Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B3766
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: DECISÃO ARBITRAL
REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
CITAÇÃO
ORDEM PÚBLICA
Nº do Documento: SJ200602020037667
Data do Acordão: 02/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 2208/04
Data: 05/18/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - De harmonia com o art.V, nº1º, al.b), da Convenção de Nova Iorque de 10/6/58 sobre o reconhecimento de decisões arbitrais estrangeiras, é sobre a parte contra a qual for invocada a sentença arbitral que incide o ónus da prova de que não foi devidamente informada quer da designação do árbitro, quer do processo de arbitragem.

II - Para que a parte possa ser julgada - devidamente informada - da designação do árbitro e do processo de arbitragem nos termos e para os efeitos do art.V, nº1º, al.b), da Convenção referida não é necessário que a citação para o processo arbitral tenha sido efectuada através de carta registada com A/R e com tradução em vernáculo.

III - A regularidade da citação do réu para a acção exigida na alínea e) do art.1096º CPC deve ser apreciada com referência à lei do tribunal de origem.

IV - Visto que o processo de arbitragem tem o seu formalismo próprio, é à luz da lei do procedimento arbitral, e não segundo a lei processual portuguesa, que deve ser aferida a questão de saber se a citação para esse processo foi feita na forma devida, sendo sem cabimento a exigência de carta registada com A/R fundada nos arts.233º, nº2º, al.a), 236º e 247º CPC.

V - Não estipulada na Convenção aludida qualquer forma específica de comunicação dos actos, o que na realidade importa averiguar para esse efeito é se a parte contra quem a sentença é invocada foi ou não efectivamente colocada em posição de, querendo, poder fazer valer os seus pontos de vista perante os árbitros

VI - Quando no art.V, nº 2, al.b), da Convenção referida se estabelece que o reconhecimento ou a execução da sentença poderão ser recusados se forem contrários à ordem pública é, ainda, a chamada - ordem pública internacional do Estado português - referida na al.f) do art.1096º CPC que se tem em vista.

VII - Constituída por um conjunto de princípios fundamentais estruturantes da presença do País no concerto das nações, - como é, designadamente, o caso da regra pacta sunt servanda -, nenhum princípio dessa ordem pública exige a citação por carta registada com A/R e que nela se use a língua nacional do citando.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :


Em 18/12/2002, a A, sociedade de direito suíço, com sede em Wangen b. Olten, Com-federação Helvética, moveu à B, Lda, com sede em Tomadas, Margaride, Felgueiras, acção com processo especial de revisão e confirmação de sentenças arbitrais estrangeiras que foi distribuído ao 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras.

Alegou, em síntese, o seguinte :

No exercício da sua actividade, em 3 e em 22/5/2001, por contrato escrito, declarou vender à demandada, e esta declarou comprar-lhe, produtos do seu comércio, a pagar em dinheiro contra a apresentação dos documentos, tendo como porto de embarque, respectivamente, em Maio e em Junho de 2001, um porto italiano, e Mombaça/Quénia, e como destino Lisboa.

Em ambos esses contratos, as partes declararam que qualquer litígio seria submetido a arbitragem em Londres, de acordo com as regras da C, Ltd (SHALTA).

Chegada a Lisboa, a mercadoria não foi levantada pela demandada, que não procedeu ao seu pagamento contra a apresentação dos documentos.

Com vista a dirimir o conflito surgido no âmbito dos preditos contratos n.ºs 7431 e 7444, a requerente, como neles estabelecido, recorreu à arbitragem, tendo sido proferidas as decisões revidendas, que julgaram incumpridos aqueles contratos por parte da demandada, por não ter procedido ao levantamento e pagamento da mercadoria contra a primeira apresentação dos competentes documentos.

Consequentemente, a Ré foi condenada a pagar à A. as quantias de USD 43.079,93 e de USD 14. 643,75, acrescidas de juros. Não obstante, não procedeu a qualquer pagamento.

