Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11119/02.3TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÂO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
PRAZOS
APLICAÇÃO IMEDIATA
RETROACTIVIDADE DA LEI
Data do Acordão: 07/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA - PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 296º, 297º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2013, ARTIGOS 281º, 629º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANTERIOR, ARTIGOS 265º, Nº 1, 285º, 291º, Nº 1, 287º, C), 919º, Nº 1 E 466º
DECRETO-LEI Nº 4/2013, DE 11 DE JANEIRO
Sumário :
1. O Decreto-Lei nº 4/2013 não disciplina a aplicação no tempo do novo regime; em especial, não esclarece se é ou não aplicável às execuções que se encontrem a aguardar o decurso do prazo de deserção, iniciado no âmbito do Código de Processo Civil anterior. Cumpre, por isso, recorrer aos princípios relativos à aplicação da lei processual no tempo e à sua concretização no que diz respeito às leis que fixam prazos cujo decurso seja desfavorável à parte. Em particular, há que saber se vale a regra constante do nº 1 do artigo 297º do Código Civil.

2. O nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 4/2013 não criou nenhuma nova causa de extinção da instância executiva. Continuando a prever que a falta de impulso do exequente, durante um certo tempo, é causa de extinção da instância, o Decreto-Lei nº 4/2013 veio apenas encurtar o prazo necessário para operar a extinção, reduzindo-o de três anos para seis meses.

3. Este mesmo encurtamento foi incorporado no Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que igualmente revogou o Decreto-Lei nº 4/2013.

4. O prazo de seis meses previsto no nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 4/2013 aplica-se a uma execução para pagamento de quantia certa na qual, à data da sua entrada em vigor (26 de Janeiro de 2013, artigo 12º respectivo), tinha sido proferido uma decisão determinando que o processo aguardasse o decurso do prazo de interrupção da instância e, posteriormente, do prazo de deserção; mas o prazo só se conta a partir da data da entrada em vigor da norma respectiva.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. No âmbito da execução instaurada em 8 de Novembro de 2002 por Banco AA, contra BB e CC, que, citados, deduziram embargos, e após a realização de diversas diligências, foi proferido o despacho de fls. 362, de 4 de Julho de 2011, com o seguinte conteúdo: “Aguardem os autos o decurso do prazo do artigo 285º do C.P.C.” (ou seja, do prazo necessário para que a instância se interrompesse, e que era de mais de um ano de paragem do processo “por negligência das partes em promover os seus temos…”) “e após do 291º do C.P.C.” (ou seja, de deserção da instância, que se verificava quando a instância estivesse interrompida durante dois anos).

No dia 8 de Fevereiro de 2013, a fls. 366, o exequente, agora Banco DD, veio requerer que lhe fossem entregues os valores que se encontrassem depositados à ordem do processo, se os houvesse, e ainda que fosse determinada a penhora de parte do vencimento de CC e de “eventual reembolso de IRS dos executados referente ao ano de 2012 (…)”.

A 14 de Fevereiro de 2013, a fls. 369, foi lavrado o seguinte despacho, sustentado a fls. 415: “A presente execução está extinta por força do disposto no artigo 3º do DL 4/2013. Como tal vai indeferido o requerido. Notifique. D.N. – incluindo junção da certidão mencionada a fls. 366 (a fim de ser considerada a alteração da denominação social da exequente invocada) e devolução ao exequente das quantias nos autos depositadas e provenientes de penhora em bens dos executados para garantia da quantia exequenda – indo os autos para o efeito à conta”.

2. O exequente recorreu para a Relação do Porto, que, por acórdão de 12 de Novembro de 2013, de fls. 429, negou provimento ao recurso. Em síntese, a Relação considerou que a extinção dos processos executivos parados por falta de impulso processual há mais de seis meses, determinada pelo nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 4/2013, de 11 de Janeiro, foi “uma medida pontual, temporária e extraordinária”; que a motivação apresentada no preâmbulo do diploma justifica a extinção das execuções “paradas por mais de seis meses sem qualquer impulso processual por parte” do exequente, “sendo esse impulso devido”, assente em “duas ordens de razões (…): uma subjectiva, associada à vontade presumida do exequente de renunciar à demanda e abandonar o processo; e, outra objectiva, ligada ao interesse na boa administração da justiça, interesse esse a que não são alheios, como se refere no mesmo Preâmbulo, os compromissos que Portugal assumiu, no quadro de assistência financeira, celebrado com as instituições internacionais e europeias, no sentido de melhorar o funcionamento da justiça.”; que “se identificam nas suas normas essas razões, particularmente, a urgência e o carácter temporário e extraordinário das medidas nele adoptadas”:

«Assim, no que concerne à urgência dessas medidas, o artigo 1º do referido Decreto-Lei nº 4/2013, afirma-a expressamente, sem margem para qualquer dúvida. E, no que toca ao carácter temporário e extraordinário, resulta ele do curto período de aplicação de tal diploma legal, que, por força do disposto no seu artigo 12º, em conjugação com o artº 4º da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho, se cifra em pouco mais do que sete meses. Isto é, o período que mediou entre a data da entrada em vigor do referido Decreto-Lei nº 4/2013 (26/01/2013) e a data em que o mesmo cessou a produção dos seus efeitos (31/08/2013), por força da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil.

Temos, portanto, que as apontadas características são claramente incompatíveis com uma interpretação que defenda, como defendeu o recorrente, a contagem do prazo de seis meses referidos no artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei nº 4/2013, apenas a partir da data da entrada em vigor deste diploma legal.

Como se referiu no Acórdão proferido no dia 24/09/2013, no Proc. n.º 29762/02.9TJPRT.P1 (…), “Se tivesse de contar-se o prazo de seis meses apenas a partir da data de entrada em vigor do D.L. 41/2013, um tal prazo só se completaria em 26/7/2013, já que o diploma iniciou a sua vigência em 26/1/2013. E cessou a sua vigência em 31/8/2013. Assim, só poderia aplicar-se a medida prevista no nº 1 do art. 3º do diploma às execuções em que, entre 27/7/2013 e 31/8/2013, se constatasse uma falta de impulso processual do exequente desde 26/1/2013”.

Com facilidade se conclui, continua o mesmo Aresto, “como uma tal solução estaria longe de corresponder à intenção e à intervenção legislativa que estiveram na origem de um tal diploma legal. A ser assim, jamais as soluções deste consubstanciariam "medidas urgentes", aptas a propiciar "resultados expressivos" na redução de pendências de acções executivas.

Pelo contrário, o legislador identificou um tipo de processos executivos (para pagamento de quantia certa) nos quais o desinteresse do exequente, traduzido na ausência do seu impulso durante mais de seis meses (…) haveria de assumir imediato relevo, determinando a sua imediata extinção, por simples intervenção da secretaria, imediatamente após a entrada em vigor do D.L. em questão.

O legislador não deixou de assumir o "carácter temporário e extraordinário" destas medidas, mas justificou-as com o objectivo de "contribuir, no imediato, para a redução de uma pendência processual executiva espúria" (cfr. exposição de motivos, parte final). Para esse efeito, consagrou uma solução que não deixa de assumir uma certa dimensão retroactiva, na medida em que valora um período de tempo já decorrido antes da sua entrada em vigor, para efeito de aplicação das medidas que veio consagrar. E, dessa forma, afastou o regime geral constante do art. 297º do C.Civil”. Tal como afastou, acrescentamos ainda, o regime que decorre da articulação dos artigos 285.º e 291.º do Código de Processo Civil que vigorava à época. O citado diploma avulso não veio, pois, como defende o recorrente, reduzir para seis meses os prazos previstos nestes preceitos. Criou, sim, um regime excepcional, que, como se diz no artigo 3º nº1 do Decreto-Lei nº 4/2013, é de aplicação imediata aos processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa “que se encontrem” – repare-se nesta expressão –, “que se encontrem”, repetimos, e não que se venham a encontrar, a aguardar impulso processual do exequente há mais de seis meses.

E não se diga que esta é uma medida surpresa que apanhou desprevenidos todos os exequentes que se encontrassem com processos pendentes nessas circunstâncias.

Além da inércia ser, em si mesma, um factor de perturbação na acção da justiça, o que reduz em grande medida a necessidade da respectiva tutela, verdade é também que o legislador deu um prazo de quinze dias para os ditos exequentes impulsionarem utilmente os processos parados por responsabilidade dos mesmos. Referimo-nos ao prazo que mediou entre a publicação e a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 4/2013 (artº 12.º), que estabelece esse prazo.

De modo que não há qualquer razão para não contar o já citado prazo de seis meses tendo por referência todo o período temporal decorrido até à entrada em vigor daquele Decreto-Lei; ou seja, até ao dia 26/01/2013. Pelo contrário, cremos que essa é uma imposição legal.

