Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
286/09.5T2AMD.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
INDEMNIZAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Data do Acordão: 05/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DECISÕES QUE ADMITEM RECURSO.
DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCESSO DE EXPROPRIAÇÃO / EXPROPRIAÇÃO LITIGIOSA / TRAMITAÇÃO DO PROCESSO / RECURSO DA ARBITRAGEM / DECISÃO.
Doutrina:
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, p. 116;
- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, p. 58, 59 e 126;
- José Lebre de Freitas e A. Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, 2.ª edição., Tomo I, Volume 3.º, p. 17;
- Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, 2009, p. 315.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 629.º, N.º 2.
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (CEXP): - ARTIGO 66.º, N.º 5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 26-06-1997, PROCESSO N.º 085676;
- DE 13-07-2010, PROCESSO N.º 4210/06.9TBGMR.S1;
- DE 18-04-2012, PROCESSO N.º 3962/08.6TJCBR.C1-A.S1;
- DE 27-09-2012, PROCESSO N.º 10641/07.0TBMAI.P1.S1;
- DE 18-09-2014, PROCESSO N.º 1100/11.7TBCHV-B.P1.S1;
- DE 18-09-2014, PROCESSO N.º 1852/12.7TBLLE-C.E1.S1;
- DE 20-11-2014, PROCESSO N.º 7382/07.1TBVNG.P1.S1;
- DE 20-05-2015, PROCESSO N.º 321/12.0YHLSB.L1.S1;
- DE 02-06-2015, PROCESSO N.º 149/14.2YHLSB.L1.S1;
- DE 13-09-2016, PROCESSO N.º 671/12.5TBBCL.G1.S1;
- DE 24-11-2016, PROCESSO N.º 1655/13.1TJPRT.P1.S1;
- DE 15-02-2017, PROCESSO N.º 56/13.6TBTMC.G1.S1;
- DE 22-02-2017, PROCESSO N.º 535/09.0TMSNT.L1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.



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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 620/13, DE 26/09/2013;
- ACÓRDÃO N.º 91/14, DE 04/02/2014;
- ACÓRDÃO N.º 506/14 DE 02/06/2014.
Sumário :
I - No processo especial de expropriação por utilidade pública está consagrada a regra da irrecorribilidade do aresto da Relação que “tenha por objecto decisão sobre a fixação da indemnização” (artigo 66º, n.º 5, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro).

 II - Essa regra de irrecorribilidade é, contudo, excepcionada se invocada alguma das situações elencadas no artigo 629º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, nomeadamente a contradição de julgados.

 III - A contradição de julgados equacionada e que releva como conditio da admissibilidade do recurso de revista pressupõe, além de mais, pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito.

  IV - A questão de direito fundamental só é a mesma, para este efeito, quando a subsunção do mesmo núcleo factual seja idêntica (ou coincidente), mas tenha, em termos de interpretação e aplicação dos preceitos sido feita de modo diverso.

  V - A falta dos fundamentos invocados em ordem a permitir a revista «atípica» deita esta por terra e dela não será de tomar conhecimento.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Relatório

I – Nos presentes autos em que é expropriante E. P. -Estradas de Portugal, S. A., agora Infraestruturas de Portugal, S. A., e são expropriados AA e BB – cessionários habilitados no lugar do expropriado cedente CC – e DD, como proprietários, e interessado EE, como superficiário, foi adjudicada à expropriante a propriedade das seguintes parcelas de terreno, com a área total de 13.215 m2:

A. Parcela 3.05, confrontando a norte com CC e outro, a sul com CC e outro, a nascente com FF e a poente com Estrada … /CC e outro;

B. Parcela 3.05.1, confrontando a norte com Estrada da …, a sul com CC e outro, a nascente com FF e a poente com Câmara Municipal da … e outros, ambas a destacar do prédio misto denominado de “Quinta dos …”, à Estrada dos …, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da …, sob o n.° 009…/1…4 da freguesia de …/…, do concelho da Amadora, e inscrito nos artigos n.° 1053 e 1829 das matrizes prediais urbanas da freguesia da …, e sob o artigo 24, seção D, da matriz predial rústica, e inscrito o direito de propriedade a favor dos expropriados CC e DD com a inscrição n.°G1 – Ap. 06/260778, e o direito de superfície do prédio urbano identificado com o número matricial 1829 inscrito a favor de EE, por reconhecimento judicial com a inscrição F – Ap. 01/2007/08/14.

Efectuada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, procedeu-se à arbitragem que, por unanimidade, fixou a indemnização pela expropriação das duas parcelas no montante global de €4.455.253,00 (quatro milhões, quatrocentos e cinquenta e cinco mil, duzentos e cinquenta e três euros), dos quais €1.976.259,00 para o superficiário EE e €2.478.994,00 para os proprietários.

Os Srs. Árbitros avaliaram ainda a expropriação da parcela sobrante nascente em €89.118,00 (oitenta e nove mil, cento e dezoito euros) e da parcela sobrante central, caso se considere a área de 10.147 m2, em €1.419.687,00 (um milhão, quatrocentos e dezanove mil, seiscentos e oitenta e sete euros) ou em €1.055.122,00 (um milhão, cinquenta e cinco mil, cento e vinte e dois euros), caso se considere a área de 7.528m2.[1]

Entretanto, no apenso C, a fls. 363, foi homologada, por sentença datada de 17 de Dezembro de 2010, transação mediante a qual expropriante e interessados (proprietários e superficiário) acordam em que, a título de justa indemnização pela expropriação do edifício sobre o qual incide o direito de superfície, a expropriante pagará aos expropriados o valor de €2.055.350,22 euros, sem prejuízo da discussão da indemnização a pagar pela expropriação do demais.

A expropriante informou, quando remeteu os autos ao tribunal no tocante à expropriação do direito de propriedade, que chegou a acordo com o titular do direito de superfície[2].

Discordando do laudo arbitral, a expropriante e os expropriados proprietários CC e DD apresentaram recursos, a pugnar respectivamente pela redução e elevação da indemnização.

Além disso, os expropriados pediram a expropriação total do prédio.

Efetuada a peritagem foram apresentados dois relatórios de avaliação distintos que constam, respetivamente, a fls. 1535 e segs. e 1559 e segs..

Um dos peritos nomeados pelo Tribunal e o perito indicado pela expropriante apresentaram como valor da indemnização o de €2.962.037,80 (dois milhões, novecentos e sessenta e dois mil e trinta e sete euros e oitenta cêntimos), reportados à data da declaração de utilidade pública – Novembro de 2006. Entenderam que a expropriação deve ser total por as áreas sobrantes não permitirem operações de loteamento para instalação de infraestruturas, equipamentos e espaços de cedências.

Os outros peritos nomeados pelo tribunal e o perito nomeado pelos expropriados avaliaram o montante indemnizatório, pela expropriação total do prédio, que consideram ser de decretar, em €6.105.448,80 (seis milhões, cento e cinco mil, quatrocentos e quarenta e oito euros e oitenta cêntimos).

Foram apresentadas alegações escritas pelos expropriados, onde estes aceitam o valor indemnizatório calculado no relatório pericial maioritário (€ 6.105.448,89), sustentando, porém, que a este deve ser adicionado o montante que a expropriante suportou com a desocupação/realojamento dos arrendatários – fls. 1666 e ss.

Por não haver oposição, foi determinado que se fizesse perícia cujo objeto seria exclusivamente a determinação da área sobrante central, para efeitos de apreciação do incidente de expropriação total, tendo a perícia concluído que a área central existente entre as parcelas expropriadas é de 7.528 m2, sendo a área expropriada a sul da parcela 3.05 de 604 m2.

Foi proferida decisão a deferir a expropriação total do prédio em causa nos autos, decisão essa confirmada no acórdão proferido no âmbito da Apelação nº 286/09.5T2AMD.L1-B., e foi prolatada sentença que, julgando parcialmente procedente o recurso apresentado pelos expropriados, condenou a entidade expropriante a pagar-lhes €3.452.602,20 (três milhões, quatrocentos e cinquenta e dois mil, seiscentos e dois euros e vinte cêntimos), a título de indemnização pela expropriação total dos seus direitos sobre o prédio misto denominado por “Quinta dos …”, à Estrada dos …, descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial da …, sob o n.º 00…3/1…4 da freguesia de …/…, do concelho da Amadora, e inscrito nos artigos n.º 1053 e 1829 das matrizes prediais urbanas da freguesia da Falagueira, e sob o artigo 24, secção D, da matriz predial rústica, com a área total de 21.347 m2.

