurídico dos factos, omissões essas que determinam que a defesa do arguido continue a não compreender o entendimento deste douto tribunal, sem que os direitos e as garantias processuais de que é titular tenham sido respeitados.
m) Na elaboração do novo acórdão, em tudo idêntico ao primitivo, seria de esperar e tendo o STJ proferido o douto acórdão tentando a clarificação definitiva dos factos e das suas consequências jurídicas, com o devido respeito, uma efetiva reanálise dos factos, tendo em conta todo o exposto nos recursos da defesa e toda a prova produzida em audiência de julgamento.
I- Nulidades do Acórdão recorrido
A) Da omissão de pronúncia e erro na aplicação do Direito
n) Acontece que apesar de tal recurso ter sido admitido pelo Tribunal a quo e conhecido no Acórdão recorrido, e apesar de a referida invocação de irregularidades constar das conclusões do recurso interlocutório transcritas no Acórdão recorrido, a verdade é que o Tribunal a quo não se pronunciou quanto a tais irregularidades e omissão de pronuncia, como se impunha.
o) A este propósito dispõe o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, que é nula a sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
p) A omissão de pronúncia traduz-se, assim, na violação do preceituado no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na medida em que este preceito estatui sobre o poder- dever, estritamente vinculado, dos tribunais conhecerem de todas as questões que lhe sejam submetidas pelos sujeitos processuais para tal fim.
q) Segundo o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ( ):[[1]]
“[a] nulidade resultante de omissão de pronúncia, patologia da decisão prevista na al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, ocorre quando a decisão é omissa ou incompleta relativamente às questões que a lei impõe o tribunal conheça, ou seja, às questões de conhecimento oficioso e àquelas cuja apreciação é solicitada pelos interessados processuais – art. 660.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP.”
r) Para mais, “como uniformemente tem sido entendido neste Supremo Tribunal, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que, como tal, tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença; a pronúncia cuja omissão conduz à nulidade é referida ao concreto objeto submetido à cognição do Tribunal e não aos motivos ou às razões alegadas.
s) Ora, ao ter omitido a pronúncia sobre a irregularidade invocada pelo Arguido, a este propósito, no seu recurso, o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questão que deveria apreciar e decidir, o que constitui causa de nulidade, ainda para mais, quando – e conforme se demonstrou nesse recurso – o Tribunal a quo deveria ter, não só apreciado, mas também decidido sobre a questão em sentido favorável ao Arguido.
Assim, e em suma:
t) Sobre a aludida irregularidade por falta de fundamentação invocada pelo Arguido, o Acórdão ora em crise é simplesmente omisso,
Subsidiariamente,
u) E ainda que assim não se entenda – o que apenas se equaciona por mero dever de cautela de patrocínio – sempre estaremos perante uma irregularidade do Acórdão recorrido, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, e com os mesmos fundamentos, a qual, para todos os efeitos, se deixa também desde já expressamente invocada.
v) Com o devido respeito, o arguido entende que o Tribunal a quo decidiu mal, errando tanto na interpretação como na aplicação do Direito, mas, sobretudo no que concerne à correta interpretação da matéria de facto.
w) Ora, salvo melhor entendimento, apenas a prova produzida em audiência de discussão e julgamento deve ser tida em consideração na decisão condenatória, conforme estatui o art. 355.º do CPP.
x) Da prova produzida nas várias sessões, nomeadamente com o depoimento das testemunhas arroladas, dos documentos juntos aos autos, e da acareação entre duas testemunhas que o Arguido entende serem cruciais no caso em apreço (e tanto assim é que o Tribunal “a quo”, ainda que ao contrário da opinião do Ministério Público, e dos assistentes, admitiu a referida produção de prova por entender ser relevante, para a boa decisão da causa), não resulta inequivocamente que os factos se tenham passado conforme o Tribunal “a quo” erradamente julgou.
y) Inexiste claramente, matéria probatória suficiente da qual pudesse o Tribunal “a quo” condenar o Arguido nos termos do Douto Acórdão.
z) Existe sim, matéria probatória que demonstre, que os factos se passaram de forma diferente, da matéria factual que foi dada como provada pelo Tribunal “a quo”.
aa) Isto porque, e muito resumidamente, tentou criar-se a convicção de que os confrontos físicos finais que originaram a morte da vítima, tiveram apenas como intervenientes, dois indivíduos: O Arguido e a vítima.
bb) Para além do arguido e da vítima, ficou claramente demonstrado que a testemunha BB também se encontrava envolvido, juntamente com a vítima nas agressões que ambos efetuaram contra o arguido, ora recorrente.
cc) Facto que o Tribunal não poderia ter ignorado e que, era por demais evidente e importante para a boa decisão da causa.
dd) Facto que o Tribunal não poderia ter ignorado e que, era por demais evidente e importante para a boa decisão da causa, de acordo, por exemplo com o depoimento da testemunha CC que repetiu várias vezes em instâncias dos advogados e do coletivo “brigaram os três”, “tiveram os três atrás do carro”, “vão os três sempre a agredirem-se mutuamente”, “a briga entre eles os três”, “não tenho dúvidas”
ee) Como pode o Tribunal de primeira instância, bem como a Relação, desconsiderar tal depoimento isento, e talvez o único imparcial, pois que nunca tinha visto o arguido, antes de começar o seu depoimento demonstrou publicamente o seu desagrado pelo ocorrido e é pai da namorada de um dos jovens.
ff) Mais, após este depoimento, seria expectável que o Tribunal ficasse no mínimo dividido e que, como será sua obrigação para a obtenção da verdade, tentado produzir junto das demais testemunhas, novas provas. No decorrer de toda a restante produção de prova, nunca o testemunho ocular de CC foi posto em causa por qualquer das restantes testemunhas, não se entendendo assim, a conclusão em sentido diverso, pois que, e com o devido respeito, foi talvez a única prova testemunhal relevante, objetiva, demonstrando certeza e imparcialidade, tendo sido o primeiro a chegar ao local do início da contenda na rua.
gg) Obtenção de novas provas que poderiam fazer confirmar ou não este testemunho nunca foram obtidas, pois que desde o início que o Tribunal a quo tinha a sua convicção produzida.
hh) Neste sentido, entre o primeiro e o segundo doutos acórdãos da Relação de Évora, apenas se podem encontrar singelas diferenças de texto, quanto a este e outros pontos tão fundamentais para a obtenção da JUSTIÇA.
ii) Será que, o facto de colocar em causa conceitos relativos à definição e qualificação de perito, de exames periciais, pondo até em causa documentos que, fazendo parte do processo e pertencendo ao “rol” de prova documental existentes no despacho de acusação, tentam desconsiderá-los e negar a sua valoração, altera e corrige as invalidades existentes no acórdão anterior?
jj) Ao que parece, e segundo o constante no douto acórdão de que ora se recorre, o tribunal a quo falhou, mas o seu acórdão em nada altera ou corrige o pecado inicial.
kk) Também a defesa falhou.
ll) Não existiram peritos na audiência de julgamento, os relatórios periciais, não são periciais, porque não foram elaborados por peritos, a acareação não deveria ter sido considerada prova permitida, terá sido aceite prova proibida?
mm)     E esses relatórios que fazem parte do despacho de acusação e parte do processo, não deveriam servir como prova no julgamento, porque eram apenas documentos do inquérito!?
nn)[[2]]
oo) No nosso entendimento, o n.º 2 do art. 374.º está intimamente ligado ao art. 127.º do CPP, nos termos em o referido artigo estatui que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
B) Da falta de fundamentação
i)Enquadramento: de toda a singela fundamentação
pp) No entanto, a livre convicção do juiz não se pode confundir com a sua íntima convicção, caprichosa e emotiva.
qq) Dever esse, que axiologicamente se impõe ao julgador por força, do princípio do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.
rr) Mas antes deve perspetivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento.
ss) É, pois, na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, objetividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjetivo da formação da convicção do julgador.
tt) Não é suficiente a mera indicação das provas, sendo necessário revelar o processo racional que conduziu à expressão da convicção.
uu) O princípio do processo equitativo é compatível com motivação sumária, sendo, porém, indispensável uma fundamentação adequada e proporcional à complexidade da hipótese inerente a cada caso concreto.
vv) O exame crítico das provas deve indicar, no mínimo, e não necessariamente por forma exaustiva, os elementos de prova e as razões de ciência a partir deles que tenham, na perspetiva do tribunal, sido relevantes, dando a conhecer, deste modo, o processo de formação da convicção do tribunal.
ww) Enunciados estes princípios e analisado o Acórdão em crise, objeto do presente recurso, é patente que a análise crítica da prova é inexistente.
xx) Não só é inexistente, como também a própria matéria de facto dada como provada é contraditória entre si.
yy) Da leitura do Acórdão em questão, facilmente damos conta de que o mesmo se limita a enunciar em súmula o conteúdo do depoimento do arguido, embora de uma forma manifestamente abstrata.
zz) Referindo muito sucintamente, e de uma forma muito pouco detalhada, que a versão sustentada pelo arguido não tem qualquer acolhimento, nem qualquer correspondência com a verdade.
aaa)     Quando na verdade, e pelo que se assistiu nas longas sessões de Audiência de Julgamento, a versão do Arguido é a única versão que faz qualquer sentido, em consonância com a testemunha que, muito embora estivesse “contra” o arguido, referiu, que em abono da verdade estavam dois amigos contra o arguido.
bbb)     Abstrata, é também a forma, como é descrito o conteúdo do depoimento das testemunhas, ouvidas.
ccc)     Não se poderá deixar de referir que o Tribunal não ponderou, em nossa opinião, de forma consciente, o efeito medo na produção do resultado típico, como hoje é sobejamente pacifico em toda a doutrina de Direito relacionando o ato, o medo e a necessária análise jurídica fundamentada na moderna neurociência. (“A negligencia inconsciente entre a dogmática penal e a neurociência”, Bárbara Sousa Brito)
ddd)     Com efeito, não só nos casos infra indicados merece censura o (não) cumprimento do dever constitucional de fundamentação a que está adstrito o Tribunal a quo. A escassez de fundamentação perpassa todo o Acórdão recorrido, o que se torna especialmente chocante quando se tenha em consideração que através do Acórdão recorrido o Arguido é condenado por um crime de homicídio, sendo-lhe aplicada uma pena de 12 anos de prisão.
eee)     No entanto, no Acórdão recorrido, assiste-se, com alguma estupefacção e igual inquietação, a uma total ligeireza e superficialidade na análise das questões suscitadas, nas mais da vezes bastando-se a fundamentação com sequências de transcrições da decisão do Tribunal de 1.ª instância, acolhidas automática e acriticamente, e intercaladas com meras frases de interligação, o que, naturalmente, não se coaduna com a seriedade, densidade e profundidade exigível na análise das questões jurídicas a um tribunal superior, no julgamento de um recurso em que o Arguido vem condenado a uma tão elevada pena privativa da liberdade.
ii)         Nulidade - Relativamente à subsunção dos factos ao crime
fff) Como evidenciou o Tribunal Constitucional, a fundamentação das sentenças penais “deve ser susceptível de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da sua livre apreciação pelo julgador, devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida. Afigura-se ser este o núcleo central da exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais” (7) (realce nosso). [nota de rodapé 7 — Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/98, acessível em www.tribunalconstitucional.pt].
ggg)     Acontece que, se não sendo mentira que o Acórdão recorrido nos proporciona, através da transcrição da decisão de 1.ª instância, uma listagem de factos que foram julgados provados e não provados, a verdade é que falha pela total ausência de uma exposição concretizada e individualizada que permita sustentar (e perceber) o juízo decisório que é extraído a final relativamente à subsunção dos (inúmeros) factos dados por provados ao crime de homicídio pelo qual o Arguido vem condenado.
