Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
465/11.5TBAMR,G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
ALIMENTOS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
DANO MORTE
EQUIDADE
CONTRIBUIÇÃO DO CÔNJUGE PARA AS DESPESAS DOMÉSTICAS
DANOS FUTUROS
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE DIREITO
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ALTERADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / INDEMNIZAÇÃO EM DINHEIRO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 7.ª Ed., p. 591 e 865;
- Pessoa Jorge, Ensaio Sobre Responsabilidade Civil.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 566.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 28-10-2010, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 08-03-2012, PROCESSO N.º 26/09.PTEVR.E1.S1;
- DE 10-05-2012, PROCESSO N.º 451/06.7GTBRG.G1.S2;
- DE 12-09-2013, PROCESSO N.º 1/12.6TBTMR.C1.S1;
- DE 24-09-2013, PROCESSO N.º 294/07.0TBETZ.E2.S1;
- DE 19-02-2014, PROCESSO N.º 1229/10.9TAPDL.L1.S1;
- DE 07-05-2014, PROCESSO N.º 436/11.1TBRGR.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-09-2014, PROCESSO N.º 121/10.1TBPTL.G1.S1;
- DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 6301/13.0TBMTS.S1;
- DE 19-02-2015, PROCESSO N.º 99/12.7TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-03-2015, PROCESSO N.º 1369/13.2JAPRT.P1S1;
- DE 12-03-2015, PROCESSO N.º 185/13.6GCALQ.L1.S1;
- DE 30-04-2015, PROCESSO N.º 1380/13.3T2AVR.C1.S1;
- DE 04-06-2015, PROCESSO N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-06-2015, PROCESSO N.º 2567/09.9TBABF.E1.S1;
- DE 07-04-2016, PROCESSO N.º 237/13.2TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-11-2016, PROCESSO N.º 6/15.5T8VFR.P1.S1, IN,WWW.DGSI.PT;
- DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-03-2017, PROCESSO N.º 294/07.0TBPCV.C1.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 23-03-2015, PROCESSO N.º 1783/11.8TBPNF.P1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. É reconhecido o melindre da fixação do valor indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, para as despesas do seu agregado familiar, na medida em que se funda em parâmetros de incerteza, nomeadamente, quer quanto ao tempo de vida do lesado, quer quanto à própria evolução salarial que a vítima teria ao longo da sua vida, evolução que hoje, mais do que nunca, é de uma imprevisibilidade evidente, inclusive, a própria manutenção do emprego, cada vez mais incerta, outrossim, os próprios índices de inflação, entre outros.

II. Não podendo ser quantificado, em termos de exactidão, o prejuízo decorrente da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, para as despesas do seu agregado familiar, impondo-se ao Tribunal que julga equitativamente, este não poderá esquecer, critérios objectivadores, aferidores e orientadores, ou seja, não poderá deixar de considerar que a arbitrada indemnização pela frustração dos alimentos deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não receberá do falecido e que se extingue, no caso do cônjuge, no termo do período que, provavelmente viveria, não fora o acidente que o vitimou, e quanto ao descendente, no momento em que este, previsivelmente, irá concluir a sua formação académica; sabendo que as tabelas matemáticas, por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter meramente indicativo, não substituindo, de modo algum a ponderação judicial com base na equidade; que no cômputo de indemnização, deve ser proporcionalmente deduzida, a importância que o próprio falecido gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos); sem deixar de considerar a natural evolução dos salários; ponderando, outrossim, o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, importando introduzir um desconto no valor achado, condizente ao rendimento de uma aplicação financeira sem risco; tudo isto sem deixar de atender à esperança média de vida do falecido.

III. Na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par de um outro factor que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, ou da previsível actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as competências do lesado, encontrando, assim, uma orientação para o cálculo do montante indemnizatório pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, a aferir segundo um juízo de equidade, tomando em consideração critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, enunciados na precedente alínea.

IV. A vida não tem um preço, não fazendo sentido, equacionar a valoração, para mais ou menos, da vida de uma pessoa à de qualquer outra, temos de admitir que, em razão da necessidade de atribuir uma indemnização pela sua perda, temos que aceitar que a vida, não só tem um valor de natureza - igual para toda a gente - mas também um valor social, uma vez que o homem é um ser em situação, levando-nos a encarar o valor da vida em termos muito relativos.

V. Tratando-se de uma indemnização fixada segundo a equidade, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma “questão de direito”, importa, essencialmente, num recurso de revista, verificar se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO


AA, menor, representado pela sua mãe, BB, instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário (n.º 465/11.5TBAMR), contra a CC - Companhia de Seguros, S.A., (presentemente, por via de fusão, com a denominação social de “CC PLc”), e DD, Companhia de Seguros, SA, (cuja denominação social foi, entretanto alterada para “EE – Companhia de Seguros, S.A.”), pedindo a condenação destas a pagarem-lhe a quantia de €100.000,00 (cem mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento e, bem assim a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença por todos os danos patrimoniais e os demais danos não patrimoniais sofridos na sequência do acidente.

Para tanto alega, em síntese, que no dia 31/05/2011, pelas 18h00, na EN 205, ao Km, 47, em …, …, ocorreu uma colisão entre o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ...-CJ-..., conduzido por FF e então seguro pela Ré CC, e o motociclo de matrícula ...-LI-..., conduzido por GG, pai do Autor, e onde este era transportado como passageiro, motociclo que então se encontrava seguro na Ré DD;


Mais alega que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do CJ, que circulando naquela via, no sentido Braga/Amares, a uma velocidade próxima dos 100 Kms/hora, invadiu a hemifaixa de rodagem contrária ao seu sentido de marcha, por onde circulava o LI, a uma velocidade próxima dos 50 Kms./hora, dentro da sua mão de trânsito, colidindo com a frente lado esquerdo do CJ, na parte lateral do LI;

Sustenta que em consequência directa e necessária desta colisão sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja indemnização reclama.


BB, por si e na qualidade de representante de seu filho, AA, intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário (n.º 592/11.9TBAMR), contra a CC – Companhia de Seguros, SA e DD, Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação da 1ª Ré a pagar-lhes as seguintes quantias:  

a- €100.000,00 (cem mil euros) a título de dano patrimonial pelo sofrimento da vítima mortal do mesmo acidente de viação (cônjuge e pai, respectivamente) no período compreendido entre aquele evento e o respectivo falecimento;

b- €100.000,00 (cem mil euros) a título de dano “morte” pelo falecimento da referida vítima;

c- €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais sofridos pelos próprios Autores com a morte de GG;

d- €921.200,00 (novecentos e vinte e um mil e duzentos euros), a título de dano patrimonial, decorrente da privação dos Autores em relação aos rendimentos auferidos pela vítima mortal;

e- €3.839,42 (três mil oitocentos e trinta e nove euros e quarenta e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais relativos às despesas com o funeral, sepultura e demais objectos pertencentes à vítima mortal; e, ainda,

f- a pagar todas as despesas que venham a ser solicitadas pelos serviços do INEM e hospitalares com o transporte, tratamentos e outros realizados com a vítima mortal.

Subsidiariamente, para o caso de se entender que a culpa do acidente deve ser repartida pelos condutores dos dois veículos que intervieram no acidente, pedem a condenação solidária das RR. a pagarem as referidas quantias, de acordo com a percentagem das culpas de cada um dos condutores dos veículos por elas seguros.


Hospital de Braga - Escala Braga, Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A., propôs acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum (n.º 202/14.2TBAMR), contra a CC PLc, peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 7.638,20 (sete mil seiscentos e trinta e oito euros e vinte cêntimos), referente ao custo da assistência e tratamentos médico-hospitalares dispensados ao falecido GG na sequência do mesmo acidente de viação, sendo 6.926,22 euros (seis mil novecentos e vinte e seis euros e vinte e dois cêntimos), referente ao custo dessa assistência e tratamentos, e €711,98 (setecentos e onze euros e noventa e oito cêntimos) relativos a juros de mora vencidos, acrescendo os vincendos, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

A Ré CC PLc apresentou contestações nos três processos, invocando, em síntese, que o acidente de viação ocorreu por culpa exclusiva do condutor do motociclo de matrícula ...-LI-..., porquanto foi embater no CI, a uma velocidade superior a 90 Kms./hora, quando este último circulava dentro da sua mão de trânsito, a uma velocidade inferior a 50 Kms./hora.

Impugnou por desconhecimento parte da factualidade aduzida pelos Autores e reputou como exageradas as indemnizações reclamadas pelos Autores AA e BB.

Conclui pela improcedência das acções e solicitando que seja absolvida do pedido.

A Ré DD – Companhia de Seguros, SA apresentou contestações nos dois processos em que foi demandada, invocando, em síntese, que o acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula ...-CJ-..., tal como decorre da factualidade alegada nas petições iniciais apresentadas pelos Autores AA e BB.

Invocou a excepção da ineptidão parcial das petições iniciais apresentadas pelos Autores AA e BB por alegada contradição entre a causa de pedir e o pedido em relação àquela contestante, solicitando que seja absolvida da instância.

No mais, alegou desconhecimento dos danos descritos pelos Autores e reputou por exagerados os montantes indemnizatórios que peticionam.

Subsidiariamente, para o caso de se concluir pela improcedência da exceção da ineptidão da petição inicial, conclui pela improcedência das ações em que é demandada e pedindo que seja absolvida dos pedidos.


Por despacho proferido a fls. 87, ordenou-se a apensação aos presentes autos da acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário n.º 592/11.9TBAMR.


Convidou-se os Autores BB e AA a caracterizarem e concretizarem factualmente a causa de pedir e os pedidos formulados quanto à Ré DD (cfr. fls. 88 a 89).

Na sequência desse convite, aqueles Autores reformularam os pedidos deduzidos na presente acção (n.º 465/11.5TBAMR), pedindo a condenação da Ré DD – Companhia de Seguros, SA, a título subsidiário, precavendo a eventualidade de a prova produzida conduzir a uma repartição de culpas entre os veículos intervenientes no acidente em litígio em face das versões deste em análise nos autos.

Esclareceram no mesmo sentido os pedidos deduzidos no processo n.º 592/11.9TBAMR.


Dispensou-se a realização de audiência preliminar e proferiu-se despacho saneador, em que se julgou improcedente a excepção dilatória das petições iniciais que tinham sido invocadas pela Ré Império Bonança e fixou-se os factos assentes e a base instrutória, não tendo sido apresentadas reclamações (cfr. fls. 116 a 126).


Inconformada com o despacho saneador que julgou improcedente a excepção dilatória das petições iniciais, a Ré DD interpôs recurso dessa decisão (cfr. fls. 164 a 173), tendo esse recurso sido admitido, como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo (fls. 194).


Por despacho de fls. 291 a 292, ordenou-se a apensação aos presentes autos da acção declarativa sob a forma de processo comum n.º 202/14.2TBAMR.


A fls. 333 a 420, a Autora BB juntou aos autos certidão da sentença e do acórdão proferidos nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 339/11.0GAAM, do Juízo de Competência Genérica de …, em que é arguido FF, condutor do CJ, e demandante cível o Hospital de Braga e demandados, o identificado FF e as aqui Rés DD e CC.

Conforme se vê dessa certidão, por decisão condenatória, transitada em julgado em 24/01/2017, tendo por objecto o acidente de viação a que se reportam os presentes autos, o ali arguido FF foi condenado como autor material de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo art.º 137º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, em concurso real com um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art.º 148º, n.ºs 1 e 3, por referência ao art.º 144º, als. b) e c) e 15º, al. b), todos do Código Penal, na pena única de três anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

Por sua vez, a aqui Ré, ali demandada cível CC, foi condenada a pagar ao aí demandante cível, Hospital de Braga, a quantia total de €36.649,66, acrescida de juros de mora, desde a notificação do pedido de indemnização até integral pagamento, por assistência médica prestada ao ali ofendido e aqui Autor, AA.


A fls. 454 e 455 a Ré CC requereu a junção aos autos do documento de fls. 455 verso a 475.

Já a fls. 517 a 518, a mesma Ré veio requerer a junção aos autos do parecer técnico de fls. 518 verso a 527.

Por decisão proferida a fls. 572 a 573, julgou-se procedente a nulidade arguida pelos Autores AA e pela Ré EE, quanto ao despacho proferido a fls. 531, que admitiu a junção aos autos do referido documento de fls. 455 verso a 475 e do parecer técnico de fls. 518 verso a 527, antes apresentados pela Ré CC, anulando-se essa decisão por violação do princípio do contraditório.

A fls. 588 indeferiu-se a junção aos autos daquele documento e parecer técnico apresentados pela Ré CC e ordenou-se o seu desentranhamento dos autos e restituição à última, com fundamento na circunstância de “…a certidão e o parecer técnico apresentados pela Ré CC PLc… visavam o apuramento da dinâmica e circunstancialismo do acidente de viação em litígio, o qual … não poderá ser discutido, porquanto está assente…”.


Por decisão proferida a fls. 586 a 588, deferiu-se a pretensão do Autor AA no sentido de se actualizar a enumeração da matéria de facto assente e daquela que integra a base instrutória, por respeito aos princípios do caso julgado e até mesmo da economia e celeridade processual, pretendendo que figurem como assentes os factos atinentes à dinâmica e circunstancialismo do embate em discussão, tal qual os mesmos foram dados como provados na sentença proferida no processo de natureza criminal que correu termos no juízo de competência genérica de … sob o n.º 339/11.0GAAM, já transitada em julgado, em que intervieram Autores e Réus, constando a parte dispositiva desta decisão do seguinte:

“Face ao exposto, decide-se julgar assente a matéria atinente à dinâmica e circunstancialismo do embate nos exatos termos constantes dos pontos 1 a 6 da sentença proferida no processo crime, retirando das bases instrutórios os seguintes factos:

- processo principal – os factos vertidos sob os pontos 1 a 8, 23, 24, 25 e 27 a 30;

- processo apenso – factos vertidos sob os pontos 1 a 8, 40, 41, 42 e 44 a 56”.