Contestando o pedido de revisão, a demandada opôs, em suma, com referência à Convenção sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras concluída em Nova Iorque em 10/6/1958, não ter sido observado o princípio do contraditório no âmbito do processo que levou à decisão.

Houve resposta, e alegações da requerente, da requerida, e do Ministério Público.

Por sentença de 9/7/2004, foi reconhecida a legalidade das decisões arbitrais nºs 426 e 427 da C, Ltd (SHALTA), respectivamente proferidas em 29/ 11/2001 e em 26/2/2002.

Por acórdão de 18/5/2005, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente o recurso interposto pela requerida.

Em consequência, manteve a sentença recorrida, de revisão e confirmação das aludidas decisões arbitrais estrangeiras, a fim de terem eficácia em Portugal.

Vem pedida revista dessa decisão.

Em fecho da alegação respectiva, a recorrente deduz, em termos úteis, as conclusões seguintes, delimitativas, em princípio, do âmbito ou objecto deste recurso ( cfr. arts.684º, nºs 2º a 4ª, e 690º, nºs 1º e 3º, CPC ) (1) :

1ª - A recorrente nunca foi citada para o procedimento arbitral, pelo que, não tendo deduzido oposição, foi condenada no pedido. Por isso, as decisões arbitrais aludidas não poderão ser reconhecidas e confirmadas face ao direito vigente em Portugal.

2ª - Aplicável, nomeadamente no que respeita aos fundamentos de recusa da confirmação dessas decisões, a Convenção de Nova Iorque sobre o reconhecimento de decisões arbitrais estrangeiras de 10/6/1958, foi, neste caso, violado o art. V, nº1, al. b), dessa Convenção, pois a recorrente não foi notificada de qualquer processo, nem dele teve conhecimento, a fim de ( poder ) deduzir a sua defesa.

3ª - O predito art.V, nº1, al.b), exige, para que a decisão arbitral seja reconhecida, que - a parte contra a qual a sentença é invocada tenha sido devidamente informada quer da designação do árbitro, quer do processo de arbitragem ou de que lhe foi impossível, por outro motivo, deduzir a sua contestação -, devendo a expressão em destaque ser densificada com recurso ao princípio do contraditório e ao direito de defesa.

4ª - Os documentos apresentados pela requerida, que esta pretende que sejam considerados como citação, não são mais que uma interpelação para o cumprimento do contrato, informando que, se tal não acontecesse, recorreria à arbitragem.

5ª - Este entendimento, que o acórdão recorrido sufragou, viola claramente os princípios do contraditório - art.3º CPC, e da igualdade das partes - art.3º-A CPC, e o direito de defesa - art.32º da Constituição, que exigem que a citação assuma um carácter formal que garanta a sua efectiva recepção, nomeadamente através de carta registada com A/R, acompanhada da devida tradução.

6ª - Se é certo que o procedimento de arbitragem pressupõe uma simplificação das formalidades, esta não pode significar uma diminuição das garantias fundamentais, como sejam os princípios do da igualdade das partes e do contraditório e a exigência de citação prévia e de audição de ambas as partes.

7ª - O princípio do contraditório e da igualdade das partes constitui um dos pilares do nosso ordenamento jurídico e, por isso, faz parte da ordem pública processual portuguesa, sendo que a violação desses princípios traduz um obstáculo ao reconhecimento de decisão arbitral estrangeira nos termos do art.V, nº2, al. b), da Convenção de Nova Iorque, disposição que foi contrariada pelo acórdão recorrido.

8ª - As cartas enviadas pela recorrida à recorrente não garantem o respeito pelos princípios citados, uma vez que, para além do já referido, foram sempre escritas em língua inglesa, e enviadas através de meio que não garante a recepção.

9ª - Não é possível provar um facto negativo, pelo que a recorrente não pode provar a não citação, devendo, pelo contrário, a recorrida provar que a recorrente foi citada para o procedimento arbitral através de carta registada com A/R., acompanhada da devida tradução em português.