hhh)     Com efeito, a este propósito, o Acórdão recorrido limita-se a transcrever as normas incriminadoras e a caracterizar, de forma totalmente geral e abstracta, o tipo de crime imputado ao Arguido AA, sem cuidar proceder, ainda que sumariamente, à necessária subsunção dos (inúmeros) factos dados por provados a tal crime.
iii) De forma simples: no Acórdão recorrido não é estabelecida – sequer remotamente – qualquer correlação entre todos os factos dados por provados e o crime imputado ao Arguido.
jjj) Vejamos que assim é:”Nesta senda, dúvidas inexistem que o arguido AA praticou em autoria material e na forma consomada um crime de homicídio, p.p pelo art. 131.º do CP nos termos pelo qual vinha pronunciado e pelo qual deve ser condenado.”
kkk)     Entendimento do qual discordamos, uma vez que o resultado espelhado no acórdão não está minimamente de acordo com o conjunto da prova quando analisada na sua totalidade.
lll) E com a fundamentação que se exige.
mmm)  A título meramente exemplificativo, pergunta-se, atenta a remissão que é feita em bloco para a matéria de facto dada como provada, e por resultar verdadeiramente ininteligível do Acórdão recorrido: dos 53 factos considerados provados e 5 considerados não provados que integram o acórdão de 1.ª Instância, quais os concretos factos que preenchem a conduta típica do crime de homicídio p. e p. pelo artigo 131.º do CP, pelo qual vem condenado o Arguido?
nnn) E não pelo crime de ofensas à integridade física agravada pelo resultado morte, 143.º C. Penal?
ooo) Da mesma forma que se pergunta, por resultar verdadeiramente ininteligível do Acórdão recorrido: porque é que esses factos (que permanecem por individualizar) juntamente com as provas, não respondem à questão essencial, ou tão pouco, justificam a conduta típica do crime de homicídio por si só?
ppp) A existência de três e não dois intervenientes na ação final não é essencial à descoberta da verdade?
qqq) E à tipificação do crime?
rrr)  E porquê dolo necessário?
sss) O Acórdão recorrido não responde.
ttt) Resulta assim do exposto que o Acórdão recorrido, para além de não proceder à identificação individualizada dos factos que no seu entender integram a prática do crime de homicídio, não justifica ou descreve, de forma cabal, completa e adequada, como se impõe, o iter metodológico prosseguido que terá culminado na decisão de considerar preenchidos os tipos objectivos e subjectivos desse mesmo crime.
uuu)     A partir da leitura e análise do Acórdão recorrido, não é possível ao Arguido perceber quais as razões de direito que determinaram a sua condenação em tal crime.
vvv)     Resulta assim absolutamente claro que o Acórdão recorrido não respeita ou cumpre as exigências mínimas de fundamentação que se esperam de uma decisão judicial a ser proferida em processo penal, de forma a potenciar a necessária sindicância da própria decisão.
www)  Prejudicando, inclusive, diversos direitos de que é titular, desde logo, o arguido, e que recebem consagração constitucional, como sucede com o direito ao recurso ou o direito de defesa e ao contraditório (cfr. artigo 32.º, n.ºs 1e 5, da Lei Fundamental).
xxx)     Como parece óbvio, através da remissão, em bloco e sem mais, para os factos dados como provados, não é possível ao Arguido AA compreender quais os factos por si praticados que sustentam a condenação do crime imputado desta forma, nem as razões pelas quais tais factos se subsumem ao crime em causa, o que sempre seria imprescindível para o exercício cabal e completo do seu direito de Defesa.
yyy)     Acresce que, tais exigências de fundamentação são de tal forma relevantes e preponderantes que o ordenamento jurídico sanciona a sua ausência ou incumprimento com o vício de nulidade.
zzz)      Isso mesmo resulta do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, norma que qualifica como “nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F”.
aaaa)   E o momento processual para a tempestiva arguição de tal vício corresponde, precisamente, à interposição de recurso da decisão em causa, como dispõe o n.º 2 do mesmo artigo 379.º do CPP (“As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º”).
bbbb)   É precisamente esse o vício manifesto e grave de que enferma o Acórdão recorrido.
cccc) Pelo que, nestes termos, estamos perante um vício que, por si só, invalida toda a decisão judicial em apreço, a qual é, assim, nula, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP, por violação do disposto no já mencionado n.º 2 do artigo 374.º do mesmo diploma legal.
dddd)   Nulidade essa que se deixa, desde já, expressamente invocada, para os devidos efeitos legais, e a qual deve ser reconhecida e declarada.
Subsidiariamente,
eeee)    E ainda que assim não se entenda – o que apenas se equaciona por mero dever de cautela de patrocínio –, sempre estaremos perante uma irregularidade do Acórdão recorrido, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, e com os mesmos fundamentos, a qual, para todos os efeitos, se deixa também desde já expressamente invocada.
iii) Nulidade - Da medida da pena e do crime imputado
ffff) Como vimos supra, o artigo 374.º do CPP, concretizando o comando constitucional constante do artigo 205.º da CRP, obriga à fundamentação da sentença, sendo que como vem sendo reconhecido pela jurisprudência do TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, tal fundamentação tem de ser “completa” e conduzir à “transparência do processo e da decisão”.
gggg)   Como vimos supra, o artigo 374.º do CPP, concretizando o comando constitucional constante do artigo 205.º da CRP, obriga à fundamentação da sentença, sendo que como vem sendo reconhecido pela jurisprudência do TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, tal fundamentação tem de ser “completa” e conduzir à “transparência do processo e da decisão”.
hhhh)   É exactamente por essa razão, aliás, que se determina expressis verbis, no artigo 71.º, n.º 3, do CP, que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.
iiii) Embora sejam esses os critérios que o Acórdão recorrido convoca nas (escassas) páginas (três) que dedica à fundamentação da determinação da medida da pena, o que aí se refere não cumpre, sequer minimamente, as exigências legais de fundamentação de que acima demos nota.
jjjj) Ou seja, o Acórdão recorrido não contém fundamentação específica – nem mesmo por adesão ou remissão para a decisão de 1.ª instância – que justifique a medida fixada.
kkkk)    Também por essa razão, a Decisão final é nula, resultante da absoluta falta de fundamentação da medida pena, e assim deve ser declarada, decorrendo tal nulidade da conjugação dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, todos do CPP, o que, desde já, se invoca para todos os efeitos legais.
Llll) Tudo em razão da apontada falta de fundamentação, sem a qual – repetimos – fica irremediavelmente prejudicada, à partida, a possibilidade de plena sindicância jurisdicional e contraditório, pelo Arguido.

II – Da ausência de preenchimento do tipo legal do crime imputado
mmmm) Com efeito, do Acórdão recorrido, o Tribunal da Relação, para além de não ter procedido a uma subsunção concretizada e individualizada dos factos ao tipo criminal em causa, exercício a que estava obrigado e que determina a nulidade da decisão recorrida, como se  deixou invocado, limitou-se a reproduzir expressis verbis os entendimentos anteriormente explanados e sufragados pelo Tribunal de 1.ª instância.
nnnn)   A análise do Acórdão recorrido permite, pois, concluir sem escolhos que o Tribunal da Relação não aportou qualquer nova perspectiva ou entendimento jurídico face à posição já anteriormente assumida pelo Tribunal de 1.ª instância.
oooo) Reproduzindo a decisão anterior proferida no âmbito dos mesmos autos, sem qualquer crivo ou ponderação adicional, o Tribunal da Relação de Évora não ensaiou sequer um putativo esforço de procurar analisar a relevância criminal dos factos que foram julgados provados, o seu respectivo enquadramento e, por fim, a sua subsunção (ou não) aos preceitos incriminadores imputados ao Arguido AA.
pppp) Ainda que se aceitasse que o Arguido AA praticou os factos julgados provados, tal como estes se encontram descritos na decisão sobre a matéria de facto (o que, naturalmente, não se concede), a verdade é que esses factos não permitem suportar o enquadramento jurídico-penal que lhes é atribuído. Da impossibilidade de imputação do crime de homicídio
qqqq)   Como bem ensina Figueiredo Dias, “O tipo objetivo de ilícito do homicídio simples se consuma com a morte de outra pessoa, isto é, com o causar, por ação ou por omissão, a morte de pessoa diferente do agente (…) só sendo conveniente acentuar que ”causar a morte” implica a necessidade de se estabelecer o nexo de imputação objetiva (e subjetiva) do resultado à conduta.”
rrrr) Quer o acórdão de 1.ª Instância como o acórdão da Relação apontam para dolo direto de AA, ao analisar a factualidade descrita nos autos.
ssss) Situação com que não nos é possível concordar pois, o dolo tem que existir no momento do facto.
tttt) Abrangendo o período que vai do começo ao fim da ação, que realiza o correspondente tipo objetivo.
uuuu)   Aqui denota-se gravemente a omissão de fundamentação quanto à escolha do tipo de dolo com que se conclui apenas com o intuito de condenar.
vvvv)    O recorrente não tinha vontade do resultado muito menos conhecimento do momento da prática do facto, simplesmente, porque nunca o perspetivou ou preparou.
wwww) Estando certos que quanto aos elementos essenciais do dolo, ao objeto do mesmo, chega-se através da análise do art. 16.º, n.º 1 do CPenal: “são os elementos de facto ou de direito de um tipo de crime, a consciência da ilicitude do facto de que o que faz está proibido”
xxxx)    O recorrente apenas se defendia de dois jovens, cada um deles com metade da sua idade, que de forma selvática, alcoolizados, o atacavam (um cidadão com 58 anos) sem sentido.
yyyy)    Quando este (AA), já se tinha afastado do local do desentendimento e por isso, a contenda final, ocorreu uns metros abaixo do local onde o BB (terceiro interveniente) o confrontou e foi agarrado por outra testemunha.
zzzz)     Já quanto ao momento intelectual do dolo (o lado da representação) exige o conhecimento das características que integram o tipo de ilícito, o que, contende com a questão de saber quais são, em cada caso, essas características.
aaaaa) O arguido, ora recorrente, nunca poderia representar um facto que simplesmente desconhecia, não pretendia efetuar e tão pouco podia perspectivar.
bbbbb) O elemento volitivo, supõe uma decisão de vontade do agente para a realização do ilícito típico.
ccccc)  O arguido, não decidiu, não perpectivou e não tinha vontade.
ddddd) Simplesmente porque não o provocou, nem perspetivou.
eeeee)  Apenas, quando sovado por dois jovens com metade da sua idade e o dobro da energia, naturalmente, sentiu medo e reagiu de acordo com o pânico demonstrado e natural naquela situação – de acordo com as regras da experiencia comum, deveria ter-se dado como provado.
fffff)      Aquele que atua com dolo homicida, sabe que mata outra pessoa e quer isso mesmo, ou, pelo menos, confronta-se com o correspondente resultado.
ggggg) Situação que nunca aconteceu e os acórdãos não fundamentam a razão pela qual assim não se entendeu, mas mais, nem sequer consideraram como possíveis outras formas de agir, impedindo ou não valorando a prova na globalidade.
hhhhh) Tão pouco tentaram esclarecer para afastar essas possibilidades.
iiiii)      Bastaram-se com o dolo de 1.º grau, grosso modo, colando a intenção criminosa prevista no art. 14.º, n.º 1 do CPenal àquilo que o agente nunca quis obter.
jjjjj)      O coletivo, na análise da fita do tempo, mostrou ser incapaz de decidir de acordo com a real produção dos factos.