Este despacho veio, posteriormente, a ser rectificado, por decisão proferida a fls. 616, no sentido de se determinar também a exclusão da matéria vertida nos artºs. 31º a 39º da base instrutória do processo principal.

A Ré CC interpôs recurso destas duas decisões, tendo o recurso interposto do despacho que decidiu considerar assente a matéria atinente à dinâmica do acidente sido rejeitado, com fundamento na circunstância do nele decidido apenas poder ser impugnado no recurso que vier a ser interposto das decisões prevista no n.º 1 do art. 644º do Novo Código de Processo Civil.

No que concerne ao recurso interposto do despacho que não admitiu a junção aos autos e mandou desentranhar destes a certidão e o parecer técnico apresentados pela Ré CC, este foi admitido como de apelação, a subir em separado, com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 632 a 633).


Entretanto o Autor AA deduziu incidente de liquidação, nos termos do art.º 358º, n.º 1, do Código de Processo Civil, com vista a tornar líquidos os pedidos genéricos que tinha formulado na petição inicial dos presentes autos (n.º 465/11.5TBAMR) - fls. 594/598 -, nos seguintes termos:

- €540.960,00 (quinhentos e quarenta mil novecentos e sessenta euros), pelo dano patrimonial futuro relativo à repercussão do défice funcional permanente da integridade física-psíquica na sua capacidade de trabalho;

- €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), pelos danos não patrimoniais decorrentes das sequelas de que ficou a padecer;

- €100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização pelos adequados e necessários tratamentos e intervenções cirúrgicas realizadas após a propositura da presente acção e pelas futuras; e

- €31.525,00 (trinta e um mil quinhentos e vinte e cinco euros), a título de indemnização pela necessidade de auxílio de terceira pessoa durante o período de 04 anos e 09 meses.

Admitiu-se o incidente de liquidação e determinou-se o consequente aditamento de matéria à base instrutória (fls. 616 a 618).

Realizada audiência final, proferiu-se sentença, julgando as acções parcialmente procedentes nos seguintes termos:

“Termos em que e face ao exposto, julgam-se as acções parcialmente procedentes, por provadas, nessa parte, e, consequentemente, condena-se a Ré CC PLc a pagar:

- Aos AA. AA e BB, as seguintes quantias:

A) €220.000,00 (duzentos e vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais (€100.000,00 – ponto 2.2.2- + €120.000,00 – ponto 2.2.4), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença e até integral pagamento;

B) €504.705,52 (quinhentos e quatro mil setecentos e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais (ponto 2.2.3) - sendo que à A. BB caberá a quantia de €434.662,76 (quatrocentos e trinta e quatro mil seiscentos e sessenta e dois euros e setenta e seis cêntimos) e ao A. AA a quantia de €70.042,76 (setenta mil e quarenta e dois euros e setenta e seis cêntimos) -, acrescida de juros de mora, desde a data da presente sentença e até integral pagamento, à taxa legal de 4%;

C) €3.297,76 (três mil duzentos e noventa e sete euros e setenta e seis cêntimos), a título de danos patrimoniais (ponto 2.2.5), acrescida de juros de mora, desde a data da citação e até integral pagamento, à taxa legal de 4%;

- Ao A. AA, as seguintes quantias:  

D) €390.000,00 (trezentos e noventa mil euros), a título de danos patrimoniais (ponto 2.3.2), acrescida de juros de mora, desde a data da presente sentença e até integral pagamento, à taxa legal de 4%;

E) €100.000,00 (cem mil euros), a título de danos não patrimoniais (ponto 2.3.3), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença e até integral pagamento;

- Ao A. Escala Braga – Sociedade Gestora do Estabelecimento, a seguinte quantia:

F) €6.926,22 (seis mil novecentos e vinte e seis euros e vinte e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais (ponto 2.4.1), acrescida de juros de mora, desde a data da citação e até integral pagamento, à taxa legal de 4%.

No mais, absolve-se a Ré CC PLc do demais pedido.

Absolve-se, ainda, a Ré EE – Companhia de Seguros, SA dos pedidos contra si deduzidos.

Custas a cargo dos AA. e da Ré CC PLc, na proporção do respetivo decaimento – art. 527º, nº 1, do C.P.C.”

Inconformada com o decidido, a Ré CC PLc, interpôs recurso de apelação, outrossim, os Autores AA e BB, interpuseram recurso subordinado, tendo o Tribunal a quo conhecido dos interpostos recursos, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado:

“Nestes termos, os juízes desta Secção Cível da Relação de Guimarães, acordam em julgar o recurso principal interposto pela Ré “CC PLc” parcialmente procedente, e o recurso subordinado interposto pelos Autores BB e AA integralmente improcedente e, em consequência:

I- rejeitam o recurso interposto pela apelante “CC” quanto à matéria de facto impugnada em relação aos pontos 23º e 74º dos factos julgados como provados na sentença recorrida;

II- na sequência da parcial procedência do recurso principal interposto pela apelante “CC”:

a- quanto à matéria de facto impugnada em relação aos pontos 27º e 72º dos factos julgados como provados na sentença recorrida, julgam essa impugnação parcialmente procedente e, em consequência, altera-se os factos neles dados como provados, que passam a constar do seguinte:

“27 – E a quantia total de 1.414,50 euros na aquisição e assentamento do jazigo (estrutura em pedra ou mármore assente sob a sepultura em terra) do falecido GG”.

“72- À data do acidente, a Autora trabalhava no talho do … e auferia uma quantia mensal líquida na ordem dos 500,00 euros (salário base, acrescido de subsídio de alimentação) e subsídio de natal e de férias, sendo que em maio de 2011, o seu vencimento base ascendia a 534,48 euros e, nesse mês, aquela recebeu uma quantia mensal líquida da sua entidade empregadora de 644,98 euros”.

b- revogam a sentença recorrida na parte em que condenou a apelante “CC” a pagar aos Autores a quantia de 1.414,50 euros (mil quatrocentos e catorze euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização por despesas suportadas pelos Autores com a aquisição e assentamento de jazigo para a sepultura do falecido GG, absolvendo aquela apelante deste pedido, ficando, por conseguinte, a condenação constante da alínea C) da parte dispositiva da sentença recorrida reduzida ao seguinte:

“1.883,26 euros (mil oitocentos e oitenta e três euros e vinte e seis cêntimos), a título de danos patrimoniais (ponto 2.2.5), acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento”;

c- revogam a sentença recorrida na parte em que condenou a apelante “CC” a pagar aos Autores a quantia de 120.000,00 (cento e vinte mil) euros, a título de danos morais que sofreram em consequência da morte de GG, substituindo essa condenação à quantia de 80.000,00 (oitenta mil euros – quarente mil euros para cada um dos Autores), ficando, por conseguinte, a condenação constante da alínea A) da parte dispositiva da sentença recorrida reduzida ao seguinte:

“180.000,00 (cento e oitenta mil) euros, a título de danos não patrimoniais (100.000,00 euros – ponto 2.2.2. - + 80.000,00 euros – ponto 2.2.4), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da prolação da sentença recorrida e até integral pagamento;

d- revogam o decidido na alínea B) da parte dispositiva da sentença recorrida, substituindo essa condenação pela condenação da apelante “CC” a pagar aos Autores AA e BB a quantia de 174.705,52 euros (cento e setenta e quatro mil setecentos e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais (ponto 2.2.3) -, sendo que à Autora BB caberá a quantia de 134.662,76 euros (centro e trinta e quatro mil seiscentos e sessenta e dois euros e setenta e seis cêntimos), e ao Autor AA a quantia de 40.042,76 euros (quarenta mil e quarenta e dois euros e setenta e seis cêntimos) -, acrescida de juros de mora, desde a data da prolação da sentença recorrida e até integral pagamento;

e- revogam o decidido na alínea D) da parte dispositiva da sentença recorrida, substituindo essa condenação pela condenação da apelante “CC” a pagar ao Autor AA, a quantia de 320.000,00 (trezentos e vinte mil) euros, a título de danos patrimoniais (ponto 2.3.2), acrescida de juros de mora, desde a data da prolação da sentença recorrida e até integral pagamento, à taxa legal de 4%;

- no mais, confirmam a sentença recorrida.

Custas do recurso principal, por apelante “CC” e apelados BB e AA, na proporção do respetivo decaimento (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).

Custas do recurso subordinado pelos apelantes BB e AA.”


É contra este acórdão, proferido no Tribunal da Relação de Guimarães, que os Autores/AA e BB, bem como, a Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, esta interpondo recurso subordinado, se insurgem, formulando as seguintes conclusões:


Dos Recorrentes Autores/AA e BB:

“Conclusões:

O (exíguo) quantum indemnizatório fixado pela perda do contributo remuneratório dado pelo falecido GG para as despesas do agregado familiar;



1) Com o devido respeito, carecem de razão os Venerandos Desembargadores na parte em que referem que a sentença recorrida considerou que o rendimento mensal médio líquido auferido pelo falecido à data da sua morte, no montante médio de mil euros, se manteria estático ao longo dos anos.

2) Na verdade, a sentença, na sua página 38, refere que “considerando, nomeadamente, que a vítima à data do acidente ainda não tinha ultrapassado os trinta e cinco anos, o que lhe permitia certamente progredir na carreira com os respectivos aumentos salariais - os colegas de profissão declararam que presentemente, por força da antiguidade, a vítima já estaria num posto que lhe permitiria auferir um acréscimo salarial na ordem dos 300,00 € mensais, o que multiplicado por 14 vezes ao ano daria um acréscimo salarial de € 4.200,00 anual, atingindo-se ao longo dos restantes 30 anos de vida activa - contados a partir de 2018 - um ganho na ordem dos € 126.000,00 - e atendendo à taxa de inflacção e ao aumento da esperança média de vida, pela …, parece adequado fixar-se nesta linha de raciocínio, a quantia de €600.00,00 (seiscentos mil euros)”.

3) Paradoxalmente, quem acabou por incorrer no erro apontado à sentença, no sentido de ter desconsiderado a previsível evolução do rendimento mensal médio líquido auferido pelo falecido, acabou por ser a Relação que, apesar das várias referências feitas a essa previsível evolução do rendimento, não introduziu no seu julgamento de equidade qualquer critério objectivador que permitisse incorporar ou sorver essa premissa, a qual, em derradeira análise, é validada pelas regras da experiência comum, como, aliás, bem se frisou no douto acórdão recorrido.

4) O Tribunal da Relação considerou antes, num exercício que, com o devido respeito, consideramos redutor e pouco razoável, que concluída a formação profissional do filho AA, e autonomizando-se este do agregado familiar dos seus pais, metade dos 333,33 euros a ele destinados passariam a ser canalizados para o sustento do falecido GG e a restante metade para o sustento da esposa BB e, consequentemente, durante os primeiros 12 anos, aquele iria previsivelmente contribuir para o sustento desta com 333,33 euros (com as actualizações salariais previsíveis do falecido entretanto ocorridas), e nos restantes 33 anos, com 499,99 euros (com aquelas previsíveis actualizações salariais do falecido).

5)      Este raciocínio olvida precisamente que o rendimento médio mensal líquido do falecido iria evoluir ao longo do tempo, pois iria certamente progredir na carreira dentro da …, uma vez que tinha apenas 33 anos à data do óbito, além de que, como se frisou na sentença da 1.ª instância, “os colegas de profissão declararam que presentemente, apenas por força da antiguidade, a vítima já estaria num posto que lhe permitiria auferir um acréscimo salarial na ordem dos €300,00 mensais”.

6) Ora, ganhando mais, como era de todo previsível, o falecido poderia canalizar gradualmente uma fatia maior dos seus proventos salariais ao seu próprio sustento, sem beliscar a percentagem de 2/3 do rendimento alocado à vivência familiar, que poderia inclusive representar uma quantia monetária superior.

7) Assim, e na senda do quem vem sendo o entendimento jurisprudencial maioritário seguido nesta matéria, que tem considerado que a vítima despenderia previsivelmente consigo 1/3 dos seus proventos remuneratórios, sem estabelecer qualquer distinção entre a vida activa e a idade de reforma da vítima mortal – cfr. ac. STJ de 08-03-2012, mencionado a páginas 87 do douto acórdão - também não vislumbramos critério lógico para operar, no caso concreto, distinção entre a percentagem dos gastos que a vítima faria consigo própria antes e depois da formação escolar do seu filho.

8) Previsível seria que o falecido continuasse até fim da sua vida, o que deveria ocorrer em termos de probabilidade aos 78 anos, a despender consigo próprio 1/3 dos seus rendimentos, alocando os restantes 2/3 à vivência familiar, independentemente da emancipação profissional do filho, único filho do casal.

9) Até porque, como bem se salienta no acórdão recorrido, a indemnização pela perda de alimentos, não há-de basear-se tanto no critério da necessidade e da medida estrita da prestação de alimentos a que se referem os artigos 2003.º n.º 1 e 2004.º do CC, mas sim na perda patrimonial, em termos previsíveis de danos futuros, correspondente ao que o falecido vinha efectivamente prestando e poderia eventualmente prestar não fora a lesão sofrida, em termos de permitir aos beneficiários manter o nível de vida que aquele rendimento lhes proporcionaria.

