Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10833/17.3T8PRT-A.P1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO INTERLOCUTÓRIO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
OFENSA DO CASO JULGADO
INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO ADMITIDO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DECISÕES QUE ADMITEM RECURSO.
Doutrina:
- José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V — Artigos 658.º a 720.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, p. 173-180;
- José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, p. 754-757;
- Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 546.º-1085.º, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, p. 219-229.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 629.º, N.º 2, ALÍNEA D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 03-02-2011, PROCESSO N.º 190-A/1999.E1.S1;
- DE 26-04-2012, PROCESSO N.º 289/10.7TBPTB.G1.S1;
- DE 23-06-2016, PROCESSO N.º 1248/14.6YRLSB.S1.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 01-06-2015, PROCESSO N.º 1327/11.1TBAMT.B.P1;
- DE 10-11-2016, PROCESSO N.º 1011/14.4TBALM.L12;
- DE 11-10-2017, PROCESSO N.º 1974/16.5T8PNF-A.P1.
Sumário :
Não há oposição relevante para efeitos do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil entre o acórdão da Relação que julga que a caducidade do direito de acção não justifica a oposição à remessa dos autos para o tribunal competente e o acórdão da Relação que julga que o prejuízo para o direito de defesa do Réu justifica a oposição à remessa.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


         

   1. AA - Engenharia, S.A. — anteriormente designada BB - Construtora, S.A.. — com sede na Av. …, n.º …, …, …, …, demandou BB & Filhos, S.A., com sede em …, …, … …, perante Tribunal Arbitral, concluindo que devia


i) Reconhecer este Tribunal que a Requerente AA, na qualidade de subempreiteiro, é credora dos ACE’s no montante de 858.557,84€ e 20.327.097,42 Dirhams (1.847.917,95€ à taxa de câmbio de 01 Euro -11,00 Dirhams);

ii) Condenar a Requerida BB, na qualidade de agrupada dos ACE’s, a reconhecer que a AA, na qualidade de subempreiteiro, é credora dos ACE’s no referido montante de 858.557,846 e 20.327.097,42 Dirhams (1.847.917,95 € à taxa de câmbio de 01 Euro = 11,00 Dirhams);

iii) Decretar a exclusão da Requerida BB de ambos os ACE’s;

Subsidiariamente ao pedido formulado em iii):

iv) Substituir-se à BB e seus representantes, no sentido de delegar em pessoas designadas pela AA os poderes para, por si só, vincular os ACE’s em todas as matérias a estes respeitantes, nomeadamente no que concerne (i) a  resolução das contingências fiscais, (ii) a negociação, interpelação e.'ou demanda da CC, no sentido de esta liquidar juntos dos ACEs aos pagamentos em falta, inchando a escolha dos mandatários, (iii) a negociação, interpelação e/ou demanda das entidades bancárias nas quais os ACEs abriram conta, no sentido de desbloquearem a movimentação das contas bancárias, e (iv) a abertura e movimentação de novas contas bancárias, caso tal se revele necessário, para as quais possam ser transferidos os montantes a liquidar pela CC;

Subsidiariamente ao pedido formulado em iv):

v) Nomear pessoa idónea, que actue nos órgãos dos ACEs em substituição dos representantes ou pessoas nomeadas pela BB, desempenhando as funções que cabem a pessoas nomeadas pela BB, para o que a Requerente desde já sugere a abordagem ao Senhor Dr. DD, representante do AICEP junto do Reino de Marrocos;

vi) Instruir a pessoa nomeada no sentido de, conjuntamente com as pessoas nomeadas pela AA, diligenciar deforma célere e eficaz no sentido da resolução dos bloqueios expostos no capitulo 15. desta petição, nomeadamente praticando os actos especificados no pedido anterior;

Em qualquer caso:

vii) Condenar a BB no pagamento de indemnização pelos danos causados à AA, em montante a liquidar em sede de execução da sentença arbitral;

viii) Reconhecer à AA o direito de fazer suas as quantias devidas pelos ACEs à BB, até ao limite da indemnização a pagar pela BB à AA, nos termos e ao abrigo do estipulado no artigo 9", n. ° 3, dos Estatutos dos ACE’s;

ix) Condenar a BB no pagamento das custas e procuradoria condigna.


  2. A Demandada BB & Filhos, S.A.. contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção, e deduzindo reconvenção.


  3. Findos os articulados, fixados os factos não controvertidos e os temas de prova, a Demandada BB & Filhos, S.A., requereu prova pericial de engenharia.


   4. Em 26 de Agosto de 2019, o Tribunal Arbitral pronunciou-se sobre o requerimento nos seguintes termos:


9. O Tribunal Arbitral verifica que alguns dos quesitos agora formulados pela Demandada, no âmbito da perícia de engenharia, pressupõem a deslocação ao local da obra, sito no Reino de Marrocos, para que os peritos possam dar cabais respostas aos mesmos.

A DEMANDANTE, a propósito do Tema 60, alude a que a resposta a certos quesitos pressuporia "a realização de testes invasivos às estruturas levantadas no âmbito das empreitadas, o que, é fácil de antecipar, a CC, com razão, não permitirá". Em sua opinião o requerimento da DEMANDADA estaria afeto de "falta de noção de proporcionalidade”.

O Tribunal Arbitral entende que, sendo em abstracto admissíveis tais quesitos, a admissão da perícia nesta parte suscita problemas sérios,

De facto, as Partes não regularam tal matéria no compromisso arbitral e, pelo que se vê, a DEMANDANTE considera desproporcionada a realização de uma perícia em Marrocos, aludindo a que certamente o Dono de Obra não permitirá a realização de testes invasivos nas estruturas erigidas no âmbito das empreitadas.

Ainda que não exista um intento dilatório por parte da DEMANDADA, a consequência da eventual realização de uma perícia em Marrocos acarretará sempre um atraso considerável na elaboração do relatório pericial de engenharia.

No intuito de salvaguardar o direito à prova das Partes, o Tribunal Arbitrai admite deferir a extensão da perícia Marrocos, nas seguintes condições

Ser a DEMANDADA a adiantar as provisões para honorários e despesas dos peritos engenheiros, incluindo as despesas de deslocação e estadia desses peritos em Marrocos;

Ser a DEMANDADA a obter previamente junto do Dono de Obra autorização para a deslocação dos peritos às instalações geridas pela CC ou por outra entidade pública marroquina, indicando à CC que tipos de atividades deverão ser levados a cabo por esses peritos;

Ser o prazo de perícia à frente indicado ampliado por 30 dias, improrrogáveis, ficando a parte da perícia a realizar em Marrocos sem efeito, se não puder ser concluída a tempo de permitir a apresentação do relatório em causa;

Ficar sem efeito a perícia, se a CC não permitir a realização de todas as atividades encaradas pelas Partes.

55. A DEMANDADA comunicará ao tribunal no prazo de 10 dias se está disposta a adiantar a provisão para honorários dos peritos engenheiros e para despesas de deslocação e estadia em Marrocos. Em caso de resposta afirmativa, disporá de mais 15 dias para documentar nos autos a autorização da CC para realizar, sem restrições, as perícias em lugares de aceso reservado em Marrocos.


   5. Em 24 de Setembro de 2015, a Demandada BB & Filhos, S.A., requereu que o Tribunal Arbitral deferisse a perícia dispensando-a de apresentar qualquer autorização do dono da obra, "por a mesma ser manifestamente desnecessária”.


  6. Em 7 de Outubro de 2015, o Tribunal Arbitral decidiu:


"Começar-se-á por notar que a Decisão de 26 de Agosto resolveu ama controvérsia sobre matéria probatória entre as Partes, dado que a Demandada pretendia que se realizasse parte da perícia em Marrocos, ao passo que a DEMANDANTE se opunha a tal realização. A resolução dessa controvérsia processual foi a de dar razão parcial à Demandada, deferindo condicionalmente o seu pedido.

Como notou a DEMANDANTE no requerimento referido no número anterior desta Decisão, a DEMANDADA não reclamou desse despacho, nem manifestou quaisquer reservas quanto ao seu teor precetivo, começando a dar-lhe execução.

Como não logrou demonstrar a anuência da CC para a deslocação ao local das obras em Marrocos no prazo concedido pelo Tribunal, pretende agora pôr em causa a Decisão de 26 de agosto, reabrindo a controvérsia que esta Decisão pretendeu resolver, nomeadamente ampliando os quesitos periciais aprovados.

E inadmissível tal pedido de reponderação, devendo considerar-se que a Decisão de 26 de agosto se tornou obrigatória nos autos de processo arbitrai, tendo formalmente transitado em julgado. Termos em que, sem outras considerações, se indefere o requerimento apresentado em 24 de setembro p.p. pela DEMANDADA, ficando sem efeito a deslocação a Marrocos dos Peritos Engenheiros.”


   7. A Demandada BB & Filhos, S.A., arguiu a nulidade do despacho de 7 de Outubro de 2015.


   8. A arguição de nulidades foi julgada improcedente.


  9. O Tribunal Arbitral proferiu acórdão, com o seguinte dispositivo:


“Nos termos e com os fundamentos expostos anteriormente, delibera o Tribunal Arbitral:

a) Julgar procedente e provado o primeiro pedido formulado pela Demandante AA - ENGENHARIA, S.A., com a ampliação introduzida na resposta à contestação-reconvenção, reconhecendo o Tribunal Arbitral que esta è credora, na qualidade de subempreiteiro, do ACE do Lote 3 nos montantes de 15.282.906,53 Dirhams, e 761.918,88 euros, e do ACE do Lote 2 nos montantes de 3.890.404,51 Dirhams e 749.679,34 euros, onde se incluem os valores de metade das compensações a haver do Dono de Obra, ou seja, globalmente 19.173.311,04 Dirhams (dezanove milhões, cento e setenta e três mil, trezentos e onze Dirhams e quatro cêntimos) e 1.511.598,34 euros (um milhão, quinhentos e onze mil, quinhentos e noventa e oito euros e trinta e um cêntimos), sem prejuízo do decidido na alínea e) infra;

b) Julgar procedente e provado o segundo pedido formulado pela mesma AA, condenando a Demandada BB & FILHOS. SA., na qualidade de agrupada dos ACE's dos Lotes 3e2,a reconhecer os valores dos créditos da AA, na qualidade de subempreiteiro dos mesmos ACE's constantes da alínea anterior, também sem prejuízo do decidido na alínea e) infra;

c) Julgar improcedentes e não provados os pedidos formulados pela Demandante AA indicados em terceiro lugar, os pedidos subsidiários formulados em quarto, quinto e sexto lugar, bem como parte dos pedidos formulados em sétimo lugar, e, na totalidade, o pedido formulado em oitavo lugar, deles absolvendo a Demandada BB;

d) Julgar parcialmente procedente um dos pedidos de condenação da Demandada BB & FILHOS, englobado sob a alínea vii) da conclusão da petição, no que toca ao pagamento a ser liquidado no futuro, em relação à parte que devia ser suportada por esta última nas comissões e encargos de garantias bancárias prestadas à CC por Bancos com sede em Portugal, por conta dos ACE's dos Lotes 3 e 2, de harmonia com o decidido infra, na alínea el) da Decisão, julgando-se improcedente na parte restante;

e) Julgar, segundo a equidade, parcialmente provado o pedido reconvencional formulado pela Demandada BB, no sentido de que lhe fosse reconhecido o direito a receber todas e quaisquer verbas do Dono de Obra, ou dos Bancos depositários de saldos dos ACE's dos Lotes 3 e 2 ou das Finanças marroquinas, determinando o seguinte:

e1) Todos os valores que venham a ser recebidos, através de pagamentos do Dono de Obra CC ou por levantamentos de contas bancárias pelos ACE 's, ou por força de eventuais restituições de verbas pelas Finanças marroquinas, deverão ser repartidos até aos montantes de 8.995,832,95 Dirhams (oito milhões novecentos e noventa e cinco mil, oitocentos e trinta e dois Dirhams e noventa e cinco cêntimos) e 356.807,96 ouros (trezentos e cinquenta e seis mil, , oitocentos e sete euros e noventa e seis cêntimos), nas proporções de 45% para a Demandante AA e de 55% para a Demandada BB, após a retirada de fundos para eventuais reembolsos de custas e encargos da arbitragem, bem como de reembolsos de montantes pagos a mais pela AA, a título de comissões e encargos de garantias bancárias vencidos e vincendos, observadas, a partir de 1 de janeiro de 2012, as proporções da execução de obra das duas empreitadas, em relação a ambas as subempreitadas, tal como constam do Documento A-147, ficando entendido que cada agrupada suportará, por metade, a percentagem imputada ao ACE do Lote 2 pelos trabalhos diretamente levados a cabo por este;

e2) Para além destes valores constantes da subalínea anterior, os montantes adicionais, a receber eventualmente do Dono de Obra ou dos Bancos depositários ou ainda das Finanças marroquinas, até ao limite de 15.000.000 de Dirhams (quinze milhões de Dirhams), deverá ser repartido entre a Demandante e a Demandada por aplicação das percentagens de 50% para a AA e de 50% para a JRF;

e3) Se vierem a ser recebidos pelos ACE 's montantes superiores ao somatório dos dois conjuntos de verbas acima discriminadas, os mesmos serão destinados a pagar os montantes de créditos da subempreiteiro AA reconhecidos pelo presente Acórdão;

e4) Qualquer montante que venha eventualmente a ser recebido para além das verbas indicadas nas alíneas anteriores, após a satisfação dos créditos da AA, será repartido entre Demandante e Demandada, na proporção de 50% para cada uma;

e5) As verbas recebidas em Dirhams poderão ser eventualmente convertidas em euros, nomeadamente para efeitos de cálculo dos limites acima referidos, à laxa de câmbio vigente na data do recebimento, observado o disposto na legislação cambial marroquina, sem prejuízo de pagamentos feitos em euros ao ACE do Lote 3 pela CC, à taxa cambial fixa constante do respetivo contrato de empreitada.

f) Julgar improcedentes e não provados os restantes pedidos reconvencionais formulados pela Demandada BB contra a Demandante reconvinda AA, absolvendo-se esta desses pedidos;

g) Fica consignado que, nas operações de repartição por força de um juízo de equidade, de verbas a receber em Marrocos pelos ACE's de quaisquer entidades marroquinas, serão imputadas à parte de cada uma das agrupadas as responsabilidades exigidas por terceiros credores que tenham dado origem a arrestos, bloqueios, penhoras ou medidas de congelamento semelhantes e que não tenham sido levantadas ou venham a ser levantadas, ficando entendido que as dívidas da BB MAROC que venham a gerar responsabilidades dos ACE's serão imputadas à BB & FILHOS, h) As custas do processo serão suportadas, na proporção de cinquenta e cinco por cento para a Demandada BB & FILHOS, e de quarenta e cinco por cento para a Demandante AA”.


   10. Em 24 de Fevereiro de 2017 a Demandada BB & Filhos, S.A., requereu a aclaração da decisão arbitral.


  11. Em 21 de Março de 2017, o Tribunal Arbitral indeferiu o requerimento da Demandada BB & Filhos, S.A., considerando não existir ambiguidade a aclarar ou rectificação a fazer.


   12. Em 19 de Maio de 2017, BB & Filhos, S.A., instaurou contra AA - Engenharia, S.A., no Juízo Central Cível do …, uma acção com processo ordinário, de anulação (i) da decisão arbitral de 23 de Janeiro de 2017, aclarada por acórdão de 21 de Março de 2017, notificado em 24 de Março de 2017, e (ii) do despacho de 7 de Outubro de 2015.


   13. Alegou, em síntese, que o Tribunal Arbitral incorreu em dois tipos de nulidade processual:


“— A primeira no momento em que indeferiu a prova pericial em Marrocos, requerida pela BB, já que impede a mesma de produzir prova, com a consequente nulidade quer do douto despacho de indeferimento, quer de todo o posterior processado;

— A segunda no momento em que proferiu o douto acórdão final, por se considerar competente para apreciar e decidir sobre matéria, a qual, com o devido respeito, não integrava o objecto sujeito à instância arbitral”.


   14. A Ré AA - Engenharia, S.A., contestou, deduzindo duas excepções.

        Em primeiro lugar, alegou que a acção deveria ter sido proposta no Tribunal da Relação.

       Em segundo lugar, alegou que o direito de acção tinha caducado, sustentando:

       I. — que a acção deveria ter sido instaurada no prazo de 60 dias a contar da notificação do acórdão arbitral, até 28 de Março de 2017, e que só foi instaurada em 19 de Maio de 2017; II. — que o pedido de aclaração do acórdão arbitral, apresentado pela aqui Autora apenas teve finalidades dilatórias, não podendo ter o efeito de protelar o início da contagem do prazo de propositura da acção de anulação.

       Finalmente, pronunciou-se no sentido de não haver nenhuma das alegadas nulidades processuais.


   15. A Autora BB & Filhos, S.A., respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência.


   16. Em despacho de 30 de Outubro de 2017, foi julgado incompetente em razão da hierarquia o Juízo Central Cível do …, absolvendo-se a Ré da instância.


    17. O despacho de 30 de Outubro de 2017 continha a seguinte passagem:


"Caso não seja interposto recurso da presente decisão, uma vez que a Autora afirma que, em caso de incompetência do presente tribunal, pediria a remessa dos autos para o Tribunal da Relação do Porto, ao abrigo do disposto no artigo 99", n°2, do C.P.C., remetam-se os autos para esse Tribunal Superior“.


18. Em 28 de Novembro de 2017 a Autora BB & Filhos, S.A., veio requerer "o aproveitamento dos articulados, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 99°, n° 2, do Código de Processo Civil, com a consequente remessa dos presentes autos para o venerando Tribunal da Relação do Porto."


   19. A Ré AA - Engenharia, S.A., deduziu oposição à remessa do processo ao Tribunal da Relação, alegando, em síntese:

   — que a intenção da Autora, ao instaurar a presente acção de anulação num tribunal que sabia não ser competente, foi manifestamente dilatória;

   — que a remessa dos autos nos termos requeridos pela Autora põe em perigo o direito da Ré ao processo equitativo em prazo razoável, prejudicando o seu direito de defesa;

   — que, “caso se entenda ser admissível a remessa dos autos para o Tribunal da Relação, tal equivaleria a uma nova instância com o aproveitamento dos articulados” e que “a Autora já não está em prazo para iniciar nova instância por ter decorrido o prazo de 60 dias, referido no n.º 6 do artigo 46.º da LAV, após a notificação da sentença arbitral”.


   20. A Autora BB & Filhos, S.A., respondeu, pugnando por que a oposição deduzida pela Ré fosse considerada injustificada.


   21. Foi proferido o seguinte despacho:


"Paga a multa em questão, todos os prazos foram cumpridos pelas partes — pedido de aproveitamento da ação com remessa para o tribunal competente e oposição a tal pedido —.

A Ré opõe-se à remessa dos autos para o tribunal competente alegando que está em causa a apreciação da caducidade do direito da Autora em poder impugnar uma decisão arbitral.

O artigo 99. °, n." 2, do C. P. C. permite que o Réu se possa opor ao pedido de remessa desde que apresente uma ‘oposição justificada’.

No caso, na contestação apresentada, já era deduzida a excepção de caducidade do direito da Autora em propor a presente acção — artigos 10,° a 23. °, da contestação —.

Sucede que ai se procurava, por um lado, ‘desmontar’ o prazo que aparentemente a Autora se queria fazer beneficiar (com um anterior pedido de esclarecimento da decisão) e que assim prolongou a contagem do prazo de caducidade pelo que a ação deveria ter sido interposta até 28/03/2017 e, por outro lado, tendo por base a data de interposição da ação (19/05/2017), alegando-se não ter relevância aquele pedido de esclarecimento por ter tido um único fim dilatório.

Com a absolvição da Ré da instância por incompetência absoluta deste tribunal, a instância extingue-se e nasce uma nova instância, no caso, no Tribunal superior existindo a pedida remessa (segue-se aqui de perto a argumentação aduzida no Ac. da R. P. de 01/06/2015, www.dgsi.pt).

Ora, assim sendo, a Ré passa a ter a possibilidade de se defender do modo diferente em relação a esta questão da caducidade pois a ação deixa de ter dado entrada em juízo em 19/05/2017 e passa a dar entrada já em 2018.

Ou seja, a contagem do prazo de caducidade pode ter uma nova perspetiva, considere-se ou não a existência de um pedido legitimo de esclarecimento da decisão arbitral (contados os sessenta dias alegados nos autos mesmo a contar do esclarecimento certamente que em 2018 já estão ultrapassados).

Assim, sendo a remessa para o tribunal competente uma vantagem concedida ao Autor mas que não pode prejudicar o Réu, no caso concreto, se fosse deferida, ficaria este impedido de poder alegar a caducidade da ação agora com novos contornos apesar de se estar perante uma nova instância processual o que para nós é uma oposição justificada ao pedido de remessa.

Assim, não se defere o pedido de remessa dos presentes autos ao Tribunal da Relação do Porto.

Custas do incidente a cargo da Autora com o mínimo de taxa de justiça.

Notifique.”


   22. A Autora BB & Filhos, S.A., interpôs recurso do despacho por que se indeferia o pedido de remessa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto.


    23. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:


1.º Vem o presente recurso interposto do, aliás muito douto despacho, melhor e já supra identificado, que, para além do mais, assim decidiu:

Assim, sendo a remessa para o tribunal competente uma vantagem concedida ao Autor mas que não pode prejudicar o Réu, no caso concreto, se fosse deferida, ficaria este impedido de poder alegar a caducidade da ação agora com novos contornos apesar de se estar perante uma nova instância processual o que para nós é uma oposição justificada ao pedido de remessa. Assim, não se defere o pedido de remessa dos presentes autos ao Tribunal da Relação do Porto.

Salvo o devido respeito por melhor opinião, sem razão. Senão vejamos,

2° O Tribunal, já por douta decisão de 30.10.2017 (Ref. 386168735), havia exarado que

Caso não seja interposto recurso da presente decisão, uma vez que a Autora afirma que, em caso de incompetência do presente tribunal, pediria a remessa dos autos para o Tribunal da Relação do Porto, ao abrigo do disposto no artigo 99°, n° 2, do CPC, remetam-se os autos para esse Tribunal Superior. ...,

Tendo tal decisão transitado em julgado.

Ora,

3º Nos termos do disposto no art, 620, nº 1 do CPC "As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo". E,

Nos termos do art. 613 do CPC, proferida a sentença (ou o despacho - art. 613, n° 3) Fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa.

4º Tal decisão transitou em julgado, razão pela qual (esgotado que estava o poder jurisdicional) o Tribunal nunca poderia reapreciar a questão (e muito menos em sentido inverso ao anteriormente decidido…!!).