Mais se sentenciou que a atualização da indemnização nos termos do artigo 24.º do Código das Expropriações será levada a cabo pela expropriante, no âmbito das operações previstas no artigo 71.º, n.º 1 do referido Código e que a atualização não abrange a quantia já depositada pela expropriante.

Inconformados, apelaram os expropriados, com parcial êxito, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 20.06.2017, fixado a indemnização a pagar aos expropriados em €5.428.852,10 pela expropriação total do referido prédio e determinado que a atualização da indemnização, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, do Código das Expropriações, incidirá sobre o indicado montante, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à notificação do despacho que autorizou o levantamento da quantia sobre a qual havia acordo, e daí em diante sobre a diferença entre o valor ora fixado e o valor cujo levantamento foi autorizado; tudo nos exactos termos fixados no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 7/2001.

Inconformados, quer a expropriante, quer os expropriados interpuseram recurso de revista, mas o da primeira não foi admitido (cfr. fls. 2376, finalizando os últimos a sua alegação, com as seguintes conclusões:

1ª A decisão do Acórdão recorrido em deduzir à justa indemnização fixada para a propriedade expropriada as indemnizações suportadas pela Entidade Expropriante com os arrendatários de construções existentes na parcela expropriada é a oposta à que foi proferida no Acórdão fundamento que se junta como Doc. 1 (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.04.2014, processo nº 1231/11.3TJPRT.P1), transitado em julgado, tendo as duas decisões sido proferidas sobre a mesma questão e no mesmo quadro legislativo. Pelas razões que ficaram expostas, é a tese do Acórdão fundamento que deve prevalecer.

2ª Devendo a atualização da justa indemnização fixada ser feita em dois momentos/períodos (o primeiro, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à data da notificação do despacho que autorizou o levantamento da quantia sobre a qual havia acordo; o segundo, desde esta última data até ao transito em julgado da decisão que fixa o valor indemnizatório), o Acórdão recorrido decidiu que o valor a atualizar neste segundo momento/período é o valor correspondente à ”diferença entre o valor ora fixado e o valor cujo levantamento foi autorizado”, decisão esta que se opõe, em contradição, à que foi proferida no Acórdão fundamento que se junta como Doc. 2 (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.12.2011, Processo nº 2348/08.7TJLSB.L1-7 (dgsi.pt), transitado em julgado, tendo as duas decisões sido proferidas sobre a mesma questão e no mesmo quadro legislativo. Pelas razões que ficaram expostas, é a tese do Acórdão fundamento que deve prevalecer, pois no segundo período de actualização esta deve incidir sobre a diferença entre o valor indemnizatório fixado devidamente actualizado no primeiro período de actualização e o valor cujo levantamento foi ordenado.

A expropriante não ofereceu contra-alegação e, colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II - Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

1) Por despacho n.° 24 913-A/2007, de 12.10.2007, do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações do Ministério das Obras Públicas Transportes e Comunicações, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.° 208, de 29.10.2007, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação dos bens imóveis e direitos a eles inerentes necessários à execução da obra do IC17 – CRIL – sublanço Buraca Pontinha.

2) Entre os terrenos cuja utilidade pública foi declarada constam as seguintes parcelas de terreno, ambas a destacar do prédio misto denominado por “Quinta dos …”, a Estrada dos …, descritas na 1.ª Conservatória do Registo Predial da …, sob o n.° 00…3/1…4 da freguesia de …/…, do concelho da Amadora, e inscrito nos artigos n.° 1053 e 1829 das matrizes prediais urbanas da freguesia da …, e sob o artigo 24, seção D, da matriz predial rústica:

i. Parcela 3.05, confrontando a norte com CC e outro, a sul com CC e outro, a nascente com FF e a poente com Estrada dos … /CC e outro;

ii. Parcela 3.05.1, confrontando a norte com Estrada da …, a sul com CC e outro, a nascente com FF e a poente com Câmara Municipal da Amadora e outros.

3) A propriedade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 9…3/1…4 estava inscrita a favor dos expropriados CC e DD com a inscrição n.°G1 – Ap. 06/260778, por compra, e o direito de superfície do prédio urbano identificado com o número matricial 1829 inscrito a favor de EE, por reconhecimento judicial, com a inscrição F – Ap. 01/2007/08/14.

4) A 19 de Dezembro de 2007, foi realizada a vistoria “Ad perpetuam rei memoriam” das parcelas, com o teor constante a folhas 115 e ss, que aqui se dá por reproduzido.

5) Na data da vistoria, o prédio denominado Quinta dos …, confrontava a norte com Estrada da …, a sul com Estrada dos … e Estrada …, a nascente com Quinta do …. e a poente com Antiga Quinta do …, com a área total de 21.347,00 m2 e era composto por:

a) Urbano: Construção composta por cave, rés-do-chão e 1.° andar, este com dois inquilinos, e um conjunto de habitações com os n°s 1 a 34 com a área coberta de 209,7 m2, dependências com 4,74m2, garagem com 45,50 m2, casa do guarda com 12 m2 e quintal com 192,35 m2, integrando o número matricial 1053 da freguesia da … — …, concelho da Amadora;

b) Urbano: Construção designada por hotelaria e restaurante, prédio construído nos anos 80 sem projeto aprovado e sem licença de habitação, obra clandestina. Composto de cave, rés-do-chão e 4 andares, sendo o último sótão, loja A, loja B e C, com área de 200 m2, integrando o número matricial 1829 da mesma freguesia e concelho;

c) Rústico: prédio com área rústica de 19.680 m2, composto de 6 parcelas de terreno com vinha, oliveiras, culturas arvenses e fruteiras, integrando o artigo matricial 24, sec. D. O prédio encontra-se totalmente vedado por um muro de alvenaria, parte rebocado e parte em betão e / ou blocos de cimento, com 1,80 metros de altura.

6) A parcela a expropriar com o n.°3.05, com a área de 10.810 m2, é composta do seguinte modo:

a) Pela área urbana pertencente ao artigo matricial 1053 (conjunto de habitações antigas em banda, de 1 e 2 pisos, encontrando-se algumas delas em razoável estado de conservação e outras bastante degradadas) e logradouros, com a área de 3000 m2:

Bloco A

i) Estrada das …, n.°36 e armazém na cave (n.°35), com a área bruta de 93 m2: construção composta por cave e rés-do-chão. A fração onde existe um café estava a ser explorada pela firma GG, Lda, com uma área aproximada de 50 m2 e uma área aproximada de 40 m2 onde funciona o armazém, estando a parte do estabelecimento bem conservada, com paredes revestidas a azulejos e pintadas de novo na parte superior com pavimento em mosaico;

ii) Frações n.º 34 e 37 com área bruta de 80 m2, sendo compostas por 2 quartos, 1 sala, 1 cozinha, 1 WC, em razoável estado de conservação, estando à data arrendadas;

Bloco B

iii) Prédio do armazém do Minimercado, junto do moinho de água, com frações identificadas pelos n.ºs 1 a 11, com a área bruta de construção de 435 m2. Prédio em alvenaria em mau estado de conservação, tendo frações habitacionais extremamente degradadas, com alguns dos rendeiros iniciais já falecidos e por isso ocupadas por familiares que aguardam indemnização. As frações 1 e 2 têm 30 m2 e encontravam-se semi-abandonadas. As fragões n.º3 e 4 têm a área de 40 m2, têm 2 quartos, uma sala, e um WC completo. A parte principal do prédio n.º5 é explorado como armazém de minimercado tendo a área de 54 m2, sendo servido por portão de acesso à rua em chapa zincada, tem o teto a cair num canto e possui uma cave com área igual com acesso independente para a rua. A fragão 6 tem a área de 40 m2, e é composta por 2 quartos, 1 sala, uma cozinha e casa de banho completa. A fragão n.º7 é uma pequena habitação com cerca de 30 m2. O conjunto habitacional n.º8, 9, 10 e 11 tem a área bruta de 105 m2, sendo composto por prédio em alvenaria em más condições de conservação, possuindo a fração 8 e 9 alguma qualidade habitacional tendo as restantes aspeto de arrumos ou barracos. Junto à parte sul do complexo habitacional, em frente ao prédio do café, marginando a Estrada dos Salgados, localiza-se um poço em alvenaria/pedra, encimado pela estrutura de um moinho de vento metálico que servia para retirar agua para a quinta, que está bem servida de água;