Não houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

A matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue :

a) - A requerente é uma sociedade de direito suíço que se dedica, entre outros, ao comércio de peles e couros.

b) - A requerida é uma sociedade que se dedica à indústria e comércio de peles, couros e derivados dos mesmos.

c) - No exercício das respectivas actividades, requerente e requerida celebraram, em 3/5/2001, o contrato escrito nº7431, do contrato internacional de peles nº 6 Peles & Couro, no qual declararam, respectivamente, vender e comprar cerca de 18 toneladas de couros de bovino da Zâmbia salgados e húmidos, com uma média de peso total de cerca de 15,2 Kg/pele, ao preço de USD 1,60/ Kg fixo, a pagar contra a 1ª apresentação dos documentos, tendo como porto de embarque, em Maio de 2001, um porto italiano e destino Lisboa, sendo as condições de transporte FOB S Croce sull‘ Arno, Itália.

d) - Requerente e requerida declararam ainda, no âmbito do mesmo contrato, submeterem-se, em caso de litígio, à arbitragem em Londres, também local de apelação e de acordo com as regras da SHALTA( C, Ltd ).

e) - No exercício das actividades respectivas, requerente e requerida celebraram ainda, em 22/5/ 2001, o contrato escrito nº7444, do contrato internacional de peles nº 6 ,B, em que declararam, respectivamente, vender e comprar cerca de 40 toneladas de couros de bovino do Uganda salgados e húmidos, com uma média de peso total de cerca de 14-15 Kg/pele, ao preço de USD 1,68/ Kg fixo, a pagar contra a 1ª apresentação dos documentos, tendo como porto de embarque, em Junho de 2001, Mombaça/Quénia e destino Lisboa/Portugal, sendo as condições de transporte FOB S Croce sull‘Arno, Itália.

f) - Requerente e requerida declararam ainda, no âmbito do mesmo contrato, submeterem-se, em caso de litígio, à arbitragem em Londres, também local de apelação e de acordo com as regras da SHALTA.

g) - Chegada a mercadoria referida em c) e e) ao porto de destino de Lisboa, a requerida não procedeu, no entanto, ao seu levantamento, nem ao seu pagamento contra a primeira apresentação dos documentos, não obstante ter sido várias vezes interpelada pela requerente para esse efeito.

h) - Para dirimir o conflito assim surgido no âmbito dos contratos n.ºs 7431 e 7444, a requerente recorreu à acordada arbitragem SHALTA ( Associação B, Lda ).

i) - Pela decisão arbitral nº 426 da C, Lda ( SHALTA ), proferida em 29/11/2001, através dos árbitros D e E, foi julgado o incumprimento do contrato nº 7431 por parte da compradora e ora requerida, à data de 19/6/01, por não ter procedido ao levantamento da mercadoria e ao pagamento contra a primeira apresentação dos documentos.

j) - Nessa decisão, a requerida foi condenada a pagar à requerente a quantia de USD 43.079,93, acrescida de juros à taxa Libor acrescida em 3 pontos percentuais, a contar de 19/6/01 até integral pagamento dessa quantia, correspondente aos prejuízos sofridos, e, ainda, a pagar à requerente as quantias de GBP 50 (cinquenta libras esterlinas), correspondente aos honorários da associação, e de GBP 900 (novecentas libras estrelinas) correspondente aos honorários dos árbitros.

l) - Pela decisão arbitral nº 427 da C, Lda ( SHALTA ), proferida em 26/2/2002, através dos árbitros D e E, foi julgado o incumprimento do contrato nº 7444 por parte da compradora e ora requerida, à data de 20/7/01, por não ter procedido ao levantamento da mercadoria e ao pagamento contra a primeira apresentação dos documentos.

m) - Em tal decisão, a requerida foi condenada a pagar à requerente a quantia de USD 14.643,75, acrescida de juros à taxa Libor acrescida em 3 pontos percentuais, a contar de 20/7/01 até integral pagamento dessa quantia, correspondente aos prejuízos sofridos, e, ainda, a pagar à requerente a quantia de GBP 50 (cinquenta libras esterlinas) correspondente aos honorários da associação e a quantia de GBP 800 (oitocentas libras esterlinas) correspondente aos honorários dos árbitros.