kkkkk)  Como bem ensina o prof. Figueiredo Dias “o agente prevê a realização do facto criminoso e tem como fim essa realização”, “a realização do tipo objetivo de ilícito, surge como o verdadeiro fim da conduta”
lllll) O que manifestamente, no recurso em análise não se verificou.
mmmmm) Andou mal o coletivo a não analisar o dolo necessário ou de segundo grau, “dolo de consequência necessária” do 14.º, n.º 2 CPenal. Dirige-se àqueles efeitos colaterais que o agente sabe necessariamente ligados à obtenção da sua finalidade última que, no pressente caso apenas se tratava da defesa da integridade física do arguido efetivamente ameaçada por dois jovens alcoolizados e agressivos.
nnnnn) “Produz-se um facto típico indissoluvelmente ligado ao almejado pelo autor e que, por isso mesmo, é conhecido e querido por ele” – a defesa da sua integridade física.
ooooo) Como bem ensina Cavaleiro Ferreira “a mera suspeita de que, eventualmente, possa advir a realização de um crime exigirá nova prova mais segura da conformação da vontade com essa realização, o que infelizmente, quer o coletivo de1.ªInstância, como o da Relação, estranhamente não fizeram. (sublinhado nosso)
ppppp) Seguindo a opinião por nós subscrita, age com dolo eventual, quem, tendo previsto um certo resultado – como consequência possível da conduta (elemento intelectual), toma a sério a possibilidade de violação dos bens jurídicos respectivos e, não obstante isso, decide-se pela execução do facto.
qqqqq) Agredido e humilhado perante os seus pares, temendo pela vida, pela agressividade desmedida da vítima e do seu amigo, empunhou o seu pequeno canivete, nunca podendo perspectivar o resultado morte que infelizmente ocorreu.
rrrrr)   Conforme factos provados, é a vítima que sai do interior do café, pois terá sido alertado dos confrontos com o seu amigo.
sssss)   Sem aviso, imediatamente se juntou aos desacatos.
ttttt)      Não era pois possível, ao arguido prever o resultado morte.
uuuuu) E deste modo, e tendo em conta que é a vítima que interpela o arguido, nunca poderia o Tribunal a quo, afirmar que existiu dolo em relação ao crime de homicídio. – Factos provados 8 e 9
vvvvv)  Muito menos dolo direto ou necessário.
wwwww) Pelo exposto, não poderia o julgador, ter condenado o arguido pelo crime de homicídio.
xxxxx)  Nunca tendo sido justificado como possível a previsão do art. 151.º do CPenal, participação em rixa, quando os factos provados apontam para tal.
yyyyy)  Tão pouco a previsão dos arts. 143.º, 144.º, 145.º, conjugada com o art. 147.º do CPenal, foi posta como hipótese.
zzzzz)   Sendo que, e sem prescindir, sempre se dirá que o Tribunal a quo, após ver toda a prova produzida, deveria ter alterado a qualificação jurídica dos factos nos termos do art. 358.º, n.º 1 e 3 do CPP, o que não fez.
aaaaaa) Estamos a cingir-nos apenas a fundamentos retirados dos factos provados.
III) Da medida da pena aplicável
bbbbbb) A moldura penal do crime de homicídio simples p. e p. pelo artigo 131º do Código Penal, isto é, nos termos em que o arguido fora condenado, vai de 8 (oito) a 16 (dezasseis) anos de prisão.
cccccc) A pena de 12 (doze) anos de prisão efetiva, situa-se na metade da moldura penal prevista para este tipo de crime.
dddddd) Pena, com a qual o Arguido não pode de todo concordar.
eeeeee) O Tribunal a quo, violou o disposto no artigo 71º do Código Penal, na medida em que não teve em conta todas as circunstâncias que depuseram a favor do agente, nem a gravidade (ou a sua falta) das suas consequências.
ffffff)     O Tribunal a quo, considerou que o Arguido agiu com dolo necessário, ou seja, o segundo grau de dolo nos termos do artigo 14º n.º2 do Código Penal.
gggggg) No entanto, e como já se referiu anteriormente, o Arguido de todo não concorda com esta qualificação.
hhhhhh) Abstratamente a pena é definida em função da culpa e da prevenção, intervindo, ainda, circunstâncias que não fazendo parte do tipo, atenuam ou agravam a responsabilidade do agente, conforme estatui o artigo 71º n.ºs 1 e 2 do CP.
iiiiii)     Como refere Roxin, em perfeita consonância com os princípios basilares no nosso direito penal: “a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada”
jjjjjj)     Mais, refere ainda este autor que: “A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade.”
kkkkkk) O Tribunal a quo, ao afirmar que foi o Arguido que originou todos os conflitos ocorridos naquela fatídica noite, está em erro.
llllll)     Se a vítima não tivesse saído do estabelecimento e se tem dirigido ao Arguido, provavelmente não estaríamos perante este desfecho.
mmmmmm)     Pelo que não se depreende o que motivou o Tribunal a quo, a afirmar o que afirmou.
nnnnnn) Se existisse uma escalada de violência por parte do arguido, a violência teria sido continua, sem interrupções.
oooooo) Mas é por demais evidente, que um grupo de indivíduos alcoolizados que não refrearão os seus impulsos face a qualquer tipo de diálogo racional, tem tendência a serem mais agressivos e impulsivos.
pppppp) A vítima, conforme foi referido, tinha uma taxa de 1,12 gramas de álcool no sangue
qqqqqq) O que de todo demonstra, que no momento em que este, se dirige ao arguido, foi tudo menos para ter um diálogo, calmo e racional e de forma a apaziguar os ânimos.
rrrrrr)  E como já tinha sido agredido violentamente, conforme resulta dos relatórios médicos juntos aos autos, que são claros e inequívocos, quanto a isto, é normal que o Arguido naquele momento estivesse com receio de se ver envolvido novamente em confrontos físicos.
ssssss)  Não se tratou claramente de indiferença por parte do arguido, mas antes de receio por um lado, e por outro não fazia ideia da gravidade da situação.
tttttt)     Por todo o exposto, sopesando as circunstâncias agravantes e atenuantes de todo o caso em apreço, afigura-se-nos algo excessiva a pena efetiva de 12 (doze) anos.
uuuuuu) O arguido, com a sua conduta, não manifesta, em momento algum um dolo homicida.
Por tudo isto, e considerando que a prova é insuficiente, que persistem dúvidas insanáveis, após a produção da prova, nada mais há a requerer senão que:
1. Seja julgado o presente recurso procedente e declarar as nulidades invocadas, bem como a requalificação jurídica do crime do qual vem condenado, ou, caso assim não se entenda e por mera cautela de patrocínio, que seja a pena aplicada diminuída para os seus mínimos legais.»
6. Por despacho de 22.07.2022, foi admitido o recurso.
            7. O Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Évora respondeu, tendo concluído nos seguintes termos:
«1- No Acórdão ora em crise (ponto B.2.4.d) mostram-se devida, e fundamentadamente, resolvidas as  “invalidades” quê se prendiam com a não autonomização da análise crítica aos pontos apontados pelo recorrente como sendo “erro de julgamento” no Tribunal de 1ª Instância;
2 – O Acórdão desse Colendo Supremo Tribunal, que declarou nulo o primitivo Acórdão do TRE, por omissão de pronúncia, considerou prejudicada, com aquela declaração de nulidade, a análise das demais questões suscitadas pelo recorrente no recurso interposto daquele Acórdão;
3.- Porque as mesmas voltaram a ser invocadas no presente recurso, mantém actualidade a resposta e conclusões então apresentadas pelo Ministério Público.»
8. Notificados os recorridos/assistentes DD e EE, não responderam.
9. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, no uso da faculdade concedida pelo art. 416.º, n.º 1, do CPP, o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça proferiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Além disto, afirmou: “sufragamos os argumentos constantes da resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora, que se encontram devidamente desenvolvidos e adequadamente sustentados, quer de facto quer de direito, e merecerem o nosso acolhimento.
Mantemos igualmente, e aqui damos por reproduzido para todos os efeitos legais, o nosso Parecer de 6/02/2022.”
O parecer referido, de fevereiro passado, foi no sentido da improcedência do recurso, porquanto:
«(...) I - DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Alega o recorrente, que o acórdão do Tribunal da Relação de Évora não se pronunciou sobre a invocada falta de fundamentação do acórdão do Juízo Central Criminal ... e, como tal, é nulo nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.
Esforça-se, o recorrente, repetindo-se, para nos convencer sobre a existência da nulidade referida, mas, quanto a nós, e com o devido respeito pela argumentação despendida, sem sucesso.
A questão suscitada foi apreciada pelo Tribunal recorrido, que se pronunciou da seguinte forma:
(...)
Ora, entendemos, que no acórdão em apreciação são analisadas as questões que se encontravam em causa, a saber: a invocada nulidade do acórdão proferido em primeira instância por suposta falta de fundamentação.
Entendemos que o acórdão recorrido não deixa dúvidas quando assim se expressa:
Isto é, a fundamentação do tribunal recorrido não sofre de “insuficiência intolerável”.
Não ocorre, portanto, a nulidade referida no arto 379ono1 al.a) do Código de Processo Penal.
Assim, e sem necessidade de mais considerandos, por desnecessários, parece-nos ser de improcede o recurso nesta parte.
II - DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA E CONSEQUENTE ERRO DE JULGAMENTO
Para que se verifique o vicio da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito, necessitando de ser completada. Ou seja, há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contém, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa de exclusão da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido.
Tem o aludido vício de ser aferido em função do objecto do processo traçado naturalmente pela acusação ou pronúncia. Isto significa que só quando os factos recolhidos e provados em julgamento, se ficam aquém do necessário, para concluir pela procedência ou improcedência da acusação se concretizará tal vício.
Não é o caso destes autos, em que a matéria de facto provada se apresenta manifestamente suficiente à decisão de direito proferida.
Por outro lado, para se verificar contradição insanável da fundamentação, têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso. A contradição pode suceder entre segmentos da própria fundamentação – dão-se como provados factos contraditórios, dá-se como provado e não provado o mesmo facto, afirma-se e nega-se a mesma coisa, enfim, as premissas contradizem-se; A decisão não se encontra em sintonia com os factos apurados.
Logo, a contradição só releva, juridicamente, quando existe uma oposição directa entre os factos qualquer que seja o sentido que se dê a cada um deles. Só então se está perante uma contradição insanável da fundamentação.
Não se vislumbra no acórdão recorrido qualquer contradição, nos termos atrás definidos, não relevando para o efeito a invocada contradição entre a decisão e aquilo que pretensamente disseram as testemunhas, segundo a convicção formada pelo recorrente.
Quanto ao erro notório na apreciação da prova, só existe, quando do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal; isto é, quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos, ou seja, quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum.
No caso dos autos, porém, não se detecta, na matéria de facto considerada provada na decisão recorrida, nenhuma irrazoabilidade patente aos olhos de qualquer observador comum, por se opor à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum.
Na verdade, o que a decisão recorrida indica como estando provado e não provado, em nada ofende o sentimento que o homem médio (e este homem médio é que serve de referência para o efeito de aferir da existência do falado erro notório) pode ter sobre a realidade ou irrealidade desses factos.
Por outras palavras, do texto daquela decisão (por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum) não resulta que se apreciou de forma visivelmente descabida a prova, isto é, que os factos que vêm dados como tendo acontecido não podiam ter acontecido (ou não podiam ter acontecido do modo como a sentença diz que aconteceram).