Bloco C

iv) Conjunto habitacional n.º 12, 13, 14 e 15 com a área bruta aproximada de 160 m2. Conjunto habitacional em alvenaria de um só piso, exteriormente em mau estado, mas com as habitações pintadas recentemente e objeto de obras feitas pelos inquilinos. As frações n.º12 e 13 estavam habitáveis, tendo sala, 2 quartos, cozinha e casa de banho fora da habitação. As habitações 14 e 15 têm 2 quartos, 1 sala, 1 cozinha e WC com área bruta de 40 m2 cada uma.

v) Habitação n.º15-A e Armazém com área bruta de construção aproximada de 145 m2. A habitação 15-A faz parte do bloco de 2 pisos, onde se situa um armazém, localizando-se a habitação no R/C e o armazém no piso de cima. A habitação está razoavelmente conservada, tendo 2 quartos, 1 sala, 1 cozinha e uma casa de banho equipada, com a área de construção aproximada de 40 m2. O armazém é uma construção antiga bastante degradada em alvenaria com 105 m2 de área bruta, forrada a barrotes de madeira;

Bloco D

vi) Bloco de construções habitacionais de 2 pisos, localizadas ao lado do prédio grande de 5 pisos, ocupadas por arrendatários, n.º 26-A, 27, 28, 29, 32, 33, 34, 39, e o n.º 30 pela empresa “HH, Lda.” com a área bruta de 400 m2; Os n.º 26-A, 27 e 39 fazem parte de um R/C de um bloco habitacional de 2 pisos com casas de habitação em alvenaria em mau estado de conservação, compostas por 2 quartos, 1 sala, 1 cozinha e casa de banho, com a área de 40 m2 cada uma; Os n.º30 e 32 fazem parte do 1.º andar, sendo o n.º32 habitacional (1 quarto, 1 sala, 1 cozinha e casa de banho) em razoável estado de conservação, e o n.º 30 serve de sede e oficina à referida empresa, com uma área de 340 m2. Os n.º 28, 29 e 33 fazem parte de outro bloco habitacional com 2 pisos em alvenaria, ocupando os dois primeiros o R/C e o n.º 33 o 1.º andar. As frações 28 e 29 têm cerca de 40 m2 cada uma, compostas por 1 sala, 1 quarto, 1 cozinha, 1 casa de banho, tendo sido recentemente remodeladas pelos inquilinos. O n.º 33 ocupa o 1.º andar do prédio e compõem-se de 1 sala, 3 quartos, 1 cozinha e 1 casa-de-banho, as quais tiveram obras de remodelação recentes pelo inquilino. Tem a área de 70 m2, construção em alvenaria, com telhados novos, 1 terraço e pintada de fresco no interior; Bloco habitacional existente ao lado do n.º29 e em frente ao n.º27, e com n.º34 no 1.º piso. A habitação no R/C é pequena com 30 m2 e a do primeiro andar, designada pelo n.º34, é utilizado como armazém pelo proprietário.

Bloco E

vii) Conjunto de 2 garagens com 160 m2, servindo de plataforma logística para carregamento de camiões, as quais estão ligadas à cave da oficina da firma “HH, Lda.”; Estufas antigas com paredes em alvenaria, em ruína com 60 m2; Diversos anexos com paredes em alvenaria com 80 m2; garagem com estrutura em madeira e revestimento a chapa metálica com 20 m2; Logradouro revestido a calçada portuguesa com 250 m2; Logradouro revestido a betuminoso com 600 m2, Muro de vedação em betão e/ou blocos de cimento com 709 m2, muro de vedação de pedra com 116 m2;

b) Pela área urbana pertencente ao artigo matricial 1829 (prédio clandestino de 5 pisos, sótão e logradouro na entrada), com a área de 5000 m2;

Bloco F

i) Área urbana pertencente ao artigo matricial 1829, que confronta a Sul com a Estrada dos …. Prédio de cinco pisos e 1 sótão (com 103,33m2 utilizáveis) construído em alvenaria nos anos 80, sem projeto aprovado pela Câmara Municipal e sem licença de construção, tendo a área coberta aproximada de 450 m2. As áreas brutas dos pisos do prédio são de 2450,68 m2, estando a ser utilizados apenas a 1.ª e 2.ª cave, onde funciona a empresa “HH, Lda.”

c) Pela área afeta à exploração agrícola, incluindo nesta casa apalaçada em degradação, situada no Centro da Quinta dos … bem como um moinho antigo sito na parte alta da quinta com a área de 7.310 m2, da qual 6500 m2 de área explorada com horticultura, 400 m2 com o moinho e 410 m2 com casa apalaçada.

Bloco G

i) Área afeta à exploração hortícola, incluindo nesta uma casa apalaçada em ruínas, situadas no centro da Quinta dos … e o moinho no alto do limite sul da parcela, com 7.310 m2, sendo 6.500 m2 de área hortícola, 400 m2 de moinho e logradouro e 240 m2 de casa apalaçada com 170 m2 logradouro. A área hortícola situa-se em terrenos férteis e com bastante agua para rega, proveniente de 2 minas ligadas a 3 poços, sendo toda a quinta servida por condutas de agua em alvenaria, tendo parte delas sido substituídas por tubagens em plástico. Dado a inclinação do terreno esta estruturada em socalcos largos suportados por muros de suporte de terra em tijolo e pedra, existindo ainda, ao longo das ruas que dividem os socalcos, armações em ferro que suportavam latadas de videiras de uvas de mesa. Para além da horticultura existiam 6 árvores de fruto de grande porte, 30 árvores de médio porte, 154 árvores de pequeno porte, 1 palmeira de grande porte e 30 oliveiras de grande porte. Existem ainda 2 tanques com 25 m2 e 80 m2, 3 poços e 2 minas de nascentes de água, muros de suporte de terra com 160 metros de extensão, um moinho antigo em alvenaria com 30 m2 e logradouro com 400 m2, e 100 metros de muro de vedação com 1,80 metros de altura.

Bloco H

ii) Casa Apalaçada, em ruínas, situada no Centro da Quinta dos …, com a área coberta de 340 m2 e 170 m2 de logradouro, com uma área de construção total de 720 m2. Construção antiga cuja traça arquitetónica lembra a época da monarquia, sendo provavelmente a casa senhorial dos proprietários. A casa senhorial foi dividida em várias habitações, tanto na cave como no 1.° piso. Na cave existiam as habitações identificadas pelos n.° 21-A, 22, 23 e 26, sendo habitações sem condições, compostas por cozinha, 2 quartos, 1 salinha e retrete comum. O R/C compõe-se de uma só habitação com 1 salão grande, 4 quartos, 1 cozinha equipada, 2 casas de banho, 1 corredor e despensa, em mau estrado de conservação, com a área total de 240 m2. O primeiro andar é composto pelas habitações n.° 17, 18, 19 e 20, sendo a n.°18 composta por 1 sala, 3 quartos, 1 cozinha, 1 casa de banho e despensa pequena, e as restantes habitações mais pequenas com cerca de 55 m2 cada uma.

7) A parcela a expropriar n.° 3.05.1 tem a área de 2.405 m2, não tem construções e está explorada com horticultura de regadio, árvores de fruto e oliveiras. Tinha bons solos e muita água para rega, localizando-se na parte norte da Quinta dos …, confrontando com a Estrada da … e com um estaleiro a céu aberto, estando vedado com um muro de pedra e/ou blocos de cimento em certas zonas, com cerca de 150 metros de extensão e 1,80 metros de altura. Existiam 6 árvores de fruto de grande porte, 15 árvores de fruto de médio porte, 10 árvores de fruto de pequeno porte e 30 oliveiras de grande porte.

8) O prédio de onde irão ser desanexadas as parcelas é servido por todas as infraestruturas urbanísticas, incluindo acesso rodoviário pavimentado, passeios, rede de abastecimento domiciliário de água, eletricidade, gás, telefone, esgotos ligados a estação depuradora e também rede de águas pluviais.

9) A área expropriada está inserida no PDM da Amadora em Espaços Canais de Infra-estruturas Rodoviárias — Rede Regional Projetada, Espago Canal IC 17 - CRIL integrada na Unidade Operativa 03 Brandoa — Falagueira, Venda Nova e Alfornelos. A zona envolvente está inserida em espaços Urbanizáveis e Espaços Urbanos, onde existem prédios com mais de 10 andares do lado Norte, 7-8 andares do lado Sul (concelho de Lisboa) e 3-4 andares do lado nascente e Poente; A UOP 03 indica, no que respeita à capacidade edificativa, os valores dos índices urbanísticos aplicáveis, sendo os de alta densidade situados entre 0,61 e 0,80 enquanto não houver plano de pormenor ou de urbanização plenamente eficaz abrangente da correspondente UOP.