n) - Não obstante o acima mencionado, até à data, a requerida não pagou à requerente os valores em que foi condenada no âmbito das decisões arbitrais nºs 426 e 427.

o) - Por cartas datadas de 10/9/2001, enviadas à requerida para a morada do contrato, a requerente interpelou-a pelo incumprimento dos contratos, concedendo-lhe um prazo para liquidação dos montantes correspondentes aos prejuízos ( docs. a fls. 128 a 138 ).

p) - Não tendo a requerida pago dentro do prazo concedido, a requerente notificou a requerida , na morada indicada no contrato, de que iria submeter a resolução do litígio à arbitragem SHALTA, apontando para o efeito como seu árbitro o senhor D(doc. a fls. 142 a 144 ).

q) - Nesse mesmo acto, a requerente solicitou ainda à requerida que lhe indicasse o nome do seu árbitro, avisando que se tal não viesse a ter lugar dentro do prazo de 14 dias, requereria à Associação C a designação de um árbitro, de acordo com as regras e regulamentos que regem a arbitragem em Londres.

r) - A requerida não designou nenhum árbitro dentro do prazo de 14 dias ou posteriormente.

s) - Em 22/10/2001, a Associação C informou a requerida, por carta registada enviada para a morada constante do contrato, e, previamente, por fax, que tinha sido nomeado para seu árbitro o senhor E, indicando ainda a morada desse árbitro e números de fax e telefone ( doc. a fls.145 a 150 ).

t) - Na mesma data, a Associação C informou ainda a requerida de que quaisquer assuntos a tomar em consideração deveriam ser comunicados directamente pela requerida ao nomeado seu árbitro.

u) - A requerente e a requerida foram informadas pela Associação C que a sentença arbitral estava disponível contra o pagamento de honorários e custos ( doc. a fls.163 a 165 ).

v) - Após pagamento dos custos e honorários pela requerente, a Associação C enviou o original da sentença arbitral à requerente e à requerida.

x) - A requerida não recorreu da sentença arbitral.

As questões a resolver permanecem consubstanciadas nas interrogações seguintes :

Quais as regras que regem este processo de revisão e confirmação de sentenças arbitrais ?

Foi, ou não foi, a ora recorrente - devidamente informada - da designação do árbitro e do processo de arbitragem nos termos e para os efeitos do art.V, nº1º, al.b), da Convenção de Nova Iorque, de 10/6/58, sobre o reconhecimento de decisões arbitrais estrangeiras ?

Não tendo a citação para o processo arbitral sido efectuada através de carta registada com A/R, e tendo sido feita, sem tradução, por cartas em língua inglesa, houve desrespeito dos princípios do contraditório e da igualdade das partes integrante do obstáculo ao reconhecimento de decisão arbitral estrangeira previsto no art.V, nº2º, al.b), da Convenção referida ?

Como logo assinalado na 1ª instância, a impugnação das decisões arbitrais teria de ter sido efectuada no tempo e lugar próprios : agora está só em causa o seu pedido reconhecimento e confirmação.

Visto que o processo de arbitragem tem o seu formalismo próprio, é, a todas as luzes, segundo a lei do procedimento arbitral, e não segundo a lei processual portuguesa, que deve ser aferida a questão de saber se a citação para esse processo foi feita na forma devida. Em relação a um tal processo, é, pois, sem cabimento a exigência de carta registada com A/R fundada nos arts.233º, nº2º, al.a), 236º e 247º CPC.

A recorrente recebeu efectivamente faxes e cartas registadas (em relação às quais, aliás, o A/R não constitui mais que prova de recepção adicional em relação à que o próprio registo faculta ) ; e, nem, enfim, o direito nacional exige a tradução nas citações por via postal a efectuar no estrangeiro.

Em vista do art.8º, nº 2º, da Constituição (2), este processo de revisão e confirmação de sentenças arbitrais estrangeiras obedece, por sua vez, às regras estabelecidas pela Convenção de Nova Iorque de 10/6/1958 sobre o reconhecimento de decisões arbitrais estrangeiras (3) (e às constantes dos arts. 1094º ss CPC que não contrariem o estabelecido naquela Convenção ).