Da conjugação e valoração de todos os aludidos meios de prova chega-se à conclusão que a decisão recorrida está devidamente fundamentada em sede de decisão da matéria de facto - as testemunhas disseram o que se encontra resumido na sentença -, apresentando-se a versão declarada provada/não provada suficientemente consistente e apoiada naquela prova, não se vislumbrando qualquer infracção às aludidas regras ou princípios atinentes à prova.
Pretende o recorrente, que este Venerando Tribunal Supremo reaprecie a prova e considere como não provados os factos atinentes à verificação do crime de homicídio p.p. nos termos do arto 131º do Código Penal.
(...)
Do que se vem dizendo não resulta, porém, que a apreciação da prova seja insindicável, atento o facto de o julgador a poder apreciar livremente e de acordo com a sua convicção.
Efectivamente, o que o Recorrente pretende atacar não é uma eventual divergência ou contradição existente entre a prova produzida e a factualidade dada como provada, mas sim a valoração que o juiz da primeira instância fez relativamente aos diversos depoimentos diante si prestados.
E esse seu inconformismo torna-se mais intenso quando vê o Tribunal de segunda instância confirmar a decisão da primeira instância.
Com efeito, o recorrente sustenta, “que o Tribunal a quo decidiu mal, errando tanto na interpretação como na aplicação do Direito, mas, sobretudo no que concerne à correta interpretação da matéria de facto.
Inexiste claramente, matéria probatória suficiente da qual pudesse o Tribunal “a quo” condenar o Arguido nos termos do Douto Acórdão.
Existe sim, matéria probatória que demonstre, que os factos se passaram de forma diferente, da matéria factual que foi dada como provada pelo Tribunal “a quo”. Isto porque, e muito resumidamente, tentou criar-se a convicção de que os confrontos físicos finais que originaram a morte da vítima, tiveram apenas como intervenientes, dois indivíduos: O Arguido e a vítima.
Para além do arguido e da vítima, ficou claramente demonstrado que a testemunha BB também se encontrava envolvido, juntamente com a vítima nas agressões que ambos efetuaram contra o arguido, ora recorrente.
Facto que o Tribunal não poderia ter ignorado e que, era por demais evidente e importante para a boa decisão da causa.” (sublinhado nosso)
No entanto, o recorrente, ao elencar tal tese, esquece o supra explicitado princípio da livre apreciação da prova.
De facto, recorrendo às doutas palavras vertidas no Ac. T.C. 198/2004 de 24/03/2004 (publicado no DR,II Série, de 02/06/2004), “A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode, consequentemente, assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”.
Assim, e repetindo, a apreciação e valoração da prova é feita livremente pelo tribunal, de acordo com a sua livre convicção, assentando esta num raciocínio lógico, coerente, racional, e recorrendo a regras de lógica e experiência.
Ora, uma vez que o tribunal de primeira instância não usou de meios de prova proibidos, a sua decisão quanto à matéria de facto não enferma de nenhum vício notório ou contradição, conforma-se com as regras da experiência comum e é suportada pelas provas invocadas na fundamentação do acórdão proferido, forçoso é que se conclua que não merece, pois, qualquer juízo de censura a sua decisão no que à matéria de facto diz respeito.
Na fundamentação da sua convicção, o Tribunal a quo foi lógico e congruente, consistente e suficiente, explicando, a partir da prova produzida, as razões pelas quais se convenceu de que os factos haviam decorrido tal como havia dado como provado.
Assim o considerou igualmente, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, pelo que não assiste razão ao Recorrente.
Da análise de toda a prova produzida em sede de discussão e audiência de julgamento não logramos verificar nenhum facto como incorrectamente julgado, sendo certo que muito menos se vislumbra nenhuma prova que deva ser renovada.
Diz o recorrente que no acórdão recorrido assiste-se a «uma total ligeireza e superficialidade na análise das [questões] suscitadas, nas mais das vezes bastando-se a fundamentação com sequências de transcrições da decisão do Tribunal da 1.a instância, acolhidas automática e acriticamente, e intercaladas com meras frases de interligação, o que, naturalmente, não se coaduna com a seriedade, densidade e profundidade exigível na análise das conclusões jurídicas a um tribunal superior, no julgamento de um recurso em que o Arguido vem condenado a uma tão elevada pena privativa de liberdade».
Como bem refere o Magistrado do Ministério público do Tribunal da Relação de Évora,
“Nos termos do artigo 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, aos acórdãos proferidos em recurso é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 379.o do mesmo Código.
O n.º 1, alínea a), do artigo 379.º, por sua vez, determina que a sentença que não estiver fundamentada é nula.
Este normativo deve ser conjugado com o artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que estabelece que a estrutura da sentença compreende um segmento de fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Relativamente às decisões dos tribunais superiores, o nosso mais alto Tribunal tem entendido que «as exigências de pronúncia e fundamentação da sentença, prescritas no art. 374.º, n.º 2, do CPP, não são directamente aplicáveis aos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, por via de recurso, mas tão-só por força de aplicação correspondente do art. 379.º, ex vi art. 425.º, n.º 4, razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para sentenças proferidas em 1.a instância, o que bem se compreende, visto que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação do objecto do processo. (...) Por isso, o tribunal de recurso está apenas obrigado a sindicar a decisão recorrida, verificando, grosso modo, se a prova foi legal e correctamente valorada e apreciada (caso lhe tenha sido pedido e caiba nos seus poderes de cognição o reexame da matéria de facto) e se o direito foi bem aplicado, sendo que, no caso de entender que a valoração e apreciação da prova se mostram correctas e que o direito foi bem aplicado, pode limitar-se a explicitar as razões pelas quais adere aos juízos de facto e de direito formulados pelo tribunal recorrido, ou seja, à decisão sob recurso».
Salvo melhor entendimento, o douto acórdão recorrido pronunciou-se de forma suficientemente fundamentada relativamente a cada uma das diferentes questões suscitadas pelo recorrente, dando a conhecer as razões pelas quais aceitou a posição do tribunal colectivo da 1.a instância e que conduziram à decisão que tomou.
Nestes termos, também nesta parte não assiste razão ao recorrente.
III - DA NULIDADE RELATIVAMENTE À SUBSUNÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS
Sufragamos, nesta parte, o que é sustentado pelo Ministério público do TRE.:
(...) [Transcrição]
Diz o recorrente que «ainda que se aceitasse que o Arguido AA praticou os factos julgados provados, tal como estes se encontram descritos na decisão sobre a matéria de facto (...), a verdade é que esses factos não permitem suportar o enquadramento jurídico-penal que lhes é atribuído».
Conforme já exposto, a matéria de facto que suporta a condenação encontra-se definitivamente fixada e salta à vista mais desprevenida, mesmo para quem não tenha formação técnico-jurídica, que cai na previsão incriminatória do artigo 131.o do Código Penal.”
IV – DA MEDIDA CONCRETA DA PENA
Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:
(...) [Transcrição]
As finalidades da punição, nos termos do artigo 40o, no1, do Código Penal, visam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
(...)
Posto isto, entendemos que perante o quadro factual e jurídico descrito pela decisão recorrida, não é excessivamente dura nem desproporcional a pena aplicada em concreto.
O Tribunal in casu graduou, e bem, a medida da pena aplicada, ponderando todos os elementos e as circunstâncias enunciadas no douto acórdão sob recurso, designadamente, o grau de ilicitude e da culpa, e atendendo à moldura abstratamente cominada para o tipo de ilícitos cometido. (...)
Assim, entendemos que perante o quadro factual e jurídico descrito pela decisão recorrida, não é excessivamente dura nem desproporcional a pena aplicada em concreto.
E sendo que verificamos, pela análise do douto acórdão impugnado, que todas as operações lógicas de determinação da medida da pena foram, não só respeitadas como devidamente fundamentadas, com ponderação de todos os fatores suscetíveis de, in casu, determinar quais as concretas necessidades de prevenção que se fazem sentir e a culpa manifestada nos atos pelo agente, não merecendo, por isso, em nosso entender, qualquer censura.
A pena aplicada na primeira instância e confirmada pelo douto acórdão recorrido não é exagerada e ajusta-se aos critérios e finalidades emergentes dos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, e 71.º do Código Penal.
Afigura-se-nos que o acórdão recorrido não suscita reparo, cumprindo as exigências legais, não o afectando nulidade, ou sequer irregularidade, nem padece de inconstitucionalidade.
O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora respondeu ao recurso, demonstrando que os elementos probatórios suportam a indiciação criminal efetuada e subsequente condenação.
As questões suscitadas no recurso foram adequada e sustentadamente analisadas e rebatidas, e que aqui se dão por reproduzidas.
Sufragamos os argumentos constantes da resposta ao recurso apresentada, que se encontram devidamente desenvolvidos e adequadamente sustentados, quer de facto quer de direito, e merecerem o nosso acolhimento.»
            10. Notificado o arguido e os assistentes deste parecer, nada disseram.
            11. Colhidos os vistos, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.

II
Fundamentação

A. Matéria de facto
1. Matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido:
«1. No dia 24/11/2019, pelas 01h00m, no interior do estabelecimento hoteleiro denominado de “C...”, sito na Rua ..., localidade de ..., concelho ..., decorria uma festa de Karaoke, estando presentes vários clientes, entre os quais, o arguido, na companhia do seu amigo FF, bem como outros seus conhecidos, nomeadamente, GG, HH, II e ....
2. Frequentavam também a referida festa o grupo de amigos de JJ, o qual era composto, para além do próprio, por BB, KK, LL, MM, NN e OO.
3. No decurso da referida festa, o arguido, por ter considerado de má-educação um gesto que BB efetuou junto a II, dirigiu-se a este e interpelou-o, dizendo que estava a portar-se mal e que estava de olho nele, tendo-se gerado entre eles um confronto verbal e o desferimento de empurrões mútuos, pelo que JJ separou ambos e levou BB para a sua mesa, tendo os ânimos serenado.
4. Volvida cerca de uma hora, BB e KK decidiram ir embora e, depois de se despedirem dos seus amigos, saíram do café e cada um dirigiu‑se para o seu respetivo automóvel, que estavam estacionados nas imediações do estabelecimento, tendo BB entrado para o interior da viatura e iniciado a marcha da mesma.
5. Entretanto, o arguido, acompanhado por HH, ao ver que BB saía do estabelecimento, saiu também de seguida e, na via pública defronte do café, quando BB passou por si, conduzindo a sua viatura, arremessou na sua direção uma garrafa de cerveja, que trazia na mão direita, a qual acertou na zona posterior do automóvel, partindo-se.
6. Ao ouvir o embate, BB imobilizou a viatura, abriu a porta e saiu para o exterior, e, tendo visualizado o arguido, perguntou-lhe sobre a razão da sua atuação e, ato contínuo, o arguido aproximou-se logo de BB e desferiu-lhe, de imediato, um murro que lhe acertou na face.
7. De seguida, BB respondeu à agressão e desferiu dois murros que acertaram na face do arguido, sendo BB de imediato agarrado e empurrado por CC,        pai de NN       , impedindo que as agressões entre ambos continuassem; tendo KK pedido a BB que se afastasse do local onde se encontrava o arguido.
8. Entretanto, JJ foi alertado no interior do café que existia um confronto no exterior com o seu amigo BB, pelo que saiu do café e, após se deslocar junto deste e se inteirar do sucedido, dirigiu-se ao arguido e perguntou-lhe: “O que é que você fez? Quem é que atirou a garrafa?”.
9. Logo de seguida, o arguido e JJ envolveram-se em confronto físico, tendo JJ colocado os seus braços em redor do tronco do arguido, por debaixo da zona das axilas deste, apertando e fazendo pressão, ficando ambos frente a frente, com os troncos a tocarem-se.