Assim, aplicando esta regra ao caso presente, verifica-se que a presente execução se encontra desde o dia 04/07/2011 sem qualquer impulso processual do exequente. Isto, apesar deste ter conhecimento desse facto, pois que esse impulso lhe foi exigido por despacho judicial, não impugnado, que lhe foi notificado por comunicação expedida no dia subsequente (05/07/2011).

Por conseguinte, não tendo dado esse impulso nos seis meses anteriores à entrada em vigor do citado Decreto-Lei nº 4/2013, a presente execução deve considerar-se extinta, assim se mantendo, nessa parte, o despacho recorrido, posto que o mais não vem impugnado.”

O exequente interpôs recurso de revista excepcional, invocando contradição com os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Julho de 2013, proc. 3191/11.1TJPRT.P1 e de 12 de Setembro de 2013, proc. 4644/02.8TJPRT.P1; mas o recurso veio a ser admitido como revista, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil. A fls. 544 e segs. encontram-se juntas as correspondentes certidões, com nota do trânsito.

2. Nas alegações que apresentou, o recorrente formulou as seguintes conclusões, no que agora releva:

«(…) 12.6. O despacho proferido pela Tribunal de 1ª instância, que declarou extinta a execução e que foi confirmado pelo Acórdão recorrido, recaiu sobre o requerimento apresentado pelo ora recorrente, em 8 de Fevereiro de 2013, a requerer a penhora de 1/3 do vencimento que o executado aufere ao serviço da entidade patronal aí indicada (e que até então era desconhecida do Banco recorrente).

12.7. Na data em que o requerimento aludido na conclusão antecedente foi apresentado, os autos encontravam-se a aguardar o decurso dos prazos previstos nos artigos 285.º e 291.º do Código de Processo Civil, na redacção então em vigor, tal como havia sido determinado por despacho de fls._, proferido em 4 de Julho de 2011;

12.8. Não tendo ainda decorrido os prazos previstos nos artigos 285.º e 291.° do Código de Processo Civil, na redacção então em vigor, o Tribunal de 1.a Instância não poderia extinguir a execução, porquanto os autos foram impulsionados pelo exequente, e muito menos o poderia fazer com o fundamento vertido no despacho confirmado pelo Acórdão recorrido;

12.9. Pelas mesmas razões, o Acórdão recorrido também não poderia ter confirmado o despacho proferido pela 1.a instância;

12.10. O Decreto-Lei n.o 4/2013, de 11 de Janeiro, que entrou em vigor em 26 de Janeiro último, e em particular o seu artigo 3.°, veio, na prática, reduzir para seis meses os prazos previstos nos artigos 285.º e 291.º do Código de Processo Civil, na redacção então aplicável;

12.11 De acordo com o disposto no artigo 285.º do Código de Processo Civil, na redacção então aplicável, a instância interrompe-se "quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos", sendo que, quando essa falta de impulso processual que determinou a interrupção se mantenha durante dois anos, esta (a instância) "considera-se deserta ... independentemente de qualquer decisão judicial" – cfr. artigo 291.º CPC, na redacção então em vigor;

12.12. Resulta da conjugação daquelas duas normas e dos prazos nelas aludidos (cfr. artigos 285.º e 291.º do Código de Processo Civil) que quando o processo está parado durante três anos (um para ser declarada a interrupção e dois para a deserção), a instância extingue-se por deserção – cfr. artigo 287.° c) e 291.º n:» 1. do Código de Processo Civil, também na redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho;

12.13. A aplicação do artigo 3.º do Decreto-Lei no 4/2013, de 11 de Janeiro, tem de ser efectuada à luz das regras a que alude o disposto no n.º 1 do artigo 297.° do Código Civil, nos termos do qual "a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior", como é o caso, "é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar",

12.14. Conforme ensina o Professor Batista Machado, in "Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador", Almedina, 1997, pág. 231, "o legislador pode resolver os problemas suscitados pela sucessão de leis mediante disposições transitórias" acrescentando que "na grande maioria dos casos a lei nada estabelece quanto à sua "aplicação" no tempo. Nesta última hipótese vigora em todos os ramos do direito o principio da não retroactividade da lei",

12.15. O mesmo autor, a propósito das leis sobre prazos (como se consubstancia a hipótese em discussão neste recurso) acrescenta o seguinte:

"À aplicação no tempo das leis sobre prazos refere-se o artigo 297.º do Código Civil. Este texto contempla nos seus dois primeiros números, respectivamente, a hipótese de a LN encurtar um prazo e a hipótese de a LN vir alongar um prazo. ( ... )