Vem arguida violação do art.V da Convenção referida, de que, na verdade, constam os motivos de recusa do reconhecimento impugnado. Mais concretamente, vem alegada violação dos nºs 1º, al. b), e 2º, al.b), desse artigo.

Aquele primeiro reza assim :

" O reconhecimento e a execução da sentença só serão recusados, a pedido da Parte contra a qual for invocada, se esta Parte fornecer à autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução forem pedidos a prova : ( ...) b) - De que a Parte contra a qual a sentença é invocada não foi devidamente informada quer da designação do árbitro, quer do processo de arbitragem, ou de que lhe foi impossível por qualquer outro motivo, deduzir a sua contestação- (destaques nossos ).

Exige-se, deste modo, para recusa do reconhecimento ou da execução pretendidos que a parte contra a qual for invocada a sentença arbitral faça a prova de que não foi devidamente informada quer da designação do árbitro, quer do processo de arbitragem.

De há muito repudiada a regra negativa non sunt probanda (4), o ónus da prova da falta dessa informação recaía, pois, sobre a recorrente - e tal assim de harmonia com disposição expressa da própria Convenção invocada.

Com efeito, lê-se no seu art.V, nº1º, al.b), acima transcrito, e como logo então se deixou em destaque, que o reconhecimento e a execução da sentença só serão recusados se a parte contra a qual for invocada fornecer à autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução forem pedidos a prova de que não foi devidamente informada quer da designação do árbitro, quer do
processo de arbitragem, ou de que lhe foi impossível por qualquer outro motivo, deduzir a sua contestação.

Como resulta dos factos provados constantes de p) a v), supra, a recorrente teve conhecimento do processo de arbitragem e da designação do árbitro, não nomeou árbitro próprio, não comunicou os motivos da sua actuação ao árbitro que lhe foi nomeado, e nem, por fim, recorreu da sentença arbitral.

Quer isto, de facto, dizer que só não exerceu o seu direito de defesa porque não quis.

A recorrente opõe que essas informações lhe deviam ter sido comunicadas através de carta registada com aviso de recepção, e em língua portuguesa, por só assim haver garantia da efectiva recepção das mesmas e do exercício do seu direito ao contraditório.

Nos termos da alínea e) do art.1096º CPC, a regularidade da citação do réu para a acção deve ser apreciada com referência à lei do tribunal de origem, pelo que, no caso em apreço, a citação da recorrente para se defender no processo de arbitragem se regia pelas normas a que, então, estava sub metido o tribunal arbitral inglês.

A recorrente não alegou, nem demonstrou, terem sido infringidas essas normas, insistindo, antes, sem razão que lhe aproveite, na aplicação do regime processual nacional nessa matéria.

Não é, na verdade, nas normas processuais portuguesas, mas, com evidência, na própria Convenção aplicável que terá de achar-se a interpretação da expressão "devidamente informada".

Não estipulada nessa Convenção qualquer forma específica de comunicação dos actos, o que, na realidade, importa averiguar para este efeito é se a parte contra quem a sentença é invocada foi, ou não, efectivamente colocada em posição de, querendo, poder fazer valer os seus pontos de vista perante os árbitros (5). Mas nem tal, enfim, sofre dúvida, face à matéria de facto firmada pelas instâncias nos documentos juntos aos autos, não impugnados, e no acordo das partes, onde não houve impugnação especificada. Na realidade :

A recorrente foi informada pela Associação C, Ltd, sita em Londres, mediante fax, posteriormente confirmado por carta registada enviada para a morada constante do contrato, da pendência do processo de arbitragem, da identidade, da morada e dos números do fax e do telefone do árbitro que lhe fora nomeado, e de que lhe deveria comunicar directamente quaisquer assuntos a tomar em consideração pelo tribunal arbitral.

Não alegou, nem demonstrou, que a forma utilizada para a informar da pendência do processo de arbitragem e do árbitro que lhe fora nomeado não tenha obedecido às regras do procedimento arbitral acordado com a recorrida para dirimir extrajudicialmente eventuais litígios sobre os contratos de compra e venda aludidos.

Deve, pois, concluir-se, como nas instâncias, que foi devidamente informada quer do processo de arbitragem, quer da designação do árbitro.

Quando no art.V, nº 2, al.b), da Convenção mencionada se estabelece que o reconhecimento ou a execução da sentença poderão ser recusados se forem contrários à ordem pública é, ainda, a chamada - ordem pública internacional do Estado português - referida na al.f) do art.1096º CPC que se tem em vista.

Constituída por um conjunto de princípios fundamentais estruturantes da presença do País no concerto das nações - como é, designadamente, o caso da regra pacta sunt servanda -, nenhum princípio dessa ordem pública exige a citação por carta registada com A/R e que nela se use a língua nacional do citando.

Subsiste, isso sim, no domínio dos direitos disponíveis, o princípio de que a todos é possível recorrer a formas extrajudiciais de obtenção de justiça, como as partes nestes autos fizeram ao acordarem em sujeitar eventuais litígios resultantes dos contratos celebrados a arbitragem segundo as regras da Associação referida, com sede em Londres.

As partes escolheram a língua inglesa para a redacção dos contratos de compra e venda a que se referem as decisões revidendas, e escolheram um tribunal arbitral inglês para dirimir qualquer litígio relativo a esses contratos.

É, pois, inteiramente razoável que, no caso, a comunicação aludida se fizesse na língua em que foram redigidos os contratos em que se contem a cláusula arbitral e que era a do tribunal arbitral escolhido por acordo das partes.

Destarte acompanhado o discurso das instâncias, breve se chega à decisão que segue :

Nega-se a revista.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 2 de Fevereiro de 2006
Oliveira Barros
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
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(1) Em vista do inciso em destaque, omitem-se as duas primeiras e a quarta. É, ainda assim, manifesta a repetitividade das demais.

(2) Segundo o qual - as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português -. Essas normas são automaticamente recebidas na ordem jurídica nacional e prevalecem sobre as normas legais comuns, como ensinado por Afonso Queirós, RLJ 120º/78, Gomes Canotilho e Vital Moreira, -Fundamentos da Constituição" (1991), 65, citados no acórdão recorrido como nos deste Tribunal de 9/10/2003 e de 22/4/2004, que refere.

(3) Relativamente à qual Portugal formulou a sua adesão, através do depósito do respectivo instrumento em 18/10/94, no seguimento da sua aprovação para ratificação, efectuada através da Resolução da AR nº 37/94 de 10/3, publicada, tal como o Decreto de ratificação do Presidente da República nº52/943, de 8/7, no DR, I Série - A, nº156, de 8/7/94. V. também Aviso nº142/95, de 25/5, publicado no DR, I Série - A, nº141, de 21/6/95. Está em vigor entre nós desde 16/1/ 95. Diz-se, nomeadamente, no nº1º do artigo IV que para obter o reconhecimento e a execução pretendida, o requerente deve juntar : a) - o original devidamente autenticado da sentença, ou cópia da mesma, verificadas as condições exigidas para a sua autenticidade ; b) - o original da convenção escrita a que alude o artigo II da mesma convenção, ou seja, o contrato através do qual as partes convencionaram a submissão a arbitragem de qualquer litígio a ocorrer no âmbito de contrato celebrado. Nessa parte não contrariada, menciona-se na sentença apelada ter-se verificado tudo isso.

(4) V., v.g., Manuel de Andrade, - Noções Elementares de Processo Civil - ( 1976 ), 201-f), e Anselmo de Castro, - Direito Processual Civil Declaratório -, III ( 1982 ), 355, que cita Vaz Serra.
(5) Na contra-alegação oferecida na apelação, cita-se, neste sentido, A.J. Van den Berg, - The New York Convention of 1958 -, Haia, 1981, pág.284. Não se teve acesso a essa obra.