10) Existe uma parcela sobrante a nascente/sul da parcela 3.05, de forma triangular, com a área de 604 m2, explorados com horticultura, árvores de fruto (6) e oliveiras (10) e construções antigas, mais logradouro ocupado com materiais de construção. A parcela confronta com a travessa dos Lilases e é separada 30 metros do concelho de Lisboa por um pequeno corredor. As construções na zona envolvente, já situadas no concelho de Lisboa têm desde 4-5 andares até 9 andares. Está inserido no PDM da Amadora como “espaço urbanizável”.

11) Existe uma parcela sobrante, situada entre as parcelas a expropriar, com a área de 7.528 m2, com a forma aproximada de um paralelepípedo, explorada com horticultura e árvores de fruto (20 árvores de fruto de grande porte, 60 árvores de fruto de médio porte, 50 árvores de fruto de pequeno porte, 60 oliveiras de médio porte e 20 oliveiras de grande porte). Eram solos muito férteis com muita água para rega a partir de um tanque que funciona independentemente dos poços e de outros tanques existentes nas zonas da quinta a expropriar. A parcela é irrigada através de condutas de água em tijolo e atualmente algumas partes através de tubagens de PVC. A envolvente está inserida em Espaços Urbanizáveis e Espaços Urbanos, onde existem prédios com mais de 10 andares do lado norte, 7-8 andares do lado Sul e 3-4 andares dos lados Nascente e Poente.

12) As parcelas sobrantes não apresentam interesse económico para os expropriados, face à aptidão edificativa contemplada no PDM para a UOP 03, assim como as faixas non aedificandi da futura autoestrada (50 metros para cada lado do eixo e nunca a menos de 20 metros da zona da estrada) e à envolvência da sobrante central entre duas vias de grande circulação, muito próximas.

13) O índice médio de construção da envolvente à área expropriada é superior ao índice bruto máximo estabelecido no PDM da Amadora que é de 1,43 para zonas com plano de urbanização e pormenor e 0,8 para construções fora daqueles planos. A zona expropriada não tinha plano de urbanização e de pormenor.

14) Tendo em conta o facto provado em 8), considerou-se um índice fundiário de 24,00%.

15) As parcelas distam, em linha reta, cerca de 1,7 km do Centro Comercial …. e do Hospital … e estão englobadas numa “Faixa Urbana Fronteira com Lisboa”, numa zona de importante relacionamento viário com o município de Lisboa e que se insere no corredor rodoferroviário Queluz – Lisboa.

16) Segundo o Relatório do PDM da Amadora, o sistema urbano envolvente próxima desta faixa urbana é constituído, a norte e no concelho da Amadora, por Áreas Urbanas Residenciais de elevada densidade e por duas áreas estratégicas, uma delas a Área Urbana da Falagueira, à qual se pretende devolver uma maior centralidade, a Sul, já no concelho de Lisboa, pela área urbana de Benfica/Carnide, corredor de penetração na capital, sendo um importante polo de atração para a Amadora.

17) Distam ainda cerca de 1000 metros de acesso à 2.ª circular e à Avenida Lusíada.

18) A área do concelho de Lisboa que faz fronteira com as parcelas a expropriar está classificada no PDM de Lisboa como “Área Consolidada de Edifícios de Utilização Coletiva Habitacional”.

19) Para além do serviço de transporte público de autocarros e táxis, as parcelas usufruem de serviço de metropolitano, encontrando-se quatro estações numa distância de 190 metros a 1.100 metros.

20) Numa zona de 500 metros de diâmetro das parcelas expropriadas existem escolas secundárias, centro de saúde, farmácia, clínicas médicas, esquadra da PSP, estação de correios, espaços verdes, igreja e mercado abastecedor.

21) Os valores médios de mercado de venda das habitações na zona expropriada situavam-se na ordem dos 1.500 euros/m2 para edifícios de habitação.

22) No dia 09 de Maio de 2008, a entidade expropriante tomou posse efetiva das parcelas de terreno n.º 305 e 3.051.

23) O Acórdão Arbitral fixou, por unanimidade, o valor da indemnização pela expropriação das parcelas de terreno nos seguintes termos:

a) Parcela 3.05 - €1.839.528;

b) Parcela 3.05.1 - €2.615.724;

c) Parcela Sobrante nascente - €89.118;

d) Parcela Sobrante Central - €1.419.687 (considerando uma área de 10.147m2) ou € 1.055.122 (considerando uma área de 7.528m2).

24) Pelas expropriação das parcelas 3.05 e 3105.1 os árbitros atribuíram aos proprietários a indemnização de € 2.478.994 e aos superficiários o montante de € 1.976.259.

25) A propriedade das frações expropriadas foi adjudicada à entidade expropriante por decisão de 16-12-2009.

26) No âmbito da presente expropriação a expropriante pagou aos arrendatários e em realojamentos o montante total de 902.054,80 euros.


III – Fundamentação de direito

A apreciação do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação dos Recorrentes (artigos 635º, n.º 4 , e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil), passa, em primeiro lugar, por decidir da sua admissibilidade e, depois, no caso de admissão, dilucidar se houve erro na interpretação e aplicação das normas referentes à fixação da indemnização, no que concerne à dedução do montante atribuído aos arrendatários e momento da actualização.

Como se sabe, o princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais sofre limitações, mormente no acesso ao topo da hierarquia dos tribunais judiciais (STJ), entre elas figurando, por disposição legal, os acórdãos do Tribunal da Relação que fixam o valor da indemnização devida pela expropriação por utilidade pública (artigo 66º, n.º 5, do Código das Expropriações). Era, assim, já no Código das Expropriações de 1991 (artigo 64º do Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro), tal como julgou o acórdão do Pleno das Secções Cíveis de 26 de Junho de 1997 – 085676, acessível através de www.dgsi.pt, e essa irrecorribilidade está também consagrada no artigo 66º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1999, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, diploma legal em vigor[3], na data em que foi publicada a declaração de utilidade pública das parcelas expropriadas[4], acto consabidamente reconhecido como constitutivo da relação jurídica expropriativa.

O acórdão da Relação que se pretende impugnar teve por objecto a fixação do valor da indemnização a pagar aos expropriados, para o qual, como atrás já se disse, o artigo 66º, n.º 5, do Código das Expropriações, estabelece como tecto recursório o Tribunal da Relação. Essa regra de irrecorribilidade é, no entanto, excepcionada se invocada alguma das situações elencadas no artigo 629º, n.º 2, alíneas a), b), c) e d), do Cód. Proc. Civil, ou seja, quando estejam em causa violação das regras de competência absoluta, ofensa de caso julgado, decisão respeitante ao valor da causa, com o fundamento de que o mesmo excede a alçada do tribunal recorrido, decisão proferida contra a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça e contradição de julgados.

Não se verificando qualquer uma destas situações especiais permissivas da revista «atípica», cujo objectivo é garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução pelo mais Alto Tribunal os conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que, de acordo com a regra geral, nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça[5], não será de admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça tendo por objecto o acórdão da Relação que fixou o valor da indemnização devida pela expropriação por utilidade pública[6].

A presente revista tem por fundamento precisamente a contradição de julgados, impondo-se, por isso, verificar se ocorre essa condição de admissibilidade do recurso.

É sabido que a contradição aqui equacionada e que releva como conditio da admissibilidade do recurso de revista, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 629.º do Cód. Proc. Civil, pressupõe a pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que a questão de direito fundamental só é a mesma quando, por um lado, incida sobre idêntico (ou, em larga medida, coincidente) núcleo factual e, por outro, a sua subsunção, em termos de interpretação e aplicação dos mesmos preceitos haja sido efectuada de modo oposto ou, pelo menos, diverso[7].

Além disso, a oposição terá de ser frontal e incidir sobre decisões expressas relativamente a concreta questão, não abrangendo os argumentos ou fundamentos utilizados, nem sendo suficiente a oposição meramente tácita ou sequer uma diversidade implícita ou pressuposta[8], sendo certo também que como requisito formal – implícito –, preconiza-se ainda o prévio trânsito em julgado do acórdão fundamento.

Revertendo ao caso vertente, deparamo-nos, desde logo, com o facto de não se mostrar certificado o trânsito em julgado de qualquer um dos invocados acórdãos-fundamentos, pois os Recorrentes limitaram-se a juntar cópias dos mesmos extraídos da base de dados do IGFEJ (cfr. fls. 2308 a fls. 2323).

