Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
070182
Nº Convencional: JSTJ00002064
Relator: CORTE REAL
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
FORMA DO CONTRATO
EXECUÇÃO ESPECIFICA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198501300701821
Data do Acordão: 01/30/1985
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS 1985/01/30, PÁG. 546 A 548 - BMJ Nº 343 ANO 1985 PÁG. 147
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 11 ARTIGO 219 ARTIGO 240 ARTIGO 410 N1 N2 ARTIGO 413 ARTIGO 817 ARTIGO 827 ARTIGO 828 ARTIGO 829 ARTIGO 830 N1 ARTIGO 875.
DL 236/80 DE 1980/07/18.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1976/06/29 IN BMJ N258 PAG239.
ACÓRDÃO STJ DE 1984/01/24 IN BMJ N333 PAG440.
ACÓRDÃO STJ DE 1983/01/04 IN BMJ N323 PAG343.
ACÓRDÃO STJ DE 1983/04/07 IN BMJ N329 PAG531.
ACÓRDÃO STJ DE 1974/04/26 IN BMJ N235 PAG275.
ACÓRDÃO STJ DE 1980/04/29 IN BMJ N296 PAG281.
Sumário :
O contrato-promessa de compra e venda de imoveis que conste de documento particular assinado pelos promitentes, e susceptivel de execução especifica, nos termos do artigo 830, n. 1, do Codigo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n. 236/80, de 18 de Julho.
Decisão Texto Integral:

Acordam no plenario do Supremo Tribunal de Justiça:

A Empresa Turistica A... na acção que lhe move B..., identificados nos autos, interpos recurso para tribunal pleno do acordão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, em 17 de Novembro de 1981, em recurso de agravo, por estar em oposição com o proferido tambem por este Supremo Tribunal de Justiça, em 29 de Junho de 1976, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 258, paginas 239 e seguintes, quanto a interpretação e aplicação conjugada dos artigos 413 e 830, n. 1, do Codigo Civil, nas suas redacções anteriores as do Decreto-Lei n. 236/80, de 18 de Julho.
Nas suas alegações iniciais, a recorrente, alem de evidenciar a existencia dos demais pressupostos deste tipo de recurso, põe em realce a oposição dos julgados, pois no acordão recorrido decidiu-se que o artigo 413 não colide com o artigo 830, n. 1, não se exigindo que o contrato-promessa de compra e venda de imoveis revista a forma de escritura publica, para se executar especificamente; porem, o acordão de 29 de Junho de 1976 decidiu o contrario, ou seja, que essa execução especifica esbarra contra o preceito expresso do artigo 413, que prevalece contra o n. 1 do artigo 830, exigindo-se que o contrato-promessa revista a forma de escritura publica.
Houve contra-alegação, que pretendeu demonstrar o contrario, mas por acordão da secção foi decidido verificarem-se esses pressupostos e a apontada oposição, mandando-se prosseguir o recurso, o que agora não foi contrariado por este plenario, em nova apreciação do assunto.
Apresentaram recorrente e recorrido extensas e doutas alegações e não menos doutos pareceres de ilustres professores de direito, tendo tambem alegado doutamento o digno representante do Ministerio Publico, no sentido favoravel ao acordão recorrido, propondo a redacção do assento.
Ha, agora, que conhecer do objecto do recurso.
Nesse conhecimento, seguiremos a sequencia das conclusões da recorrente, para melhor as podermos apreciar e valorar.
E mais uma vez frisamos, embora neste ponto estejamos todos de acordo, que este acordão incidira apenas sobre a interpretação desses artigos nas redacções anteriores ao Decreto-Lei n. 236/80, de 18 de Julho, por a data do incumprimento do contrato-promessa em causa não estarem ainda em vigor as alterações introduzidas por este diploma legal.
Definidos estes pontos, entremos no assunto do recurso.
Como se dispõe no artigo 410, ns. 1 e 2, do Codigo Civil, a regra no contrato-promessa, no tocante a sua forma, e o não depender da observancia de forma especial, de acordo com o artigo 219 desse Codigo, excepto quando para o contrato prometido a lei exija documento, autentico ou particular, sendo exigido, nesse caso, documento assinado pelos promitentes.
