Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
843/17.6T8OVR-A.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
NULIDADE DE ACÓRDÃO
ARGUIÇÃO
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo civil Anotado.
- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.ª edição, p. 355.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.º 3.
Sumário :
I - A mera arguição de nulidades do acórdão no recurso de revista não prejudica a dupla conformidade de decisões impeditiva da admissibilidade do recurso de revista normal – art. 671.º, n.º 3, do CPC.
Decisão Texto Integral:

I - Relatório
1. AA, Lda., BB, CC e DD por apenso à execução[1] que lhe foi instaurada pela EE (entretanto substituída pela sociedade “FF, SA) vieram deduzir oposição por embargos de executado contra a Exequente invocando a inexigibilidade da obrigação exequenda por novação da dívida.

2. A Embargada contestou pronunciando-se pela improcedência dos embargos.

3. Foi realizada audiência prévia, proferido saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova (fls. 43/47).

4. Após julgamento foi proferida sentença na qual foi considerado que da matéria de facto resultou a “não prova da factualidade que pudesse caracterizar a situação de novação”, concluindo não ter ocorrido o efeito extintivo da obrigação exequenda[2], pelo que julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.

5. Apelaram os Executados impugnando parte da matéria de facto fixada na sentença, tendo sido proferido acórdão que, sem voto de vencido, julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

6. Novamente inconformados os Embargantes vieram interpor recurso de revista, concluindo nas suas alegações (transcrição):
1.Não há dupla conforme[3], para efeitos de recurso de Revista, quando se apontam vícios na formação o acórdão da Relação que a não terem ocorrido, poderiam determinar uma decisão diversa da proferida em Ia instância.
2.  O douto acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre questões suscitadas pelos Recorrentes no recurso de apelação e vertidas nas respectivas conclusões que a serem objecto de conhecimento poderia determinar decisão diversa da proferida.
3.  Tendo sido celebrado um acordo entre a Recorrente e a Recorrida nos termos do qual o cumprimento de obrigações pecuniárias decorrentes de financiamentos concedidos, mantendo mantendo-se eficaz o acordo à data da propositura da execução, se tal acordo, não constitui facto extintivo da obrigação exequenda, ele configura manifestamente um facto impeditivo da mesma obrigação, e como tal deveria ser considerado.
4.  Tendo o douto acórdão recorrido dado como definitivamente assente, com base declaração expressa da Recorrida que a partir do momento da celebração do acordo a Recorrente deixou de estar vinculada ao pagamento das quantias pecuniárias para liquidação dos valores financiados, ficando apenas com a obrigação de concluir a construção e obter a licença de utilização com vista à realização da escritura pública de dação em pagamento da moradia para o embargado, livre de quaisquer ónus ou encargos...
5.  ...entra em manifesta contradição quando, em sede de decisão de direito, afirma que só com a escritura de transmissão do direito de propriedade da moradia é que ficava desvinculada de pagamento dos valores pecuniários devidos no âmbito dos contratos de financiamentos.
6.  Ao preencher a livrança dada à execução nas particulares circunstâncias do caso em apreço, a Recorrida age com manifesto abuso de direito.
7.  Foram violados os art°s 615° n° 1 al. c) e d) do C.P.Civil.”

7. Não foram apresentadas contra alegações.

8. O Exmo. Desembargador relator proferiu despacho remetendo os autos para este Supremo Tribunal para efeitos do artigo 671.º, n.º3, do Código de Processo Civil (doravante CPC), sem prejuízo de serem devolvidos à Relação para conhecimento das nulidades arguidas, caso a revista não seja admitida – fls. 149.

9. Colocando-se a questão do não conhecimento do objecto do recurso (por se verificar uma situação de dupla conformidade de decisões impeditiva da admissibilidade do recurso de revista) foram as partes notificadas para se pronunciarem (artigo 655.º, n.º1, do CPC) – cfr. despacho de fls. 156/158.

10. Os Embargantes embora aceitem ser incontroversa a existência de dupla conforme, defendem a admissibilidade da revista atenta a particularidade da nulidade suscitada: omissão de pronúncia sobre questão essencial decisiva que a ser apreciada poderia impedir a formação da dupla conforme.

Vejamos.