Ao contrário do que sucede no domínio do recurso para uniformização de jurisprudência, não se presume, em sede de decisão sobre a admissão atípica da revista (aquela que nos ocupa), o trânsito em julgado do acórdão fundamento[9]. O ónus de demonstrar o trânsito em julgado do acórdão fundamento dirigido a quem invoca um conflito jurisprudencial assenta na ponderação de que assim se obvia à possibilidade de aquele já se mostrar ultrapassado por posterior acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o que tornaria manifestamente desajustado e até inútil a prolação de novo aresto por este Tribunal.

Ora, não estando certificados os acórdãos da Relação do Porto e da Relação de Lisboa (nem o respectivo trânsito) que os Recorrentes têm como contraditórios com o acórdão recorrido, tal importaria a rejeição imediata do recurso, em estrita aplicação do comando contido no n.º 2 do artigo 637º do Código de Processo Civil[10].

Todavia, o Tribunal Constitucional já entendeu que, mesmo nos casos de admissão atípica de revista, ser inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo (artigo 20º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), a interpretação segundo a qual é viável a imposição dessa sanção sem a precedente formulação de um convite à parte para proceder à junção da certidão em falta[11].

Assim, pese embora seja conhecida jurisprudência em sentido divergente, consideramos que, prudentemente, se poderia optar por convidar os Recorrentes a documentarem a inexistente certificação dos acórdãos fundamento, incluindo o respectivo trânsito. Ponderando, no entanto, que apenas será útil endereçar tal convite se se puder antever a admissão do interposto recurso de revista, há que avaliar, previamente, se a respeito de cada uma das questões suscitadas como fundamento de admissibilidade da revista, em relação a cada um dos acórdãos fundamentos, estão reunidos os demais requisitos materiais acima enunciados.

Posto isto, cotejemos, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (o proferido, em 10.04.2014, pela Relação do Porto no processo n.º 1231/11.3TJPRT.P1), a fim de neles descortinar as razões de identidade que, a ser aplicável o citado preceito adjectivo, conduzirão à admissão do recurso.

No acórdão recorrido, o quadro factual considerado como demonstrado foi já atrás elencado e, quanto à redução da indemnização resultante da dedução do montante pago pela expropriante aos arrendatários, o âmago da primeira contradição decisória descortinada pelos Recorrentes, nele se discorreu do seguinte modo:

“Da consideração dos custos de desocupação e de realojamento dos arrendatários de construções existentes nas parcelas expropriadas:

É na conclusão B. que os apelantes abordam esta matéria, sustentando que tais custos, no valor de € 900.000,00, suportados pela expropriante no procedimento expropriativo, não devem, ao invés do que sucedeu, ser deduzidos no valor da indemnização calculada para as parcelas expropriadas.

Os custos em causa são os referidos no facto nº 26.

A indemnização devida aos arrendatários em virtude da expropriação é efetivamente autónoma da devida ao proprietário, pelo que a primeira não é dedutível na segunda. É encargo autónomo tal como é classificada na parte final do nº 1 do art. 30º do CE. (…)

Não se vê, todavia, que a dedução suposta pelos expropriados tenha sido feita[12].

Esclarecedora do que acaba de afirmar-se é a seguinte passagem da sentença que passamos a transcrever:

“Os Srs. peritos maioritários vêm constatar que o valor do bem, calculado com os critérios supra referidos, se afasta significativamente do valor real e corrente dos terrenos destinados à construção naquela área limítrofe de Lisboa. Tal constatação também resulta implicitamente da avaliação dos árbitros que tiveram em conta o cálculo do solo apto para construção mas aditaram o valor de construções e árvores como benfeitorias (mas que podem ser consideradas como um custo para quem vai fazer construção).

Por observação do local, os peritos declaram não encontrar um referencial de mercado de modo a inferir sobre os valores de mercado dos terrenos naquelas condições. Certo é que, pelas condições observadas e do conhecimento pessoal do mercado, entendem que o valor da indemnização é inferior ao valor real e corrente dos mesmos.

Inicialmente, propuseram adicionar o valor de € 2.624.650,00 correspondente a benfeitorias existentes no imóvel, na esteira da avaliação das benfeitorias feita pelos Srs. Árbitros. Os Srs. árbitros procedem deste modo de modo a aumentar a indemnização, valorizando benfeitorias existentes no prédio. Contudo, aqueles peritos concordam que tal operação é arbitrária, nem é coerente porquanto é contraditória com o critério da avaliação em função do valor de construção, o que concordamos.

Este exercício, de acordo com os Srs. peritos, entra na situação do artigo 23.°, n.°5 do Código das Expropriações, que permite ao tribunal corrigir os valores resultantes daqueles outros critérios, tendo em conta o valor real e corrente dos bens numa situação normal de mercado.

Propõem assim o cálculo do valor de mercado das parcelas, estimado através da determinação do Valor Atual Líquido (VAL) de todos os investimentos e todas as receitas previstas para concretizar uma possível solução de urbanização da totalidade da área afetada, direta e indiretamente, pela expropriação. A avaliação teria em conta o possível aproveitamento urbanístico nas condições do PDM da Amadora e no conjunto das operações necessárias para tornar aquele terreno pronto a construir, tendo em conta que uma operação de construção teria um tempo médio de realização de 2 anos e de comercialização de 4 anos, a partir do início das operações pendentes à urbanização do terreno.

Pela análise dos anúncios de venda dos Lotes de terreno e em áreas próximas, consideraram 500,00€/m2 da construção seria o valor a ter em conta na aquisição de lotes urbanizados e em condições de imediato uso com vista à construção de edifícios destinados a habitação para o segmento médio/alto.

Avaliam assim o valor de mercado com base em diversos parâmetros: Área do terreno (23.990 m2, sem prejuízo da retificação posterior por se ter apurado na realidade a área de 21.347 m2); índice de construção bruto (0,8), índice de construção líquido (1,43), taxa de inflação do período (3%), taxa média de juros (5%), taxa de risco (5%), taxa de desconto (10%), valor de m2 de terreno por m2 de construção (500,00 €), Períodos do projeto (4 anos), Custos com desalojamento de arrendatários (900.000,00 euros), custos de limpeza da área expropriada (100.000,00 euros), custos de infraestruturação (400.000,00€) encargos com projetos e coordenação (40.000,00€), proveitos de venda (3º ano) 5.765.600,00€ e proveitos de venda (4.º ano) – 3.838.400,00€; índice bruto integrado (0,80).

Obtêm assim o valor de 6.384.000,00 euros, para uma área de 23.990 m2, o que perfaz um valor de 266,11 euros por metro quadrado do terreno (ou 332,64 euros por metro quadrado de construção).

E depois de se exprimir inteira concordância em relação à necessidade de fazer a correção proposta, prossegue e sentença dizendo, sobre a validade do método adotado pelos Srs. Peritos maioritários, com vista a obter o valor real e corrente do imóvel:

“(…) Os Srs. peritos utilizam parâmetros objetivos, como a área do terreno e o índice bruto de construção,  com base no PDM da Amadora. Os demais parâmetros são valores ligados à sua experiência profissional de engenheiros civis, com conhecimento na área do planeamento de uma construção, nomeadamente o período do projeto, os custos de infraestruturação, encargos de projeto e coordenação, valor do m2 de construção etc. O custo de desalojamento de arrendatários, com base nos valores cedidos pela expropriante (e não impugnados), é um valor pertinente para a equação, porque tem em conta todos os custos que seriam suportados pelos expropriados na rentabilização máxima do seu terreno. (sublinhado nosso)

São variáveis objetivas e conducentes a obter um valor da expropriação com valores consentâneos com os de mercado, em termos de justiça material.

Adotamos, assim, o método de cálculo da indemnização pela expropriação, tendo apenas de corrigir o valor real do terreno expropriado, que é de 21.347 m2 e não 23.990 m2, como foi tomado por assente pelos peritos.”

Para atribuição ao solo expropriado de um valor correspondente ao valor real e corrente do mesmo numa situação normal de mercado – art. 23º, nº 5 -, portanto, de um valor idêntico ao que possuem os terrenos destinados à construção naquela área limítrofe de Lisboa, os Srs. Peritos maioritários procederam ao cálculo do valor de mercado das parcelas.

E, para tanto, determinaram o Valor atual líquido (VAL) de todos os custos que envolveria a eventual urbanização da área expropriada, de sorte a torna-la pronta a construir.

Na concretização desta metodologia, tida como boa pela sentença recorrida e aceite pelos apelantes, consideram como custo que tal processo necessariamente envolveria, além dos demais referidos, as despesas com a desocupação de arrendatários que, no caso, orçaram em cerca de 900.000,00 euros.