Assim, a validade do contrato-promessa, com todos os seus efeitos, não exceptuados por lei ou convenção, de compra e venda de imoveis, para o qual se exige a escritura publica, apenas necessita de revestir a forma de documento assinado pelos promitentes.
O Codigo Civil afastou, portanto, as duas posições extremas - consensualismo ou escritura publica - bem como a da equiparação formal do contrato-promessa ao contrato prometido e ainda uma solução intermedia pelo Professor
Vaz Serra - Professor Antunes Varela, na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 117, pagina 183 - contentando-se, quando para o contrato prometido a lei exige documento, autentico ou particular, com documento assinado pelos promitentes.
E se o contrato-promessa, nestes casos, e valido, ele produz todos os seus efeitos, tem plena eficacia, a menos que, como ja dissemos, a lei exceptue alguns ou as partes os afastem por convenção.
Por conseguinte, ao contrario do afirmado pela recorrente, ha uma interdependencia entre o disposto no artigo 410, ns. 1 e 2, e o preceituado no artigo 830, n. 1, pois este regula um dos efeitos, e o mais natural, do contrato-promessa valido, visto ser o principalmente visado por esse contrato preliminar.
E estando este artigo 830 enquadrado na secção - realização coactiva da prestação - artigos 817 e seguintes do Codigo Civil - e, mais concretamente, na subsecção da execução especifica - artigos 827 e seguintes do mesmo Codigo -, ela pressupõe, como nos parece patente, um negocio juridico valido e eficaz, segundo as disposições legais que o regulem.
Ora, no nosso caso, e nos artigos 410 e seguintes do Codigo Civil que se dispõe sobre a regulamentação do contrato-promessa e das condições da sua validade, quer no aspecto substancial, quer no formal, e so a essa regulamentação tendo o julgador de atender.
Assim e em conclusão, ao contrario do afirmado pela recorrente, o problema em equação tem de ser resolvido numa apreciação conjunta e interligada destas disposições legais, pois so se pode executar o negocio juridico considerado valido e eficaz, isto e, que obedeça as exigencias da lei que o regulamenta.
Portanto, desde que o Codigo Civil optou por esta regulamentação do contrato-promessa e sua efectivação coactiva, afastando a necessidade da sua celebração por escritura publica, mesmo nos casos em que esta e exigida para o contrato prometido, so a exigindo no caso incidental de os promitentes lhe quererem conferir eficacia real - artigo 413 - como largamente o demonstra o Professor Antunes Varela, loc. cit., paginas 187 e seguintes, com base nos seus trabalhos preparatorios e revisões ministeriais, e porque, ponderando todos os pros e contras, entendeu que o documento escrito e assinado pelos promitentes ja garante aqueles minimos de ponderação e de esclarecimento que devem existir nas suas declarações de vontade. De facto, qualquer pessoa medianamente prudente e reflectida não vai assinar um tal documento sem estar razoavelmente esclarecida e de ponderar no seu acto, não sendo tal atitude esclarecedora privativa do notario, havendo facil recurso a tecnicos ou praticos do direito. E se a sua vontade se formou viciadamente, la esta o juiz para o averiguar e decidir de conformidade com o disposto nos artigos 240 e seguintes do Codigo Civil.
E mais se justifica esta opção da lei, se atentarmos bem no artigo 830 que permite que os promitentes convencionem o afastamento da execução especifica, presumindo-se, ate, esse afastamento, se existir sinal passado ou se se tiver fixado uma pena para o caso do não cumprimento da promessa. Assim, tendo inteira liberdade de afastar essa executoriedade, não vemos que a escritura publica lhes de mais garantias de ponderação e reflexão, pois quer com esta, quer com documento particular, eles são sempre livres de convencionar esse afastamento, o que não pode deixar de ser do seu conhecimento, pois vem expresso na lei.