5º Nem se diga que foi a aqui Recorrente que requereu a reapreciação da questão através do seu requerimento de 28.11.2017, desde logo por o fazer por mera cautela (seja no que concerne à validade daquela, seja no que respeita ao pagamento da respetiva taxa de justiça). Ou seja,

O ali requerido pretendia, tão só, prevenir (ou sanar...) qualquer eventual irregularidade do já decidido quanto a tal matéria pelo Tribunal.

6° Sendo certo que, perante tal pedido, ou o Tribunal não conhecia do mesmo (invocando que o seu poder jurisdicional se encontrava esgotado...), ou limitava-se a corroborar o já antes decidido, face ao caso julgado formal que se verificava na questão em concreto.

7º O Tribunal, de forma absolutamente inadmissível, fez "tábua rasa" do por si já decidido (com caso julgado formal), incorrendo, desde logo, na nulidade prevista no art. 615, n° 1, al. d/ do CPC.

8º Nem se diga que o anteriormente decidido pelo Tribunal (aos 30.10.2017), sempre violaria o princípio do contraditório (por a Ré não se ter pronunciado, previamente, sobre a possibilidade de aproveitamento dos articulados nos termos do disposto no art. 99,* 2 do CPC), em razão do que seria nula.

É que, em tal hipótese, a Ré deveria ter alegado a nulidade de tal decisão, o que não fez, deixando transitar a mesma.

9º Mas mesmo que assim não fosse, nunca tal eventual violação do contraditório poderia ter relevância (note-se quanto a esta questão em concreto o doutamente exarado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - Proc. 1011/14.4TBALM.L1-2, de 10.11.2016 -, supra extratado e que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais).

10° Termos em que,

A douta decisão recorrida incorreu na nulidade supra referida (a prevista no art. 615, nº 1, alínea d/ do CPC) e violou por deficiente interpretação e / ou aplicação o disposto no art. 99, n° 2, 613, n° 1, 620 e 621 todos do CPC, termos em que, sempre e de qualquer forma, deverá dar-se provimento ao presente recurso e a douta decisão anulada, ou pelo menos revogada, por esse Venerando Tribunal e substituída por outra que decida no sentido antes expendido.

Sem prescindir e subsidiariamente,

11º Prevenindo a hipótese de o Tribunal não aderir à tese supra expendida (no que não se concede e só se admite por mero dever de ofício), sempre importa salientar que a decisão aqui em crise sempre contrariara o disposto na lei.

12° Senão vejamos,

Como muito bem refere o já extratado e muito douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

(Proc. 108/14.4TBALM.L1.2 de 10.11.2016), ao Tribunal “a quo” estaria vedado o conhecimento da exceção de caducidade (depois de se ter considerando incompetente em razão da hierarquia, por douto despacho já transitado...) e, mesmo que tal conhecimento tenha sido realizado em termos meramente abstractos e /ou hipotéticos (como acontece no douto despacho recorrido), nunca o Tribunal poderia indeferir o requerido aproveitamento dos articulados com remessa do processo para o Tribunal competente.

Isto é;

Como vem estatuído na Lei (art. 99, n° 2 do CPC), face à declaração de incompetência material do Tribunal, pode o Autor requerer, no prazo de 10 dias, a remessa do processo ao Tribunal declarado competente;

Foi o que ocorreu nos autos;

O atendimento da oposição do Réu a tal aproveitamento e remessa pressupõe que tal oposição seja justificada, o que implica basear-se ela em motivo atendível, do qual resulte para o Réu uma diminuição dos direitos processuais que lhe assistem.

13° A questão do aproveitamento dos articulados é, desde logo, analisada por José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (em anotação ao aludido artigo 99) o que fazem nos seguintes termos (ressaltado nosso):

Sublinhe-se que, por este meio, o autor evita a inutilização do processo, mas não obvia à absolvição do réu da instância - o que, no aluai código, decorre inequivocamente da alusão ao trânsito em julgado da decisão sobre a incompetência absoluta -, pelo que no tribunal competente se inicia uma nova instância. ASSIM APROVEITAM-SE APENAS OS ARTICULADOS E OS ATOS PROCESSUAIS QUE ELES IMPLIQUEM (CITAÇÃO DO RÈU, NOTIFICAÇÕES. EVENTUAL DESPACHO LIMINAR OU PRÉ-SANEADOR), mas não os restantes aios praticados pelas partes OU pelo tribunal, nomeadamente as provas produzidas (sem prejuízo do artigo 421°), os despachos eventualmente proferidos (por exemplo, sobre o valor da acção) ou a tramitação de qualquer incidente.

14° Acresce que a prática de atos inúteis sempre será ilegal (art. 130 do CPC).

15° No caso dos autos e dado que a apreciação da caducidade (mesmo que duma forma hipotética e eventual) estava vedada ao Tribunal "a quo", este só poderia considerar injustificada a oposição apresentada pela Ré, deferindo, em consequência o requerido aproveitamento dos articulados, com a remessa do processo para o Tribunal da Relação do Porto.

16° Termos em que, Ao decidir como decidiu, a douta decisão recorrida, violou, desde logo por manifesta e Deficiente interpretação e / ou aplicação), para além do mais, o disposto no art. 99, n° 2, 130 e 608 todos do CPC, pelo que deve tal decisão ser anulada e substituída por outra que decida pelo deferimento do requerido aproveitamento dos autos e consequente remessa do processo para o Tribunal competente.

Sempre sem prescindir e subsidiariamente,

17° Não obstante e prevenindo a hipótese de assim se não entender (no que não se concede e só se admite por mero dever de oficio), sempre e de qualquer forma, o Tribunal "a quo" nunca poderia considerar como justificada a oposição deduzida pela Ré.

18° Na verdade,

Como se viu supra (e é unanimemente reconhecido jurisprudencialmente), o Réu só terá fundadas razões para se opor ao aproveitamento dos articulados e à remessa do processo quando os seus direitos processuais fiquem prejudicados em razão de tal aproveitamento (máxime, diminuição dos direitos de defesa).

19° No caso dos autos, o Tribunal "justifica" o indeferimento do aproveitamento dos articulados e remessa do processo para o Tribunal competente nos seguintes termos:

Assim, sendo a remessa para o tribunal competente tuna vantagem concedida ao Autor mas que não pode prejudicar o Réu, no caso concreto, se fosse deferida, ficaria este impedido de poder alegar a caducidade da ação agora com novos contornos apesar de se estar perante uma nova instância processual o que para nós é uma oposição justificada ao pedido de remessa.

Assim, não se defere o pedido de remessa dos presentes autos ao Tribunal da Relação do Porto.

Todavia,

O Tribunal esquece que a caducidade pode ser alegada em qualquer fase do processo, para além de poder ser apreciada oficiosamente (art. 333 do CC).

Ou seja,

A Ré nunca estaria impedida de poder alegar a referida caducidade (e mesmo que não a invocasse, ainda assim a poderia o Tribunal decretar "ex officio”).

20° Termos em que não só o Tribunal faz uma interpretação deficiente do disposto no art. 99, n° 2 do CPC, como incorre na nulidade prevista no art. 615, nº 1, alínea c/ do CPC (sendo certo que, atendendo à fundamentação do despacho recorrido e o disposto na lei, a decisão sempre seria ininteligível…).

21° Em conclusão,

A douta decisão recorrida incorreu na nulidade supra referida (prevista no art. 615, nº 1, alínea c/ do CPC) e violou por deficiente interpretação e / ou aplicação o disposto nos arts. 333 do CC e 99, n° 2 do CPC, termos em que, sempre e de qualquer forma, deverá dar-se provimento ao presente recurso e a douta decisão ser anulada, ou pelo menos revogada, por esse Venerando Tribunal e substituída por outra que decida no sentido antes expendido (ou seja, no sentido de ser admitido o requerido aproveitamento dos articulados, devendo o processo ser remetido ao Tribunal competente).

Por último, sempre sem prescindir e subsidiariamente

Mas ainda que assim não fosse e se considerasse que a questão da caducidade pudesse eventual e hipoteticamente prejudicar a Ré (inviabilizando a sua eventual alegação em Juízo...), no que não se concede, o certo é que tal interpretação e entendimento do disposto no art 99, n° 2 do CPC, sempre seria inconstitucional.

Senão vejamos,

23° Perante uma eventual decisão que considere o Tribunal incompetente em razão da matéria e tal ocorra depois de findos os articulados, é facultada ao Autor a possibilidade de requerer ao Tribunal o aproveitamento daqueles, com remessa do processo ao Tribunal competente, desde que o requeira no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado (art. 99, n° 2 do CPC).

24° No caso dos autos, tal aproveitamento foi requerido e o aludido prazo cumprido (designadamente através do requerimento de 28.11.2017).

Mas mais,

No caso dos autos a decisão de aproveitamento dos articulados, com remessa do processo para o Tribunal competente é da mesma data da decisão sobre a incompetência absoluta do Tribunal "a quo" (30.10.2017), tendo transitado em julgado.

25° Sucede que:

Não se pode esquecer que, com o aproveitamento dos articulados, a citação para os termos da ação se mantém, produzindo todos os efeitos (designadamente no que concerne à invocada caducidade);

Mas, mesmo que assim não fosse, não se poderia perder de vista o disposto no art. 279, nº 2 do CPC conjugado com o constante no art. 332 do CC;

Tudo para se concluir que, mesmo nesta sede subsidiária (de não se considerar a data de propositura da primeira ação e da citação da Ré como relevantes para efeitos da caducidade...), a data de interposição do requerimento de aproveitamento dos articulados (28.11.2017), sempre teria de ser entendida como a data em que se consideraria instaurada a nova ação.

26° Resultando do exposto ser incompreensível a referência realizada pelo Tribunal "a quo” quanto à nova data de interposição da ação ocorrer em 2018…!!!

27° Até porque,

A garantia fundamental de acesso à justiça, consagrada no artigo 20 da Constituição, impede que se criem dificuldades excessivas e materialmente injustificadas ou situações de indefesa - cfr. J. J. Gomes Canotilho; Vital Moreira - Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume 1 - 4."edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 416,

28° Termos em que, no caso em apreço, a interpretação adoptada pelo Tribunal "a Quo "consubstancia uma restrição despropositada e desproporcionada (senão mesmo arbitrária),

29° Ou seja,

Tal entendimento sempre impossibilitaria a Recorrente de prosseguir um direito que lhe assiste e utilizar uma faculdade que é legal e prevista na Lei, que o mesmo é dizer que consubstanciaria a violação expressa do princípio constitucional do livre acesso ao direito e tutela jurisdicional (art. 20 do CRP) e, ainda, do princípio da igualdade perante a Lei (art. 13 da CRP).

30° O momento determinante para a consideração da propositura da nova ação (no caso de se entender que a data de citação da Ré não releva para a apreciação da invocada caducidade, no que não se concede...) só poderia ser o do impulso processual - 28.11.2017 -, sendo que no caso concreto, face ao aproveitamento decidido pelo Tribunal aos 30.10.2017, só esta data pode ser considerada como a de propositura da nova ação.

31° A proceder a "visão e entendimento" do Tribunal recorrido, estar-se-á a precludir o direito inalienável da Autora recorrer ao Tribunal, no sentido de corrigir uma decisão arbitral manifestamente injusta (para além de se coarctar, de modo intolerável, o seu direito de acesso ao direito e à tutela judicial).