Ora, é inegável que o custo de desocupação e de realojamento dos arrendatários é despesa que sempre oneraria os expropriados se estes, para extraírem a rentabilidade máxima do seu terreno, o tornassem pronto a construir.

O custo dessa desocupação e realojamento, pago pela expropriante, a título de indemnização aos arrendatários, não foi, pois, abatido à indemnização fixada aos apelantes enquanto donos do terreno expropriado, mas apenas considerado, além de outros, como fator que necessariamente influencia o valor de mercado do seu terreno objeto de expropriação, no uso de metodologia que não contestam.

Não colhe, pois, a sua tese neste ponto.”.

Por seu turno, no acórdão fundamento acima referenciado, tiveram-se por demonstrados os seguintes factos:

“a) Por deliberação do Conselho de Administração de 15 de Junho de 2012, publicada no Diário da República n.º 133, 2.ª Série, de 12/07/2010, a B…, SA, deliberou expropriar, com carácter de urgência, a parcela n.º .., com vista à reabilitação urbana da Unidade de Intervenção do ….

b) A referida parcela corresponde ao prédio urbano constituído em propriedade horizontal, composto de edifício com seis pavimentos acima da cota da soleira (r/c + 4 andares + aproveitamento das águas furtadas), sito na Rua …, …-…, na freguesia …, concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1868 e inscrito na respectiva matriz predial sob o n.º 1603, com as seguintes confrontações: a Norte, com Parcela .., a Sul, com Parcela .., a Nascente com Parcela .. e a Poente, com a Rua ….

c) O edifício tem duas entradas, uma para o rés-do-chão, com o n.º … e outra de acesso aos pisos superiores, com o n.º ….

d) O referido prédio está inserido em Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística da Cidade do Porto e em Área de Frente Urbana Consolidada.

e) A parcela expropriada dispõe de acesso rodoviário, com pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela; passeios em toda a extensão do arruamento ou do quarteirão, do lado da parcela; rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela; rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela; rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão com serviço junto da parcela; rede de drenagem de águas pluviais com colector em serviço junto da parcela; estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento com serviço junto da parcela; rede distribuidora de gás junto da parcela e rede telefónica junto da parcela.

f) O lote do terreno mede 303,57 m2.

g) O rés-do-chão do referido prédio, com 143,82 m2 e anexo com 96,03 m2, estava arrendado ao Sr. D… e aí funcionava o E…, pela renda mensal de € 679,50.

h) Os pavimentos do rés-do-chão estão revestidos a mosaico cerâmico, genericamente em bom estado de conservação.

i) Os 1.º, 2.º, 3.º e 4.º andares e vão do telhado estavam arrendados ao Sr. F… e aí funcionava a G…, por € 657,00/mês.

j) O 1.º piso, com a área de 143,82 m2, é composto por sala de refeições e dois quartos.

k) Os 2.º, 3.º e 4.º andares, cada um com a área de 143,82 m2, são compostos por quartos.

l) Os 1.º, 2.º, 3.º e 4.º andares estão genericamente em razoável estado de conservação.

m) O vão do telhado serve de acesso à cobertura.

n) As caixilharias, de alumínio e de correr, estão em razoável estado de conservação.

o) A fachada principal do prédio é constituída por alvenaria de pedra revestida a placas de granito e azulejos, em razoável estado de conservação.

p) As varandas da fachada principal são de pedra de granito e estão em razoável estado de conservação e as respectivas guardas são metálicas e estão em satisfatório estado de conservação.

q) A fachada posterior do prédio é constituída por alvenaria de pedra, sendo o revestimento de reboco pintado, em razoável estado de conservação.

r) As varandas da fachada posterior são de pedra de granito, em razoável estado de conservação.

s) O edifício tem estrutura em paredes de alvenaria de pedra.

t) O pavimento dos pisos superiores é constituído por réguas de madeira, revestido a tijoleira assente em travejamento de madeira.

u) O pavimento do 1.º piso apresenta alguma tijoleira solta.

v) A parcela dispõe de logradouro, de 63,72 m2, com uma zona de esplanada de apoio ao restaurante.

w) A cobertura da construção principal é de quatro águas, revestida a telha cerâmica, assente em ripado de madeira, com uma zona plana sensivelmente a meio para saída de tubagens e a dos anexos é de duas águas.

x) A rede de drenagem de águas pluviais está aparentemente em razoável estado de conservação.

y) O valor de área útil de construção para a zona I (Porto), para o ano de 2010, é de € 741,48.

E, sobre a aludida questão focada pelos Recorrentes, ali se discorreu do seguinte modo:

2.1. O fulcro da discordância da expropriante relativamente à sentença recorrida centra-se no facto de, no cálculo da indemnização, não ter sido contemplado o ónus que recaía sobre o prédio expropriado pelo facto de estar arrendado. Sendo certo que a expropriante teve de arcar com o encargo de indemnizar os arrendatários, pelos expressivos valores de 300.000,00 € e de 208.851,00 €.

Nos acórdãos desta Relação do Porto de 19.12.2007 (Maria Eiró) e de 15.04.2008 (Cristina Coelho), in www.dgsi.pt, embora sem fundamentação muito explícita, preconiza-se, respectivamente, que “o arrendamento rural não constitui um ónus da propriedade, pelo que a indemnização atribuída ao arrendatário não deve ser deduzida na indemnização fixada ao proprietário” e que “o valor da indemnização a atribuir ao arrendatário corresponde à justa indemnização a que este tem direito pela caducidade do contrato, benfeitorias e prejuízos, não devendo ser deduzida na indemnização fixada ao proprietário”.

No acórdão da Relação de Lisboa de 25.11.97 (Santana Guapo), sumariado no BMJ nº 471, pág. 449, admite-se todavia a possibilidade de se vir considerar que o arrendamento possa constituir um ónus na avaliação do prédio arrendado, para efeitos de expropriação, no pressuposto de que o arrendamento vinculístico desvalorize o prédio. Ideia que se volta a frisar no acórdão desta Relação do Porto de 16.10.2012 (Vieira e Cunha) (…), partindo embora do princípio geral de que, “nos termos do artigo 30°, n°1, do CE, ao valor da indemnização fixada não haverá que deduzir a indemnização atribuída aos arrendatários”, também, se concede que “tal dedução pode ocorrer quando for de concluir que o arrendamento constitui um ónus para a avaliação do prédio arrendado”.

Julgamos que, tanto a recorrente como esta última jurisprudência, incorrem em erro de perspectiva.

Na verdade, não se pode ignorar o facto de que o direito do arrendatário é obrigacional e não real. Sendo um vínculo que só temporariamente o onera, não está, por conseguinte, ligado indefectível e permanentemente ao prédio arrendado.

Posto o que, só seria de desvalorizar o prédio pelo facto de ele estar arrendado, fazendo impender sobre o proprietário e senhorio o encargo de indemnizar o arrendatário, se tivesse sido aquele a escolher a época da expropriação. Do mesmo modo que, se o proprietário intenta vender devoluto um prédio que está arrendado, é evidentemente sobre ele que recai a obrigação de previamente resolver o contrato com o arrendatário. Pagando quiçá uma indemnização a este pela antecipação da cessação do contrato.

Coisa bem diferente sucede com a expropriação. Nesta, é o expropriante quem marca o timing da cessação do contrato de arrendamento. Desse modo, é sobre ele que deverá recair o encargo de indemnizar o arrendatário, por a este impor uma anómala antecipação da extinção desse contrato.

Sendo essa a razão pela qual o artigo 30º do Código das Expropriações dispõe, no seu nº 1, que os arrendamentos dos prédios expropriados «são considerados encargos autónomos para efeito de indemnização dos arrendatários». Preceito que, aliás, já constava dos Códigos das Expropriações de 1991 (artigo 29º, nº 1) e de 1976 (artigo 36º, nº 1).

Essa responsabilização do expropriante assenta, quanto a nós indubitavelmente, na etiologia da indemnização ao arrendatário. A qual é devida pelos prejuízos decorrentes da antecipação da cessação do contrato, frustrando as expectativas do arrendatário, facto exclusivamente imputável à expropriação, que não ao proprietário do prédio arrendado. Nada tendo a ver, portanto, com eventual responsabilidade deste, por via da sua posição contratual de senhorio, que se pretendesse fazer repercutir no valor do prédio expropriado.