10) Acresce que não logramos entender como é que a Relação, considerando uma taxa de juro de 2% como factor corrector pelo facto de os autores receberem a indemnização de uma só vez - para que não se incorra em enriquecimento sem causa destes à custa da seguradora -, chegou aos valores de 220.000,00 euros para a autora BB e 50.000,00 euros para o autor AA.

11) Seguindo, na medida do nosso entendimento, o raciocínio expendido pela Relação, para alcançar a indemnização devida à autora BB socorrer-nos-íamos da seguinte fórmula [(333,33 € x 14 meses x 12 anos) + (499,99€ x 14 meses x 33 anos)] x 2% e, por sua vez, para alcançar a indemnização devida ao autor AA, socorrer-nos-íamos da fórmula (333,33€ x 14 meses x 12 anos) x 2%.

12) Ora, acompanhando as fórmulas indicadas, alcançaríamos um montante base de 281.367,47 € para a autora BB e um montante base de 54.901, 41 € para o autor AA, valores bem superiores aos 220.000,00€ e 50.000,00€ alcançados pela Relação, o que traduz um abatimento de 66.268,88 €.

13) Tal abatimento não é compreensível, nem explicável pela sobreposição do natural juízo equidade sobre os referidos montantes, pois um juízo de equidade operado nesses moldes olvida, além do mais, que o falecido era um jovem em início de carreira na … (tinha 33 anos à data do acidente), tinha, portanto, uma profissão altamente estável, e o seu rendimento médio mensal líquido iria muito previsivelmente evoluir ao longo do tempo.

14) O juízo de equidade utilizado pela Relação é, pois, atentas as circunstâncias do caso concreto, injustificadamente penalizante para os autores.

15) O valor base indemnizatório mínimo que os autores aceitariam nesta senda, com forçosa eliminação da distinção entre a percentagem dos gastos que a vítima faria consigo própria antes e depois da formação escolar do seu filho, poderia partir da seguinte fórmula [(333,33 € x 14 meses x 12 anos) + (666,66€ x 14 meses x 33 anos)] x 2% =356.859,17 € para a autora BB e (333,33€ x 14 meses x 12 anos) x 2% =54.901,41 € para o autor AA, assim se alcançando valores base mínimos, a partir dos quais a indemnização deveria começar por ser aferida, recaindo depois sobre eles um juízo de equidade que sorvesse e privilegiasse a circunstância de a vítima à data do acidente ser um jovem em início de carreira na … (tinha 33 anos à data do acidente), ter, portanto, uma profissão altamente estável e com forte previsibilidade de ver evoluir o seu rendimento médio mensal líquido ao longo do tempo.

16) Ponderando tudo isto, aceitar-se-ia, por mais justa e equitativa, uma indemnização a título de danos patrimoniais pela frustração de alimentos em consequência do falecimento do malogrado GG em valores nunca inferiores a 400.000,00 € para o cônjuge BB e 60.000,00 € para o filho AA, aos quais se imporia deduzir as quantias de 85.337,24 € no caso da autora BB e 9.957,24€ no caso do autor AA, correspondente ao valor das pensões de sobrevivência que já receberam e que continuarão previsivelmente a receber da Segurança Social, o que significa que a autora BB teria, no mínimo, direito a receber da ré CC, a título de indemnização pela frustração de alimentos em consequência do falecimento do seu marido, a quantia de 314.662,76 euros, e o autor AA a quantia de 50.042,76 euros, valores aos quais deveriam acrescer os juros de mora, à taxa de 4%, desde a sentença até integral pagamento.

17) Tais montantes representariam, como se disse, valores indemnizatórios minimamente justos e equitativos atentas as circunstâncias do caso concreto, privilegiando-se, todavia, o raciocínio expendido no ponto 2.2.3 da douta sentença, que aqui se dá por integralmente reproduzido - onde não se faz qualquer distinção entre a percentagem dos gastos que a vítima faria consigo própria antes e depois da formação escolar do seu filho e, além do mais, se sorve a premissa da evolução do rendimento mensal médio líquido do falecido -, alcançando-se o valor indemnizatório global de 600.00,00 (seiscentos mil euros)”, ao qual se subtraíram depois os montantes recebidos e a receber pelos autores a título de pensão de sobrevivência, obtendo-se o montante final de € 504.705,52 a título de indemnização pelos danos patrimoniais resultantes da perda da capacidade de trabalho da vítima mortal, cabendo €434.662,76 à autora BB e €70.042,76 ao autor AA, valores aos quais deverão acrescer os juros de mora, à taxa de 4%, desde a sentença até integral pagamento.

18) Assim, ao decidir como decidiu, a Relação violou nesta matéria, sem prejuízo de mais douto enquadramento, o disposto nos artigos 495 n.º 3 e 566.º n.º 2 e 3, todos do Código Civil.



O (igualmente exíguo) quantum indemnizatório fixado pelo chamado “dano biológico” do autor AA

19) O juízo de equidade operado neste âmbito pela Relação - que atribuiu ao autor indemnização de 320.000,00 euros pela perda da capacidade aquisitiva futura -, mostra-se, mais uma vez, incompreensivelmente penalizante, sem que nada no caso concreto o justifique.

20) Na verdade, apesar de o douto acórdão ter considerado como referência para a fixação da indemnização um salário de 1.200,00 € mensais e ter considerado que o capital produtor de rendimento que o autor não irá previsivelmente auferir se extinguirá apenas no final do período provável da sua vida, ou seja, aos 78 anos – com o que se concorda -, acabou por não sorver ou incorporar no juízo de equidade a circunstância de o mesmo ter apenas 12 anos à data do acidente (para o qual não teve qualquer culpa) e de o défice funcional permanente de que padece condicionar fortemente as suas opções profissionais.

21) Outrossim, o douto acórdão recorrido acabou por desconsiderar as possibilidades do autor progredir na carreira profissional, o previsível aumento progressivo do salário a auferir - ao que até se fez referência no douto acórdão, mas, paradoxalmente, não se atendeu no juízo final de equidade -, desconsiderando ainda o aumento da longevidade e a taxa de inflação e, bem assim, as características e mais-valia pessoal do autor, que, não obstante todas as vicissitudes decorrentes do acidente sofrido, nunca se acomodou, nunca se deu por vencido, sempre transitou de ano, acabando por ingressar meritoriamente no ensino superior.

22) Seguindo, mais uma vez na medida do nosso entendimento, o raciocínio expendido pela Relação, a págs. 101 e 102 do douto acórdão, para alcançar a indemnização devida ao autor AA pela capitis deminutio com que se encontra afectado, socorrer-nos-íamos da seguinte fórmula (1.200,00 € x 14 meses x 53 anos x 0,46 pontos incapacidade) x 2% = 401.552,94 €, assim se obtendo um valor base mínimo a partir do qual a indemnização deveria começar por ser aferida, recaindo depois sobre ele um juízo de equidade, que sorvesse as demais circunstâncias do caso concreto.

23) Ora, como bem se explanou na sentença, o juízo de equidade a operar no caso concreto deve ter sempre em conta que “o autor tinha apenas 12 anos à data do acidente, não teve qualquer culpa na sua produção, que o défice funcional permanente condiciona as suas opções profissionais – a utilização do seu corpo em termos deficientes e penosos poderá determinar a impossibilidade de praticar algumas actividades e consequentemente a perda de hipóteses profissionais quando concorrendo com pessoas sãs ou, mesmo não arredando determinadas ocupações laborais na área do curso que frequenta, as sequelas terão reflexo na utilização do corpo em geral, com diminuição da condição e capacidade física, da resistência, da capacidade de certos esforços e/ou necessidade de esforços suplementares para obtenção dos mesmos resultados“ – veja-se neste sentido, entre outros, os pontos 14, 58, 59, 60, 61, 62, 64, 65, 66, 67, 69 e 71 dos factos provados.

24) O juízo de equidade a operar no caso concreto deve ainda considerar as possibilidades de progressão na carreira profissional, o aumento progressivo do salário que o autor venha a auferir, o aumento da longevidade e a taxa de inflação.

25) Ademais, deve privilegiar-se, por ser mais correcto e justo no caso, as características e mais-valia pessoal do autor, que, não obstante todas as vicissitudes decorrentes do acidente sofrido, nunca se acomodou, nunca se deu por vencido, sempre transitou de ano, acabando por ingressar meritoriamente no ensino superior – veja-se neste sentido, entre outros, os pontos 52, 53, 54, 55, 66, 67, 68, 75 e 76 dos factos provados.

26) Assim sendo, porque mais uma vez a douta sentença procedeu a uma análise profunda, séria e sensata dos factos apurados no processo e, bem assim, a uma sagaz interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis nesta matéria, não podemos deixar de pugnar pela manutenção integral do decidido a este respeito pela 1.ª instância, ou seja, pelo arbitramento ao autor AA da quantia de 390.000,00 euros pela perda da sua capacidade aquisitiva, acrescida dos respectivos juros, à taxa de 4%, desde a data de prolação da sentença até efectivo e integral pagamento.

27) Ao decidir como decidiu, a Relação violou nesta matéria o disposto nos artigos 562.º, 564.º n.º 1 e 2 e 566.º n.º 1, 2 e 3, todos do Código Civil e artigo 8.º, n.º 3 do CPC.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, em conformidade com as conclusões que antecedem, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.”


Da Recorrente Ré/CC PLc:

A Ré/CC PLc, notificada das alegações de recurso de revista interposto pelos Autores/AA e BB, por não se conformar, em parte, com o acórdão recorrido, interpôs recurso de revista, o que fez de forma subordinada, respondendo ainda às alegações dos recorrentes, aduzindo, para o efeito, as seguintes conclusões:

“1ª - A lei não estabelece um critério objetivo para a fixação da compensação pelo dano morte, nem para a determinação de indemnização por danos futuros.

2ª - Tem sido a jurisprudência a fazê-lo, recorrendo a critérios vários.

3ª - Parece, porém, quanto ao valor do dano morte, estar encontrado, na sequência dos incêndios de 2017, que tal valor, unívoco e igual para todos, será o de 80.000,00€.

4ª - Por consequência, aplicando-se esse critério à presente situação, a compensação pela perda do direito à vida não deverá ser superior ao valor de 80.000,00€.

5ª - A indemnização pela perda de ganho futuro do AA, na falta de dados, quanto a salário que virá a auferir, concluído o seu curso superior, deverá ser fixada lançando mão do salário médio mensal e não de qualquer outro, por ser sempre fictício ou arbitrário.

6ª - Segundo o salário médio nacional referido no acórdão publicado na CJ, STJ, 2017, T. II, pág. 129, Relator Abrantes Geraldes, de 850,00€, a referida indemnização será de 217.591,50€, ou seja, 850,00€ x 14 x 53 anos - ¼, por recebimento antecipado e duma só vez - cf Sousa Dinis, CJ, STJ, ano 2001, Tomo I, pág. 5-.

7ª - Ao não decidir segundo conclusões supre referidas, o douto acórdão violou as normas vertidas no Código Civil sob os arts. 496º, 4, 562º e 566º, 2.

II

8ª - Impugnam-se as conclusões dos recorrentes 1) a 27).

9ª - Por especulativas, irrealistas e infundamentadas.

10ª - Dá-se aqui como reproduzido o alegado no corpo destas alegações sob II.

11ª - Os valores indemnizatórios pela perda do contributo remuneratório dado pelo falecido para as despesas do agregado familiar, fixados no douto acórdão recorrido, são equitativos, realistas e ajustadas.

Pelo exposto e, principalmente, pelo que será suprido por Vossas Excelências Senhores Juízes Conselheiros, deve ser concedida revista ao recurso subordinado e negada a mesma aos recorrentes BB e AA, como é de JUSTIÇA.”


Foram colhidos os vistos.

Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. As questões a resolver consistem em saber se:


Dos Recorrentes Autores/AA e BB:

(1) Considerada a facticidade adquirida processualmente, divisamos errada subsunção jurídica da mesma, na medida em que os valores atribuídos a título de indemnização/compensação são inadequados ao caso sub iudice, designadamente:

a) O quantum indemnizatório fixado pela perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG, para as despesas do agregado familiar, enquanto dano patrimonial pela frustração de alimentos, está sustentado em juízo de equidade que, atentas as circunstâncias do caso concreto, é injustificadamente penalizante para os Autores?

b) O quantum indemnizatório fixado pelo chamado “dano biológico” do Autor/AA, é desajustado, impondo-se arbitrar um valor superior ao fixado no acórdão recorrido?


II. 1. 1. As questões a resolver consistem em saber se:


Da Recorrente Ré/CC PLc

(1) Considerada a facticidade adquirida processualmente, divisamos errada subsunção jurídica da mesma, na medida em que os valores atribuídos a título de indemnização/compensação são inadequados ao caso sub iudice, designadamente:

a) O quantum fixado pela compensação pela perda do direito à vida, é desajustado, não devendo ser superior a €80.000,00 (oitenta milhares de euros)?

b) O quantum fixado a título de indemnização pela perda de ganho futuro do Autor/AA, deverá ser diverso, para menos, daqueloutro arbitrado no acórdão recorrido?