32º Da decisão posta em crise, resulta uma denegação do direito que assiste à Recorrente a um julgamento (também este) justo e equitativo, no qual se assegure a defesa dos seus direitos e interesses legalmente tutelados,

33° Assim,

Invocando a Recorrente, nas presentes alegações, a adopção pelo Tribunal recorrido de interpretações inconstitucionais de determinados preceitos legais, mostra-se necessário identificar a norma cuja interpretação se reputa de inconstitucional, mencionar a norma ou princípio constitucional que se considera infringido e justificativo de tal alegação e, ainda, as razões que, no plano constitucional, invalidam tal interpretação e impõem a sua “não aplicação" pelo Tribunal da causa, ou seja, qual o sentido que a determinadas normas foi atribuído do qual se extrai que, a ser correcta tal interpretação, então as normas que se consideram são inconstitucionais.

34° Para tanto,

Exara-se que a presente invocação de inconstitucionalidade tem em vista um eventual e futuro recurso a ser interposto ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da LOTC.

As normas cuja inconstitucionalidade, na interpretação que lhe é dada pelo Tribunal recorrido, se pretendem ver apreciadas são as seguintes:

O art. 99, 2 e art. 279, n° 2 ambos do CPC e ainda o art. 332 do CC, quando conjugadamente interpretados, no sentido defendido pela decisão recorrida, ou seja, de que:

Num processo como o dos autos, a data de citação do Réu para a ação, em primeira linha e, caso assim se não entenda, o requerimento a solicitar o aproveitamento dos articulados, com a consequente remessa do processo ao Tribunal competente, não traduz a data de propositura da nova ação, a qual só é apurada na data da efetiva remessa do processo ao Tribunal competente; Defendendo a Recorrente, respectivamente, que:

— Em primeira linha,

 — Do aproveitamento dos articulados resulta o aproveitamento dos atos processuais que eles impliquem necessariamente, em particular a citação do Réu, com a consequente fixação da data da propositura de uma nova ação ao abrigo do disposto no art. 99, n° 2 do CPC;

— Ou caso assim se não entenda (no que não se concede),

— Em segunda linha e subsidiariamente,

— O requerimento em que o Autor requeira a faculdade prevista no art. 99, n° 2 (aproveitamento dos articulados) fixa, para todos os efeitos legais, a data da propositura de uma nova ação, sendo que a data de propositura da mesma só pode ser considerada como a data em que tal é requerido e não a data em que o processo é efetivamente remetido ao Tribunal competente, assim cumprindo igualmente a hipótese prevista no arl. 279, n° 2 também do CPC e do disposto no art. 332 do CC, em razão do que a Autora mantém os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação da Ré.

35º A inconstitucionalidade antes invocada deriva dos seguintes preceitos legais:

— artigos 13, n° 1 (principio da igualdade), 18 n° 2 (restrição de direitos, liberdades e garantias), 20° n° 1 (princípio do acesso à justiça) e 204 (respeito petas princípios expressos na Constituição).

36° As referidas inconstitucionalidades são invocadas na primeira oportunidade processual pois que só agora (e ainda assim apenas indiciariamente) as questões antes referidas foram levantadas nos autos.

37° Termos em que, aqui se deixam alegadas para todos os efeitos legais as invocadas Inconstitucionalidades.

38° Assim,

Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e / ou aplicação o disposto no art. 332 do CC, nos arts. 4, 7, 99, n° 2, 279, nº 2 e 411 todos do CPC, incorrendo e evidenciando, ainda, entendimento ferido de inconstitucionalidade, por violação do disposto nos arts. 13, 18, 20 e 204 da CRP.

39º Termos em que,

Deve dar-se provimento ao presente recurso, em consequência do que o douto despacho recorrido deve ser anulado, ou pelo menos revogado e substituído por outro, que decida nos sentidos antes propalados, com todas as consequências da Lei.

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.


   24. A Ré AA - Engenharia, S.A., respondeu às alegações, pugnando pela improcedência do recurso.


  25. O Tribunal da Relação do Porto, por unanimidade e sem fundamentação essencialmente diferente, julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão da 1.ª instância.


  26. A Autora BB & Filhos, S.A., interpôs recurso de revista excepcional.


  27. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:


D. DAS CONCLUSÕES

D.1. QUESTÃO PRÉVIA – DOS REQUISITOS DA REVISTA EXCECIONAL

1º A presente Revista Excecional incide sobre o Acórdão proferido pela Relação do Porto datado de 29.01.2019.

2º O art. 672 do CPC prevê a figura da revista excecional, quando se verificar qualquer uma das hipóteses ali previstas.

3º No presente caso, verificam-se todas estas exceções, pelo que o presente Recurso de Revista Excecional só pode vir a ser admitido.

Senão vejamos:

D.1.1. DA QUESTÃO CUJA APRECIAÇÃO, PELA SUA RELEVÂNCIA JURÍDICA, É CLARAMENTE NECESSÁRIA PARA UMA MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO

4º No presente caso, estamos perante uma questão “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, [é] claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” (art. 672, n.º 1, al. a) do CPC).

5º In casu, a Relação entendeu que, transitada em julgado a decisão que julgou verificada a incompetência do Juízo Central Cível do Porto em razão da hierarquia, absolvendo a Ré da instância, com a remessa do processo ao tribunal competente (ao abrigo do disposto no art. 99, n.º 2, do CPC), se iniciaria neste uma nova instância.

6º Mais entendeu que a invocação pela Ré da caducidade do direito de ação constituiria “oposição justificada” à remessa do processo ao Tribunal em que a ação deveria ter sido proposta.

7º Pensa-se, sinceramente que erroneamente, isto porque:

— Alcança tal conclusão por força da interpretação (pensa-se que errónea) que faz, nomeadamente, do disposto no art. 99, n.º 2, do CPC;

— Inexplicavelmente, declara competente para se pronunciar sobre a caducidade do direito de ação da Autora (assim como para indeferir um pedido de aproveitamento de articulados e de remessa de processo ao Tribunal competente), um Juízo que já havia determinado a sua própria incompetência absoluta em razão da hierarquia, por despacho transitado em julgado;

— Considera justificada a oposição da Ré ao aproveitamento de articulados quando esta, na verdade, tem a possibilidade de se defender abertamente na nova instância, arguindo, nomeadamente, a invocada exceção dilatória da caducidade.

8º Tais interpretações não se podem aceitar sem mais, por totalmente “inovadoras”, sendo doutrinal e jurisprudencialmente discutíveis, sendo certo que, aderindo-se à tese do Venerando Tribunal “a quo”, o regime de aproveitamento dos articulados corre o risco de ser totalmente subvertido, passando a permitir-se que o Tribunal “surja em socorro de uma parte” (Ré), por (alegadas) razões de equidade, quando a Lei lhe retira essa faculdade (e a ser assim, o intérprete arrogar-se-ia o poder de revogar o Direito, como se fosse legislador, em manifesta violação do princípio da tripartição do poder soberano).

9º Deste modo, são proveitosas a análise e decisão, pelo Venerando Tribunal “ad quem”, das seguintes questões:

— Pode um Tribunal que, por despacho transitado em julgado, se julgou absolutamente incompetente em razão da hierarquia, deferindo a remessa dos autos ao Tribunal competente e esgotando o seu poder jurisdicional, indeferir, na sequência de posterior oposição deduzida pela Ré, o mesmo pedido de remessa?

— Declarada a incompetência absoluta de um Tribunal, pode este conhecer de uma exceção perentória invocada para efeitos de oposição à remessa, que implica a absolvição da Ré do pedido, como a caducidade do direito de ação?

— Declarada tal incompetência absoluta, qual o momento determinante para a consideração da propositura de uma nova ação?

10º Tais questões, consubstanciam e traduzem-se (claramente) em questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, [é] claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, então não se vislumbra o que possa desempenhar esse papel.

Sem prescindir,

D.1.2. DOS INTERESSES DE PARTICULAR RELEVÂNCIA SOCIAL

11º In casu, o indeferimento do pedido de remessa do processo para um Tribunal competente, em evidente contradição com anterior declaração de incompetência absoluta e deferimento da remessa proferido pelo mesmo Juízo (decisões estas transitadas em julgado), constitui não só uma crassa violação do princípio do caso julgado, como do direito constitucionalmente consagrado de acesso ao Direito e a uma tutela jurisdicional efetiva.

12º O não aproveitamento de articulados nestas situações, mina a confiança dos cidadãos no andamento dos seus processos, a sua tranquilidade e a sua fé no ordenamento jurídico (afrontando grosseiramente, o princípio e objetivo de se prosseguir e alcançar a justiça material…).

13º O que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

Sempre sem prescindir,

D.1.3. DA CONTRADIÇÃO ENTRE ACÓRDÃOS

14º No que diz respeito às supramencionadas matérias, é evidente a existência de oposição de julgados.

15º Para assim se concluir, basta a análise, em confronto com o Acórdão recorrido, da decisão do Tribunal da Relação, já transitada em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre as mesmas questões fundamentais de Direito, que agora se apresenta como “Acórdão Fundamento” (e cuja cópia se junta com o presente Recurso).

(Acórdão Fundamento)

Ac. do TRL, de 10.11.2016, Proc. 1011/14.4TBALM.L1-2, Relator: Jorge Vilaça, disponível em www.dgsi.pt:

II - A determinação da remessa nos termos referidos sem audição do réu viola o princípio do contraditório, mas só opera a nulidade do art.º 195º, n.º 1, do Código de Processo Civil, se tal irregularidade influir no exame ou na decisão da causa.

III - A nulidade não opera se a fundamentação da oposição à remessa não tiver uma causa justificativa para impedir essa remessa.

IV – Não é fundamento justificativo da oposição à remessa do processo para o tribunal competente a eventual caducidade do direito de acção.

V - A caducidade do direito de acção é uma excepção peremptória que implica a absolvição do réu do pedido e o seu conhecimento pressupõe a competência absoluta do tribunal. (…)

16º A decisão recorrida julgou procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, absolvendo os réus da instância.

Além disso, determinou a remessa do processo para o tribunal competente ao abrigo do disposto do n.º 2 do art.º 99º.

Não é impugnada a parte da decisão que julgou procedente a excepção dilatória, mas tão só a que determinou a remessa do processo.

Não sendo caso de prolação de despacho liminar, o conhecimento da excepção deveria ter ocorrido apenas após a fase dos articulados, o que implica que depois de proferida a decisão de absolvição dos réus da instância por força da incompetência absoluta do tribunal é que deveria ter sido conhecido o requerimento do autor da remessa para o tribunal competente após audição dos réus.

Esta audição permite avaliar a justificação eventual oposta pelos réus para a não remessa do processo.

Foi, assim, efectivamente preterido o princípio do contraditório, o que tem como consequência a nulidade prevista no art. º 195º do Código de Processo Civil.

Contudo, a nulidade em causa só ocorre quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (n. º 1 in fine).

Verifiquemos, então, agora os fundamentos da oposição à remessa invocados pelo apelante.

O apelante invoca como fundamento para a oposição à remessa do processo para o tribunal competente o facto de entretanto o direito de acção já ter caducado nos termos do art. º 327º, n. º 2, do Código de Processo Civil, por força do 332º, n. º 1, do Código Civil.

A eventual caducidade do direito de acção não é fundamento suficiente para justificar a oposição à remessa nos termos do art.º 99º, n.º 2, supra citado.

Com efeito, o conhecimento da excepção de caducidade, enquanto excepção peremptória, ocorre após o conhecimento de qualquer excepção dilatória que tenha sido arguida e pressupõe, logicamente, a competência do tribunal. Não sendo o tribunal competente para a acção, não pode o mesmo conhecer da excepção peremptória de caducidade, cujo efeito é a absolvição do réu do pedido (art.º 576º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

Não podendo o tribunal a quo conhecer da excepção de caducidade não pode esta servir de causa justificativa da oposição à remessa do processo para o tribunal competente.