(. .. ) Quanto à norma do artigo 297.º n.º 1, vale também o que acabamos de dizer: como o facto constitutivo (ou extintivo), isto é, o decurso do tempo previsto, o completar-se da factispecies constitutiva, se vem a verificar já na vigência da LN, é esta a aplicável. Mas, por razões de justiça e de prática conveniência, há que proceder aqui a uma certa adaptação das soluções que decorreriam dos critérios gerais, atendendo às possíveis particularidades de situações (a possíveis efeitos surpresa) que podem verificar-se quando a LN vem encurtar um prazo

12.16. O Tribunal "a quo" não poderia considerar correcta a extinção da instância com aquele fundamentar por duas ordens de razão: por um lado, não decorreram ainda seis meses desde a entrada em vigor do diploma para que possa ser aplicado o novo prazo (mais curto); por outro, à data em que foi declarada a extinção, não tinha ainda decorrido o prazo a que alude o no 1 do artigo 291.º do Código de Processo Civil, na redacção então em vigor.

12.17. Ao considerar extinta a instância com aquele fundamento o Tribunal "a quo" fez uma aplicação retroactiva do citado artigo 3.º do Decreto-Lei no 4/2013, de 11 de Janeiro, quando o mesmo não tem qualquer disposição transitória que preveja a sua aplicação retroactiva;

12.18. De acordo com o disposto no artigo 12.º no 1 do Código Civil a lei só dispõe para o futuro, a menos que lhe seja atribuída eficácia retroactiva pelo legislador, o que não se verifica no caso do Decreto-Lei nº 4/2013, de 11 de Janeiro, e em particular do seu artigo 3.° invocado.

12.19. No que concerne à falta de impulso processual – que, de acordo com o artigo 3.º do Decreto-Lei no 4/2013, de 11 de Janeiro, determina a extinção da instância – não podendo esta norma aplicar-se rectroactivamente, pelas razões invocadas, deveria o M.º Juiz da 1ª Instância, verificando que o processo se encontrava parado por falta de impulso processual do exequente, aplicar o disposto no artigo 285.° do Código de Processo Civil, na redacção então em vigor.

12.20. É legítimo que o credor exequente possa, dentro dos limites do processo, manter e acalentar a esperança de tentar recuperar o seu crédito, ainda que se reconheça que essa esperança tem limites, nomeadamente os impostos pelo disposto nos artigos 285.º e 291.º do Código de Processo Civil ou pelo novo artigo 3º do Decreto-Lei no 4/2013, de 11 de Janeiro, sendo que, quer num caso, quer no outro, não se verificaram os pressupostos para a sua aplicação.

12.21. O Tribunal “a quo" não poderia considerar correcta a extinção da execução, porquanto a regra de contagem dos prazos também se aplica no caso sub judice, e em particular à realidade visada pelo artigo 3.º do Decreto-Lei nº 4/2013, de 11 de Janeiro, que é a mesma prevista nos artigos 285.º e 291.º do Código de Processo Civil, com a diferença de que por força daquele primeiro diploma, os prazos judiciais concedidos às partes para promoverem o andamento dos autos é significativamente mais curto;

12.22. A regra da contagem de prazos a que alude o disposto no no 1 do artigo 297.º do Código Civil não pode, por isso, deixar de aplicar-se também neste caso, sob pena de ser posta em causa a própria segurança jurídica e as legítimas expectativas do exequente:

12.23. O disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro, consubstancia uma lei nova com carácter inovador, pelo que os seus efeitos não podem aplicar-se retroactivamente, sob pena da mesma lei se aplicar a um período temporal em que ainda não se encontrava em vigor, não respeitando os efeitos da lei anterior e frustrando as legítimas expectativas do exequente:

12.24. Ao decidir como decidiu, o Tribunal "a quo" violou e fez uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei no 4/2013, de 11 de Janeiro e bem ainda no artigo 12.º e 297.º do Código Civil e dos artigos 285.º e 29.º0 do Código de Processo Civil, na redacção em vigor à data do despacho proferido pelo Tribunal de 1ª Instância, ou seja, anterior à resultante da entrada em vigor da Lei no 41/2013r de 26 de Junho».

Posteriormente, o recorrente juntou cópia do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Dezembro de 2013, proc. nº 24830/02.0TJPRT.P1. também em sentido diverso do acórdão recorrido,

Não houve contra-alegações.

Os factos relevantes para a decisão do recurso constam do relatório.