 

II. 2. Da Matéria de Facto

Factos Provados

“1. No dia 31 de maio de 2011, pelas 18 horas, na EN n.º 205, km 47,00, freguesia de …, concelho e comarca de Amares, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-CJ-..., conduzido pelo seu proprietário FF, titular da licença de condução n.º BR-3…-6, passada pela DGV de …, e o motociclo de matrícula ...-LI-..., conduzido pelo seu proprietário GG, titular da licença de condução n.º BR – 2…-4, emitida pelo IMTT de …, no qual seguia, como passageiro, à retaguarda, o seu filho AA, usando ambos, devidamente colocados na cabeça, os respetivos capacetes de proteção.

2. À data do embate, o piso era asfaltado, estava seco, limpo, sem irregularidades e em bom estado de conservação.

3. No local do embate, a estrada tem dois sentidos de trânsito, divididos por uma linha longitudinal descontínua branca pintada no asfalto, com uma largura de 6,40m em toda a faixa de rodagem e berma de 1,10 metros.

4. O local do embate é ladeado de habitações com respetivas entradas e saídas para a EN n.º 205.

5. O veículo CJ circulava na EN n.º 205, no sentido Braga (Lago) – Amares, na respetiva hemifaixa, atento o sentido que seguia, num primeiro momento, a uma velocidade não concretamente apurada.  

6. E, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o motociclo LI circulava no sentido Amares – Braga (Lago), usando a respetiva hemifaixa de rodagem, atento o sentido que seguia.

7. A via por onde circulavam ambos os veículos, naquela altura, tinha uma configuração retilínea, desenvolvendo-se ao km 47,00 em curva para o lado direito atento o sentido de marcha do veículo CJ, sendo precedida, nesse mesmo sentido, de uma reta com cerca de 1 quilómetro; e no sentido Amares/Braga (Lago) configurava uma reta com cerca de 150 metros, desenvolvendo uma curva para o lado esquerdo, sendo, no local do embate, a velocidade máxima permitida de 50 km/h.

8. No exato local em que a sua hemifaixa descrevia aquela curva para o lado direito, o condutor do veículo CJ, ao invés de fazer essa curva, sem que nada o justificasse ou tivesse qualquer obstáculo no sentido em que seguia, invadiu completamente, de forma repentina e inesperada, a hemifaixa de rodagem contrária àquela em que seguia e embateu, sensivelmente a meio da hemifaixa contrária, com a parte frontal esquerda do seu veículo na parte frontal esquerda do motociclo conduzido por GG.

9. Devido ao embate, o GG e o seu filho, AA, foram projetados do motociclo em que seguiam para o solo, acabando prostrados na valeta do lado direito, atento o sentido em que seguiam; o motociclo imobilizou-se junto da berma direita, atento esse sentido, diante da porta da habitação aí existente, com o número 956.

10. E o veículo CJ imobilizou-se fora da faixa de rodagem, numa via denominada rua dos …, sita à esquerda atento o sentido em que este seguia, imobilizando-se junto do muro lateral dessa mesma habitação com o nº 956.

11. Na altura do embate, não existia qualquer obstáculo, quer na via, quer nas margens, possibilitando sempre a boa visibilidade, naquele sentido em que o FF seguia, sendo que as condições climatéricas eram boas e o embate ocorreu em plena luz do dia.

12. Na sequência dos ferimentos que sofreu nesse embate, o condutor do motociclo LI, GG, faleceu no dia 2 de junho de 2011, com 33 anos de idade.

13. A autora BB era casada com o GG e é a mãe do A. AA.

14. O AA nasceu no dia 29 de maio de 1999.

15. Na data do embate, a responsabilidade civil extracontratual perante terceiros, decorrente da circulação do motociclo LI, encontrava-se transferida para a Ré DD, por força do contrato de seguro obrigatório titulado pela apólice n.º 48…7, cuja condições gerais, especiais e particulares aqui se dão como integralmente reproduzidas para todos os efeitos.  

16. Na data do embate, a responsabilidade civil extracontratual perante terceiros, decorrente da circulação do veículo CJ, encontrava-se transferida para a Ré CC por força do contrato de seguro obrigatório titulado pela apólice n.º 75…8, cuja condições gerais, especiais e particulares aqui se dão como integralmente reproduzidas para todos os efeitos.

17. Na sequência do embate, o GG sofreu traumatismo craniano e fratura do membro inferior esquerdo, tendo sido transportado para o Hospital de Braga, onde deu entrada em choque hipovolémico.

18. Durante o seu internamento, o GG foi medicado, submetido a tratamentos, anestesia e intervenção cirúrgica – amputação de segmento de membro inferior esquerdo pelo terço superior da perna.

19. Na sequência do embate, o GG ficou com os óculos graduados e o telemóvel, este com o valor de € 100,00, que trazia consigo, e o relógio, as calças de ganga, a t-shirt, o casaco de cabedal e os ténis que envergava, danificados.

20. Antes do embate, o GG era uma pessoa saudável.

21. O GG era militar da … desde 2003.

22. E tinha sido transferido para o Comando Territorial de … em 01 de junho de 2010.

23. E, à data do óbito, tinha o posto de guarda, auferindo uma remuneração mensal base de € 791,87, acrescida de subsídio de refeição e de suplementos de patrulha, de escala e de forças segurança, recebendo mensalmente uma quantia líquida mensal média de € 1.000,00.

24. E auferia subsídios de férias e de natal.

25. O GG preocupou-se sempre com o bem-estar dos autores e, mesmo quando esteve a prestar serviço em Lisboa, sempre que podia deslocava-se a … para os apoiar e acompanhar o crescimento do seu filho.

26. Os autores despenderam a quantia de € 1.783,26 com o funeral do GG...

27. E a quantia total de 1.414,50 euros na aquisição e assentamento do jazigo (estrutura em pedra ou mármore assente sob a sepultura em terra) do falecido GG.

28. A … pagou a quantia de € 6.998,86 a título de subsídio por morte do GG e entregou o montante de € 250,00 para as despesas do funeral deste.

29. A assistência médica-hospitalar prestada ao GG no Hospital de Braga importou a quantia de € 6.926,22.

30. Os autores sentiam estima, consideração, amizade e admiração pelo GG.  

31. Ao saber da notícia do acidente, a autora sofreu e ficou preocupada com a vida e integridade física do seu marido e do seu filho.

32. Durante o internamento do seu marido e filho, a autora sentiu angústia, tristeza e temeu pela vida de ambos.

33. Durante o seu internamento, o A. AA perguntou sempre pelo pai e sentiu uma enorme tristeza pelo estado de saúde deste.

34. Na sequência do falecimento do GG, os autores sentiram uma profunda tristeza.

35. Devido ao seu estado de saúde física e mental, o A. AA não foi informado imediatamente da morte do seu pai.

36. Após a morte do GG, os autores passaram noites sem dormir e receberam apoio psicológico.

37. Na sequência do embate e subsequente queda no solo, o AA sofreu fratura do fémur esquerdo e do joelho esquerdo e traumatismo de órgãos abdominais.

38. Após o embate, o AA foi transportado para o Hospital de Braga.

39. E aí permaneceu internado até ao dia 15 de julho de 2011…

40. E regressou no dia 26 de julho de 2011, ficando internado até ao dia 02 de setembro de 2011.

41. Em consequências das lesões decorrentes do embate, o AA já esteve internado por mais quatro vezes.

42. E foi submetido a sete cirurgias, entre as quais intervenção para tratamento de pé pendente à esquerda, com transferência tendinosa, intervenções ao joelho direito para parar o crescimento do membro inferior homolateral, com vista a evitar dismetria em relação ao membro inferior esquerdo e extração de parafuso da anca esquerda, intervenção para alongamento do fémur esquerdo, com objetivo de aumentar em 7 cm, cujos procedimentos terminaram em 08.01.2016, com a extração do material de alongamento.

43. O A. foi submetido a vários RX (em 16.02.2012, 05.06.2012, 26.09.2012, 14.03.2013, 04.04.2013 e 09.09.2015).

44. Durante os internamentos, o AA sentiu dores, angústia, tristeza e foi submetido a diversos tratamentos, anestesias e tomou medicamentos.

45. O A. AA utilizou cadeira de rodas para se locomover até ao início do ano de 2013, retomando a sua utilização por períodos de 1 a 2 meses após as cirurgias que realizou.  

46. E posteriormente utilizou canadianas até meados do ano de 2016.

47. O A. AA realizou tratamentos e frequentou consultas médicas.

48. O A. AA frequentou tratamentos de fisioterapia diariamente de 2.ª a 5.ª feira, inclusive, e mais tarde passou a realizá-los às 2ª, 4ª e 6ª feira, entre as 18h30 e as 20h00.

49. E usufruiu de sessões de psicologia da infância e adolescência, decorrentes do stress pós traumático que padeceu, desde julho de 2011 e com periodicidade quinzenal, que depois passaram para periodicidade mensal.

50. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo A. foi fixada em 8.07.2016.

51. Presentemente, o A. apresenta mobilidade muito reduzida do joelho esquerdo, praticamente anquilose (não faz mais de 10º de flexão), pé equino de 20º, encurtamento de 1 centímetro do membro inferior esquerdo, coxa vara, de cerca de 10º, à esquerda, claudicando notoriamente à esquerda, necessitando de uso de tala antiequino.

52. O A. sofreu um período de défice funcional temporário total em vários internamentos que perfazem um total de 134 dias.

53. E um período de défice funcional temporário parcial fixável em 1732 dias.

54. E um período de repercussão temporária na atividade escolar total de 547 dias.

55. E um período de repercussão temporária na atividade escolar parcial de 547 dias.

56. E um quantum doloris fixável no grau 6/7.

57. E um dano estético permanente fixável no grau 5/7.

58. E um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 46 pontos.

59. As sequelas de que ficou a padecer são compatíveis com o exercício da atividade de estudante do A., implicando esforços suplementares.

60. E condicionarão de forma importante as suas opções profissionais futuras.

61. E a respetiva repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é fixável no grau 4/7.

62. Antes do embate, o A. AA era uma pessoa saudável, com alegria de viver e de praticar regularmente desportos, nomeadamente, basquetebol.

63. Após o acidente, o A. AA sentiu-se triste, com sentimentos de inferioridade em relação aos demais jovens da sua idade.

64. Na sequência das lesões sofridas, o A. AA não pode mais jogar basquetebol, futebol, andar de bicicleta, correr, saltar, ou fazer qualquer atividade que dependa da marcha ou da corrida.  

65. Em consequência das lesões sofridas, as mudanças de tempo provocam dores no corpo do A. AA.

66. Presentemente, o A. mantém acompanhamento psicológico, numa clínica privada em Braga, com tendência para ocorrerem consultas apenas em SOS.

67. E mantém consultas de ortopedia e fisiatria.

68. O A. sofreu dores, angústias, tristeza e sofrimento com os tratamentos médicos realizados e com as sequelas de que ficou a padecer.

69. O A. necessita no futuro de manter consultas em ortopedia e fisiatria e poderá ser sujeito a novos tratamentos cirúrgicos por ortopedia, nomeadamente para permitir a mobilização do joelho esquerdo e sobre o tornozelo esquerdo (para tratamento do pé esquerdo pendente).

70. Em consequência das lesões que sofreu no embate, o AA necessitou, durante o período em que sofreu défice funcional temporário parcial, de auxílio de terceiros para o ajudar nas suas atividades do dia-a-dia, nomeadamente, vestir, calçar, lavar e medicar.

71. Presentemente, o A. continua a necessitar da ajuda da mãe para se vestir e calçar.

72. À data do acidente, a Autora trabalhava no talho do … e auferia uma quantia mensal líquida na ordem dos 500,00 euros (salário base, acrescido de subsídio de alimentação) e subsídio de natal e de férias, sendo que em maio de 2011, o seu vencimento base ascendia a 534,48 euros e, nesse mês, aquela recebeu uma quantia mensal líquida da sua entidade empregadora de 644,98 euros.

73. Após o embate e até à presente data, perante o estado de saúde do AA e para poder acompanhá-lo e prestar-lhe os cuidados exigíveis, a A. deixou de trabalhar, ficando de baixa, não recebendo a sua remuneração habitual.

74. Presentemente, a A. mantém-se de baixa, não auferindo qualquer rendimento decorrente da sua atividade profissional.

75. As lesões, os tratamentos e as cirúrgicas sofridas pelo A. AA refletiram-se no modo como decorreu o seu percurso escolar, afastando-o por longos períodos do estabelecimento de ensino, recebendo aulas em casa, tendo sempre transitado de ano.

76. O A. ingressou em setembro de 2017, no curso de licenciatura em …., no Instituto Politécnico …..

77. Em sequência do óbito do GG, cada um dos AA. recebe uma pensão de sobrevivência, cujo pagamento inicial se reportou ao mês de junho de 2011

78. Presentemente, o valor da pensão da A., auferida 14 vezes ao ano, cifra-se em € 163,05.

79. E o valor da pensão do A., auferida 14 vezes ao ano, cifra-se em € 61,14.  

80. Até dezembro de 2017, a A. recebeu a título de pensão de sobrevivência a quantia global de € 12.290,84.

81. E até dezembro de 2017, o A. recebeu a título de pensão de sobrevivência a quantia global de € 4.515,78.”

Factos Não Provados.

“82. Antes do embate, o GG era uma pessoa forte, robusta, dinâmica, comunicativa, com alegria de viver.

83. Após o embate, já prostrado no solo, o GG gritou por socorro.

84. A ambulância e o auxílio médio demoraram cerca de 20 a 30 minutos a chegar ao local do embate, após a ocorrência deste.