É, aliás, nessa linha que Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., pág. 486, a propósito da consideração do arrendamento como encargo autónomo e focando-se nos efeitos que resultam da expropriação, referem que tal solução: “não lesa o proprietário, que recebe a indemnização correspondente à propriedade plena do imóvel; não prejudica o arrendatário, que recebe a indemnização adequada ao prejuízo sofrido; apenas sobrecarrega o expropriante com uma indemnização suplementar, o que é justo, uma vez que recebe o prédio imediatamente livre do vínculo contratual que sobre ele recaía”.

Efectuado este excurso cotejante, é de reconhecer que, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, existe alguma similitude factual, pois que, em ambos os arestos, deparamo-nos com a expropriação de imóveis parcialmente ocupados por arrendamentos urbanos.

Contudo, o acórdão recorrido não dissentiu do entendimento professado no acórdão fundamento. Neste, concluiu-se expressamente pela impossibilidade de deduzir à justa indemnização devida ao proprietário dos bens expropriados o montante despendido pela expropriante com a indemnização que pagou aos arrendatários, o que, como se colhe na transcrição supra, constituía um dos fundamentos do recurso de apelação apreciado no acórdão proferido no processo n.º 1231/11.3TJPRT.P1. E, interpretando o segmento do acórdão recorrido que supra se transcreveu, alcança-se, de resto, a conclusão de que essa questão nem sequer se colocou. É que, ao invés do que argumentavam os expropriados/apelantes, concluiu-se que a sentença apelada não procedera a qualquer dedução.

É certo que o acórdão recorrido debruçou-se, a seguir, sobre uma questão que apresenta alguns pontos de contacto com aquela, qual seja a de saber se os custos que os expropriados suportariam com a desoneração dos espaços arrendados (i.e. com a desocupação e de realojamento dos arrendatários) devem ser considerados na determinação do valor de mercado das parcelas expropriadas. Mas, embora o alcance prático da decisão tomada sobre uma e outra das questões possa ser equiparável, é insofismável que o plano dos respectivos enquadramentos teóricos-jurídicos é bem distinto.

Com efeito, a discussão sobre a dedutibilidade da indemnização paga pela expropriante aos arrendatários é perfeitamente distinguível da inclusão dos mencionados custos na determinação do valor real do bem expropriado. Uma coisa é debater se se deve proceder a uma operação aritmética de subtracção de custos suportados pela expropriante, outra, bem diferente, é a controvérsia sobre a inclusão de determinados elementos na metodologia avaliativa empregue. 

Por outro lado, e como é patente, a questão apreciada no transcrito segmento do acórdão fundamento deve ser dirimida à luz da norma contida no n.º 1 do artigo 30º do Código das Expropriações, ao passo que o debate acerca da inclusão dos falados custos na determinação do valor real das parcelas expropriadas terá, eventualmente, em vista o disposto no n.º 5 do artigo 23º e no artigo 26º, ambos daquele diploma. Por isso, sendo díspares as questões tratadas em cada um dos arestos em confronto e os respectivos enquadramentos jurídicos, jamais se poderia considerar que a mesma norma foi interpretada e/ou aplicada em sentidos opostos ou sequer diversos.

Aliás, o que os Recorrentes pretendem discutir na presente revista mais não é do que o correctismo do método avaliativo usado, com o qual, a fazer fé no que se escreveu no acórdão recorrido, até se conformaram.

Em suma, entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido no processo n.º 1231/11.3TJPRT.P1 inexiste identidade da questão fundamental de direito, ou seja, não ocorre, quanto à primeira das temáticas invocadas no recurso, contradição decisória que reclame a intervenção sanadora deste Supremo Tribunal de Justiça.

Clarificado este ponto, vejamos agora a segunda contradição decisória invocada pelos Recorrentes para fundar a admissão atípica da presente revista e que, como já dito, se prende com a actualização da indemnização.

Sobre tal questão o acórdão recorrido discorreu do seguinte modo:

“Da atualização da justa indemnização:

A este propósito, da sentença consta o seguinte:

“A atualização da indemnização nos termos do artigo 24.º do Código das Expropriações será levada a cabo pela expropriante, no âmbito das operações previstas no artigo 71.º, n.º1 do referido Código, não abrangendo a atualização a quantia já depositada pelo expropriante.”

Os apelantes discordam, pugnando por que a atualização tenha lugar nos termos preconizados pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 7/2001.

Este acórdão (…) fixou jurisprudência no seguinte sentido: “em processo de expropriação por utilidade pública, havendo recurso da arbitragem e não tendo esta procedido à actualização do valor inicial, o valor fixado na decisão final é actualizado até à notificação do despacho que autorize o levantamento de uma parcela do depósito. Daí em diante a actualização incidirá sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado; tendo havido actualização na arbitragem, só há lugar à actualização, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à decisão final, sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado.”

Esta doutrina é de seguir, pelo que a atualização ordenada será feita nos seus exatos termos, ou seja, sobre a totalidade da indemnização fixada até à notificação do despacho que autorizou o levantamento de uma parcela do depósito; e após isso até final, mas apenas sobre a diferença entre o valor arbitrado e o já recebido.

O recurso procede, pois, nos termos sobreditos. (…)

A atualização da indemnização, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, do Código das Expropriações, incidirá sobre o indicado montante, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à notificação do despacho que autorizou o levantamento da quantia sobre a qual havia acordo, e daí em diante sobre a diferença entre o valor ora fixado e o valor cujo levantamento foi autorizado; tudo nos exatos termos fixados no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 7/2001, acima citado.”.

Por sua vez, no acórdão fundamento elegido pelos Recorrentes (o proferido pela Relação de Lisboa em 6 de Dezembro de 2011 no processo n.º 2348/08.7TJLSB.L1) e no que aqui releva escreveu-se:

3. A actualização do montante da indemnização.

 A sentença apelada fixou a indemnização a pagar pela expropriante; e esclareceu “por referência à data da DUP, a actualizar nos termos do artigo 24º do CE”. Os expropriados, em contra-alegação, referem que se não precisou o modo da sua actualização. Por outro lado, a tudo se intercala o acordo de 29 de Outubro de 2008, pelo qual os expropriados logo receberam 315.000,00 €.

Vejamos então.

Estabelece o artigo 24º, nº 1, do Código das Expropriações, que o montante da indemnização se calcula com referência à data da declaração de utilidade pública (início); acrescentando que é actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor com exclusão da habitação (final).

O índice é o publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens (artigo 24º, nº 2). (…)

Compreende-se o sentido das normas; a salvaguarda da reintegração do património atingido pela diminuição exige uma afectação monetária que corresponda efectivamente ao valor do bem que sai; e o volume do crédito em dinheiro, desse valor, ser sujeito a actualização ao momento da sua disponibilidade.

Trata-se, em suma, de compensar a erosão do valor da moeda; (…) como modo de maximizar a aproximação da esfera afectada à que seria sem ablação. (…)

Ademais; a decisão final que fixa o termo ad quem da actualização, e que aqui nos importa, é a contida no vertente acórdão.

A este respeito, releva ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, uniformizador de jurisprudência, nº 7/2001, de 12 de Julho de 2001, que (além do mais) fixou a interpretação de que, havendo recurso de arbitragem e não tendo esta procedido à actualização do valor inicial, o valor fixado na decisão final é actualizado até à notificação do despacho que autorize o levantamento de uma parcela do depósito, e ainda de que, daí em diante a actualização incidirá sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado. (…) O sentido desta óptica é o de que, na medida em que os valores se mostrem à disposição do expropriado, e fique no livre arbítrio deste deles dispôr, deixa de se justificar aquela compensação própria à supressão do progressivo desvalor da moeda; isto é, logo que se lhe faculte o respectivo acesso, o expropriado só não querendo é que não obtém a satisfação efectiva (ao menos parcial) do seu crédito.

Agora o caso concreto.

A d.u.p. foi publicada em 29 de Outubro de 2007 (fls. 6). (…)

A decisão arbitral fixou, para expropriação total, o montante indemnizatório de 218.336,25 €; mas não procedeu a actualização (fls. 105 a 114).

Houve recurso dessa decisão; mas antes mesmo da atribuição aos expropriados da parcela consensual (artigo 52º, nº 3, do CE), noticiou-se o sobredito acordo, firmado pelas partes em 29 de Outubro de 2008, e pelo qual a expropriante lhes disponibilizou logo o valor de 315.000,00 € (fls. 238 a 241).

A avaliação arbitrou o montante de 347.610,00 (fls. 372 a 373 e 379 a 381); valor reportado (sem actualização) ao ano de 2007 (fls. 402 a 404).