Considerando não haver oposição justificada nos termos do n.º 2 do art. º 99º do Código de Processo Civil, a irregularidade operada no processo não produz nulidade por tal irregularidade ou preterição de audição do réu não influir no exame ou decisão da causa, no caso de determinação da remessa do processo para o tribunal competente. Conclui-se, portanto, pela improcedência de todas as questões levantadas no recurso, o que importa a improcedência deste.


IV - Decisão:

Em face de todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.” [nosso realce]

Concluindo-se, do exposto, que a mencionada decisão e o Acórdão aqui recorrido se contradizem, essencialmente, no que diz respeito:

— À aceitação, ou não, da caducidade do direito de ação como fundamento justificativo da oposição à remessa do processo para o tribunal competente;

— À exigência, ou não, da competência absoluta do tribunal como pressuposto para o conhecimento da exceção perentória da caducidade do direito de ação;

17º Sendo certo que a decisão que ora se adota como “Acórdão Fundamento” deve prevalecer na nossa ordem jurídica.

18º O que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

Assim

19º Pelo anteriormente exposto, deve o Venerando Tribunal “ad quem”, em sede de apreciação preliminar sumária, admitir o presente Recurso de Revista Excecional (arts. 672, n.ºs 1 e 3, do CPC).

20º O que desde já se invoca e muito respeitosamente se requer para todos os efeitos legais.

Isto posto,

D.2. DO RECURSO PROPRIAMENTE DITO

D.2.1. DO CASO JULGADO FORMAL

21º Na sua decisão de 30.10.2017, o Venerando Tribunal de 1.ª Instância exarou:

Caso não seja interposto recurso da presente decisão, uma vez que a Autora afirma que, em caso de incompetência do presente tribunal, pediria a remessa dos autos para o Tribunal da Relação do Porto, ao abrigo do disposto no artigo 99.º, n.º 2, do C.P.C., remetam-se os autos para esse Tribunal Superior. …”

22º Tal decisão transitou em julgado, termos em que nunca se poderá compreender o despacho datado de 17.01.2018 (Ref.: 388615218),  nem o douto acórdão da Veneranda Relação de 29.01.2019 (até por estas contrariarem, em absoluto, uma decisão anterior, já transitada…!!!)

23º Na verdade,

Nos termos do disposto no art. 620, nº 1 do CPC “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.

E,

 Nos termos do art. 613 do CPC, proferida a sentença (ou o despacho – art. 613, nº 3) fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa.

24º Tal decisão transitou em julgado, razão pela qual (esgotado que estava o poder jurisdicional) o Tribunal nunca poderia reapreciar a questão (e muito menos em sentido inverso ao anteriormente decidido…!!).

25º Nem se diga (como faz o douto aresto recorrido) que foi a aqui Recorrente que requereu a reapreciação da questão através do seu requerimento de 28.11.2017, desde logo por tal ter sido realizado por mera cautela (seja no que concerne à validade daquela, seja no que respeita ao pagamento da respetiva taxa de justiça).

26º Sendo certo que, perante tal pedido, ou o Tribunal não conhecia do mesmo (invocando que o seu poder jurisdicional se encontrava esgotado…), ou limitava-se a corroborar o já antes decidido, face ao caso julgado formal que se verificava na questão em concreto.

27º O Tribunal, de forma absolutamente inadmissível, fez “tábua rasa” do por si já decidido (com caso julgado formal), incorrendo, desde logo, na nulidade prevista no art. 615, nº 1, al. d/ do CPC.

28º Nem se diga que o anteriormente decidido pelo Tribunal (aos 30.10.2017), sempre violaria o princípio do contraditório (por a Ré não se ter pronunciado, previamente, sobre a possibilidade de aproveitamento dos articulados nos termos do disposto no art. 99,º 2 do CPC), em razão do que seria nula.

É que, em tal hipótese, a Ré deveria ter alegado a nulidade de tal decisão, o que não fez, deixando transitar a mesma.

29º Mas mesmo que assim não fosse, nunca tal eventual violação do contraditório poderia ter relevância (note-se quanto a esta questão em concreto o doutamente exarado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - Proc 1011/14.4TBALM.L1-2, de 10.11.2016 -, supra extratado e que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais).

30º Termos em que,

A douta decisão recorrida incorreu na nulidade supra referida (a prevista no art. 615, nº 1, alínea d/ do CPC) e violou por deficiente interpretação e / ou aplicação o disposto no art. 99, nº 2, 613, nº 1, 620 e 621 todos do CPC, termos em que, sempre e de qualquer forma, deverá dar-se provimento ao presente recurso e a douta decisão anulada, ou pelo menos revogada, por esse Venerando Tribunal e substituída por outra que decida no sentido antes expendido.

Sem prescindir e subsidiariamente,

D.2.2. DA IMPOSSIBILIDADE DE O TRIBUNAL INCOMPETENTE SE PRONUNCIAR SOBRE A CADUCIDADE

31º Prevenindo a hipótese de o Tribunal não aderir à tese supra expendida (no que não se concede e só se admite por mero dever de ofício), sempre importa salientar que a decisão aqui em crise sempre contrariaria o disposto na lei.

32º Senão vejamos,

Como muito bem refere o já extratado e muito douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Proc 1011/14.4TBALM.L1-2 de 10.11.2016 — exatamente o Acórdão Fundamento utilizado para a justificação da revista excecional por existência de contradição de acórdãos), ao Tribunal “a quo” estaria vedado o conhecimento da exceção de caducidade (depois de se ter considerando incompetente em razão da hierarquia, por douto despacho já transitado) e, mesmo que tal conhecimento tenha sido realizado em termos meramente abstratos e / ou hipotéticos (como acontece no douto despacho recorrido), nunca o Tribunal poderia indeferir o requerido aproveitamento dos articulados com remessa do processo para o Tribunal competente. Isto é:

— Como vem estatuído na Lei (art. 99, nº 2 do CPC), face à declaração de incompetência material do Tribunal, pode o Autor requerer, no prazo de 10 dias, a remessa do processo ao Tribunal declarado competente;

— Foi o que ocorreu nos autos;

— O atendimento da oposição do Réu a tal aproveitamento e remessa pressupõe que tal oposição seja justificada, o que implica basear-se ela em motivo atendível, do qual resulte para o Réu uma diminuição dos direitos processuais que lhe assistem.

33º A questão do aproveitamento dos articulados é, desde logo, analisada por José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (em anotação ao aludido artigo 99) o que fazem nos seguintes termos (ressaltado nosso):

“… Sublinhe-se que, por este meio, o autor evita a inutilização do processo, mas não obvia à absolvição do réu da instância - o que, no atual código, decorre inequivocamente da alusão ao trânsito em julgado da decisão sobre a incompetência absoluta -, pelo que no tribunal competente se inicia uma nova instância. ASSIM, APROVEITAM-SE APENAS OS ARTICULADOS E OS ATOS PROCESSUAIS QUE ELES IMPLIQUEM (CITAÇÃO DO RÉU, NOTIFICAÇÕES, EVENTUAL DESPACHO LIMINAR OU PRÉ-SANEADOR), mas não os restantes atos praticados pelas partes ou pelo tribunal, nomeadamente as provas produzidas (sem prejuízo do artigo 421º), os despachos eventualmente proferidos (por exemplo, sobre o valor da acção) ou a tramitação de qualquer incidente. …”

34º Acresce que a prática de atos inúteis sempre será ilegal (art. 130 do CPC).

35º No caso dos autos e dado que a apreciação da caducidade (mesmo que duma forma hipotética e eventual) estava vedada ao Tribunal “a quo”, este só poderia considerar injustificada a oposição apresentada pela Ré, deferindo, em consequência o requerido aproveitamento dos articulados, com a remessa do processo para o Tribunal da Relação do Porto.

36º Termos em que,

Ao decidir como decidiu, a douta decisão recorrida, violou, desde logo por manifesta e deficiente interpretação e / ou aplicação), para além do mais, o disposto no art. 99, nº 2, 130 e 608 todos do CPC, pelo que deve tal decisão ser anulada e substituída por outra que decida pelo deferimento do requerido aproveitamento dos autos e consequente remessa do processo para o Tribunal competente.

Sempre sem prescindir e subsidiariamente,

D.2.3. DA INEXISTÊNCIA DE OPOSIÇÃO JUSTIFICADA

37º Não obstante e prevenindo a hipótese de assim se não entender (no que não se concede e só se admite por mero dever de ofício), sempre e de qualquer forma, o Tribunal “a quo” nunca poderia considerar como justificada a oposição deduzida pela Ré.

38º Na verdade,

Como se viu supra (e é unanimemente reconhecido jurisprudencialmente), o Réu só terá fundadas razões para se opor ao aproveitamento dos articulados e à remessa do processo quando os seus direitos processuais fiquem prejudicados em razão de tal aproveitamento (máxime, diminuição dos direitos de defesa).

39º No caso dos autos, o Tribunal “justifica” o indeferimento do aproveitamento dos articulados e remessa do processo para o Tribunal competente nos seguintes termos:

“… Como se escreveu no despacho recorrido, “a Ré passa a ter a possibilidade de se defender de modo diferente em relação a esta questão da caducidade, pois a acção deixa de ter dado entrada em juízo em 19-05-2017 e passa a dar entrada já em 2018. Mostra-se assim justificada a oposição a Ré,..”

Todavia,

O Tribunal esquece que a caducidade pode ser alegada em qualquer fase do processo, para além de poder ser apreciada oficiosamente (art. 333 do CC).

Ou seja,

A Ré nunca estaria impedida de poder alegar a referida caducidade (e mesmo que não a invocasse, ainda assim a poderia o Tribunal decretar “ex officio”).

40º Termos em que não só o Tribunal faz uma interpretação deficiente do disposto no art. 99, nº 2, do CPC, como incorre na nulidade prevista no art. 615, nº 1, alínea c/ do CPC (sendo certo que, atendendo à fundamentação do despacho recorrido e o disposto na lei, a decisão sempre seria ininteligível…).

41º Em conclusão,

A douta decisão recorrida incorreu na nulidade supra referida (prevista no art. 615, nº 1, alínea c/ do CPC) e violou por deficiente interpretação e / ou aplicação o disposto nos arts. 333 do CC e 99, nº 2 do CPC, termos em que, sempre e de qualquer forma, deverá dar-se provimento ao presente recurso e a douta decisão ser anulada, ou pelo menos revogada, por esse Venerando Tribunal e substituída por outra que decida no sentido antes expendido (ou seja, no sentido de ser admitido o requerido aproveitamento dos articulados, devendo o processo ser remetido ao Tribunal competente).

Por último e sempre sem prescindir,

D.2.4. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ENTENDIMENTO VERTIDO NA DECISÃO RECORRIDA

42º Mas ainda que assim não fosse e se considerasse que a questão da caducidade pudesse eventual e hipoteticamente prejudicar a Ré (inviabilizando a sua eventual alegação em Juízo…), no que não se concede, o certo é que tal interpretação e entendimento do disposto no art. 99, nº 2 do CPC, sempre seria inconstitucional.

Senão vejamos,

43º Perante uma eventual decisão que considere o Tribunal incompetente em razão da matéria e tal ocorra depois de findos os articulados, é facultada ao Autor a possibilidade de requerer ao Tribunal o aproveitamento daqueles, com remessa do processo ao Tribunal competente, desde que o requeira no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado (art. 99, nº 2 do CPC).

44º No caso dos autos, tal aproveitamento foi requerido e o aludido prazo cumprido (designadamente através do requerimento de 28.11.2017).