85. Enquanto esperou pela ambulância e auxílio médico, o GG receou pela sua vida, sentiu dores, tristeza e angústia.

86. Durante o seu internamento, o GG sentiu dores, angústia, tristeza.

87. O GG faleceu no local do embate.

88. Os óculos graduados do GG valiam € 266,87, as calças de ganga € 95,00, os ténis € 59,90, a t-shirt € 20,00, o casaco de cabedal € 150,00 e o relógio € 100,00.

89. O GG usava um cinto no valor de € 29,99 que ficou danificado no embate.

90. O GG esperou 30 minutos no local pela chegada da ambulância.

91. O GG receou pela sua vida e teve medo que lhe amputassem os membros inferiores e superiores.”


II. 3. Do Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.



Dos Recorrentes Autores/AA e BB:


II. 3.1. Considerada a facticidade adquirida processualmente, divisamos errada subsunção jurídica da mesma, na medida em que os valores atribuídos a título de indemnização/compensação são inadequados ao caso sub iudice, designadamente:

a) O quantum indemnizatório fixado pela perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG, para as despesas do agregado familiar, enquanto dano patrimonial pela frustração de alimentos, está sustentado em juízo de equidade que, atentas as circunstâncias do caso concreto, é injustificadamente penalizante para os Autores?

b) O quantum indemnizatório fixado pelo chamado “dano biológico” do Autor/AA, é desajustado, impondo-se arbitrar um valor superior ao fixado no acórdão recorrido? (1)

O acidente de viação não é uma estática mas uma dinâmica, daí que os factos enunciados como demonstrados foram interpretados numa perspectiva crítica, tendo o Tribunal a quo apurado aqueles que tiveram a virtualidade de, só por si, desencadearem todo o nexo causal e necessário ao evento, concluindo que o condutor do veículo segurado da Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, ao ofender os princípios de diligência a que estava obrigado no exercício da respectiva condução, agiu com culpa exclusiva, determinando a ocorrência do acidente ajuizado.

Os litigantes não questionam a culpa na eclosão do acidente, aceitando-a, conformando-se, nesta parte, com a decisão proferida em 1ª Instância, e sufragada pela Relação, pugnando os Recorrentes/Autores/AA e BB, isso sim, como já adiantamos, pela errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, uma vez que, em sua opinião, os valores atribuídos a título de indemnização/compensação são inadequados, concretamente, o quantum indemnizatório fixado pela perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG, para as despesas do agregado familiar, enquanto dano patrimonial pela frustração de alimentos, está sustentado em juízo de equidade que, atentas as circunstâncias do caso concreto, é injustificadamente penalizante para os Autores, outrossim, o quantum indemnizatório fixado pelo chamado “dano biológico” do Autor/AA, é desajustado, impondo-se arbitrar um valor superior ao fixado no acórdão recorrido.

Incontestada a assacada responsabilidade na eclosão do acidente há que determinar o quantum indemnizatório, atinente aos danos sofridos, enquanto questão essencial, trazida a este Tribunal ad quem.

Recolhemos do aresto em escrutínio, fundamentação para a fixação dos valores atribuídos pela perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG, para as despesas do agregado familiar, enquanto dano patrimonial pela frustração de alimentos, apelando a um juízo de equidade, a par das razões que suportam o quantum indemnizatório fixado pelo chamado “dano biológico” do Autor/AA, a merecer reparos, como adiante consignaremos.

Sendo o nexo causal um dos pressupostos da responsabilidade civil, o nosso ordenamento jurídico acolheu nos artºs. 483º e 563º do Código Civil a teoria da causalidade adequada, reportando-se esta a “todo o processo causal, a todo o encadeamento de factos que, em concreto, deram origem ao dano, e não à causa/efeito, isoladamente considerados” - neste sentido, Pessoa Jorge, in, Ensaio Sobre Responsabilidade Civil - sustentando, de igual, Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, volume I, página 865 “do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”.

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação - Código Civil artº. 562º - é o que se designa pelo principio da reparação  in pristinum. Este normativo substantivo civil, consagra o princípio da reconstituição natural, entendendo-se por dano, sufragando Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, volume I, 7ª edição, página 591, “a perda “in natura” que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar”.

Os danos podem ser patrimoniais ou não patrimoniais, compreendendo aqueles, não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão, ou seja, os danos emergentes e lucros cessantes.

A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não é possível, não repara integralmente os danos, ou, seja excessivamente onerosa para o devedor - Código Civil art.º 566º n.º 1 - sendo que a indemnização pecuniária tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existisse danos - Código Civil art.º 566º n.º 2 - sem deixar de se avaliar, em concreto, o dano sofrido.

No particular da quantificação do dano não patrimonial, observamos que aqui não entram considerações do “perder” ou “ganhar”, mas do “sentir”, razão pela qual não rege a teoria da diferença, nem faz sentido o apelo ao conceito de dano de cálculo, pois que a indemnização/compensação do dano não patrimonial não se propõe remover o dano real, nem há lugar a reposição por equivalente.

Apreciemos as particularidades atinentes ao ressarcimento dos danos patrimoniais, posto em causa com a interposição do recurso, pelos Autores/AA e BB, designadamente, o quantum indemnizatório fixado pela perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG, para as despesas do agregado familiar, enquanto dano patrimonial pela frustração de alimentos (questão (1) enunciada em II. 1.a) deste acórdão).

Sublinhamos que o thema decidendum do recurso é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não sendo permitido ao Tribunal de recurso conhecer de questões que extravasem as conclusões de recurso, excepto se as mesmas forem de conhecimento oficioso.

Tanto quanto se alcança das conclusões do recurso interposto, distinguimos não se colocar em causa, nesta revista, a devida indemnização aos Autores/AA e BB, pela perda do contributo remuneratório dado pelo falecido, GG, para as despesas do seu agregado familiar, mas tão só os valores arbitrados, o quantum.

Na verdade, o reconhecimento do Tribunal recorrido, de que a indemnização pela frustração de alimentos em caso de morte a que alude o n.º 3 do art.º 495º, do Código Civil, não depende dos rendimentos auferidos pelo cônjuge sobrevivo da vítima mortal, sequer da alegação e prova por parte desse cônjuge e dos filhos do falecido da necessidade de receberem alimentos do último à data da morte, ou dessa necessidade futura, bastando a verificação da qualidade de que depende a possibilidade do exercício do direito a alimentos, ou seja, a qualidade de cônjuge e/ou de filho sobrevivo da vítima mortal para que esse direito indemnizatório se afirme, não está questionado, daqui o reconhecimento de que a Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, responde pela indemnização aos Autores/AA e BB, pela perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG, para as despesas do agregado familiar, importando apenas saber da razoabilidade do valor encontrado pelo Tribunal a quo, a este propósito, discutindo-se, assim, tão só, reiteramos, os valores arbitrados, o quantum.

Divergem os Recorrentes/Autores/AA e BB dos critérios seguidos no acórdão recorrido para a determinação do quantum indemnizatório, a esse título devido, sustentando não entender como é que a Relação chegou aos valores de €220.000,00, para a Autora/BB, e €50.000,00 para o Autor/AA, suportados num raciocínio, adiantado pelos Recorrentes/Autores/AA e BB, estribado na seguinte fórmula, relativamente à Autora/BB [(€333,33 x 14 meses x 12 anos) + (€499,99 x 14 meses x 33 anos)] x 2% e, por sua vez, para alcançar a indemnização devida ao Autor/AA, na seguinte fórmula (€333,33 x 14 meses x 12 anos) x 2%, o que equivale a valores bem superiores aqueloutros arbitrados pelo Tribunal recorrido de €220.000,00 e €50.000,00, para a Autora/BB e Autor/AA, respectivamente.

Cuidemos, pois, de apreciar da razoabilidade da arbitrada indemnização pela perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG, para as despesas do seu agregado familiar, acentuando-se, como já adiantamos, que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão - Código Civil art.º 564º n.º 1 - condizente ao designado por danos emergentes e lucros cessantes.

Na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.

Assim, pode dizer-se que no dano patrimonial compreende-se também as utilidades futuras e simples expectativas de aquisição de bens.

O dano pode causar-se por dois modos, quer privando o terceiro daquilo que tem, quer impedindo-o de adquirir o que estava a caminho de ter.

Nos termos do art.º 564º, n.º 2, do Código Civil, deve atender-se aos danos futuros, desde que previsíveis, contemplando esta previsão a reparação dos danos emergentes plausíveis.

Se não puder ser quantificado, em termos de exactidão, o montante desses danos, julgará o tribunal equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, de acordo com o disposto no art.º 566º, n.º 3, do Código Civil.

É reconhecido o melindre da fixação do valor indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, para as despesas do seu agregado familiar, na medida em que se funda em parâmetros de incerteza, nomeadamente, quer quanto ao tempo de vida do lesado, quer quanto à própria evolução salarial que a vítima teria ao longo da sua vida, não fora o seu decesso, evolução que hoje, mais do que nunca, é de uma imprevisibilidade evidente, inclusive, a própria manutenção do emprego, cada vez mais incerta, outrossim, os próprios índices de inflação, entre outros.

Como calcular, então, o valor indemnizatório, pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG para as despesas do seu agregado familiar?

Revertendo ao caso sub iudice, resulta adquirido processualmente:

“Na sequência dos ferimentos que sofreu nesse embate, o condutor do motociclo LI, GG, faleceu no dia 2 de junho de 2011, com 33 anos de idade. (item 12 Factos provados)

A autora BB era casada com o GG e é a mãe do A. AA. (item 13 Factos provados)

O AA nasceu no dia 29 de maio de 1999. (item 14 Factos provados)

E, à data do óbito, tinha o posto de …, auferindo uma remuneração mensal base de € 791,87, acrescida de subsídio de refeição e de suplementos de patrulha, de escala e de forças segurança, recebendo mensalmente uma quantia líquida mensal média de € 1.000,00. (item 23 Factos provados)

E auferia subsídios de férias e de natal. (item 24 Factos provados)

À data do acidente, a Autora trabalhava no talho do … e auferia uma quantia mensal líquida na ordem dos 500,00 euros (salário base, acrescido de subsídio de alimentação) e subsídio de natal e de férias, sendo que em maio de 2011, o seu vencimento base ascendia a 534,48 euros e, nesse mês, aquela recebeu uma quantia mensal líquida da sua entidade empregadora de 644,98 euros. (item 72 Factos provados)

O A. ingressou em setembro de 2017, no curso de licenciatura em …. no Instituto Politécnico …. (item 76 Factos provados)

Em sequência do óbito do GG, cada um dos AA. recebe uma pensão de sobrevivência, cujo pagamento inicial se reportou ao mês de junho de 2011 (item 77 Factos provados)

Presentemente, o valor da pensão da A., auferida 14 vezes ao ano, cifra-se em €163,05. (item 78 Factos provados)

E o valor da pensão do A., auferida 14 vezes ao ano, cifra-se em €61,14.   (item 79 Factos provados)

Até dezembro de 2017, a A. recebeu a título de pensão de sobrevivência a quantia global de € 12.290,84. (item 80 Factos provados)

E até dezembro de 2017, o A. recebeu a título de pensão de sobrevivência a quantia global de € 4.515,78. (item 81 Factos provados)”

Daqui resulta, como se consignou no acórdão recorrido que o GG faleceu com 33 anos de idade, no estado de casado com a Autora/BB, tendo o casal um filho, o Autor/AA, o qual, contava 12 anos de idade aquando do falecimento do seu pai, sendo que o Autor/AA ingressou em Setembro de 2017, no curso de licenciatura em …., o que torna previsível que o mesmo venha a concluir a sua formação académica com 24 anos de idade.

Reconhecendo-se que a esperança média de vida em Portugal para os elementos do sexo masculino se encontra fixada nos 78 anos de idade, importa dizer que não fora o falecimento do GG aos 33 anos de idade, este iria continuar previsivelmente, por imposição legal, a contribuir para os encargos do seu agregado familiar, constituindo, à data da sua morte, por ele próprio, pela sua viúva, a Autora/BB, e pelo seu filho, o Autor/AA, donde, o falecido, GG, iria contribuir para o sustento da Autora/BB, previsivelmente por mais 45 anos, por referencia à data da morte daquele, ou melhor, até ocorrer, previsivelmente, a sua morte, e quanto ao Autor/AA, seu filho, até este, previsivelmente, concluir a sua formação académica, o que sucederá, previsivelmente, aos 24 anos de idade, ou seja, por referência à data do decesso do falecido, GG, por mais 12 anos.

À data do seu falecimento, o falecido, GG, recebia, mensalmente, uma quantia líquida mensal média de €1.000,00 (um milhar de euros), dos quais destinava, ou, por imposição legal, devia destinar, 1/3, aos seus gastos próprios, destinando os restantes 2/3, ao sustento da sua mulher e filho, significando que do rendimento mensal líquido médio auferido, €333,33 (trezentos e trinta e três euros, e trinta e três cêntimos) se destinavam às suas próprias despesas, igual quantia às despesas da Autora/BB, e ainda igual quantia às despesas do Autor/AA, sendo certo que a aludida remuneração mensal média não se iria manter estática ao longo do tempo, sofrendo, necessariamente actualizações.

Importa também considerar, quanto à Autora/BB que, concluída a formação profissional do Autor/AA, filho do casal, e autonomizando-se este do agregado familiar de seus pais, é aceitável que metade dos €333,33 (trezentos e trinta e três euros, e trinta e três cêntimos), que a si eram destinados, fossem redireccionados, na proporção de metade, para o sustento do GG, acaso este não tivesse falecido, e para o sustento da Autora/BB.