10. O arguido, tendo ficado com os braços com liberdade de movimentação, tentou libertar-se do amplexo, fazendo movimentos com o corpo e desferindo dois murros, com a mão esquerda, os quais atingiram o tórax e o abdómen do corpo de JJ, tendo um deles provocado uma escoriação linear, horizontal, com nove cm de comprimento no terço inferior da face lateral direita do tórax, e o outro provocado uma escoriação arredondada, com 1 cm de diâmetro, na face lateral direita do terço superior do abdómen.
11. Em resultado desses movimentos e da disputa, os corpos do arguido e de JJ foram embatendo nas viaturas que se encontravam na via publica, por vezes em desequilíbrio, mas sem chegarem a cair no solo.
12. De seguida, o arguido, utilizando a mão direita, retirou do bolso uma navalha, composta por um cabo de madeira largo, com faixa preta, e com uma lâmina com cerca de 10 cm, cujas características concretas não foram apuradas, e, de forma não concretamente apurada, abriu a lâmina da navalha.
13. De seguida, o arguido, empunhando e utilizando a navalha com a lâmina aberta, desferiu um golpe na direção do tórax de JJ, o qual atravessou a camisola e a camisa que este trazia vestido, e que causou um ferimento inciso, na transição do terço médio com o terço superior da face lateral esquerda do tórax, com direção oblíqua, ligeiramente de cima para baixo e de trás para a frente, com 1 cm de comprimento.
14. Logo após, o arguido desferiu um novo golpe com a navalha, espetando profundamente a sua lâmina junto à axila esquerda do corpo de JJ, em trajeto com cerca de 10 cm de extensão, na direção horizontal e da direita para a esquerda, o qual causou um ferimento corto-perfurante, na transição do terço superior da face lateral esquerda do tórax com o terço médio, com direção oblíqua, ligeiramente de cima para baixo e de trás para diante, com 2 cm de comprimento, tendo a lâmina atravessado o sexto espaço intercostal pelo arco médio, provocando infiltração sanguínea nos tecidos moldes adjacentes, e perfurado o bordo lateral esquerdo inferior do pericárdio, atravessando o coração na parede lateral esquerda do ventrículo esquerdo, próximo da ponta.
15. Como consequência dos movimentos e dos golpes acima descritos, o arguido e JJ desequilibraram-se, tendo ambos caído junto à traseira da viatura de marca Mercedes, de matrícula ..-TU-.., que se encontrava estacionada defronte da porta do café, do outro lado da via.
16. O arguido caiu de costas no chão e JJ caiu por cima do corpo deste, continuando ambos a ficar frente a frente, e, em consequência da queda, o arguido bateu com a região parietal esquerda da nuca no pavimento, fazendo um ferimento inciso que sangrou essa zona, sangramento esse que escorreu para a parte posterior superior e colarinho da camisa que vestia, enquanto que JJ sofreu duas escoriações superficiais no joelho esquerdo, ambas alongadas no sentido horizontal, medindo a maior 2 cm x 1,5 cm e a menor 2 cm x 1 cm, e uma equimose arroxeada, no terço externo da face anterior do ombro direito, arredondada, medindo 1,5 cm de diâmetro.
17. Ao sentir o golpe descrito em «14.», JJ emitiu um gemido alto e começou a sangrar profusamente, levantou-se e colocou a mão direita junto ao peito e cambaleando disse “Já estou morto”.
18. De seguida, PP e NN ajudaram JJ a sentar-se na parede oposta à da porta de entrada do café, onde este continuou a sangrar abundantemente, com dores e em agonia, vindo a falecer, como consequência direta e necessária do último golpe desferido pelo arguido, no local, no interior da ambulância do INEM, por volta das 03h25m.
19. Por seu lado, o arguido, depois de se ter levantado do local da queda e de se ter posteriormente sentado junto da dianteira da viatura de matrícula ..-TU-.., deslocou-se para o interior do café, dirigiu-se à casa de banho, onde se lavou de parte dos vestígios hemáticos que tinha no corpo, designadamente no dedo apontador da mão direita, devido a corte causado pelo manuseamento da sua navalha, tendo colocado a navalha no bordo do lavatório.
20. De seguida, o arguido saiu da casa de banho, ocultou a navalha em local não apurado, deslocou-se até à sua viatura, de marca Mercedes, de matrícula ..-HG-.., que estava parqueada nas imediações, onde veio a ser interpelado por NN, que o advertiu para não se ausentar do local.
21. Após, o arguido dirigiu-se novamente ao interior do café, onde ficou a aguardar a chegada das autoridades, afirmando a estas, quando questionado, que tinha deixado cair a arma na via pública e que não sabia do seu paradeiro.
22. O arguido bem sabia que utilizava um instrumento de natureza corto-perfurante, com pelo menos 10 cm de lâmina, para perfurar profundamente a zona torácica de JJ, local do corpo onde se alojam órgãos e vasos sanguíneos vitais, e que tal era idóneo a causar a morte a qualquer pessoa que por tal fosse perfurada nessa zona corporal, tendo representado, pretendido e alcançado tal resultado.
23. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
*
Do percurso, condições de vida e antecedentes criminais do arguido:
24. AA, nascido a .../.../1963, actualmente com 57 anos de idade, nasceu no seio de uma família estruturada e normativa.
25. Apesar do divórcio dos pais ter ocorrido quando contava 13 anos de idade, as relações intrafamiliares do seu atual agregado caracterizam-se por laços de afetividade e espírito de entreajuda, extensíveis à sua irmã, de 53 anos de idade, e à família constituída por esta.
26. O percurso escolar do arguido foi marcado por várias retenções, tendo abandonado o sistema de ensino aos 18 anos de idade, sem concluir a escolaridade obrigatória, que completou, decorridos cerca de dez anos, em regime noturno, por se encontrar a trabalhar.
27. O seu percurso laboral tem decorrido, maioritariamente, na empresa do pai, com uma interrupção de três anos, iniciada em 1986, período em que exerceu funções de delegado de propaganda médica. Com a desvinculação do pai da empresa, AA deu continuidade ao negócio.
28. Paralelamente à sua atividade profissional, ainda na sua adolescência, o arguido foi bombeiro voluntário nas corporações de Bombeiros Voluntários ..., situação que perdurou durante cerca de dez anos. Fez ainda formação na arbitragem de futebol, tendo sido árbitro na divisão distrital daquela cidade e auxiliar na ... Divisão.
29. No que concerne a ligações afetivas, os relacionamentos que teve foram breves e circunstanciais, mantendo uma relação de namoro à distância, há cerca de dois anos, com uma pessoa que vive em ....
30. À data dos factos, AA vivia sozinho em casa própria.
31. A subsistência do arguido era garantida pelas receitas auferidas no exercício da sua atividade profissional, enquanto proprietário de empresa comercial de produtos galénicos no ramo farmacêutico, cujo lucro negocial rondava os €2.000/€3.000 mensais.
32. Despende cerca €720 para fazer face às suas despesas quotidianas, incluindo a prestação relativa a armazém, espaço contíguo à sua habitação.
33. A empresa permanece em funcionamento, a cargo da sua sobrinha, sob a sua orientação a partir de casa, não vivenciando dificuldades económicas relevantes.
34. O arguido é tido pelos seus pares e familiares como uma pessoa trabalhadora, prestável, amiga e divertida.
35. O arguido não tem antecedentes criminais.
*
Do pedido de indemnização civil deduzido por DD e EE:
36. No contexto espácio-temporal descrito em «1.» a «18.» e na decorrência dos factos aí descritos, JJ, nascido a .../.../1994, após ter caído ao solo, ergueu-se, levou a mão ao peito, notando que estava a sangrar profusamente, levou uma mão à zona por baixo da axila, local onde tinha sido esfaqueado.
37. Percecionando, dessa forma, o seu estado físico, agudizou-se o seu sentimento de pânico e medo perante a morte iminente.
38. JJ estava absolutamente consciente do sucedido e do provável desfecho: a sua morte.
39. Esvaindo-se em sangue, com imensas dores e em completa agonia, perdeu os sentidos.
40. JJ morreu sem analgésicos, sem reconforto, com dor física e dor emocional, derivadas dos sentimentos de ansiedade e medo causados pelo reconhecimento da sua morte iminente.
41. JJ, com 25 anos à data dos factos, era um jovem saudável, alegre, bem-humorado, amigo, um filho dedicado, atencioso e carinhoso com os pais, muito querido entre familiares e amigos, pacífico, que tentava atenuar e apaziguar quaisquer altercações à sua volta, como sucedeu na noite a que se reportam os factos.
42. JJ, trabalhador, disciplinado e sério, tinha elevadas expectativas de se tornar empresário como o pai, estando integrado na sociedade.
43. DD, pai de JJ, tomou conhecimento do sucedido quando se deslocou ao local onde ocorreram os factos, não chegando a ver o seu filho com vida.
44. DD apenas viu o local onde se deram os factos, imagens que jamais esquecerá.
45. DD ficou, até hoje, desesperado e transtornado, sendo frequentes os episódios de insónia, angústia e tristeza.
46. EE, mãe de JJ, teve conhecimento da morte do seu filho pelo telefone, pelas 04h00m do dia a que se reportam os autos, através da madrinha da sua filha, que lhe disse: “- Mataram o seu filho com uma facada.”, palavras que jamais esquecerá.
47. EE deslocou-se à morgue do Hospital ..., local para onde levaram o corpo do seu filho, vendo-o morto, ficando em estado de descontrolo, angústia e de choro.
48. Desde então, EE   tem     recorrentes episódios de insónia, pesadelos e choro, além de tristeza e desgosto.
49. A partir do dia em que os factos se deram, DD e EE têm vivido de forma nunca menos intensa o sofrimento e o desespero de terem perdido o seu filho, muito amado, sofrendo um desgosto profundo, saudade e tristeza quando, antes da morte de JJ, as suas vidas eram alegres e muito marcadas pelos laços familiares que os uniam.
50. DD e EE ficaram privados do amor e afecto que o filho lhes proporcionava.
51. O esforço de DD e EE para vencer a infelicidade do dia-a-dia e a saudade do seu filho é imenso e cansativo.
52. DD despendeu com o funeral do filho o montante de 1.514,50 €.»
2. Matéria de facto não provada:
«a. Que PP tenha tido intervenção no facto descrito em «3.»;
b. Que, no contexto descrito em «6.», o arguido tenha se deslocado em passo rápido, enquanto BB permanecia junto à porta da sua viatura;
c. Que, no contexto descrito em «7.», o arguido recuou, que PP tenha intervindo e que BB tenha se sentado, juntamente com KK e PP, no murete existente à saída do café, do lado direito;
 d. Que, no contexto descrito em «17.», PP tenha ajudado JJ a levantar-se;
e. Que JJ tenha morrido prostrado na via pública.»

B. Matéria de direito
1. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente aquando da interposição do recurso, nos termos do art. 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), sem prejuízo do conhecimento oficioso de nulidades (nos termos do art. 379.º, n.º 2, do CPP, e quando seja admissível o recurso; caso este não seja admissível, devem as nulidades ser arguidas no tribunal que proferiu a sentença nos termos gerais do art. 120.º, n.º 1, do CPP, e o prazo geral do art. 105.º, n.º 1, do CPP) e dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP (também aqui apenas no caso de o recurso da decisão ser admissível).