Mas mais,

No caso dos autos a decisão de aproveitamento dos articulados, com remessa do processo para o Tribunal competente é da mesma data da decisão sobre a incompetência absoluta do Tribunal “a quo” (30.10.2017), tendo transitado em julgado.

45º Sucede que:

— Não se pode esquecer que, com o aproveitamento dos articulados, a citação para os termos da ação se mantém, produzindo todos os efeitos (designadamente no que concerne à invocada caducidade);

— Mas, mesmo que assim não fosse, não se poderia perder de vista o disposto no art. 279, nº 2 do CPC conjugado com o constante no art. 332 do CC;

— Tudo para se concluir que, mesmo nesta sede subsidiária (de não se considerar a data de propositura da primeira ação e da citação da Ré como relevantes para efeitos da caducidade…), a data de interposição do requerimento de aproveitamento dos articulados (28.11.2017), sempre teria de ser entendida como a data em que se consideraria instaurada a nova ação.

46º Resultando do exposto ser incompreensível a referência realizada pelo Tribunal “a quo” quanto à nova data de interposição da ação ocorrer em 2018…!!!

47º Até porque,

A garantia fundamental de acesso à justiça, consagrada no artigo 20 da Constituição, impede que se criem dificuldades excessivas e materialmente injustificadas ou situações de indefesa - cfr. J. J. Gomes Canotilho; Vital Moreira - Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume 1 - 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 416.

48º Termos em que, no caso em apreço, a interpretação adotada pelo Tribunal “a quo” consubstancia uma restrição despropositada e desproporcionada (senão mesmo arbitrária).

49º Ou seja,

Tal entendimento sempre impossibilitaria a Recorrente de prosseguir um direito que lhe assiste e utilizar uma faculdade que é legal e prevista na Lei, que o mesmo é dizer que consubstanciaria a violação expressa do princípio constitucional do livre acesso ao direito e tutela jurisdicional (art. 20 do CRP) e, ainda, do princípio da igualdade perante a Lei (art. 13 da CRP).

50º O momento determinante para a consideração da propositura da nova ação (no caso de se entender que a data de citação da Ré não releva para a apreciação da invocada caducidade, no que não se concede…) só poderia ser o do impulso processual - 28.11.2017 -, sendo que no caso concreto, face ao aproveitamento decidido pelo Tribunal aos 30.10.2017, só esta data pode ser considerada como a de propositura da nova ação.

51º A proceder a “visão e entendimento” do Tribunal recorrido, estar-se-á a precludir o direito inalienável da Autora recorrer ao Tribunal, no sentido de corrigir uma decisão arbitral manifestamente injusta (para além de se coarctar, de modo intolerável, o seu direito de acesso ao direito e à tutela judicial).

52º Da decisão posta em crise, resulta uma denegação do direito que assiste à Recorrente a um julgamento (também este) justo e equitativo, no qual se assegure a defesa dos seus direitos e interesses legalmente tutelados.

53º Assim,

Invocando a Recorrente, nas presentes alegações, a adoção pelo Tribunal recorrido de interpretações inconstitucionais de determinados preceitos legais, mostra-se necessário identificar a norma cuja interpretação se reputa de inconstitucional, mencionar a norma ou princípio constitucional que se considera infringido e justificativo de tal alegação e, ainda, as razões que, no plano constitucional, invalidam tal interpretação e impõem a sua “não aplicação” pelo Tribunal da causa, ou seja, qual o sentido que a determinadas normas foi atribuído do qual se extrai que, a ser correta tal interpretação, então as normas que se consideram são inconstitucionais.

54º Para tanto,

Exara-se que a presente invocação de inconstitucionalidade tem em vista um eventual e futuro recurso a ser interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LOTC. As normas cuja inconstitucionalidade, na interpretação que lhe é dada pelo Tribunal recorrido, se pretendem ver apreciadas são as seguintes:

— O art. 99, 2 e art. 279, nº 2 ambos do CPC e ainda o art. 332 do CC, quando conjugadamente interpretados, no sentido defendido pela decisão recorrida, ou seja, de que:

— Num processo como o dos autos, a data de citação do Réu para a ação, em primeira linha e, caso assim se não entenda, o requerimento a solicitar o aproveitamento dos articulados, com a consequente remessa do processo ao Tribunal competente, não traduz a data de propositura da nova ação, a qual só é apurada na data da efetiva remessa do processo ao Tribunal competente;

— Defendendo a Recorrente, respetivamente, que:

— Em primeira linha,

— Do aproveitamento dos articulados resulta o aproveitamento dos atos processuais que eles impliquem necessariamente, em particular a citação do Réu, com a consequente fixação da data da propositura de uma nova ação ao abrigo do disposto no art. 99, nº 2 do CPC;

— Ou caso assim se não entenda (no que não se concede),

— Em segunda linha e subsidiariamente,

— O requerimento em que o Autor requeira a faculdade prevista no art. 99, nº 2 (aproveitamento dos articulados) fixa, para todos os efeitos legais, a data da propositura de uma nova ação, sendo que a data de propositura da mesma só pode ser considerada como a data em que tal é requerido e não a data em que o processo é efetivamente remetido ao Tribunal competente, assim cumprindo igualmente a hipótese prevista no art. 279, nº 2 também do CPC e do disposto no art. 332 do CC, em razão do que a Autora mantém os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação da Ré.

55º A inconstitucionalidade antes invocada deriva dos seguintes preceitos legais:

- artigos 13, nº 1 (princípio da igualdade), 18 nº 2 (restrição de direitos, liberdades e garantias), 20º nº 1 (princípio do acesso à justiça) e 204 (respeito pelos princípios expressos na Constituição).

56º As referidas inconstitucionalidades foram invocadas na primeira oportunidade processual.

57º Termos em que, aqu se deixam alegadas para todos os efeitos legais as invocadas Inconstitucionalidades.

58º Note-se, aliás, as palavras da Veneranda da Relação do Porto quanto a esta matéria:

[Este Tribunal] (…) devendo pronunciar-se quanto às alegadas desconformidades com as normas constitucionais, invocadas pela apelante – o que já acima foi abordado – não tem que teorizar sobre as possíveis interpretações daquelas ou de outras normas.

59º Este apontamento, juntamente com a (escassa) análise da questão das inconstitucionalidades realizada pelo Tribunal “a quo” equivale, na prática, … a nada.

60º Ocorrendo, também e por isso, a Veneranda Relação em omissão de pronúncia, do que decorre a nulidade da douta sentença recorrida (art. 615, n.º 1, al. d) do CPC).

61 Assim, ao decidir como decidiu,

O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e/ou aplicação o disposto no art. 332 do CC, nos arts. 4, 7, 99, n.º 2, 279, n.º 2 e 411, todos do CPC, incorrendo e evidenciando, ainda, entendimento ferido de inconstitucionalidade, por violação do disposto nos arts. 13, 18, 20 e 204 da CRP.

Termos em que,

Deve dar-se provimento ao presente recurso, em consequência do que o douto Acórdão recorrido deve ser anulado, ou pelo menos revogado e substituído por outro que decida nos sentidos antes propalados, com todas as consequências da Lei.

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.


  28. A Ré AA - Engenharia, S.A., contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso e, no caso de o recurso ser admitido, pela sua improcedência.


   29. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:


A. O presente recurso de revista excepcional não pode ser admitido por falta de preenchimento dos pressupostos expressamente exigidos pelo artigo 672.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. Precisamente por ser uma excepção à reapreciação de uma decisão em dupla conforme, estes requisitos são sobejamente determinantes para filtrar as pretensões que podem ser deduzidas junto deste Supremo Tribunal.

B. O recurso deve desde logo ser rejeitado por não estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. A questão apresentada pela Recorrente prende- se exclusivamente com uma questão processual, que não revela qualquer tipo de complexidade, divergência ou dúvidas.

C. Não se vislumbra a mínima pertinência na eventual orientação deste Tribunal junto dos tribunais inferiores quanto ao que se entende como oposição justificada e as suas consequências processuais, quando é já pacífica que se tem por justificada a oposição que apresente razões plausíveis e não arbitrárias. Assim como não é necessário esclarecer, para melhor aplicação do direito, que com a remessa de um processo ao tribunal competente se inicia uma nova instância.

D. Estas questões estão pacificadas e são comummentes aceites tanto pela doutrina como pela jurisprudência, não estando por isso preenchido o requisito do artigo 672.º, n.º 1, al. a) do CPC, o que conduz à rejeição do recurso.

E. O objecto da revista também não preenche o requisito da presença de interesses de particular relevância social, pois a matéria em apreço não põe em risco a eficácia do direito, não prejudica a confiança dos cidadãos, nem instala a dúvida sobre a capacidade jurisdicional. Pelo contrário, os cidadãos saberão que em caso de incompetência absoluta do tribunal não há lugar a uma remessa automática para o tribunal competente, pois há sempre lugar a oposição que, sendo justificada, pode determinar o indeferimento da remessa.

F Além deste requisito não estar preenchido, a Recorrente limitou-se a enunciar de forma vaga e abstracta princípios constitucionais, o que de acordo com a jurisprudência mais autorizada não é suficiente para considerar justificada a inequívoca relevância social. Pelo que deve, por falta de preenchimento do requisito do artigo 672.º, n.º 1, al. b) do CPC, ser a presente revista liminarmente rejeitada.

G. O último dos requisitos é a alegada contradição entre julgados, do artigo 672.º, n.º 1, al. c) do CPC, que a Recorrente também não preenche, impondo-se a liminar rejeição da revista.

H. A revista nunca poderia ser admitida por contradição entre acórdãos, desde logo porque a Recorrente limita-se a juntar uma fotocópia do acórdão retirada da base de dados, sendo certo que é pacífico o entendimento da jurisprudência de que um acórdão-fundamento só vale como tal perante a junção de certidão com nota de trânsito em julgado, sob pena de não se poder atestar a autenticidade do documento e o próprio trânsito da decisão. Esta falta conduz à imperativa rejeição liminar da revista.

I. Mas ainda que a Recorrente tivesse cumprido esse requisito essencial, nunca poderia o acórdão ser fundamento porque não se verifica identidade entre a situação aí discutida e a dos presentes autos, a começar (i) pelo tipo de incompetência do tribunal – material vs hierárquica – (ii) pelo tipo de tribunal – tribunais comuns vs tribunais especializados vs tribunais comuns ao invés da Relação; (iii) pelo momento do pedido de remessa e da oposição – antes dos articulados vs depois dos articulados; (iv) pela matéria da acção – acção de anulação de deliberações sociais, em matéria excluída da disponibilidade das partes, vs acção de anulação de sentença arbitral, em matéria não excluída da disponibilidade das partes; e (v) argumentos deduzidos na oposição justificada – alegação da excepção da caducidade na oposição vs alegação da excepção da caducidade na contestação e argumento de defesa na oposição.

J. Não podendo o Acórdão ser utilizado como acórdão-fundamento e, mesmo que revestisse essa qualidade, não havendo aspectos mínimos de identidade que determinam a contradição, deve a revista ser liminarmente rejeitada atento o disposto no artigo 672.º, n.ºs 1 c) e 2 c) do CPC.

K. Caso o recurso venha a ser admitido como revista excepcional, ainda assim a decisão recorrida não merece qualquer censura, devendo manter-se integralmente junto deste Venerando Tribunal, com a improcedência do recurso interposto pela Recorrente.

L. Nenhum dos vícios invocados pela Recorrente se verificam: i) não há caso julgado formal na decisão de 30/10/2017 quanto à remessa dos autos; ii) não há pronúncia indevida pelo Tribunal de 1.ª instância quanto à excepção da caducidade; iii) a oposição justificada à remessa é justificada; e iv) a decisão recorrida não padece de qualquer inconstitucionalidade que possa fundamentar um eventual recurso para o Tribunal Constitucional.