Assim, quanto à Autora/BB, nos 45 anos em que teria direito à contribuição para o respectivo sustento, caso o GG não tivesse falecido, importa concretizar que durante os primeiros 12 anos, este iria, previsivelmente contribuir para o sustento da mesma, com €333,33 (trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), e nos restantes 33 anos, com €499,99 (quatrocentos e noventa e nove euros e noventa e nove cêntimos), admitindo-se, actualizações salariais previsíveis do rendimento do trabalho que, entretanto, possam ocorrer.

A Autora/BB e o Autor/AA, receberam, entretanto, pensões de sobrevivência, por morte do seu marido e pai, respectivamente, no valor de €85.337,24 (oitenta e cinco mil, trezentos e trinta e sete euros e vinte e quatro cêntimos) e €9.957,24 (nove mil, novecentos e cinquenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos), e continuarão a receber da Segurança Social.

Atendendo à delicadeza desta realidade, com a qual somos confrontados, acentuamos que importa, conforme já avançamos, deitar mão da previsão legal contida no n.º 3, do art.º 566°, do Código Civil, daí que haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos.

Perante a constatação das dificuldades associadas à fixação do montante indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG, para as despesas do agregado familiar, há que firmar caminho seguro na apreciação desta temática que ora nos ocupa.

Decorre do acórdão recorrido, no que tange ao cálculo do montante indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG, para as despesas do agregado familiar, não só a devida atenção à facticidade demonstrada nos autos, acabada de consignar, mas também o recurso ao juízo de equidade, sem esquecer, a propósito, os critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, consignando, neste particular:

“no seguimento dos critérios jurisprudenciais adoptados pelo STJ, impõe-se considerar que:

1º- a indemnização pela frustração dos alimentos deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não receberá do falecido e que se extingue, quanto à apelada BB, no termo do período provável da vida do falecido, altura em que este lhe deixaria necessariamente de prestar alimentos, e quanto ao apelado AA, no momento em que este previsivelmente irá concluir a sua formação académica e, por conseguinte, iniciará o seu percurso profissional, provendo ao seu próprio sustento, com o limite máximo dos 25 anos de idade;

2º- no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coias, é razoável;

3º - as tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero caráter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;

4º- deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo de indemnização a importância que o próprio falecido gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos);

5º- deve ter-se em consideração a natural evolução do salário do falecido, pelo que deverá ser introduzido um fator que considere essa evolução salarial previsível;

6º - deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, impõe-se considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia; e

7º- deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa do falecido, a esperança medida de vida deste, uma vez que, como é óbvio, aquele irá ter de contribuir para as despesas do lar, caso fosse vivo, até ao termo da sua vida em relação ao seu cônjuge (Ac. STJ. de 08/03/2012, Proc. 26/09.PTEVR.E1.S1;  RP. de 23/03/2015, Proc. 1783/11.8TBPNF.P1, in base de dados da DGSI)”.

Este Tribunal ad quem sufraga o recurso à equidade para o cálculo do montante indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG, para as despesas do agregado familiar, tomando em consideração todos os consignados critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência.

Assim, haverá que ter sempre presente a figura da equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, de forma que se tenha em conta, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.


O cálculo do quantum indemnizatório, fixado pela perda do contributo remuneratório, enquanto dano patrimonial pela frustração de alimentos, tem, necessariamente, por base, critérios de equidade que assenta numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, que, de todo, colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.

Revertendo ao caso sub iudice, tendo em consideração os factos adquiridos, e que aqui nos dispensamos de reproduzir, e destacando que o montante indemnizatório a arbitrar, pela perda do contributo remuneratório, enquanto dano patrimonial pela frustração de alimentos, irá ser entregue de uma só vez, dano que, em grande medida, é futuro, o que permitirá aos seus beneficiários rentabilizá-la, em termos financeiros, impõe-se considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa da responsável civil, ora Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, condizente a uma taxa de juro de 1%, julgada equitativa e ajustada, na linha do rendimento do capital, aplicado em produto sem risco, a reduzir ao montante do capital a atribuir aos Autores/BB e AA.

Convertendo o enunciado enquadramento numa fórmula matemática, tão só orientadora, que conjuga os critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, já adiantados, alcançamos, relativamente à Autora/BB [(€333,33 x 14 meses x 12 anos) + (€499,99 x 14 meses x 33 anos)] x 1%, o valor de €284.124,90, e quanto ao Autor/AA [(€333,33 x 14 meses x 12 anos)] x 1%, o valor de €55.439,45.

Encontramos assim, uma orientação suportada em critérios objectivos, com vista ao cálculo do montante indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG, para as despesas do seu agregado familiar, e que, necessariamente, deverá ser tida em consideração pelo tribunal que julgará equitativamente, uma vez que o dano a indemnizar, não pode ser quantificado, em termos de exactidão.

Na verdade, se não puder ser quantificado, em termos de exactidão, o prejuízo decorrente da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, para as despesas do seu agregado familiar, impondo-se ao Tribunal que julga equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, este não poderá olvidar, no caso sub iudice: os enunciados critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, ou seja, não poderá deixar de considerar que a arbitrada indemnização pela frustração dos alimentos deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não receberá do falecido e que se extingue, quanto à Autora/BB, no termo do período que, provavelmente, o seu marido viveria, não fora o trágico acidente que o vitimou, e quanto ao Autor/AA, no momento em que este, previsivelmente, irá concluir a sua formação académica; sabendo que as tabelas matemáticas, por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter meramente indicativo, não substituindo, de modo algum, sublinhamos, a ponderação judicial com base na equidade; que no cômputo de indemnização, deve ser proporcionalmente deduzida, a importância que o próprio falecido gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos, enquanto tivesse a cargo o filho, e metade, desde que deixasse de ter o filho a seu cargo); sem deixar de considerar a natural evolução dos salários; ponderando, outrossim, o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, importando introduzir um desconto no valor achado, condizente ao rendimento de uma aplicação financeira sem risco; tudo isto sem deixar de atender à esperança média de vida do falecido.

Por outro lado, anota-se, a propósito da fixação de indemnização com recurso à equidade (como é o caso debatido no presente segmento desta revista, em que os Autores/BB e AA se insurgem, contra a arbitrada indemnização pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG, para as despesas do agregado familiar, considerando-a desajustada, por pecar por defeito), a Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça vai no sentido de que se “o STJ é chamado a pronunciar-se sobre o cálculo de uma indemnização assente em juízos de equidade, não lhe compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão-somente a verificação exacta acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo”, neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2013 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2015, in, www.dgsi.pt, acentuando a nossa Jurisprudência que “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito”; [pelo que o STJ] se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar […], mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”, neste sentido, entre muitos outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 2010, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2017, acessíveis, in, dgsi.pt.

Tudo visto, entende este Tribunal ad quem, atenta a diferença significativa dos valores encontrados, por este Tribunal ad quem, como indemnização pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG, para as despesas do seu agregado familiar, relativamente aos arbitrados pelo Tribunal recorrido, impõe-se a alteração do decidido no acórdão recorrido, fixando-se o quantum indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, GG, para as despesas do seu agregado familiar, tendo em consideração todos os mencionados critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, a considerar pelo Tribunal que julga equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados (que além do mais atenderá às previsíveis actualização do salário, que, de todo, podem ser contemplas na consignada e incipiente fórmula matemática), no valor de €290.000,00 (duzentos e noventa mil euros), para a Autora/BB, e no valor de €56.500,00 (cinquenta e seis mil e quinhentos euros), para o Autor/AA.

Às fixadas indemnizações pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, para as despesas do agregado familiar, importa deduzir à indemnização arbitrada a favor da Autora/BB, no montante de €290.000,00 (duzentos e noventa mil euros), a quantia de €85.337,24 (oitenta e cinco mil, trezentos e trinta e sete euros e vinte e quatro cêntimos), e à indemnização de €56.500,00 (cinquenta e seis mil e quinhentos euros), arbitrada ao Autor/AA, a quantia de €9.957,24 (nove mil, novecentos e cinquenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos), correspondente ao valor das pensões de sobrevivência que já receberam.

Operada a aludida subtracção temos que a Autora/BB, tem direito a receber da Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, a título de indemnização pela frustração de alimentos em consequência do falecimento do seu marido, GG, a quantia de €204.662,76 (duzentos e quatro mil, seiscentos e sessenta e dois euros e setenta e seis cêntimos), e o Autor/AA, tem direito a receber da Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, a título de indemnização pela frustração de alimentos em consequência do falecimento do seu pai, GG, a quantia de €46.542,76 (quarenta e seis mil, quinhentos e quarenta e dois euros e setenta e seis euros).

Pelo exposto, concluímos, pela parcial procedência da revista, neste segmento do recurso, impondo-se revogar a parte decisória do acórdão recorrido, que fixou a indemnização devida à Autora/BB, em €220.000,00 (duzentos e vinte mil euros) euros e ao Autor/AA a indemnização de €50.000,00 (cinquenta mil euros), pela frustração alimentar sofrida com a morte de GG, a que haveria que descontar as quantias de €85.337.24 (oitenta e cinco mil, trezentos e trinta e sete euros e vinte e quatro cêntimos) e €9.957,24 (nove mil, novecentos e cinquenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos), respectivamente, correspondente ao valor das pensões de sobrevivência que os Autores/BB e AA, já receberam, substituindo-a por outra, condenando a Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, a indemnizar a Autora/BB, a título de indemnização pela frustração de alimentos em consequência do falecimento do seu marido, GG, a quantia de €204.662,76 (duzentos e quatro mil, seiscentos e sessenta e dois euros e setenta e seis cêntimos), e a indemnizar o Autor/AA, a título de indemnização pela frustração de alimentos em consequência do falecimento do seu pai, GG, a quantia de €46.542,76 (quarenta e seis mil, quinhentos e quarenta e dois euros e setenta e seis euros), [valores estes onde já se encontra considerada a dedução atinente aos valores das pensões de sobrevivência, entretanto recebidas, condizentes a €85.337.24 (oitenta e cinco mil, trezentos e trinta e sete euros e vinte e quatro cêntimos) e €9.957,24 (nove mil, novecentos e cinquenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos)], respectivamente, acrescida de juros legais, desde o trânsito da decisão.

b) O quantum indemnizatório fixado pelo chamado “dano biológico” do Autor/AA, é desajustado, impondo-se arbitrar um valor superior ao fixado no acórdão recorrido?

Divergem os Recorrentes/Autores/AA e BB dos critérios seguidos no acórdão recorrido para a determinação do quantum indemnizatório, fixado pelo chamado “dano biológico” do Autor/AA, sustentando que a perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA, deve ser indemnizada em valor calculado a partir do valor base de €401.552,94 (quatrocentos e um mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e noventa e quatro cêntimos), recaindo sobre este montante um juízo de equidade, que sorvesse as demais circunstâncias do caso concreto, conformando-se os Recorrentes/Autores/AA e BB, todavia, com o arbitramento ao Autor/AA da quantia de €390.000,00 (trezentos e noventa mil euros), fixado em 1ª Instância que, em sua opinião, procedeu a uma análise profunda, séria e sensata dos factos apurados no processo e, bem assim, a uma sagaz interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis nesta matéria, alcançando o aludido quantum indemnizatório, que deve ser mantido, ao invés da quantia arbitrada pelo Tribunal recorrido que, pese embora reconhecendo o operado juízo de equidade, atribuiu ao Autor/AA a indemnização, pela perda da capacidade aquisitiva futura, uma indemnização de €320.000,00 (trezentos e vinte mil euros).

Considerando que a Recorrente Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, no recurso subordinado apresentado, também se insurge contra o arbitrado quantum indemnizatório, fixado pela perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA, sustentando que o mesmo peca por excesso (questão a resolver, e enunciada no precedente item II. 1. 1.), julgamos de toda a conveniência a apreciação conjunta das questões formuladas pelos Recorrentes/Autores/AA e BB e pela Recorrente/Ré/CC PLc que, ao cabo e ao resto, se confundem, considerando aqueles (Recorrentes/Autores/AA e BB) que o quantum indemnizatório fixado pela perda de ganho futuro, peca por defeito, ao passo que esta (Recorrente/Ré/CC PLc) entende que a arbitrada indemnização, peca por excesso, aludindo ao facto de que a indemnização pela perda de ganho futuro do Autor/AA, na falta de dados, quanto a salário que virá a auferir, concluído o seu curso superior, deverá ser fixada, lançando mão do salário médio mensal e não de qualquer outro, por ser sempre fictício ou arbitrário.

Recolhemos do acórdão recorrido, fundamentação para a fixação do valor atribuído como indemnização pela perda da capacidade aquisitiva futura, por parte do Autor/AA, enquanto dano patrimonial, apelando a um juízo de equidade, a par das razões que suportam o arbitrado quantum indemnizatório fixado pelo chamado “dano biológico”, a merecer também, como adiante consignaremos, alguns reparos.

À semelhança do precedente segmento que conheceu da justa indemnização a arbitrar aos Autores/BB e AA, decorrente da verificada frustração alimentar, sofrida com a morte do GG, também aqui, somente se questiona, o valor alcançado para atribuir uma indemnização, com recurso a juízo de equidade, não havendo dissensão acerca da devida indemnização ao Autor/AA, pela perda da respectiva capacidade aquisitiva futura, enquanto dano patrimonial.