Tendo em conta as conclusões apresentadas, verificamos que o arguido volta a alegar diversas “nulidades do acórdão recorrido”, considerando que o novo acórdão manteve todas as omissões anteriores (cf. p. 3 da motivação). São elas:
- nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia [nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), ex vi art. 425.º, n.º 4, ambos do CPP] quanto às irregularidades e omissões de pronúncia, alegadas pelo arguido; entende que apenas deve ser considerada a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e que não existe prova suficiente para a matéria de facto provada constante do acórdão, concluindo que a prova demonstra que os factos se passaram de forma diferente (ponto A das conclusões);
- nulidade do acórdão recorrido por falta da fundamentação (ponto B das conclusões), nos termos dos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. ) ex vi art. 425.º, n.º 4, do CPP, quanto ao ”exame crítico” das provas e considerando que  “a matéria de facto dada como provada é contraditória entre si” e concluindo globalmente pela falta de fundamentação do acórdão recorrido atenta a “total ligeireza e superficialidade na análise das questões suscitadas”; e nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação quanto ao “juízo decisório” relativo à “subsunção dos inúmeros factos dados como provados ao crime de homicídio pelo qual o Arguido vem condenado”, questionando porque não a subsunção dos factos ao crime de violação da integridade física agravada pelo resultado de morte;
- nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação quanto à determinação da medida da pena, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP (por violação do art. 374.º, n.º 2, do CPP) (ponto iii das conclusões);
- a errada subsunção dos factos ao crime de homicídio (ponto II das conclusões), pois considera que não está preenchido o elemento subjetivo do tipo legal de crime, dado que o arguido apenas defendia a sua integridade física “ameaçada por dois jovens alcoolizados e agressivos”; considera ainda que, apesar dos factos provados, nunca foi perspetivada a subsunção dos factos ao crime de participação em rixa ou ao crime de violação da integridade física agravada pelo resultado; concluiu que devia ter sido alterada a qualificação jurídica dos factos.
- por fim, alega que a pena concreta aplicada, de 12 anos de prisão, é excessiva.
Antes de mais, deve salientar-se que este Supremo Tribunal de Justiça tem os seus poderes de cognição restritos a matéria de direito. Qualquer alegação relativa à matéria de facto é irrelevante, a não ser que a partir do texto da decisão recorrida se verifique a existência de algum dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, ou qualquer nulidade que deva considerar-se não sanada, nos termos do art. 410.º, n.º 3, do CPP. Não ocorrendo nenhum destes vícios, este Supremo Tribunal de Justiça tem de trabalhar com os factos provados e sedimentados com a decisão prolatada no Tribunal da Relação — isto é, ir-se-á analisar a subsunção jurídica dos factos provados e a decisão ater-se‑á escrupulosamente ao dado como provado.    
2. O arguido volta a alegar que o acórdão do Tribunal da Relação de Évora padece de diversas nulidades. E recupera, quase integralmente, o recurso anteriormente apresentado a este Supremo Tribunal de Justiça, retomando alegações que já em anterior acórdão foram decididas.
Referimo-nos às invocadas nulidades relativas à ausência de exame crítico da prova, à inexistência de prova suficiente para dar como provados os factos que o foram, ou à falta de fundamentação quanto à qualificação jurídica dos factos
No acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2022 decidiu-se:
“As nulidades alegadas referem-se à ausência, segundo o recorrente, de exame crítico da prova, e à verificação de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de contradição insanável da fundamentação nos termos do art. 410.º, n.º 1, als. a) e b), do CPP]. Todavia, compulsado o acórdão recorrido, verifica-se que, de forma minuciosa, analisou o invocado nos pontos B.2.1., B.2.2. e B.2.3., pelo que, concorde-se ou não com a argumentação apresentada, certo é que não ocorre qualquer omissão de pronúncia, pelo que improcede a alegação de nulidade do acórdão recorrido. (...) Por seu turno, quanto aos erros-vício invocados, também o Tribunal a quo os analisou e concluiu pela sua improcedência.”
Além disto, no que respeita à alegada falta de fundamentação quanto ao “juízo decisório” relativo à subsunção dos factos ao crime de homicídio, decidiu-se ainda:
«Quanto à impugnação relativa à qualificação jurídica dos factos provados, o acórdão recorrido também se pronunciou sobre a subsunção dos factos ao crime de homicídio, porém considerando que o diferente entendimento do recorrente decorria de uma impugnação da matéria de facto relativamente à qual havia decidido pela sua improcedência. E sendo assim, porque considerou que a impugnação da qualificação jurídica decorria da impugnação da matéria de facto, impugnação esta que tinha improcedido, não mais analisou, porque a base de uma outra qualificação tinha desaparecido. Tendo sido a alegação quanto à qualificação jurídica dos factos dependente de uma outra alegação (que tinha improcedido) da matéria de facto, o âmbito de análise do Tribunal estava restringido. Pelo que, não se pode concluir que o acórdão recorrido seja omisso quanto ao alegado e muito menos que exista uma nulidade decorrente do disposto no art. 379.º, n.º 2, al. a), do CPP. (...) Concorde-se ou não com a decisão, tendo partido do pressuposto de que partiu não podemos concluir pela nulidade do acórdão (...)».
Sendo assim, nesta parte, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça transitou em julgado, pelo que não pode agora voltar a conhecer o que já conheceu e decidiu, sem que tivesse havido qualquer arguição de nulidade do acórdão prolatado em março passado.
No anterior acórdão do Supremo Tribunal de Justiça apenas não houve pronúncia quanto à alegada nulidade de falta de fundamentação no que respeita à medida da pena, por se ter concluído anteriormente que não tinha havido pronúncia quanto à impugnação da matéria de facto.
Mas, também quanto a esta outra nulidade invocada — falta de fundamentação quanto à medida da pena aplicada — improcede o recurso do arguido. Concorde-se ou não com a pena aplicada, certo é que o Tribunal da Relação de Évora, nos pontos B.2.6 e B.2.7, de modo esclarecedor e completo, começa por considerar que as “necessidades de prevenção geral se impõem num grau elevado”, entendendo que “para além da taxa de álcool no sangue da vítima, não há da parte do arguido a invocação de factos concretos e razões secas e não valorativas que sustentem um abaixamento da pena. Quer-se com isto afirmar que parte substancial do argumentário do recorrente assenta em presunções e ilações de facto não provadas e que não são sustentadas de forma consistente com uma pretensão de alteração da pena.” Refere ainda que “há um elemento de censurabilidade no comportamento do arguido, mas haverá que ter presente que a sua idade já o tinha feito ultrapassar a “idade da violência” e que essa mesma idade – até ao fim informal da juventude, por volta dos 29/31 anos - era a característica marcante do outro grupo, a “outra tribo”.
E o elemento provocador essencial foi o facto provado em 3 «No decurso da referida festa, o arguido, por ter considerado de má-educação um gesto que BB efetuou junto a II, dirigiu-se a este e interpelou-o, dizendo que estava a portar-se mal e que estava de olho nele, tendo-se gerado entre eles um confronto verbal e o desferimento de empurrões mútuos, (…)».
Este foi o facto-faísca que fez vir à tona a agressividade e o confronto entre elementos dos dois grupos.
Aqui com uma agravante que altera a ponderação factual a realizar: o episódio provocador tinha já ocorrido e estaria ultrapassado não fora a saída do arguido para o exterior do estabelecimento para provocar um dos elementos do outro grupo que se retirava do local.
Esta conclusão apenas permite que o tribunal se mantenha no âmbito do jogo das atenuantes e agravantes gerais da pena efectuada pelo tribunal recorrido e mantenha a pena imposta.”.
Conclui, pois, pela manutenção da pena imposta. Concorde-se ou não com a fundamentação apresentada esta existe, pelo que improcede também aqui o recurso interposto.
Analisemos agora as duas últimas alegações do recorrente: errada qualificação jurídica dos factos e medida da pena aplicada.
3. No que respeita à qualificação jurídica dos factos, que o recorrente entende que deviam ter sido integrados no crime de ofensa à integridade física agravada ou no crime de participação em rixa, devemos desde já salientar que, tratando-se de matéria de direito para a qual este Supremo Tribunal de Justiça é competente, certo é que apenas se poderão analisar jurídico-criminalmente os factos tal como estão provados. Ou seja, não se pode ler os factos provados a partir do entendimento que o arguido lhes quer dar, ou a partir daquilo que alega e que não consta da matéria de facto provada, nomeadamente, quanto ao facto de os jovens estarem ou não alcoolizados, ou quanto ao facto de o arguido ter atuado em sua defesa. Dos factos provados não consta qualquer intenção de defesa ou ato de defesa. Os factos provados são claros: depois de um primeiro confronto verbal e de desferimento de empurrões mútuos entre o arguido e alguns dos intervenientes dos acontecimentos daquela noite (factos provados 1 a 3), e uma vez passada cerca de uma hora sobre estes confrontos (facto provado 4), alguns daqueles intervenientes — BB e KK — saíram do estabelecimento onde se encontravam e dirigiram-se para o respetivo automóvel, tendo BB entrado no interior da sua viatura e iniciado a marcha (facto provado 4); o arguido saiu também do estabelecimento —“ao ver que BB saía do estabelecimento, saiu também” — e quando BB passou pelo arguido conduzindo o seu automóvel o arguido “arremessou na sua direção uma garrafa de cerveja” (facto provado 5). BB saiu da viatura e o arguido aproximou-se dele e “desferiu-lhe, de imediato, um murro” (fato provado 6), tendo BB respondido da mesma forma a esta agressão (facto provado 7), mas tendo sido logo afastado por outros intervenientes. Entretanto, sabendo deste confronto, o ofendido/vítima saiu de dentro do estabelecimento, inteirou‑se do sucedido e, dirigiu-se ao arguido perguntando-lhe “O que é que você fez?”, “Quem é que atirou a garrafa?” (facto provado 8). Daqui resultou que ambos se envolveram em confronto e pese embora o arguido  tivesse em redor do tronco os braços do ofendido (facto provado 9), tentou libertar-se, desferiu dois murros (facto provado 10), e enquanto estavam em disputa quer o arguido quer o ofendido foram batendo nas viaturas que se encontravam no local (facto provado 11), e “de seguida, o arguido, utilizando a mão direita, retirou do bolso uma navalha” (facto provado 12), abriu-a (facto provado 12), e com esta aberta desferiu na vítima um golpe na direção do tórax (facto provado 13) e um novo golpe (facto provado 14: “o arguido desferiu um novo golpe com a navalha, espetando profundamente a sua lâmina junto à axila esquerda do corpo de JJ, em trajeto com cerca de 10 cm de extensão, na direção horizontal e da direita para a esquerda, o qual causou um ferimento corto-perfurante, na transição do terço superior da face lateral esquerda do tórax com o terço médio, com direção oblíqua, ligeiramente de cima para baixo e de trás para diante, com 2 cm de comprimento, tendo a lâmina atravessado o sexto espaço intercostal pelo arco médio, provocando infiltração sanguínea nos tecidos moldes adjacentes, e perfurado o bordo lateral esquerdo inferior do pericárdio, atravessando o coração na parede lateral esquerda do ventrículo esquerdo, próximo da ponta”); o ofendido sentiu o golpe, gemeu e começou a sangrar «profusamente, levantou-se e colocou a mão direita junto ao peito e cambaleando disse “Já estou morto”» (facto provado 17). O ofendido veio a falecer “como consequência direta e necessária do último golpe desferido pelo arguido” (facto provado 18). E o “arguido bem sabia que utilizava um instrumento de natureza corto-perfurante, com pelo menos 10 cm de lâmina, para perfurar profundamente a zona torácica de JJ, local do corpo onde se alojam órgãos e vasos sanguíneos vitais, e que tal era idóneo a causar a morte a qualquer pessoa que por tal fosse perfurada nessa zona corporal, tendo representado, pretendido e alcançado tal resultado (facto provado 22, negrito nosso); além disto, “o arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei” (facto provado 23).