M. O pedido de remessa dos autos, admissível nos termos do n.º 2 do artigo 99.º do CPC, deve ser apresentado no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, em razão de incompetência absoluta do Tribunal.

N. Embora a lei não exija o consentimento expresso do Réu à remessa, é possível deduzir oposição justificada, caso em que a remessa será indeferida.

O. A Recorrente apresentou o seu requerimento, nos termos e ao abrigo do n.º 2 do artigo 99.º do CPC, dentro do prazo legal.

P. Anteriormente, nomeadamente em sede de resposta à contestação, a Recorrente apenas avançou com a hipótese académica de, em caso de incompetência do tribunal, vir a requerer a remessa, nos termos e ao abrigo do n.º 2 do artigo 99.º do CPC, i.e., nos 10 dias posteriores ao trânsito em julgado da decisão.

Q. É isto que resulta da decisão do Tribunal de 1.ª instância de 30/10/2017, confirmada em recurso de apelação, em que se menciona a remessa dos autos se e quanto a Autora/Recorrente o requeresse, nos termos e ao abrigo do n.º 2 do artigo 99.º do CPC.

R. O Tribunal de 1ª instância nunca poderia deferir algo antes de ser efectivamente requerido.

S. A conjugação da posição processual da Autora nos articulados com os requsitos do n.º 2 do artigo 99.º do CPC não levanta dúvidas quanto ao momento em que o requerimento deveria ser apresentado, tal como foi.

T. Além disso, se a Recorrente estivesse convicta do caso julgado daquela decisão, não teria requerido algo que alegadamente já estava ordenado.

U. Deve ainda a decisão manter-se porquanto não está em causa a apreciação de excepções sem competência para tal. O Tribunal limitou-se a apreciar a caducidade enquanto argumento de defesa da Recorrida, tal como os restantes fundamentos alegados, sob pena de omissão de pronúncia.

V. O Tribunal apenas entendeu que a defesa da Recorrida com base na caducidade e a pretensão de julgamento da extemporaneidade da acção ganharia novos contornos com a remessa do processo, pois ao deixar de poder alegar a caducidade da forma como o fez haveria um confrangimento da defesa.

W. Também não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade que possa vir a fundamentar um futuro recurso para o Tribunal Constitucional. A oportunidade de remessa dos autos não é um direito absolutamente garantido e exigível, porque condicionado à oposição justificada.

X. Se o Tribunal entendeu que a oposição da Ré à remessa é justificada, tal não equivale a uma violação do direito de acesso aos tribunais, ou mesmo de tutela jurisdicional efectiva, mas antes uma decorrência da norma legal. O acórdão recorrido esclarece, com inteira razão, que “à autora não foram criadas dificuldades excessivas e materialmente injustificadas ou situações de indefesa”. Na verdade, se as dificuldades existem tal devesse ao facto de a acção ter sido num tribunal incompetente, ao contrário do disposto na LAV.

Y. Quanto às considerações acerca das alegadas interpretações inconstitucionais no que respeita aos 332.º do CC, 279.º, n.º 2 e 411.º do CPC, o Tribunal não pôs em causa estes artigos, nem os inclui no quadro normativo determinante da decisão. O Tribunal apenas ponderou aquilo que, na sua óptica, podia ou não ser uma oposição justificada, não se concebendo que tenha incorrido em qualquer interpretação inconstitucional.

Z. Por tudo exposto, deve o recurso ser liminarmente rejeitado, por falta de preenchimento dos requisitos do artigo 672.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. Porém, caso V. Exas. entendam que o mesmo deve ser admitido, ainda assim deverá ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão de indeferimento da remessa dos autos para o tribunal competente, confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, em observância da dedução de oposição justificada pela Ré, nos termos e ao abrigo do n.º 2 do artigo 99.º do CPC.

Com o que farão V. Exas. inteira e sã JUSTIÇA!


   30. A Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil declarou-se incompetente e determinou a remessa dos autos à distribuição como revista normal. 


   31. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


   32. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

    I. — se o recurso da decisão interlocutória é admissível;

   II. — se o despacho de 30 de Outubro de 2017 transitou em julgado;

   III. — se, desde que o despacho de 30 de Outubro de 2017 não tenha transitado em julgado, deve determinar-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


   33. Os factos relevantes para a decisão foram descritos no relatório.


  34. O acórdão da Formação de 27 de Junho de 2019, determina que o problema da admissibilidade do recurso deve resolver-se atendendo ao art. 671.º, n.º 2, em ligação com o art. 829.º, n.º 2, do Código de Processo Civil., com os seguintes fundamentos:

   — “a revista excepcional pressupõe que — à parte a questão da dupla conforme — a revista normal seja admissível”; ora, a decisão impugnada é uma decisão interlocutória, que recai exclusivamente sobre a relação processual e as decisões interlocutórias, que recaiam exclusivamente sobre a relação processual, só podem ser impugnadas nos casos previstos nas alíneas a) e b) do art. 671.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

        Como não está verificada a hipótese da alínea b) do art. 671.º, n.º 2, por a Autora, agora Recorrente, não ter alegado a contradição entre o acórdão recorrido e um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o problema restringe-se à verificação da hipótese da alínea a);

    — verificando-se a hipótese da alínea a) do art. 671.º, n.º 2, a revista normal será sempre admissível e “não releva a dupla conformidade”; — não se verificando a hipótese da alínea a), a revista normal não será nunca admissível, “[d]e tudo emergindo a incompetência [da] Formação [prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil”.


   35. A decisão impugnada é a decisão da 1.ª instância de não remeter os autos ao Tribunal da Relação do Porto, por considerar justificada a oposição deduzida pela Ré, agora Recorrida, AA - Engenharia, S.A — ou seja, é uma decisão interlocutória, que não põe termo ao processo, e que recai exclusivamente sobre a relação processual.


   36. O art. 671.º, n.º 2, estabelece que “[o]s acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:


a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.


  37. Os casos em que o recurso é sempre admissível estão previstos no art. 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil:


Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;

b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;

c) Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça;

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

 

   38. A Autora, agora Recorrente, BB & Filhos, S.A., alegou:

     I. — que o acórdão recorrido ofendia o caso julgado formado sobre o despacho de 30 de Outubro de 2017; II. — que estava em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 1011/14.4TBALM.L1-2.


   39. Os dois temas foram amplamente tratados nas alegações e contra-alegações de recurso.


   40. Ora, com a alegação de que o acórdão recorrido ofendia o caso julgado formado sobre o despacho de 30 de Outubro de 2017 põe-se o problema do preenchimento da previsão da alínea a) do art. 629.º, n.º 2, em ligação com a alínea a) do art. 671.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e com a alegação de que o acordão recorrido estava em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 1011/14.4TBALM.L1-2, põe-se o problema do preenchimento da previsão da alínea d) do art. 629.º, n.º 2, em ligação com o art. 671.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

    Embora a aplicabilidade da alínea d) do art. 629.º, n.º 2, às decisões interlocutórias seja controvertida [1], entende-se que o recurso de decisões interlocutórias, com fundamento na contradição entre acórdãos dos Tribunais da Relação, é admitido pela alínea a) do art. 671.º, n.º 2, em ligação com a alínea d) do art. 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

    Em primeiro lugar, por causa do texto do art. 671.º, n.º 2 — a alínea a) do art. 671.º, n.º 2, depõe no sentido de que o recurso de decisões interlocutórias é admitido em todos os casos do art. 629.º, n.º 2, incluindo os casos da alínea d) do art. 629.º, n.º 2.

    Em segundo lugar, por causa do sistema de princípios e de valores subjacente ao texto dos arts. 629.º, n.º 2, e 671.º, n.º 2 — a alínea d) do art. 629.º, n.º 2, consagra, ou pretende consagrar, uma “garantia de harmonia decisória entre as Relações” [2].

     Como se diz, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2016, proferido no processo n.º 1248/14.6YRLSB.S1, “[p]ode […] considerar-se como princípio geral subjacente ao nosso actual ordenamento adjectivo a existência de um específico mecanismo recursório que – mesmo em matérias que, pela sua natureza, não comportem a possibilidade de acesso ao STJ – se destine a suprir ou resolver conflitos jurisprudenciais que, sem ele, se poderiam eternizar”.


   41. Face ao exposto, a questão prévia da admissibilidade do recurso, como revista normal, deve decompor-se em duas. Em primeiro lugar, deve apreciar-se se o recurso é admissível, por ofensa de caso julgado — em sentido formal [3]. Em segundo lugar, deve apreciar-se se o recurso é admissível, por oposição entre dois acórdãos das Relações — em especial, por oposição o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 1011/14.4TBALM.L12.


  42. Em relação ao primeiro tema, o acórdão recorrido diz o seguinte. 


“No despacho em que a Ré foi absolvida da instância, por se ter considerado verificada uma situação de incompetência em razão da hierarquia, constava na parte final: ‘Caso não seja interposto recurso da presente decisão, uma vez que a Autora afirma que, em caso de incompetência do presente tribunal, pediria a remessa dos autos para o Tribunal da Relação do Porto, ao abrigo do disposto no artigo 99°, n" 2, do C.P.C., remetam-se os autos para esse Tribunal Superior’.

Ao pronunciar-se sobre a excepção da incompetência, que tinha sido arguida pela Ré, a Autora escreve (art. 27°) ‘(…) poderia deitar mão às faculdades previstas no n° 2 do art. 99° e no n° 2 do art. 279, ambos do CPC, o que em tal hipótese académica, seguramente não deixará de fazer’.

A remessa do processo ao tribunal em que a acção devia ter sido instaurada — in casu, este Tribunal da Relação — não é ordenada oficiosamente, antes depende de requerimento do autor nesse sentido, formulado no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da decisão (n° 2 do art. 99° do CPC). Assim se compreende que em 28 de Novembro de 2017 a Autora [viesse] requerer ‘o aproveitamento dos articulados, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 99°, n° 2, do CPC, com a consequente remessa dos presentes autos para o venerando Tribunal da Relação do Porto’.

A Autora invoca o trânsito em julgado daquele segmento do despacho que declarou a incompetência do tribunal de Io instância onde a acção de anulação foi instaurada. Mas aquela invocação do trânsito em julgado não se apresenta coerente com o requerimento de 28 de Novembro de 2017, porquanto se existia caso julgado a ordenar a remessa dos autos à Relação, o requerimento solicitava um acto que já estava ordenado por decisão transitada em julgado.

No despacho de 30-10-[2]017 o caso julgado formou-se quanto à declaração de incompetência do Juízo Central Cível do Porto, onde a acção foi distribuída. Uma vez que a remessa dos autos ao tribunal competente depende de requerimento do autor e que o réu pode deduzir oposição a tal requerimento, a decisão sobre o requerimento apenas pode ser proferida depois de o julgador apreciar se essa oposição é ‘justificada’. A ordem de remessa ao tribunal competente sem aguardar o requerimento e sem dar à parte contrária a possibilidade de se pronunciar, ofende frontalmente o n° 2 do mencionado artigo 99° e não respeita o princípio do contraditório, consagrado no art. 3.ª do CPC.

O acima transcrito segmento final do despacho de 30-10-2017, que alude à remessa dos autos para esta Relação, deve ser entendido como ordenando a remessa se e quando a Autora o requeresse. Tanto assim que esta requereu a remessa, observando o disposto no n° 2 do artigo 99°.