E certo que celebrado o contrato-promessa, sem essa exclusão, os promitentes ja não podem arrepender-se e são obrigados a celebração do contrato prometido, a menos que a isso se oponha a natureza da obrigação. Mas se esse arrependimento, por mera e oportuna conveniencia futura não pode dar-se, se o contrato-promessa for celebrado por escritura publica, mas apenas com base em vicio da sua vontade, igualmente se não pode aceitar tal arrependimento, no caso de documento particular, a não ser tambem por viciação da vontade do promitente. E que num e noutro caso quem se vincula a celebrar um contrato futuro, normalmente não o faz ja com a predisposição de o não cumprir, consoante as suas conveniencias futuras, antes o faz com o proposito de o cumprir, pelo que deve ser obrigado, se se recusar a faze-lo, sem justificação.
E isto porque, como ja o evidenciamos, nenhuma pessoa normal vai assinar um contrato-promessa sem estar minimamente informada das suas obrigações e dos seus direitos.
E tambem não colhe a afirmação de estarmos perante uma lacuna da lei, por esta não regular a forma a revestir pelo contrato-promessa respeitante a imoveis, para poder ser executado especificamente, pois, de facto, não existe qualquer lacuna, quer aparente, quer oculta, esta numa criação interpretativa.
Na verdade, como resulta dos trabalhos preparatorios e das revisões ministeriais do Codigo Civil - Professor Antunes Varela, loc. cit. - os problemas da forma do contrato-promessa e da sua execução especifica foram ai explicitamente encarados, discutidos e decididos, sendo regulamentados, em pormenor, no seu articulado final, optando-se, no caso em foco, como ja vimos, pelo documento particular assinado pelos promitentes, suficiente a sua validade e plena eficacia, apenas com as excepções da lei ou de convenção das partes. Mas se nada se tivesse regulado quanto a sua forma, então cair-se-ia na regra geral do artigo 219 do Codigo Civil, não havendo, por isso, lugar a qualquer lacuna.
E tambem não existe uma lacuna oculta, criada pelo interprete, impondo uma interpretação restritiva do ambito do artigo 830, n. 1, pois o Codigo Civil, como ja vimos, regulamentou de modo completo o contrato-promessa, na sua validade e eficacia, nomeadamente no que se refere a sua execução especifica, não havendo, por isso, necessidade de recorrer a analogia do disposto no artigo 875 do Codigo Civil quanto ao contrato de compra e venda, com vista a essa restrição. Alem de que, como acima ja frisamos, não e no artigo 830 que se tem de dispor sobre a forma a revestir pelo contrato-promessa para poder ser executado, pois este artigo so regula a sua execução, pressupondo a existencia de um contrato valido e eficaz, segundo a sua regulamentação propria - artigos 410 e seguintes do Codigo Civil.
Depois, sendo excepcionais os preceitos que exigem certa especie de forma, eles não podem aplicar-se por anologia, conforme se comanda imperativamente no artigo 11 do Codigo Civil, pois não foi aceite, na sua redacção definitiva, a sugestão proposta pelo Professor Manuel de Andrade, de em certos casos, se admitir a anologia de normas excepcionais, como se ve dos locais citados no parecer junto, folhas 199 a 202.
E ate mesmo não haveria analogia, pois tratando o artigo 875 apenas da validade formal do contrato de compra e venda de imoveis, o artigo 830, onde haveria a tal lacuna oculta, apenas cuida da execução especifica do contrato-promessa, um dos seus efeitos, pressupondo a existencia de contrato valido e eficaz, pelo que tem campos completamente dispares. Ora, a haver a referida analogia, no tocante a forma, então o contrato-promessa de compra e venda de imoveis devia revestir sempre a forma de escritura publica, alias como sucede em todas as legislações que adoptaram o criterio da equiparação, não se dando nestas o paradoxo de um contrato-promessa valido e eficaz não poder ser executado especificamente, por falta de forma, como pretende a recorrente.

E como tambem ja vimos atras, a finalidade de ponderação e de esclarecimento atribuida a escritura publica transfere-se, sem gravame de maior, para o documento escrito, assinado pelos promitentes.
Vamos agora apreciar a tese em que se baseou o acordão de
29 de Junho de 1976, ai não fundamentada, que da prevalencia ao preceituado no artigo 413 contra o n. 1 do artigo 830.