Ora, dos factos provados, é evidente que a conduta do arguido, utilizando uma navalha e desferindo um golpe profundo na axila junto ao coração da vítima, provocou ferimentos que causaram a morte do ofendido, tendo o arguido “representado, pretendido e alcançado tal resultado”, consciente da ilicitude da conduta. E também é evidente da matéria de facto provada que o confronto envolveu apenas o arguido e a vítima (cf. facto provados 9 a 17). É certo que este confronto surge após o arremesso da garrafa de cerveja na direção de BB que já se ausentava dirigindo o seu automóvel, e após BB se ter dirigido ao arguido questionando-o sobre o que tinha feito e quem tinha atirado a garrafa. Porém, dos factos provados não resulta que tenham intervindo no confronto que opôs o arguido à vítima outras pessoas.
O arguido/recorrente pretendeu já, aquando do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora, que se concluísse que havia um terceiro interveniente. Porém, o Tribunal da Relação de Évora, analisando exaustiva e exemplarmente a impugnação da matéria de facto, demostrou de forma cabal que da prova carreada não poderia resultar outra matéria de facto senão a que foi provada.
Assim, consta da decisão recorrida que apreciou a matéria de facto que:
«(...) a versão do arguido de que, nesse momento, estaria a ser agredido por três indivíduos (facto negado por parte das testemunhas), que não empunhava a faca e que não teve intenção de desferir tais golpes contra o corpo da vítima, revela-se incongruente, inaceitável e negado pelo posicionamento e profundidade da ferida mortal. Esta implica um posicionamento frontal, o uso da mão direita do agressor contra a parte próxima do corpo da vítima, a parte esquerda do tórax, e uma violência no golpe que faça a arma entrar 10 cm no corpo, o que se revela incompatível com um acaso, uma conduta negligente ou simples dolo eventual ou necessário. A ferida demonstra a vontade e a intenção! (..)
            E nessa acareação – ouvida - a versão da testemunha CC sai claramente fragilizada e com laivos de algum subjectivismo favorável ao arguido (“o arguido tinha idade para ser pai deles”), sendo patente que nunca – apesar das muitas insistências – conseguiu afirmar ter visto a testemunha BB envolvida com o arguido e a vítima, no local onde ocorreram os momentos finais do drama, perto e atrás do carro de marca Mercedes. Limita-se sempre a afirmar “eles envolveram-se os três”, mas nunca distinguindo o momento inicial (saída do carro e envolvimento com o arguido após o atirar da garrafa) e final do envolvimento, atrás de um veículo automóvel (ferimento mortal). (...)
Ora, a própria configuração do local e o espaço livre entre o veículo automóvel e a parede do edifício fronteiro ao bar (fotos 1, 4, 5 e 6 de fls. 453, 455 e 456) não poderia ter um terceiro contentor no momento de desferir o ferimento mortal.
E há um acréscimo relevante, dito pela testemunha BB em acareação: se estivesse com a vítima a lutar com o arguido nessa altura, também teria sido esfaqueado. (...)
Portanto, o recurso na parte em que invoca a existência de erro na apreciação da prova por impugnação ampla da matéria de facto é improcedente na totalidade, incluindo na parte em que o arguido pretendia a inclusão de um dos dois novos factos que o arguido pretendia incluir na matéria de facto, designadamente um facto “indicando que o Sr. BB, envolveu-se na contenda entre a vítima e o arguido, tendo ocorrido agressões mútuas”.
Quanto a este facto e apesar de ser evidente que o arguido e o BB se envolveram (a testemunha BB admite-o), tal ocorreu quando o arguido lhe atirou parte de uma garrafa contra a viatura e a dita testemunha foi agarrada pela também testemunha CC e depois pela sua namorada KK. Antes, portanto, do local e do momento em que ocorre a morte.
Tal testemunha também admite que ainda tentou deslocar-se para o local onde ocorreu o confronto final entre o arguido e a vítima mas que foi impedido de o fazer.
Assim, o confronto inicial entre esta testemunha e o arguido, para além de ser o momento que despoletou de novo a agressividade entre os contendores com o arremesso da garrafa ao carro do BB, não é facto que seja normativamente relevante e deva integrar o objecto do processo.
É que nem o arguido foi acusado da prática de um crime de ofensas corporais por tal facto, nem a testemunha BB foi acusada pelo mesmo. Por isso que nestes autos esse seja um facto juridicamente irrelevante para além daquilo que já consta dos factos provados 6 e 7.»
E da decisão recorrida não se vislumbra qualquer um dos erros-vício previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.
Assim sendo, e havendo apenas 2 intervenientes no confronto, do qual resultou a morte da vítima por o arguido ter desferido um golpe com uma navalha junto ao coração do ofendido, fica desde logo afastada a possibilidade de equacionar a subsunção dos factos ao crime de participação em rixa dado o disposto no art. 151.º, do Código Penal (CP), se seguirmos o entendimento desenvolvido por alguns autores que entendem que num crime de participação em rixa devem intervir pelo menos três pessoas[3]. Mas, ainda que sigamos a posição de quem defende que os intervenientes num crime de participação em rixa possam ser apenas dois[4], certo é que “[n]o caso de se provar quem foi o autor da morte (...) [deve] aplicar-se, naturalmente, o art. 131.º — homicídio doloso”[5]. É certo que Taipa de Carvalho defende que nesta situação a “moldura penal deverá sofrer uma atenuação especial (art. 72.º-1), com fundamento na contribuição causal que a vítima deu à criação da situação de perigo (a rixa) de que resultou a sua lesão corporal grave”[6]. Porém, no presente caso, atenta a matéria de facto provada, não podemos concluir que a vítima tenha contribuído causalmente para a situação de perigo. Se é certo que foi a vítima que se dirigiu ao arguido perguntando “O que você fez? Quem é que atirou a garrafa?” (facto provado 8) e a partir daqui envolveram‑se ambos em confronto (facto provado 9), porém as perguntas da vítima ao arguido decorreram de uma conduta anterior do arguido — o arremesso de uma garrafa de cerveja contra a viatura onde BB circulava com vista a ir-se embora do local (factos provados 4 e 5); não fosse este comportamento do arguido e não teria a vítima sabido sequer que havia confrontos com o seu amigo BB e que o levou a sair do café e dirigir-se ao arguido (facto provado 8). Ou seja, a criação da situação de perigo iniciou-se com o arguido — não fora a sua atuação e não teria a vítima vindo perguntar o que se tinha passado. É certo que também a vítima poderia ter permanecido dentro do estabelecimento, caso em que tudo teria terminado apenas com os confrontos que ocorreram entre BB e o arguido e que foram interrompidas por amigos que separaram BB do arguido (facto provado 7). Mas, vindo a vítima na direção do arguido, e mesmo que consideremos que, numa certa perspetiva (a que entende que não são precisas 3 pessoas), os factos poderiam ser subsumidos ao crime de participação em rixa, certo é que houve também um crime de homicídio praticado pelo arguido e que prevalece sobre aquele atenta a análise global do facto.
Além de tudo isto, resulta da matéria de facto provada que o arguido atuou dolosamente (cf. factos provados 22 e 23), assim afastando a possibilidade de se poder considerar estarmos perante um crime agravado pelo resultado[7].
Considerando a conduta do arguido — o golpe desferido contra a vítima com uma navalha (facto provado 14) — e o resultado que desta adveio — morte da vítima [cf. facto provado 18: “(...) vindo a falecer, como consequência direta e necessária do último golpe desferido pelo arguido (...)”] — estão preenchidos os elementos objetivos do tipo legal de crime de homicídio: agente — que pode ser qualquer pessoa, no caso o arguido; conduta — a conduta do agente da qual tenha resultado a morte da vítima; e lesão do bem jurídico protegido pela norma — a  vida humana. Para além disto, é necessário que o agente tenha atuado com dolo do tipo, enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo. Ora, sabendo que nos temos de ater aos factos provados, e não havendo factos provados no sentido que o arguido pretende — o de que estaria a atuar em sua defesa —, necessariamente temos de concluir pela atuação dolosa do arguido uma vez que ficou provado que representou, pretendeu e alcançou o resultado (facto provado 22) e agiu com conhecimento da ilicitude da conduta (facto provado 23), e assim demonstrou uma atitude contrária ao direito. Estão, pois, preenchidos todos os elementos do tipo legal de crime de homicídio, tal como demonstrou, de forma clara, o Tribunal da Relação de Évora que considerou que:
«(...) Quanto ao elemento objectivo do tipo de crime limitar-nos-emos a citar Jorge de Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, pags. 4 e 16):
«§ 4 Bem jurídico protegido pelo art. 311º é a vida de outra pessoa e, por conseguinte, a vida humana».
e
«§ 30 Em jeito conclusivo sobre o tipo objectivo de ilícito do homicídio deve pois dizer-se que ele se realiza com a morte de outra pessoa, isto é, com o causar a morte de pessoa diferente do agente; com o que se põe fim a uma estéril e ultrapassada querela entre finalista e causalistas acerca do sentido (necessariamente "final" ou ante simplesmente "causal") do elemento típico "matar".
Só sendo necessário acrescentar que o "causar a morte" significa que tem de se estabelecer o indispensável nexo de imputação objectiva do resultado à conduta. (…) : directa ou indirectamente, por conduta activa ou omissiva, sejam utilizados meios físicos ou psíquicos, resulte aquela do encurtamento do período de vida de um pessoa sã ou do apressamento do momento da morte de um moribundo, ocorra ela imediatamente ou após um período longo relativamente à acção ou omissão (em prejuízo de deverem considerar-se as dificuldades que, no plano da prática e, especificamente, do processo penal podem ser suscitadas pelo factor "tempo" relativamente à verificação do resultado: (…)»
E não há dúvida que este elemento objectivo se mostra sobejamente provado, dispensando outras considerações.
E quanto ao elemento subjectivo importa saber se os seus elementos intelectual e volitivo se acham provados, como bem afirma o recorrente.
Num caso em que se não suscitam questões originais ou diversas de um caso clássico claro, os elementos intelectual e volitivo do dolo resumem-se ao saber e querer os elementos factuais do tipo penal em presença.
Afirmam Miguez Garcia e Castela Rio (Código Penal – Parte Geral e Especial –, Almedina, 2014, pag. 107) que a representação, o “momento intelectual do dolo … exige o conhecimento das características que integram o tipo de ilícito e que o elemento volitivo “supõe uma decisão de vontade do agente para a realização de um ilícito-típico, por via de uma ação ou omissão. É especialmente pelo grau de intensidade desta relação de vontade que se diferenciam as várias formas do dolo”. E acrescentam, «Numa fórmula mais precisa, diremos que dolo significa "conhecer e querer os elementos [objetívos] do tipo" (dolo do tipo)» (autores citados, pag. 108).
Nesta senda, igualmente, Figueiredo Dias quando afirma que no elemento intelectual do dolo o que «antes de tudo se trata é da necessidade, para que o dolo do tipo se afirme, que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência (consciência "psicológica" ou consciência "intencional” note-se bem) das "circunstâncias do facto (e não de facto, atente-se, porque tanto podem ser "de facto" como "de direito") que preenche um tipo de ilícito objectivo (art. 16.°-1)» – in «Direito Penal, - Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª Edição, pag. 351.
Mas esta consciência não é uma “consciência jurídica” do facto e sua subsunção penal, é apenas a dita consciência psicológica ou intencional e não normativa, como parece pretender o recorrente. No caso concreto impõe-se apenas apurar se o arguido representava, tinha consciência e quis preencher os seguintes elementos do tipo penal: “Quem matar outra pessoa é punido”.