A invocação pela Autora do caso julgado formado pelo segmento final do despacho de 30-10-2017 (conclusões 2a a 6a) mostra-se contraditória com o requerimento de 28-11-2017, em que, invocando o n° 2 do artigo 99° do CPC, requeria o aproveitamento dos articulados com a consequente remessa dos autos ao Tribunal da Relação.

À Ré assistia o direito a pronunciar-se sobre aquele requerimento da Autora”.


   43. O art. 621.º do Código de Processo Civil, cuja doutrina é aplicável ao caso julgado em sentido formal [4], diz que “[a] sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga” — e a determinação dos precisos limites termos em que a sentença julga põe um problema de interpretação:


“Visto que esta constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, há que determinar, em cada caso concreto, qual foi o verdadeiro sentido e alcance do julgamento” [5] [6].


     Como se diz, designadamente, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 2012, proferido no processo n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1, “[a] determinação do âmbito de caso julgado, formal ou material, de uma sentença, pressupõe a respectiva interpretação”.


  44. O acórdão recorrido atribuiu ao despacho de 30 de Outubro de 2017 o sentido de “ordena[r] a remessa [dos autos ao Tribunal da Relação do Porto] se e quando a Autora o requeresse” — e a interpretação feita pelo Tribunal da Relação do Porto deve considerar-se correcta.

           

   45. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que “a interpretação de uma sentença […] judicial, como acto jurídico que é, deve obedecer, por força do disposto no art. 295.º do Código Civil, aos critérios de interpretação dos negócios jurídicos” [7].


  46. O art. 236.º do Código Civil é do seguinte teor:


1. — A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

2. — Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.


  47. Estando em causa uma declaração formal, o art. 236.º deve coordenar-se com o art. 238.º do Código Civil:


1. — Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

2. — Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.


  48. O sentido que um declaratário normal, colocado na posição das partes, deduziria de um despacho em que explicitamente se remete para o art. 99.º, n.º 2, do Código de Processo Civil é o único sentido compatível com o art. 99.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ou seja, o sentido de que a remessa só será ordenada desde que estejam, cumulativamente, preenchidos dois requisitos:

            — “desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta”; — desde que o réu não deduza oposição justificada à remessa requerida pelo autor.


   49. O raciocínio não é em nada prejudicado pela restrição do art. 238.º do Código Civil — pela regra de que, como se diz, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Fevereiro de 2011, proferido no processo n.º 190-A/1999.E1.S1,


“sendo as decisões judiciais actos formais, amplamente regulamentados pela lei de processo e implicando uma ‘objectivação’ da composição de interesses nelas contida — temos como seguro que se tem de aplicar a regra fundamental segundo a qual não pode a sentença valer com um sentido que não tenha no documento que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (princípio estabelecido para os negócios formais no art. 238.º do Código Civil e que, valendo para a interpretação dos actos normativos – art. 9.º, n.º 2, — tem identicamente, por razões de certeza e segurança jurídica, de valer igualmente para a fixação do sentido do comando jurídico concreto ínsito na decisão judicial)”.


     O sentido resultante da aplicação do critério geral do art. 236.º, n.º 1, do Código Civil tem correspondência verbal no texto do despacho de 30 de Outubro de 2017 — e, em especial, no segmento em que o despacho de 30 de Outubro de 2017 se diz proferido “ao abrigo do disposto no artigo 99.°, n.” 2, do Código de Processo Civil” [8].

           

   50. Interpretado o despacho de 30 de Outubro de 2017 no sentido de que a remessa só seria ordenada desde que estejam, cumulativamente, preenchidos os dois requisitos do art. 99.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não há ofensa de caso julgado em sentido formal.


   51. O recurso não poderá, por consequência, ser admitido com fundamento na alínea a) do art. 629.º, n.º 2, conjugada com a alínea a) do art. 671.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

 

   52. Em relação ao segundo tema — oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 1011/14.4TBALM.L1-2 —, o acórdão recorrido nada diz.

 

   53. O texto do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo deve analisar-se distinguindo os três requisitos essenciais do recurso: que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pela Relação, denominado de acórdão fundamento; que os dois acórdãos tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação; e que os dois acórdãos tenham sido proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito.


   54. Os requisitos de que os dois acórdãos tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação e de que os dois acórdãos, proferidos no domínio da mesma legislação, tenham sido proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito estão preenchidos.

   Os dois acórdãos, do Tribunal da Relação de Lisboa e do Tribunal da Relação do porto, pronunciaram-se sobre a interpretação de um conceito jurídico — do conceito de oposição justificada — constante de um, e do mesmo número, de um, e do mesmo, artigo do Código de Processo Civil — do n.º 2 do art. 99.º do Código de Processo Civil.


    55. O requisito de que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pelas Relações, esse, não está preenchido.

     O acórdão fundamento pronunciou-se sobre se a alegação de que o direito de acção da Autora estava caducado seria adequado suficiente para que se considerasse a oposição à remessa dos autos como justificada; o acórdão recorrido pronunciou-se sobre se a alegação de que o direito de defesa da Ré estava prejudicado, por não poder deduzir contestação diferente, seria suficiente para que se considerasse a oposição como justificada.

    Enquanto que, no acórdão fundamento, o motivo da oposição era, tão-só, a caducidade do direito de acção da Autora, no acórdão recorrido, o motivo da oposição era o prejuízo para o direito de defesa da Ré — concretizado em não poder deduzir contestação diferente, por que se considerasse a questão da caducidade do direito de acção da Autora em diferentes termos.


   56. Como estivesse em causa, tão-só, a caducidade do direito de acção da Autora, o acórdão fundamento pronunciou-se no sentido de que a oposição não era justificada — de que “[a] eventual caducidade do direito de acção não é fundamento suficiente para justificar a oposição à remessa nos termos do art. 99.º, n.º 2”.


“Com efeito” continua o Tribunal da Relação de Lisboa, o conhecimento da excepção de caducidade, enquanto excepção peremptória, ocorre após o conhecimento de qualquer excepção dilatória que tenha sido arguida e pressupõe, logicamente, a competência do tribunal.

Não sendo o tribunal competente para a acção, não pode o mesmo conhecer da excepção peremptória de caducidade, cujo efeito é a absolvição do réu do pedido (art.º 576º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

Não podendo o tribunal a quo conhecer da excepção de caducidade não pode esta servir de causa justificativa da oposição à remessa do processo para o tribunal competente”.


  57. Como estivesse em causa o prejuízo para o direito de defesa da Ré, concretizado em não poder deduzir contestação diferente, o acórdão recorrido pronunciou-se no sentido de que a oposição era justificada — a remessa dos autos faria com que fosse aproveitada a contestação; faria com que a Ré não pudesse defender-se de forma diferente, ou com que fosse duvidoso que pudesse defender-se de forma diferente; a não remessa dos autos, essa, faz com que não seja aproveitada a contestação; faz com que a Ré pudesse defender-se de forma diferente, designadamente através da excepção de caducidade.


  58. A fundamentação do acórdão recorrido é esclarecedora:


“A ‘oposição justificada’ a que alude o n° 2 do artigo 99° do CPC deve ser aquela em que o Réu invoque razões que se afigurem consistentes para impedir a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, conforme o decidido nos acórdãos desta Relação, de 01-06-2015, (proc. 1327/11.1TBAMT.B.P1) e de 11-10-2017 (proc. 1974/16.5T8PNF-A.P1). Lê-se no primeiro daqueles acórdãos: ‘A oposição do Réu procede se este invocar alguma razão plausível para se opor à remessa, sem carecer de a especificar em pormenor, desde que mostre não se tratar de um caso de oposição arbitrária’.

Com a remessa dos autos ao Tribunal onde a acção de anulação da decisão arbitral deveria ter sido instaurada — no caso, esta Relação, por força do disposto nos artigos 46°, n° 1 e 59°, n° 1, da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n° 63/2011, de 14-12 — nasceria uma nova instância. Na instância que se extinguiu com a absolvição da instância a Ré invocou a extinção, por caducidade, do direito de acção da Autora.

Consoante o acima referido, não estando em causa direitos indisponíveis, a caducidade para operar carecia de ser invocada pela Ré; e essa invocação teria que ser feita na contestação, sob pena de precludir o direito a tal invocação.

Como se escreveu no despacho recorrido, aa Ré passa a ter a possibilidade de se defender de modo diferente em relação a esta questão da caducidade, pois a acção deixa de ter dado entrada em juízo em 19-05-2017 e passa a dar entrada já em 2018’.

Mostra-se assim justificada a oposição da Ré, o que constitui fundamento para o indeferimento do pedido da Autora, conforme o decidido no despacho recorrido que integralmente se confirma”.


  59. O recurso não poderá, por consequência, ser admitido com fundamento na alínea d) do art. 629.º, n.º 2, conjugada com a alínea a) do art. 671.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.


 60. Estando preenchido o conceito de decisão interlocutória, que recai exclusivamente sobre a relação processual, e não estando preenchidos os presssupostos de nenhuma das excepções previstas nas alíneas a) e b) do art. 672.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, deve aplicar-se a regra de que o acórdão da Relação não pode ser objecto de revista.


 III. — DECISÃO


 Pelo exposto, não se admite o recurso.

Custas pela Recorrente BB & Filhos, S.A..


Lisboa, 19 de Setembro de 2019


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Olindo Geraldes

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[1] O tema foi recentemente tratado pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 159/2019, de 13 de Março de 2019, rectificado pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 206/19, de 27 de Março de 2019, em que se decidiu “não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), conjugada com o n.º 1 do artigo 671.º, ambos do Código de Processo Civil, conducente ao sentido de que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, não é admissível quando não se verifiquem os requisitos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC”.

[2] Expressão de Rui Pinto, anotação ao art. 629.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 546.º-1085.º, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 219-229 (228).

[3] Sobre o caso julgado em sentido formal, vide Manuel de Andrade (com a colaboração de João de Matos Antunes Varela), Noções elementares de proesso civil (nova edição, revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves), Coimbra Editora, Coimbra, 1979, pág. 304; ou João de Matos Antunes Varela / José Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 307-310.

[4] Vide José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 621.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018 (reimpressão), págs. 754-757 (757).

[5] José Alberto dos Reis, anotação ao art. 673.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. V — Artigos 658.º a 720.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1984 (reimpressão), págs. 173-180 (175).

[6] Em termos em tudo semelhantes, vide ou José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 621.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, cit., pág. 755.

[7] Cf. designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Abril de 2002 — processo n.º 02B3349 —, de 17 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 03B1993 —, de de 5 de Novembro de 2009 — processo n.º 4800/05.TBAMD-A.S1 —, de 3 de Fevereiro de 2011 — processo n.º 190-A/1999.E1.S1 —, de 26 de Abril de 2012 — processo n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1 —, de 12 de Junho de 2012 — processo n.º 521-A/1999.L1.S1 —, de 13 de Fevereiro de 2014 — processo n.º 2081/09.2TBPDL.L1.S1 —, de 24 de Novembro de 2015 — processo n.º 7368/10.9TBVNG-C.P2.S1 —, de de 29 de Setembro de 2016 — processo n.º 17/13.5TBLSA.C1.S1 — ou de 4 de Outubro de 2018 — processo n.º 10758/01.4TVLSB-A.L1.S1.

[8] Em todo o caso, o comportamento processual da Autora, agora Recorrente, Jaime Ribeiro & Filhos, S.A., em especial ao requerer a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto, comprova que a Recorrente conhecia o sentido da declaração contida no despacho de 30 de Outubro de 2017 (cf. art. 236.º, n.º 2, do Código Civil).