O acórdão recorrido depois de reconhecer que no nosso ordenamento jurídico nacional não existe consenso sobre a categoria em que deve ser inserido o dano biológico e, consequentemente, quanto à forma como este deve ser ressarcido, não deixou de afirmar, e passamos a citar, “Com efeito, a maioria da jurisprudência e alguma doutrina têm considerado o dano biológico como tendo cariz patrimonial, argumentado que mesmo quando não exista uma repercussão negativa a nível salarial ou na atividade profissional do lesado, por não se estar perante uma incapacidade para a sua atividade profissional concreta, o dano biológico, na medida em que constitui uma lesão de bens eminentemente pessoais do lesado (uma lesão da sua saúde), implica para o lesado uma deficiente ou imperfeita capacidade de utilizar o seu corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais em geral, com uma consequente e igualmente previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando com regularidade.


Sustenta-se que a referida incapacidade funcional do lesado reflete-se nos mais variados aspetos da sua vida, desde logo, na sua capacidade laboral, que lhe permite auferir rendimentos, mas também na sua vida pessoal, familiar, social, de lazer, etc..

A pessoa assim afetada está em inferioridade perante as outras pessoas, mesmo que não desempenhe qualquer atividade laboral: ou não consegue desempenhar as mesmas atividades, fazer o que elas fazem, ou fazem-no, mas com maior dificuldade, sendo obrigada a despender maior esforço.

(…) Deste modo, o dano biológico deve ser sempre valorado em sede patrimonial, independentemente da pessoa lesada com esse tipo de incapacidade, na altura do acidente, desempenhar ou não atividade remunerada (…).

(…) Enuncie-se que somos sensíveis aos argumentos aduzidos pela [primeira] corrente jurisprudencial acima enunciada, com as precisões que vamos enunciar, e que é, aliás, a corrente maioritária, uma vez que perscrutadas as realidades da vida não descortinamos nenhuma situação em que o ser humano não careça de trabalhar para prover ao seu sustento e necessidades e, bem assim às do seu agregado familiar.”

Deste modo é que entendemos que, salvo o caso de estudantes, o dano biológico deverá sempre ser indemnizado na sua vertente de dano patrimonial, quer implique ou não perda do nível salarial do trabalhador, ou ainda que este esteja desempregado, até porque a situação de desemprego não irá previsivelmente manter-se indefinidamente no tempo, e ainda que a pessoa afetada já esteja aposentada, impondo-se, neste caso, avaliar a vertente patrimonial desse dano por referência ao valor do trabalho doméstico ou outros que o lesado eventualmente realize.

Esse dano biológico carece igualmente de ser avaliado na sua vertente de dano não patrimonial, na parte em que afeta a personalidade física e/ou moral do lesado.

O único desvio que entendemos ser razoável fazer-se a este regime regra é em relação às vítimas que ainda não tendo idade para tal, não frequentem o ensino, ou que ainda se encontrem a frequentá-lo e estejam a concluir a sua formação profissional ou académica.

Com efeito, nestes casos, porque até à conclusão da sua formação profissional ou académica a vítima não exerce efetivamente atividade profissional remunerada, o dano biológico apenas poderá e deverá, na nossa perspetiva, ser valorado na sua dimensão de dano não patrimonial, uma vez que não se pode ficcionar que esses lesados trabalham, o que não é certo.

No entanto, atingido o terminus previsível da conclusão dessa formação profissional ou académica, porque é razoável aceitar-se que a vítima irá conseguir emprego compatível com essa sua formação, o dano biológico carece de ser avaliado naquela dupla vertente de dano patrimonial e não patrimonial.”

Repristinando aqui, tudo quanto se consignou no precedente segmento deste acórdão, acerca do dever de indemnizar, realçamos que este compreende não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão, devendo o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, tendo presente que o dano pode causar-se por dois modos, quer privando o terceiro daquilo que tem, quer impedindo-o de adquirir o que estava a caminho de ter.

Reconhecendo-se que se deve atender aos danos futuros, desde que previsíveis, importa adiantar como calcular o valor indemnizatório, já que, tirando a idade do Autor/AA e a incapacidade que o afecta, a par de que frequenta o curso de licenciatura em …, no Instituto Politécnico …, tudo o mais é aleatório.

É também sobejamente reconhecido o melindre da fixação do valor indemnizatório pela perda da capacidade aquisitiva futura, na medida em que se funda em parâmetros de incerteza, quanto ao tempo de vida do lesado, quanto ao tempo de vida com capacidade de ganho, a par de outras circunstâncias atinentes à capacidade de trabalho poder vir a ser afectada por doença ou acidente, a própria evolução salarial, hoje mais do que nunca, de uma imprevisibilidade evidente, a manutenção do emprego, cada vez mais incerta, os próprios índices de inflação, entre outros.

Atendendo à delicadeza desta realidade, com a qual somos confrontados, também aqui, deitamos mão da previsão legal contida no n.º 3, do art.º 566°, do Código Civil, daí que haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos.

Perante a constatação das dificuldades associadas à fixação do montante indemnizatório para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura, e perante a diversidade de resultados obtidos com o recurso a critérios tão diferentes que oscilaram entre o recurso às tabelas de cálculo das pensões por incapacidade laboral e sua remição, que depressa foi abandonado, o recurso às tabelas financeiras, às fórmulas matemáticas, de fraca adesão, além de outros critérios, há que trilhar caminho seguro na apreciação desta temática.

Aqueles enunciados critérios foram sucessivamente perfilhados por decisões do Supremo Tribunal de Justiça, que, todavia, não deixaram de lhes reconhecer, somente, a natureza de índices meramente informadores da fixação do cálculo, simples instrumentos auxiliares de orientação, não dispensando o recurso à equidade, que pressupõe uma solução em sintonia com a lógica e o bom senso, com apelo às regras da boa prudência, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem submissão, porém, a critérios subjectivos de ponderação, tendo sempre em devida conta a gravidade do dano.

A Jurisprudência tende a defender dever-se confiar no prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade, todavia, seja qual for o critério norteador (já que todos os critérios seguidos não são vinculativos, são meramente indiciários), haverá que ter sempre presente a figura da equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, de forma que se tenha em conta, mais uma vez sublinhamos, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.

Como calcular, então, o quantum indemnizatório, para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura?

Revertendo ao caso sub iudice, resulta adquirido processualmente que o Autor/AA nasceu no dia 29 de Maio de 1999 (item 14 dos Factos Provados); padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 46 pontos (item 58 dos Factos Provados); as sequelas de que ficou a padecer são compatíveis com o exercício da actividade de estudante do Autor/AA, implicando esforços suplementares (item 59 dos Factos Provados); sequelas que, no entanto, condicionarão, de forma indelével as suas opções profissionais futuras (item 60 dos Factos Provados); sendo que a respectiva repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 4/7 (item 61 dos Factos Provados), a par de que o Autor/AA ingressou, em Setembro de 2017, no curso de licenciatura em …, no Instituto Politécnico …. (item 61 dos Factos Provados).

No cálculo da indemnização para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura impõe-se considerar que o Autor/AA irá, previsivelmente, iniciar o seu percurso profissional aos 25 anos de idade, pelo que, sendo a esperança média de vida para os cidadãos nacionais do sexo masculino de 78 anos, a indemnização a arbitrar deverá abranger a perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA, durante os 53 anos previsíveis em que irá viver, encontrando-se afectado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 46 pontos, sem deixar de salientar que o montante indemnizatório a arbitrar, pela perda da capacidade aquisitiva futura, irá ser entregue de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la, em termos financeiros, impondo-se considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa da responsável civil, ora Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, condizente a uma taxa de juro de 1%, julgada equitativa e ajustada, na linha do rendimento do capital, aplicado em produto sem risco.

Anota-se que este Tribunal ad quem sufraga o entendimento das Instâncias quanto ao valor a ter como por referência, no cálculo da indemnização para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA, tendo o Tribunal recorrido, consignado a propósito “(…) o curso académico frequentado pelo apelado AA – e… -, insere-se no ramo das novas tecnologias, em que não se antevê que, uma vez terminado, o lesado se irá debater com dificuldades em arranjar emprego. Precise-se ainda que movendo-nos no campo da previsibilidade, embora seja certo que o ingresso num curso universitário não seja sinónimo de que a pessoa irá necessariamente concluir esse curso, o razoável é que se preveja que essa conclusão irá efetivamente acontecer, por ser essa a situação normal. (…) Insurge-se a apelante quanto ao facto de no cálculo daquela indemnização o tribunal a quo ter calculado a mesma por referência a um salário anual de 1.200,00 x 14 meses, defendendo que esse cálculo devia antes ser feito tendo em consideração o salário mínimo nacional ou, em última instância, a remuneração base média mensal última conhecida, mas sem razão.

Com efeito, mal estaria um engenheiro … que, ainda que acabado de sair da universidade, na altura em que o apelado AA irá previsivelmente iniciar a sua atividade profissional – o que acontecerá quando o mesmo atingir previsivelmente os 25 anos de idade -, não conseguisse, com relativa facilidade, granjear emprego que lhe assegurasse um índice salarial de 1.200,00 euros mensais, que é inferior a dois atuais salários mínimos nacionais.”

O cálculo do quantum indemnizatório, fixado para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura, tem, necessariamente, por base, critérios de equidade que assenta numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, que, de todo, colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.

Na Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par de um outro factor que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, ou da previsível actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as competências do lesado, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2014 (Processo n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015 (Processo n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (Processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Abril de 2016 (Processo n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1), e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 (Processo n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1), in, www.dgsi.pt.

Convertendo o enunciado enquadramento numa fórmula matemática, tão só orientadora, que conjuga os critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, já adiantados, alcançamos um quantum indemnizatório orientador, fixado para reparação pela perda da capacidade aquisitiva, relativamente ao Autor/AA [(€1.200,00 x 14 meses x 53 anos) x 0,46) x 1%], condizente ao valor de €405.448,16 (quatrocentos e cinco mil, quatrocentos e quarenta e oito euros e dezasseis cêntimos).

Encontramos assim, uma orientação para o cálculo do montante indemnizatório pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, a aferir segundo um juízo de equidade, tomando em consideração os vertidos critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, ou seja, sem deixar de considerar que a arbitrada indemnização para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura, deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado deixará de perceber em razão da perda da capacidade aquisitiva futura e que se extingue no termo do período de vida, atendendo-se, para o efeito, à esperança média de vida do lesado; sabendo que as tabelas matemáticas, por vezes usadas para apurar a indemnização, têm um mero carácter indicativo, não substituindo, de modo algum, sublinhamos, a ponderação judicial com base na equidade; que no cômputo da indemnização não se deve deixar de considerar a natural evolução dos salários; e ponderando-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, importando introduzir um desconto no valor achado, condizente ao rendimento de uma aplicação financeira sem risco.

Sublinhamos, por outro lado, repristinando o consignado no precedente segmento, que a propósito da fixação de indemnização com recurso à equidade (como é o caso, os Autores insurgem-se, contra a arbitrada indemnização pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, considerando-a desajustada, por pecar por defeito), a Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça vai no sentido de que se “o STJ é chamado a pronunciar-se sobre o cálculo de uma indemnização assente em juízos de equidade, não lhe compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão-somente a verificação exacta acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo”, neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2013 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2015, in, www.dgsi.pt, acentuando a nossa Jurisprudência que “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito”; [pelo que o STJ] se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar […], mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”, neste sentido, entre muitos outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 2010, e de 8 de Junho de 2017, in, dgsi.pt.

Tudo visto, entende este Tribunal ad quem, atenta a diferença significativa dos valores encontrados, por este Tribunal ad quem, em relação aqueloutro arbitrado pelo Tribunal a quo, uma vez levado a cabo um juízo equitativo, na medida em que estamos a apreciar um prejuízo decorrente da perda de capacidade aquisitiva futura, que não se não pode quantificar, em termos de exactidão, impõe-se a alteração do decidido no acórdão recorrido.

Importa, no entanto, considerar que os Recorrentes/Autores/AA e BB, conquanto sustentem que o quantum indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda da capacidade aquisitiva futura (considerando os critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, enquadrados no juízo de equidade que importa ao Tribunal), bem poderia ser calculado a partir do valor base de, pelo menos, €401.552,94 (quatrocentos e um mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e noventa e quatro cêntimos), conformam-se com o arbitramento, ao Autor/AA, da quantia de €390.000,00 (trezentos e noventa mil euros), fixado em 1ª Instância, que, em sua opinião, deverá ser mantido.

Assim, na procedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão, pelos Recorrentes/Autores/BB e AA, neste particular atinente ao quantum fixado a título de indemnização pela perda de ganho futuro do Autor/AA, reconhecemos às mesmas virtualidades no sentido de alterarem o destino da demanda, e, nessa medida, merecendo censura, revoga-se o aresto em escrutínio, também na concreta alínea do respectivo dispositivo, condenando-se, assim, a Ré/CC PLc a pagar ao Autor/AA, a reclamada quantia de €390.000,00 (trezentos e noventa mil euros), a título de indemnização pela perda de ganho futuro.


Da Recorrente Ré/CC PLc


II. 3.1.1 Considerada a facticidade adquirida processualmente, divisamos errada subsunção jurídica da mesma, na medida em que os valores atribuídos a título de indemnização/compensação são inadequados ao caso sub iudice, designadamente:

a) O quantum fixado pela compensação pela perda do direito à vida, é desajustado, não devendo ser superior a €80.000,00 (oitenta mil euros)?

b) O quantum fixado a título de indemnização pela perda de ganho futuro do Autor/AA, deverá ser diverso, para menos, daqueloutro decretado no acórdão recorrido? (2)

Debrucemo-nos, agora, sobre a questão que contende com a condenação da Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal no pagamento aos Autores/BB e AA, da quantia de €100.000,00 (cem mil euros), para compensação do dano de morte e correspondente lesão do direito à vida do GG, marido e pai, respectivamente, da Autora/BB e Autor/AA.