II- Apreciando

1. Tendo presente o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do CPC) verifica-se que os vícios imputados ao acórdão recorrido circunscrevem-se às nulidades por omissão de pronúncia e contradição entre os fundamentos e a decisão[4].

         Como referido no despacho de fls. 156/158, mostra-se aplicável à presente revista o regime de recursos previsto nos artigos 671.º e seguintes do CPC em vigor.

Nos termos do artigo 671º, nº 3, do CPC, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível (o que não é o caso), não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida pela 1ª instância.

Tal como admitem os Recorrentes, no caso, não há dúvida de que ocorre identidade no sentido da decisão (improcedência dos embargos de executado) e unanimidade da mesma por parte do colectivo de Juízes Desembargadores.

Por conseguinte, uma vez que os Embargantes se insurgem relativamente ao acórdão da Relação reconduzindo a sua discordância apenas às nulidades do acórdão, independentemente da caracterização das mesmas, ao invés do que os Recorrentes defendem[5], não podem tais vícios de decisão constituir, por si só, fundamento de revista nas situações em que esta não seja admissível, como acontece nos autos.

Com efeito, nos casos de dupla conforme, a arguição das nulidades do acórdão da Relação terá de ser feita directamente perante esse tribunal.

Na sequência do salientado no despacho proferido, interposta revista com arguição de nulidades do acórdão, integrando as mesmas o objecto do recurso, o seu percurso fica dependente do que for decidido relativamente ao destino do próprio recurso, ou seja, apenas se este for admissível poderão ser objecto de conhecimento por parte deste Supremo Tribunal[6].

Não acompanhamos pois o posicionamento defendido pelos Recorrentes ao pugnarem pela admissibilidade da revista tendo subjacente um juízo de prognose quanto à existência e deferimento das arguidas nulidades de acórdão confirmativo da sentença (em termos de o conhecimento das questões omitidas poderem vir a integrar fundamentação diversa, ou mesmo alteração do sentido decisório). A ser assim, a apreciação da admissibilidade da revista estaria necessariamente dependente de um juízo prévio de viabilidade do próprio mérito o que, cremos, não assume enquadramento legal.

Cumpre ainda sublinhar que nas situações de não admissão da revista as nulidades do acórdão são apreciadas pelo tribunal da Relação (que proferiu a decisão), sendo certo que sendo a revista admissível e verificando-se a existência de nulidade por omissão de pronúncia, por força do disposto no artigo 684.º, n.º2, do CPC, necessariamente seria também o tribunal da Relação a conhecer da questão omitida.   

Verificando-se nos autos uma situação de dupla conformidade de decisões impeditiva da admissibilidade da revista normal, não tendo sido requerida a revista excepcional (onde o conhecimento das nulidades integrariam o seu objecto), não há dúvida de que a mera arguição de nulidades da decisão não prejudica a existência da dupla conforme, cabendo a sua apreciação ao tribunal a quo, no caso, à Relação.  

III – Decisão

Nestes termos, não se conhece do objecto do recurso, pelo que se determina a remessa do processo à Relação para conhecimento das nulidades do acórdão.

Custas pelos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 2Ucs.

                                                                  Lisboa, 11 de Julho de 2019

Graça Amaral (Relatora)

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

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[1] Execução na forma ordinária, do processo comum para pagamento de quantia certa, fundada na livrança subscrita pela sociedade AA, Lda. e avalizada por BB, CC e DD.
[2] Consta da sentença a este respeito “(… a desvinculação da sociedade embargante apenas operaria com a celebração da escritura de dação em pagamento, o que pressuponha que as condições impostas pela embargada estivessem verificadas (…). Uma vez que a carta junta a fls. 15 destes autos corresponde à vontade real das partes e a embargada não deu o seu assentimento à celebração da escritura, há que entender que não ocorreu o efeito extintivo da obrigação exequenda”.
[3] Cfr. rectificação por parte dos Embargantes a fls. 147.
[4] Finalizando as conclusões da revista entendendo que “Foram violados os art°s 615° n° 1 al. c) e d) do C.P.Civil” – n.º 7 das conclusões.
[5] Apoiando-se em anotação (nota 14) ao artigo 671.º, constante do Código de Processo Civil Anotado, de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa.
[6] Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 2017, 4ª edição, p. 355.