Hoje, salvo certo aspecto focado pela recorrente, parece estarem todos de acordo em que não existe qualquer dependencia ou interligação entre esses artigos, pois se referem a efeitos distintos do contrato-promessa: eficacia real e execução especifica. Aquela, respeitando a oponibilidade do contrato a terceiros que, apos a celebração do contrato-promessa, tenham adquirido direitos sobre a coisa, objecto mediato do contrato; esta, respeitando a realização coactiva da prestação expressa nesse contrato, na hipotese de um dos promitentes se recusar a cumprir o prometido, o que tudo se passa apenas no ambito do interesse dos promitentes, nada tendo a ver com terceiros.
São fenomenos juridicos distintos e, com regulamentação propria e independente, pois ate o Professor Vaz Serra, defensor da tese da recorrente, ao anotar o acordão de 29 de Junho de 1976 - Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 110, pagina 244 - diz "Quanto ao artigo 413 do mesmo Codigo, não tem aplicação ao caso", desenvolvendo, depois, esta sua conclusão, no sentido que deixamos expresso.
E ao contrario do afirmado pela recorrente, folhas 47 verso, a execução especifica não atribui eficacia real ao contrato-promessa, mesmo inter partes, pois a sentença a que se refere o artigo 830, n. 1, apenas faz as vezes, produz os efeitos da declaração de vontade negocial do promitente faltoso. A efectivação do contrato prometido, pelo entrelaçamento das declarações negociais dos promitentes, a do faltoso suprida por essa sentença, e que da eficacia real inter partes e perante terceiros, apos o seu registo.
Finalmente, embora aqui não aplicavel, o Decreto-Lei n. 236/80, de 18 de Julho, não podendo desconhecer o problema equacionado e as soluções propostas e tendo feito alterações profundas nos artigos 410 e 830, não deixaria de ai formular a exigencia formal pretendida pela recorrente, se fosse essa a ideia optada pelo legislador.
Mas não o tendo feito e sabendo qual a orientação grandemente predominante na doutrina e na jurisprudencia quanto as suas interpretações, neste pormenor, e de concluir que quis concordar com essas interpretações, julgando claro e disposto nesses artigos.
No sentido que vimos defendendo tem julgado este Supremo Tribunal, alem do acordão recorrrido, mais nos seguintes: de 26 de Abril de 1974, Boletim, n. 235, pagina 275; de 29 de Abril de 1980, Boletim, n. 296, pagina 281; de 4 de Janeiro de 1983, Boletim, n. 323, pagina 343; de 7 de Julho de 1983, Boletim, n. 329, pagina 531, e de 24 de Janeiro de 1984, Boletim, n. 333, pagina 440.
Temos, pois, que o acordão recorrido e de manter, pelo que o confirmamos, com as custas a cargo da recorrente, fixando-se o seguinte assento:
O contrato-promessa de compra e venda de imoveis que conste de documento particular assinado pelos promitentes, e suceptivel de execução especifica, nos termos do artigo 830, n. 1, do Codigo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n. 236/80, de 18 de Julho.

Lisboa, 30 de Janeiro de 1985

Rui Corte-Real (Relator) - Moreira da Silva - Melo Franco
- Solano Viana - Quesada Pastor - Joaquim Figueiredo - Vasconcelos Carvalho - Jose Luis Pereira - Campos Costa - Amaral Aguiar - Santos Carvalho - Dias da Fonseca - Silvino Villa-Nova - Lopes Neves - Antero Pereira Leitão - Flamino Martins - Magalhães Baião - Leite de Campos - Licinio Caseiro - Almeida Ribeiro - Alves Cortes - Belarmino Costa Cerqueira - Tinoco de Almeida - Gois Pinheiro - Senra Malgueiro - Miguel Caeiro - Costa Ferreira.
Alves Peixoto (reportando-se o acordão de 1976 a uma simples proposta de venda, so assinado pelo dono da coisa, isso envolve que os factos não são identicos aos do acordão recorrido, esse, sim, referente a um contrato-promessa . Votei, deste modo, não haver oposição de julgados, por falta de um dos pressupostos legais.
Relativamente a doutrina do assento, concordo com ela) - Lima Cluny (com declaração identica a do Excelentissimo Conselheiro Alves Peixoto).