Sendo esta última a justa indemnização na óptica deste acórdão.

O atípico acordo, firmado em Outubro de 2008, que permitiu aos expropriados logo embolsar uma parcela da indemnização, não autoriza intuir o reflexo nesta de sorte alguma de reposição da erosão monetária; sendo o ênfase do clausulado mais incidente sobre a salvaguarda do recurso de arbitragem e da constatação da quantia embolsada como mínimo admissível (cláusula 2ª, nº 4).

À luz do texto que se subscreveu, o declaratário normal não iria razoavelmente além disto (artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do Código Civil).

No quadro normativo do citado artigo 24º, nº 1, interpretado à luz do acórdão uniformizador 7/2001, cremos que o recto cálculo do montante da indemnização resultará, na hipótese concreta, das seguintes operações aritméticas.

Em 1º;

sobre o valor de 347.610,00 €, referenciado a 29 de Outubro de 2007, e com início nesta data, incidirão os coeficientes da evolução do índice de preços aplicável, até 29 de Outubro de 2008; obtendo-se um resultado ( I ).

Em 2º;

ao resultado ( I ), assim obtido, subtrai-se o valor de 315.000,00 € (aí disponibilizado); e obtém-se um outro resultado ( II ).

Em 3º;           

agora, sobre o resultado ( II ) que constitui a diferença entre a indemnização actualizada, à data de 29 de Outubro de 2008, e o valor neste tempo disponibilizado, incidirão os coeficientes da evolução do índice de preços, e com início nesta data, até à da decisão final, precisamente a data do vertente acórdão.

Os expropriados receberão, assim, a quantia daquela diferença ( II ) acrescida da sua actualização até à data da decisão final do processo; constituindo a soma do que agora vão receber, com aquilo que em Outubro de 2008 já receberam, o valor completo da justa indemnização que, pelo acto ablativo da propriedade que os atingiu, lhes é perfeita e adequadamente devida.

Na perspectiva dos Recorrentes, a contradição decisória justificativa da admissão atípica da revista reporta-se ao quantitativo que deve ser objecto da actualização a efectuar após o despacho que autoriza os expropriados a proceder ao levantamento da parcela da indemnização sobre a qual incidiu o acordo das partes (cfr. n.º 3 do artigo 52º do Código das Expropriações).

É sabido que são as conclusões da minuta recursória que definem o objecto do recurso (n.º 3 do artigo 635º do Código de Processo Civil), delimitando assim os poderes cognitivos do tribunal ad quem e, partindo deste incontornável dado, atentemos nas alegações da apelação. Aí, os expropriados manifestaram a discordância com a sentença de 1.ª instância, por entenderem que “o termo final da atualização não é o momento do depósito da quantia pela Entidade Expropriante, mas sim, o momento da disponibilização da quantia indemnizatória ao expropriado. Deste modo, a justa indemnização que vier a ser fixada deverá ser atualizada até final, apenas se excluindo, na respetiva data do Despacho que o tiver ordenado, aquela que houver sido disponibilizada à Expropriada.”, concluindo, a final e a este respeito, que “A Sentença recorrida não respeitou as regras da atualização da justa indemnização.”

Evidencia-se, assim, que o que os apelantes pediram à Relação de Lisboa foi, somente, que decidisse se a actualização abrangia ou não (como se decidira na 1.ª Instância) a parcela da indemnização antes depositada pela recorrida. Concomitantemente, não lhe foi pedido que enfrentasse a questão de saber se a actualização da justa indemnização fixada a efectuar na decisão final (que tem como objecto a diferença – caso exista – entre o quantitativo sobre o qual se verifica recair o acordo e o quantum indemnizatório ali definitivamente fixado) incide singelamente sobre o valor da indemnização fixada ou, antes, sobre o valor actualizado desta.

Temos, pois, que o tribunal recorrido não se debruçou sobre a questão relativamente à qual incidirá a pretensa contradição alegada pelos Recorrentes. Aliás, a invocação, no acórdão recorrido, da doutrina fixada por este Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão do Pleno das Secções Cíveis n.º 7/2001, que, como os Recorrentes assinalam, não versou sobre aquela temática, é bem disso elucidativo. Daí que também, neste ponto, se deva concluir pela inexistência da identidade da questão fundamental de direito.

De notar, ainda, que o acórdão fundamento também não decidiu expressamente a identificada questão, antes assumindo, como uma petição de princípio, que a actualização incidiria sobre o valor indemnizatório actualizado, pelo que, caso fosse lobrigável alguma contradição (e não é, frise-se bem), a mesma dever-se-ia ter por meramente implícita ou pressuposta e, nessa medida, não hábil para facultar aos Recorrentes o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça pela impetrada via atípica.

Resta-nos, pois, concluir que, pelos motivos antes expostos, não se verifica qualquer uma das contradições decisórias apontadas pelos Recorrentes, o que implica a inadmissibilidade do recurso e o não conhecimento do seu objecto, ficando prejudicada, desde logo, a realização do convite para certificarem o trânsito dos acórdãos utilizados como fundamento.  


*


    Pode, assim, concluir-se, em síntese, que:

 1 - No processo especial de expropriação por utilidade pública está consagrada a regra da irrecorribilidade do aresto da Relação que “tenha por objecto decisão sobre a fixação da indemnização” (artigo 66º, n.º 5, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro).

  2 - Essa regra de irrecorribilidade é, contudo, excepcionada se invocada alguma das situações elencadas no artigo 629º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, nomeadamente a contradição de julgados.

  3 - A contradição de julgados equacionada e que releva como conditio da admissibilidade do recurso de revista pressupõe, além de mais, pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito.

  4 - A questão de direito fundamental só é a mesma, para este efeito, quando a subsunção do mesmo núcleo factual seja idêntica (ou coincidente), mas tenha, em termos de interpretação e aplicação dos preceitos sido feita de modo diverso.

  5 - A falta dos fundamentos invocados em ordem a permitir a revista «atípica» deita esta por terra e dela não será de tomar conhecimento.


 IV – Decisão

    Nos termos expostos, decide-se que é inadmissível o recurso de revista interposto e consequentemente dele não se toma conhecimento.

    Custas pelos Recorrentes.


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     Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).

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Lisboa, 17 de Maio de 2018

António Joaquim Piçarra (relator)

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes

__________


[1] Fls. 257.
[2] Fls. 48.
[3] Encontra-se em vigor desde Novembro do mesmo ano (art.º 4º da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro).
[4] A declaração de utilidade pública foi publicada no DR de 20/08/2003.
[5] Cfr, neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 18.09.2014 (processo 1852/12.7TBLLE-C.E1.S1), de 02.06.2015 (processo 149/14.2YHLSB.L1.S1) e de 24.11.2016 (processo 1655/13.1TJPRT.P1.S1), acessíveis através de www.dgsi.pt, e António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, págs. 58 e 59.
[6]Cfr, entre outros, os acórdãos do STJ de 27.09.2012 (proc. n.º 10641/07.0TBMAI.P1.S1), de 18.09.2014 (proc. nº 1100/11.7TBCHV-B.P1.S1), de 20.11.2014 (proc. nº 7382/07.1TBVNG.P1.S1), de 15.02.2017 (proc. nº 56/13.6TBTMC.G1.S1), e de 22.02.2017 (proc. nº 535/09.0TMSNT.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[7] Cfr, neste sentido, Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, pág. 116, José Lebre de Freitas/A. Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, 2.ª edição., Tomo I, Volume 3.º, pág. 17 (por referência a anterior versão do CPC, mas ainda actualizadas), e António Santos Abrantes Geraldes, obra citada, págs. 58 e 59
[8] Cfr, neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, obra citada, págs. 58 e 59, Luís Correia de Mendonça/Henrique Antunes, Dos Recursos, 2009, pág. 315, e, entre outros, os acórdãos do STJ de 13.07.2010 (processo 4210/06.9TBGMR.S1), de 18.04.2012 (processo 3962/08.6TJCBR.C1-A.S1), de 20.11.2014 (processo 7382/07.1TBVNG.P1.S1), de 20.05.2015 (processo 321/12.0YHLSB.L1.S1) e de 13.09.2016 (processo 671/12.5TBBCL.G1.S1), acessíveis através de www.dgsi.pt.
[9] O que sucede também em sede de admissão da revista excepcional - alínea c) do n.º 2 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.
[10] Cfr., neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 126.
[11] Assim, acórdãos do TC n.ºs 620/13, de 26/09/2013, 91/14, de 04/02/2014, e 506/14 de 02/06/2014.
[12] Sublinhado nosso.