Com base no regime estatuído no direito substantivo civil - art.º 496°, n.º 2, do Código Civil - a Jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça, admite a atribuição de compensação pecuniária pelo dano de morte e correspondente lesão do direito à vida.

No desenvolvimento do que vimos de discorrer, temos que o direito substantivo civil determina que funcione o critério da equidade, dentro do condicionalismo referido nos artºs. 494º e 496º do Código Civil, na compensação do dano de morte e correspondente lesão do direito à vida.

Não tendo a vida um preço, não será legítimo fazer qualquer distinção para valorar, mais ou menos, a vida de uma pessoa à de qualquer outra.

Porém, em razão da necessidade de atribuir uma indemnização pela sua perda, temos que considerar que ela, não só tem um valor de natureza - igual para toda a gente - mas também um valor social, uma vez que o homem é um ser em situação.

Assim, temos que enfrentar o valor da vida em termos muito relativos, utilizando a equidade e o bom senso, na respectiva determinação, encarando a vida que se perde na função normal que desempenha na família e na sociedade em geral, no papel singular que realiza na sociedade, assinalado por um valor de afeição mais ou menos forte.

Neste caso, há que ponderar que, atentar contra o respeito à vida produz um dano - a morte - superior a qualquer outro, no plano dos interesses da ordem jurídica, sem esquecer que a reparação desse dano assume uma natureza mista, visando não só reparar o prejuízo, como também punir a conduta do autor dessa lesão máxima da personalidade, que é a sua própria extinção.

Do enquadramento feito, conquanto se reconheça que a vida não tem um preço, não fazendo sentido, equacionar a valoração, para mais ou menos, da vida de uma pessoa à de qualquer outra, temos de admitir que, em razão da necessidade de atribuir uma indemnização pela sua perda, temos que aceitar que a vida, não só tem um valor de natureza - igual para toda a gente - mas também um valor social, uma vez que o homem é um ser em situação, levando-nos a encarar o valor da vida em termos muito relativos, donde, fácil se torna reconhecer que este Tribunal ad quem, não acompanha o entendimento que parece resulta das doutas alegações de recurso da Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, ao sustentar que, quanto ao valor do dano morte, está encontrado, na sequência dos incêndios de 2017, um valor unívoco e igual para todos, que será de €80.000,00 (oitenta mil euros).

O recurso à equidade para a determinação da indemnização a atribuir como compensação pecuniária do dano de morte e correspondente lesão do direito à vida, implica a procura de uma uniformização de critérios naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.

No que tange aos critérios indemnizatórios relativamente à compensação do dano de morte e correspondente lesão do direito à vida, seguimos de perto a breve enunciação consignada, a propósito, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Novembro de 2016 (Processo n.º 6/15.5T8VFR.P1.S1), in,www.dgsi.pt, reproduzido, por sua vez, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Processo n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1) de 16 de Março de 2017: “A jurisprudência portuguesa foi, durante muito tempo, extremamente avara quando se tratava de determinar a indemnização correspondente a este tipo de dano, mas verificou-se, nesse campo, um salto qualitativo, com o progressivo aumento do montante indemnizatório pela perda do direito à vida. Isso mesmo se constata através do teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2002, acessível em www.dgsi.pt, onde se mencionam vários outros arestos do mais Alto Tribunal, fixando a indemnização pelo dano morte entre €40 000,00/8.000.000$00 e €50 000,00/10.000.000100. Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os €50 000,00 e €80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00 (cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.0TBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.).”

Cotejado o caso sub iudice constata-se que o falecido, GG, tinha 33 anos, sendo a Autora/BB e o Autor/AA, respectivamente, mulher e filho, do falecido, GG, que era a principal fonte de rendimentos do agregado familiar, uma vez que a sua mulher, auferia um rendimento, cerca de metade do percebido pelo GG.

O GG era uma pessoa saudável, exercia funções na …, como militar, desde 2003, e à data do óbito, tinha o posto de …, auferindo uma remuneração mensal, líquida média de €1.000,00, e auferia subsídios de férias e de natal.

O GG preocupou-se sempre com o bem-estar dos Autores e, mesmo quando esteve a prestar serviço em Lisboa, sempre que podia deslocava-se a … para os apoiar e acompanhar o crescimento do seu filho, sendo que os Autores sentiam estima, consideração, amizade e admiração pelo GG, sendo que na sequência do falecimento do GG, sentiram uma profunda tristeza, tendo passado noites sem dormir e receberam apoio psicológico.

Outrossim, está pacificamente aceite nos autos que o GG, veio a falecer em consequência das lesões e sequelas que sofreu no ajuizado acidente de viação, para a qual em nada contribuiu, e que antes é de imputar à negligência grosseira do condutor do veículo seguro pela Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal.


O correspondente valor compensatório há-de ser calculado com base em critérios de equidade que assente numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida e que não colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.

Como já adiantamos, tendo as Instâncias fixado uma indemnização de €100.000,00 (cem mil euros), como compensação do dano de morte e correspondente lesão do direito à vida do GG, e tratando-se de uma indemnização fixada segundo a equidade, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma “questão de direito”, importa, essencialmente, num recurso de revista, verificar se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis, neste sentido, entre muitos outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2017, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 2010, acessíveis, in, dgsi.pt.

Assim, confrontada a facticidade apurada nestes autos, acima enunciada, e assumindo uma ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida e que não colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, tidos em consideração em toda a Jurisprudência acabada de consignar, reconhece este Tribunal ad quem, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade, e, atenta a diferença significativa dos valores encontrados, por este Supremo Tribunal de Justiça, enquanto Tribunal ad quem, como indemnização pela compensação do dano de morte e correspondente lesão do direito à vida do GG, relativamente ao arbitrado pelo Tribunal a quo, impõe-se a alteração do decidido no acórdão recorrido, fixando-se o quantum indemnizatório pela compensação do dano de morte e correspondente lesão do direito à vida do GG, tendo em conta todas aquelas circunstâncias e considerando, a par do valor aquisitivo do dinheiro na actualidade, utilizando a equidade e o senso comum, entendemos ser o valor de €80.000,00 (oitenta mil euros) o mais ajustado para compensação da perda do direito à vida do GG.

Pelo exposto, na procedência do reclamado nas conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão, pela Recorrente/Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, impõe-se alterar, também neste particular, o destino da demanda, e, nessa medida, merecendo censura, neste segmento do dispositivo, revoga-se o aresto em escrutínio, e em consequência condena-se a Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal no pagamento aos Autores/BB e AA, da quantia de €80.000,00 (oitenta mil euros) para compensação do dano de morte e correspondente lesão do direito à vida do GG, marido e pai, respectivamente, da Autora/BB e Autor/AA.

b) O quantum fixado a título de indemnização pela perda de ganho futuro do Autor/AA, deverá ser diverso, para menos, daqueloutro decretado no acórdão recorrido? (2)

Diverge a Recorrente/Ré/CC PLc dos critérios seguidos no acórdão recorrido para a determinação do quantum indemnizatório, fixado pela perda de ganho futuro do Autor/AA, sustentando que a perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA, na falta de dados, quanto a salário que virá a auferir, concluído o seu curso superior, deverá ser fixada, lançando mão do salário médio mensal, e não de qualquer outro, por ser sempre fictício ou arbitrário, donde, a referida indemnização será de €217.591,50 (duzentos e dezassete mil, quinhentos e noventa e um euros, e cinquenta cêntimos), e não aqueloutra quantia arbitrada pelo Tribunal recorrido que, pese embora, reconhecendo o operado juízo de equidade, atribuiu ao Autor/AA a indemnização, pela perda da capacidade aquisitiva futura, de €320.000,00 (trezentos e vinte mil euros).

A este propósito, importa considerar tudo quanto se consignou no precedente item II. 3.1. b), atinente ao conhecimento da questão colocada no recurso de revista interposto pelos Autores/BB e AA (O quantum indemnizatório fixado pelo chamado “dano biológico” do Autor/AA, é desajustado, impondo-se arbitrar um valor superior ao fixado no acórdão recorrido?), enunciando-se no aludido segmento, e passamos a reproduzir “Considerando que a Recorrente Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, no recurso subordinado apresentado, também se insurge contra o arbitrado quantum indemnizatório, fixado pela perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA, sustentando que o mesmo peca por defeito (questão a resolver, e enunciada no precedente item II. 1. 1.), julgamos de toda a conveniência a apreciação conjunta das questões formuladas pelos Recorrentes/Autores/AA e BB e pela Recorrente/Ré/CC PLc que, ao cabo e ao resto, se confundem, considerando aqueles (Recorrentes/Autores/AA e BB) que o quantum indemnizatório fixado pela perda de ganho futuro, peca por defeito, ao passo que esta (Recorrente/Ré/CC PLc) entende que a arbitrada indemnização, peca por excesso, aludindo ao facto de que a indemnização pela perda de ganho futuro do Autor/AA, na falta de dados, quanto a salário que virá a auferir, concluído o seu curso superior, deverá ser fixada, lançando mão do salário médio mensal e não de qualquer outro, por ser sempre fictício ou arbitrário).

Assim, a presente questão já se encontra apreciada no precedente segmento II. 3.1. b), pelo que, nos quedamos aqui, reiterando tudo quanto a propósito se consignou, sendo despiciendo, em nossa opinião, reproduzir o enquadramento fáctico e jurídico, elaborado, sem deixar de concluir, contudo, pela improcedência da argumentação aduzida, neste particular, pela Recorrente Ré/CC PLc.

Tudo visto, na procedência do recurso principal interposto pelos Autores/BB e AA, e improcedência, neste particular, do recurso subordinado interposto pela Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, sublinha-se a revogação do acórdão recorrido, nesta concreta alínea do respectivo dispositivo, e em consequência, condena-se a Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal a pagar ao Autor/AA, a quantia de €390.000,00 (trezentos e noventa mil euros), a título de indemnização pela perda de ganho futuro do Autor/AA.



IV. DECISÃO


Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam parcialmente  procedente o recurso principal, interposto pelos Recorrentes/Autores/BB e AA, e parcialmente procedente o recurso subordinado da Recorrente/Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, concedendo-se parcialmente a revista principal, e, concedendo-se parcialmente, a revista subordinada.

Assim, acordam os Juízes que constituem este Tribunal:

1. Em julgar parcialmente procedente o recurso de revista interposto pelos Recorrentes/Autores, concedendo-se parcialmente a revista, impondo-se revogar a parte decisória do acórdão recorrido, que fixou a indemnização à Autora/BB em €220.000,00 (a descontar €85.337,24), e ao Autor/AA, a indemnização de €50.000,00 (a descontar €9.957,24), pela frustração alimentar, sofrida com a morte de GG, substituindo-a por outra, condenando a Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, a indemnizar a Autora/BB, a título de indemnização pela frustração de alimentos, em consequência do falecimento do seu marido, GG, na quantia de €204.662,76 (já descontados €85.337,24)), e a indemnizar o Autor/AA, a título de indemnização pela frustração de alimentos, em consequência do falecimento do seu pai, GG, a quantia de €46.542,76 (já descontados €9.957,24), acrescidas de juros moratórios, à taxa legal, vencidos desde o trânsito desta decisão; outrossim, revoga-se o aresto em escrutínio, também na concreta alínea do respectivo dispositivo, ao condenar a Ré/CC PLc a pagar ao Autor/AA, a quantia de €320.000,00, a título de indemnização pela perda de ganho futuro do Autor/AA, substituindo-a por outra, condenando a Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal a pagar ao Autor/AA, a quantia de €390.000,00, a título de indemnização pela perda de ganho futuro do Autor/AA, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, vencidos desde o trânsito desta decisão.

2. Em julgar parcialmente procedente o recurso subordinado da Recorrente/Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, concedendo-se, parcialmente, a revista subordinada, revogando-se o aresto em escrutínio, também na concreta alínea do respectivo dispositivo, ao condenar a Ré/CC PLc a pagar aos Autores/BB e AA, a quantia de €100.000,00, pela compensação do dano de morte e correspondente lesão do direito à vida do GG, marido e pai, respectivamente, da Autora/BB e Autor/AA, substituindo-a por outra que condena a Ré/CC PLc a pagar aos Autores/BB e AA, a quantia de €80.000,00, pela compensação do dano de morte e correspondente lesão do direito à vida do GG, marido e pai, respectivamente, da Autora/BB e Autor/AA, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, vencidos desde o trânsito desta decisão, bem como, condena-se a Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, a pagar ao Autor/AA, a quantia de €390.000,00, a título de indemnização pela perda de ganho futuro do Autor/AA, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, vencidos desde o trânsito desta decisão, nos termos já fixado na precedente alínea deste dispositivo, e que aqui se sublinha, porquanto foi objecto do recurso de revista subordinado, apreciado conjuntamente com o recurso principal.

3. Mantém-se, em tudo o mais, o acórdão recorrido.

4. Custas do recurso principal de revista, pelos Recorrentes/Autores/BB e AA e pela Recorrida/Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal, na proporção do respectivo vencimento e decaimento, sendo as custas do recurso subordinado de revista, pela Recorrente/Ré/CC Insurance Plc - Sucursal em Portugal e pelos Recorridos/Autores/BB e AA, na proporção do respectivo vencimento e decaimento.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Abril de 2019


Oliveira Abreu (Relator)

Sacarrão Martins

Nuno Pinto Oliveira