3. Neste recurso, está apenas em causa saber se o prazo de seis meses previsto no nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 4/2013 se aplica a uma execução para pagamento de quantia certa na qual, à data da sua entrada em vigor (26 de Janeiro de 2013, artigo 12º respectivo), tinha sido proferido uma decisão determinando que o processo aguardasse o decurso do prazo de interrupção da instância e, posteriormente, do prazo de deserção. Tal decisão fora proferida na vigência do Código de Processo Civil anterior e com base nos respectivos artigos 285º e 291º, nº 1; e significava, ao invocar o artigo 285º, que o processo se encontrava parado “por negligência das partes em promover os seus termos”, ou seja, por falta de impulso processual da parte a quem incumbia essa promoção (cfr. nº 1 do artigo 265º então em vigor).

O Decreto-Lei nº 4/2013 não disciplina a aplicação no tempo do novo regime; em especial, não esclarece se é ou não aplicável às execuções que se encontrem a aguardar o decurso do prazo de deserção, iniciado no âmbito do Código de Processo Civil anterior. Cumpre, por isso, recorrer aos princípios relativos à aplicação da lei processual no tempo e à sua concretização no que diz respeito às leis que fixam prazos cujo decurso seja desfavorável à parte. Em particular, há que saber se vale a regra constante do nº 1 do artigo 297º do Código Civil, afastada pelo acórdão recorrido.

4. Até à entrada em vigor do nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 4/2103, a extinção da instância executiva por falta de impulso da parte verificava-se, portanto, quando o processo se encontrasse parado durante três anos: após o primeiro ano, a instância considerava-se interrompida e, após dois anos de interrupção, tinha-se como deserta, sendo a deserção uma das causas de extinção da instância (artigos 265º, nº 1, 285º, 291º, nº 1, 287º, c), 919º, nº 1 e 466º do Código de Processo Civil anterior).

Como se viu na transcrição parcial do acórdão recorrido, a Relação entendeu que a urgência da medida e o seu carácter temporário e extraordinário, traduzido no “curto período de aplicação de tal diploma legal” (“pouco mais de sete meses”) apontam para que se considere criado um regime excepcional, insusceptível de ser enquadrado no sistema acabado de descrever, e que afasta a regra definida pelo artigo 297º, nº 1 do Código Civil para a aplicação no tempo de leis que vêm encurtar prazos.

Na verdade, diz-se expressamente no preâmbulo do Decreto-Lei nº 4/2013, recordado pelo acórdão recorrido, que a definição do prazo de seis meses foi uma das medidas destinadas a alcançar a pretendida “redução das pendências processuais injustificadas”, considerada necessária à promoção do melhor funcionamento da justiça. Entre as causas dessa pendência excessiva, o legislador identificou a “falta de impulso processual do exequente”; e, considerando que havia que “responsabilizar o exequente, enquanto principal interessado no sucesso da execução, pela sua forma de actuação no processo”, encurtou o referido prazo de extinção:

“Dependendo os resultados da execução em grande medida da rapidez com que o processo é conduzido, a inércia do exequente em promover o seu andamento não pode deixar de legitimar um juízo acerca do interesse no próprio processo. Assim sendo, se as execuções estiverem paradas, sem qualquer impulso processual do exequente, quando este seja devido, há mais de seis meses, prevê-se que as mesmas se extingam, pois como já atrás se explicitou, importa que os tribunais não estejam ocupados com acções em que o principal interessado aparenta, pela sua inércia, não desejar que o processo prossiga os seus termos e se conclua o mais rapidamente possível.”

E afirma-se, ainda, que as medidas trazidas pelo Decreto-Lei nº 4/2013 (não vêm agora ao caso as demais) são “medidas extraordinárias” e “apresentam carácter temporário e extraordinário, sendo a vigência do presente diploma, consequentemente, limitada no tempo, até que as reformas em curso possam entrar em vigor”, “sempre numa clara linha de continuidade”.

5. No entanto, estas considerações não implicam a consequência retirada pelo acórdão recorrido.

Entende-se que o nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 4/2013 não criou nenhuma nova causa de extinção da instância executiva. Continuando a prever que a falta de impulso do exequente, durante um certo tempo, é causa de extinção da instância, o Decreto-Lei nº 4/2013 veio apenas encurtar o prazo necessário para operar a extinção, reduzindo-o de três anos para seis meses. Dito por outras palavras: a consequência do incumprimento do ónus de impulso subsequente continuou a ser a extinção da instância; apenas mudou o prazo.