Como afirmam Miguez Garcia e Castela Rio (idem) «"Realização do tipo" significa a "realização de todas as características objetivas do tipo". Aquele que atua com dolo homicida, sabe que mata outra pessoa e quer isso mesmo ou, pelo menos, conforma-se com o correspondente resultado. Não se deverá, porém, exigir que o agente queira realizar todas as características típicas objetivas, mas só a ação e o resultado dela decorrentes».
Não temos qualquer dúvida em afirmar, pelas razões já supra expostas, e por ser uma realidade clara e sabida de qualquer ser humano adulto que a zona do corpo atingida tem órgãos vitais cuja falência provoca a morte – facto sobejamente conhecido do arguido, pelo que preenchido esse elemento intelectual – que o arguido necessariamente sabia do carácter mortal do golpe nessa zona do corpo e pela profundidade atingida, e quis desferi-lo naquela localização e profundidade, dessa forma aceitando a morte da vítima como consequência da sua conduta.
E quanto ao elemento volitivo, apesar de todas as tentativas do arguido para baralhar a sua clara percepção com a sugestão de que que a faca estaria na sua mão só para impressionar e que apenas teria entrado no corpo da vítima porque esta caiu em cima dele, é indubitável que o arguido quis a morte de JJ e por isso lhe introduziu a faca no corpo.
Na sequência da inalterabilidade factual, com a consequente invariabilidade jurídica, haverá também que declarar improcedente a petição para proceder a uma alteração da qualificação jurídica dos factos nos termos do artigo 358º n.º 3 e 1º do CPP.»(cf. ac. recorrido, ponto B.2.5.)
4. Vejamos agora a pena aplicada ao arguido de 12 anos de prisão.
O arguido vem condenado pelo crime de homicídio, nos termos do art. 131.º, do CP, cuja moldura penal oscila entre os 8 e os 16 anos de prisão.
A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências da prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos arts. 71.º, n.º 1 e 40.º, do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela dos bens jurídicos em causa e às exigências sociais decorrentes das lesões ocorridas, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-ão ter em conta todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os fatores de determinação da pena elencados no art. 71.º, n.º 2, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenha tido em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração).
A partir dos factos provados, podemos concluir estarmos perante um caso em que a culpa do agente é elevada, e elevadas as exigências de prevenção geral e especial.
Tendo em consideração:
- o modo de execução do facto: o uso de instrumento corto-perfurante — uma navalha — durante um confronto físico, a sua utilização num local do corpo junto a órgãos vitais da pessoa humana, e com força (significativa) para atingir fatalmente a vítima; na verdade, aquando da fundamentação da matéria de facto (transcrita no acórdão recorrido) refere-se que “relativamente ao depoimento prestado pela testemunha arrolada pelo arguido, QQ e RR, médico e perito em medicina legal, não tendo conhecimento directo dos factos, limitou-se a analisar o teor do relatório de autópsia, as fotografias da vítima já cadáver e os documentos juntos ao requerimento de abertura de instrução, com os quais foi confrontado, opinando, de acordo com os seus conhecimentos profissionais, sobre os vários cenários de agressão possíveis. Razão pela qual, o Tribunal não relevou o seu depoimento para prova ou contra-prova de qualquer facto discutido em audiência de julgamento, sendo que o Tribunal não pode deixar de atender à afirmação que fez de que o último golpe que vitimou JJ teve que ser cometido com muita força, por forma a perfurar a vitima em cerca de 10 cm, o que contribui para afastar a tese do arguido de que foi a vítima que se “picou” (sic) e não que tivesse sido ele de forma voluntária e intencional.” (sublinhado nosso);
- a forma como os factos foram praticados, uma vez que no âmbito do confronto físico entre o arguido e a vítima o arguido devia-se ter abstido da utilização de um instrumento corto-perfurante potencialmente perigoso para a vida do ofendido, sem esquecer que o arguido à data dos factos com 55 anos (quase 56) não se coibiu de agredir um jovem de 25 anos (a vítima nasceu a .../.../1994 — facto provado 36); e o modo como atuou após os factos: não só se deslocou ao quarto-de-banho do café onde “lavou parte dos vestígios hemáticos que tinha no corpo” (facto provado 19), como também, em momento posterior, “ocultou a navalha em local não apurado” (facto provado 20) e afirmou que “tinha deixado cair a arma na via pública e que não sabia do seu paradeiro” (facto provado 21)
- a completa indiferença perante o bem jurídico mais protegido por todo o ordenamento jurídico-penal, não constando da matéria de facto provada a indicação de o arguido estar arrependido;
- as necessidades de prevenção especial são elevadas atento o facto praticado a demonstrar um desfasamento em relação às regras da sã convivência comunitária, e as elevadas necessidades de prevenção geral sempre reclamadas na prática de um ato deste tipo, impõem uma pena claramente acima do limite mínimo.
Todavia, não podemos esquecer que estamos perante um delinquente primário, que à data dos factos (24.11.2019 — facto provado 1) tinha quase 56 anos (o arguido nasceu a .../.../1963 — facto provado 24) e que estava bem integrado social e familiarmente (facto provado 34) e exercia uma atividade profissional em empresa comercial própria (facto provado 31).
Acresce referir que, mesmo sabendo que num certo entendimento do crime de participação em rixa este pode ser integrado quando se encontram em confronto apenas duas pessoas, e que o crime de homicídio, analisado globalmente o comportamento do agente, prevalece sobre aquele, e que poderá haver lugar a atenuação especial, nos termos do art. 72.º, n.º 1, do CP, quando haja uma contribuição causal da vítima para a criação da situação de perigo (a rixa)[8], consideramos que no caso esta atenuação especial não deve ser aplicada por falta de verificação dos pressupostos consagrados no normativo referido.
Nos termos do art. 72.º, n.º 1, do CP, poderá haver lugar a atenuação especial da pena “quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena”, o que de todo não ocorre no presente caso. Na verdade, devemos começar por referir que foi o arguido que, perante um gesto que considerou de má-educação, se dirigiu ao grupo de pessoas onde se encontrava a vítima repreendendo-as; o que logo gerou confrontos verbais e físicos (facto provado 3). Já os “ânimos [tinham] serenado” (facto provado 3) quando BB sai do café, dirige-se ao automóvel, inicia a marcha e é confrontado com a garrafa de cerveja contra o seu automóvel arremessada pelo arguido (factos provados 4 e 5); deste episódio surgem confrontos entre o arguido e BB, mas terminados por força da intervenção de amigos do BB que os separaram (facto provado7). Ou seja, em dois momentos distintos, naquela noite, é o arguido que se dirige  ao grupo de amigos onde estava a vítima e os confronta num crescendo de violência — se primeiro apenas os interpela dizendo-lhes que se estavam a portar mal, do que resultaram confrontos verbais e físicos (com “empurrões mútuos” — facto provado 3), num segundo momento, o confronto é iniciado com o arremesso de uma garrafa de cerveja contra o automóvel de um deles; gerou-se igualmente um confronto e mais uma vez foram alguns dos membros do grupo de amigos do arguido que os separaram. Ou seja, as circunstâncias anteriores ao crime não permitem considerar a possibilidade de atenuação da pena; e as posteriores também não, uma vez que o arguido, após os confrontos, foi ao quarto-de-banho do café lavar-se “de parte dos vestígios hemáticos que tinha no corpo” (facto provado 19), “ocultou a navalha em local não apurado” (facto provado 20) e “deslocou-se até à sua viatura (...) onde veio a  ser interpelado por NN, que o advertiu para não se ausentar do local” (facto provado 20). Ora, deste comportamento do arguido, que nem sequer se quis inteirar do estado da vítima que estava na parede oposta à entrada do café (facto provado 18), não decorrem quaisquer elementos que “diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena” (sublinhado nosso). Estamos perante um arguido já numa fase adiantada da vida (mais de 50 anos) cuja atuação deveria ser de exemplo para com os jovens de pouco mais de 20 anos; porém, o exemplo que deu foi a utilização da agressão verbal, física ou a bens das pessoas para assim fazer valer o seu ponto de vista.
E como referiu o Tribunal da Relação:
«É claro que há um elemento de censurabilidade no comportamento do arguido, mas haverá que ter presente que a sua idade já o tinha feito ultrapassar a “idade da violência” e que essa mesma idade – até ao fim informal da juventude, por volta dos 29/31 anos - era a característica marcante do outro grupo, a “outra tribo”.
E o elemento provocador essencial foi o facto provado em 3 «No decurso da referida festa, o arguido, por ter considerado de má-educação um gesto que BB efetuou junto a II, dirigiu-se a este e interpelou-o, dizendo que estava a portar-se mal e que estava de olho nele, tendo-se gerado entre eles um confronto verbal e o desferimento de empurrões mútuos, (…)».
Este foi o facto-faísca que fez vir à tona a agressividade e o confronto entre elementos dos dois grupos.
Aqui com uma agravante que altera a ponderação factual a realizar: o episódio provocador tinha já ocorrido e estaria ultrapassado não fora a saída do arguido para o exterior do estabelecimento para provocar um dos elementos do outro grupo que se retirava do local.
Esta conclusão apenas permite que o tribunal se mantenha no âmbito do jogo das atenuantes e agravantes gerais da pena efectuada pelo tribunal recorrido e mantenha a pena imposta.»
Dito isto, sabendo que a moldura penal oscila entre os 8 e os 16 anos, e que a metade da moldura se situa nos 12 anos, entendemos como necessária, adequada e proporcional a pena que lhe foi aplicada de 12 anos de prisão.

III
Conclusão

Nos termos expostos acordam, em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.

Supremo Tribunal de Justiça, 27 de outubro de 2022
Os Juízes Conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

António Gama

João Guerra

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[1] Também assim no original.
[2] Também assim no original.
[3] Assim, entre outros, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código penal, 4.ª ed., Lisboa: UCP, 2021, art. 151.º, nm. 4 (pp. 635) e bibliografia aí citada, e Augusto Silva Dias, Crimes contra a vida e a integridade física, Lisboa AAFDL, 2007, p. 124-125.
[4] Neste sentido, Taipa de Carvalho, art. 151.º/ §§ 21 e ss, Comentário Conimbricense do Código Penal,- Parte Especial, tomo I, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 488 e ss.
[5] Taipa de Carvalho, ob. cit., art. 151.º/§ 45 e também § 23.
[6] Taipa de Carvalho, ob. cit., art. 151.º/§ 45 que remete para o § 43.
[7] Há algum tempo a relatora deste acórdão considerou que havendo dolo quanto ao resultado de morte não estaríamos perante um crime agravado pelo resultado — assim, por exemplo, “é certo que, não fosse a previsão do tipo legal de crime de violação da integridade física com resultado de morte e o agente seria punido em sede de concurso. Mas, atendendo a certas características (características (...) que justificam em certos casos a criação de crimes agravados pelo resultado) estas condutas só são completamente punidas se a medida da pena tiver em conta a ilicitude global do facto. Ora, também esta ilicitude global do facto é abrangida se, pelo contrário, as lesões forem produzidas pelo agente com dolo de homicídio, pois aqui do que verdadeiramente se trata é de um outro sentido social de ilicitude — o sentido de ilicitude desta conduta é o de homicídio (já não se justificando punir a conduta de acordo com o crime agravado pelo resultado), Helena Moniz, Agravação pelo resultado?Contributo para uma autonomização dogmática do crime agravado pelo resultado, Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 726-727.
[8] Assim, Taipa de Carvalho, ob e loc cit. supra.