E, na verdade, este mesmo encurtamento foi incorporado no Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que igualmente revogou o Decreto-Lei nº 4/2013. De acordo com o artigo 281º, nº 5 do Código, “No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.

Note-se, aliás, que esta opção pela eliminação da interrupção da instância e pela cominação com a consequência da deserção da falta de impulso processual por mais de seis meses (onde o Código anterior previa três anos, como se viu), foi adoptada pelo Código de 2013 como solução geral, abrangendo também a acção declarativa. De acordo com o nº 1 do citado artigo 281º, “considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.

Não terá assim grande relevância, para efeitos de interpretação do sentido e alcance do regime agora em apreciação, nem o curto período em que teve aplicação o Decreto-Lei nº 4/2013, nem a consideração de que se tratou de uma medida excepcional, extraordinária e transitória.

6. A lei de processo é, por princípio, de aplicação imediata; ou seja, aplica-se às acções pendentes. Com mais rigor se dirá que se aplica aos actos futuros, ainda que praticados em acções pendentes, uma vez que aplicação imediata não é consabidamente sinónimo de aplicação retroactiva. Sabe-se que este princípio corresponde à orientação definida, em geral, pelo artigo 12º do Código Civil, devidamente aplicado às normas de Processo Civil, e que o princípio cede, naturalmente, perante normas de direito transitório, especiais ou sectoriais.

A norma de cuja aplicação agora se trata não encontra regulada a sua aplicação no tempo no diploma que a definiu, o Decreto-Lei nº 4/2013. No entanto, existem regras que disciplinam a aplicação no tempo de normas que alteram a duração de prazos cujo decurso é desfavorável ao interessado, como é manifestamente o caso, alongando-os ou encurtando-os. Constam do artigo 297º do Código Civil e são aplicáveis a prazos fixados por lei ou por decisão judicial (artigo 296º do mesmo Código).

Segundo o nº 1 do artigo 297º, uma lei (nova) que vem encurtar um prazo desta natureza aplica-se aos prazos em curso: é, portanto, de aplicação imediata. Mas o novo prazo apenas se conta a partir da data da sua entrada em vigor, uma vez que, se assim não fosse, da aplicação (retroactiva) do novo prazo poderia resultar a impossibilidade da prática do acto ou a verificação do efeito desfavorável que ao caso coubesse, por mero efeito da entrada em vigor da lei; ou sobrar um lapso de tempo tão exíguo que pudesse ter um efeito equivalente.

Entre a alternativa de excluir a aplicação da lei nova, criando desigualdades entre os que beneficiassem de um prazo mais logo à sombra da lei antiga e aqueles para quem a lei nova fosse aplicável, a lei optou por definir que, depois de entrar em vigor uma lei que encurta um prazo, ninguém disporá de um prazo mais longo para praticar o mesmo acto.

No entanto, esta solução da contagem do novo prazo, apenas após a entrada em vigor da lei que veio encurtar o prazo anterior, não é manifestamente adequada às situações nas quais, nessa data, falte menos tempo para que o prazo anterior se complete; assim se explica a parte final do nº 1 do artigo 297º, que, em tal hipótese, exclui a aplicação da lei nova.

Quando entrou em vigor o nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 4/2013, faltavam mais de seis meses para que se completasse o prazo de deserção da instância executiva de que nos ocupamos (cfr. despacho de 4 de Julho de 2011). O novo prazo é aplicável a esta acção; mas os seis meses apenas se contam a partir da data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 4/2013, ou seja, a partir de 26 de Janeiro de 2013. O que implica que, quando o exequente apresentou o requerimento de 8 de Fevereiro de 2013, de fls. 366, a instância executiva não se encontrava extinta, contrariamente ao que vem decidido.

7. O acórdão recorrido reconhece que a solução a que chegou implica “uma certa dimensão retroactiva, na medida em que valora um período de tempo já decorrido antes” da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 4/2013. Entende-se, no entanto, que essa intenção haveria de resultar nitidamente da interpretação da nova lei, pois implicaria uma derrogação ao princípio geral de não retroactividade das leis, com efeitos claramente desfavoráveis para o exequente.

E não parece que a vacatio legis de quinze dias possa justificar a retroactividade.

8. Nestes termos, concede-se provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e considerando tempestivo o requerimento de 8 de Fevereiro de 2013.

Sem custas (artigos 530º, nº 1 do Código de Processo Civil e nº 2 do artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais).

Lisboa, 03 de Julho de 2014

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego