Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
149/16.8T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
DANOS PATRIMONIAIS PUROS
MORA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
DANOS REFLEXOS
NEXO DE CAUSALIDADE
CONCAUSALIDADE
CULPA
PRESUNÇÃO DE CULPA
INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
LUCRO CESSANTE
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. II, Almedina, Coimbra, 1997, p. 127;
- Mafalda Miranda Barbosa, Liberdade vs. Responsabilidade, A precaução como fundamento da imputação delitual?, Almedina, Coimbra, 2006, p. 214 ; Um caso de ressarcimento de danos puramente patrimoniais, Cadernos de Direito Privado, n.º 57, p. 60-74;
- Maria da Graça Trigo e Mariana Nunes Martins, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, p. 1135 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 799.º, N.º 1 E 806.º, N.ºS 1, 2 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 08-09-2016, PROCESSO N.º 1952/13.6TBPVZ.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. As vicissitudes ocorridas ao longo da execução do contrato de produção de energia eléctrica dos autos conduzem à conclusão de que a mora da 1ª ré no pagamento do crédito da 1ª autora se deveu a um conjunto de causas concorrentes, o que, por sua vez, permite afastar a presunção de culpa (exclusiva) da devedora, prevista no nº 1 do art. 799º do Código Civil.

II. De acordo com o entendimento tradicional da doutrina e da jurisprudência nacionais, da conjugação do nº 1 com o nº 3 (introduzido pelo Decreto-Lei nº 262/83, de 16.06) do art. 806º do CC resulta que, ocorrendo mora no cumprimento de uma obrigação pecuniária – como é o caso da obrigação de pagar o preço da energia eléctrica dos autos – a indemnização corresponde apenas aos juros moratórios devidos nos termos do nº 2 do mesmo preceito; sendo que a possibilidade de concessão de uma indemnização suplementar por danos que excedam o valor dos juros moratórios, prevista no nº 3, se circunscreve às situações de responsabilidade civil delitual.  

III. Não se ignoram as vozes que, na doutrina, têm vindo a assumir uma posição crítica a respeito desta solução normativa com base em argumentos que poderão justificar a sua revisão de iure constituendo. Tal problemática mostra-se, contudo, irrelevante para a resolução do caso sub judice, por não ter sido feita prova dos alegados lucros cessantes da 1ª autora.

IV. Os danos invocados pelo 2º autor, terceiro em relação ao contrato dos autos, configuram o que a doutrina vem qualificando como danos económicos puros ou danos patrimoniais puros, que “podem ser definidos como aqueles em que há uma perda económica (ou patrimonial) sem que tenha existido afectação de uma posição jurídica absolutamente protegida (v.g. um direito de personalidade ou um direito real)”.

V. Não obstante a terminologia comummente adoptada, a questão dos danos económicos puros prende-se com o pressuposto da ilicitude.

VI. Em sede de responsabilidade civil aquiliana, os danos económicos puros só são ressarcíveis em hipóteses circunscritas, sendo que os prejuízos sofridos pelo 2º autor não se integram nessas hipóteses nem configuram uma situação em que a não ressarcibilidade atinja a consciência jurídica geral.

VII. A sua pretensão também não encontra cabimento em sede de responsabilidade contratual por se entender que tal responsabilidade, “que resulta da violação de posições jurídicas creditícias, só é, em regra, eficaz em relação ao devedor”, com a consequência de que o dano económico puro sofrido por um terceiro (que não o credor) não é, em princípio, tutelável.”

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA, Lda. e BB intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC Energia, S.A. – Sucursal de Portugal e DD, Serviço Universal, S.A., pedindo a condenação solidária das RR. a pagarem à A. AA, Lda., a título de juros de mora e de indemnização suplementar, o valor de € 165 .000,00, e a pagarem ao A. BB, a título de reparação de danos, a quantia de € 14.000,00.

Alegam, em síntese, o seguinte:

- A 8 de Novembro de 2012, a 1ª A. e a 1ª R. celebraram um contrato designado como “CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ENERGIA ELÉTRICA UNIDADES DE MINIPRODUÇÃO”, no qual a A. AA, Lda. figura como Produtor e a R. CC, S.A. como Comercializador;

- A ligação da unidade da mini-produção de energia foi efectuada a 16 de Novembro de 2012, pelo que o primeiro pagamento à A. AA, Lda. pela energia produzida e injectada na rede deveria ter acontecido em Dezembro de 2012, o que não sucedeu;

- A partir desse momento a gerência desta A. estabeleceu comunicações diversas com a R. CC, S.A. quanto aos pagamentos em atraso, todos documentados, alegando que os atrasos nos pagamentos da energia produzida geravam incumprimento dos compromissos financeiros que tinham sido assumidos com o investimento na criação da unidade de mini-produção, nomeadamente os assumidos com o crédito efectuado pelo 2º A., tendo havido um contacto da 1ª R. a dizer que o problema residia no facto de o distribuidor (a aqui 2ª R.) não estar a enviar as respectivas leituras da energia produzida;

- Nesse contexto, a A. AA, Lda. viu-se obrigada a atrasar os pagamentos aos seus fornecedores; e o seu sócio, A. BB, a suportar o pagamento dos encargos por conta do financiamento efectuado na instalação da unidade de mini-produção, sendo que solicitaram esclarecimentos à R. DD, S.A., que informou que as leituras estavam a ser devidamente comunicadas à R. CC, S.A.;

- Apenas em 13 de Setembro de 2013 a R. DD procedeu ao pagamento de 33 9327 KWH de energia no valor de € 84.797,82, acrescidos do respectivo IVA;

- Na ocasião, a A. AA, Lda. ainda não podia aceder ao crédito bancário para obter financiamento para o investimento – por estar a iniciar a sua actividade – e assim foi convencionado entre os sócios que ele seria realizado com capital próprio de cada um, a título de suprimentos para a sociedade, pelo período de 12 meses, tempo que seria o necessário para que as instituições financeiras lhe concedessem o crédito, dado que receberia pagamentos de 30 em 30 dias após a assinatura do contrato em causa;

- O sócio BB teve de recorrer a crédito bancário para efectuar um investimento de € 135.000,00, o que fez por estar convencido do cumprimento do contrato celebrado entre a A. AA, Lda. e a R. CC, S.A., sendo que, se tudo tivesse corrido normalmente, em 12 meses a A. AA, Lda. reuniria as condições necessárias para poder contrair um empréstimo que serviria para o reembolso dos referidos suprimentos;

- O incumprimento do contrato dos autos comportou prejuízos para o A. BB, no caso o prolongamento do pagamento dos encargos assumidos por conta do crédito acima referido, num montante de € 8.637,23, cujo ressarcimento é da responsabilidade das RR;

- Em 10 de Abril de 2013, a A. AA, Lda. assinou um contrato denominado de “Contrato de Autorização de Instalação de Miniprodução” com a empresa EE - Extração de Granitos, Lda. com um investimento de € 161.815,00, avançando as previsões de produção de energia solar fotovoltaica;

- Encetaram negociações para obterem financiamento, mas (dado que a conta que devia estar aprovisionada para satisfação das prestações não o estava por falta de pagamento das RR.), em 5 de Agosto de 2013, a EE, Lda. denunciou o contrato em questão, explicando que a A. AA, Lda. não iniciou os trabalhos na instalação da unidade de mini-produção;

- Essa denúncia causou à A. AA, Lda. uma perda de lucros no valor calculado de € 150.000,00.


A R. DD - Serviço Universal, S.A. contestou, alegando em síntese: que a competência para a contagem e comunicação das leituras para efeito de facturação recai sobre a DD – Distribuição, S.A.; que, de qualquer modo, a R. DD, Serviço Universal procedeu ao pagamento da energia produzida pela A., no valor de € 104.301,32, quando não estava obrigada a fazê-lo, respeitante ao período de facturação que era da exclusiva responsabilidade da R. CC, S.A., quanto ao período de 17/11/2012 a 12/09/2013; e só não o fez mais cedo porque a R. CC não lhe forneceu os dados mais cedo; que, assim que foi possível a transição do processo da R. CC para a R. DD (em 10 de Setembro de 2013), foram feitos todos os pagamentos referentes à energia produzida, pelo que não lhe poderá ser assacada qualquer responsabilidade.

Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.


A R. CC, S.A. contestou, alegando em síntese: não ter sido parte no contrato em causa; não ter o A. BB legitimidade para peticionar uma indemnização pelo suposto incumprimento do contrato; não ter obtido qualquer indicação por parte do “Operador de Rede de Distribuição” da data de activação da referida instalação e do início da produção; estar dependente do envio das leituras/contagens/medidas por parte do “Operador de Rede de Distribuição” de que tais montantes lhe fossem previamente liquidados por parte do distribuidor; mais comunicou à A. que o erro e falta de cumprimento haviam sido admitidos pelo distribuidor e que a DD iria assumir o pagamento da energia produzida pela instalação em causa desde a data da sua ligação.

Concluiu pela ilegitimidade do 2º A. e pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.


A fls. 77v, os AA. apresentaram nova petição corrigida, com alteração de alguns artigos e aditamento de outros.

Por outro lado, alteraram, reduzindo, os pedidos de condenação das RR. a pagarem à A. AA, Lda., a título de juros de mora, a quantia de €3.207,06, e uma indemnização complementar no valor de € 150.000,00, e a pagarem ao A. BB a quantia de € 8.637,23.

Tendo, desde logo, tomado posição acerca da excepção de ilegitimidade do A. BB, declarando que, quanto a este A., a responsabilidade das RR., designadamente da R. CC não se situa no campo da responsabilidade contratual. Além de que as RR., particularmente a R. CC, foram múltiplas vezes interpeladas para cumprir, do mesmo modo que foram alertadas para os prejuízos decorrentes do incumprimento que, reflexamente, causavam ao A. BB.

Concluem pugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade.


A fls. 102v, a R. CC respondeu à petição inicial corrigida nos mesmos termos da anterior contestação.


A fls. 108, foi proferido despacho saneador a julgar improcedente a invocada excepção de ilegitimidade do A. BB.

A fls. 309, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:

“1. Condenando a Ré CC a pagar à Autora a quantia de € 116.667,00 e ao Autor BB a quantia de € 6.717,85, acrescidas dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal aplicável, desde a data de citação até efetivo integral pagamento.

2. Absolvendo do pedido a Ré DD - SERVIÇO UNIVERSAL, S.A..”


Inconformada, a R. CC interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 432 foi alterada a matéria de facto e, a final, foi julgada procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se a R. CC do pedido.


2. Vêm os AA. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

“1ª - O Tribunal de primeira Instância fez uma análise crítica de todos os meios de prova carreados para os autos, maxime documental e testemunhal, concatenando todos eles, referindo expressamente, além de mais, que realizara uma “fundamentação una dos factos provados e dos indemonstrados”, incidíveis dada a natureza da matéria em causa, e essencial para a compreensão dos mesmos e para a fundamentação da convicção que o levou a decidir, em consonância com o princípio da livre apreciação da prova e do capital princípio da imediação, tendo conjugado, confrontado e entrecruzado todos os meios de prova produzidos.

2ª – Entre a Autora/Recorrente AA e a recorrida CC, foi celebrado um contrato designado de “CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ENERGIA ELÉCTRICA UNIDADES DE MINIPRODUÇÃO”, onde aquela figura como “Produtor” e esta como “Comercializador”, sendo que a fonte de energia da unidade de miniprodução é do tipo solar.

3ª - As Cláusulas 7.ª, 8.ª e 9.ª de tal contrato, definem o modo de facturação, o regime remuneratório, preços e o pagamento, ou seja, a facturação é mensal o pagamento é de €0,2499 por KWH conforme o Decreto-Lei 34/2011 de 8 de Março.

4ª - O primeiro investimento da Autora/Recorrente ocorreu na instalação da unidade registada no Sistema de Registo de Mini produção (SRMini) com o Nº MN2011000264 com o certificado de exploração a que corresponde o CPE PT0002…4CQ, aquela objecto daquele contrato, e foi de €259 145,74 (duzentos e cinquenta e nove mil cento e quarenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos).

5ª - A Autora AA ainda não podia aceder ao crédito bancário para obter aquele montante, uma vez que estava a iniciar a sua actividade, pelo que o investimento seria realizado com capital próprio de cada um dos sócios a título de suprimentos para a sociedade, pelo período de 12 meses, tempo que seria o necessário para que as instituições financeiras lhe concedessem o crédito.  

6ª - Com os pagamentos mensais que a recorrida CC teria que efectuar de 30 em 30 dias, por contrapartida da energia produzida e injectada na rede as instituições financeiras em 12 meses estariam em condições de conceder crédito à Recorrente AA.

7ª - O Recorrente BB contraiu junto da Caixa FF um crédito pessoal denominado CP TRANSVERSAL COM GARANTIA HIPOTECÁRIA 039….4, no valor de €135 000,00 (cento e trinta e cinco mil euros), pelo período, imposição bancária, de 84 meses e com uma TANB de 11,6 %.

8ª - A ligação da unidade da miniprodução de energia foi efectuada em 16 de Novembro de 2012.

9ª - Em 13 de Fevereiro de 2013 a Recorrida CC ainda não tinha creditado qualquer valor por conta do contrato assinado com a Autora AA, embora comercializasse aquela energia.

10ª - No dia 13 de Setembro de 2013 a DD procedeu ao pagamento à Autora/Recorrente AA de 33 9327 KWH de energia no valor de €84.797,82,00 (339 327 KWHx€0,2499=€84 797,82) acrescidos do respectivo IVA no valor global de €104.301,32, (cento e quatro mil, trezentos e um euro e trinta e dois cêntimos).

11ª - Devido ao atraso de 9 meses nos pagamentos da energia por parte da Recorrida CC à Recorrente AA, o Recorrente BB foi obrigado a prolongar o pagamento dos encargos assumidos por conta do crédito referido supra no valor total de €8.637,23 (oito mil seiscentos e trinta e sete euros e vinte e três cêntimos).

12ª - A Recorrente AA não reuniu as condições necessárias para poder contrair um empréstimo que serviria para o reembolso dos suprimentos dos seus sócios em razão da falta do pagamento mensal a que a Ré CC estava obrigada.

13ª - Em 10 de Abril de 2013, a Recorrente AA acordou com a EE – Exportação de Granitos, Lda., que esta, na qualidade de titular de uma instalação de energia elétrica, de acordo com a alínea a), do nº 1, do artigo 3.º do Decreto-Lei 34/2011, que esta autorizava aquela a instalar uma unidade de miniprodução nas suas instalações.

14ª - A unidade de miniprodução seria instalada por conta da Autora AA e o investimento seria no valor de €161 815,00 (cento e sessenta e um mil oitocentos e quinze euros) acrescidos de IVA.

15ª - De acordo com as previsões do instituto da Comissão Europeia, JRC, que estuda e prevê a produção de energia solar fotovoltaica, tendo em conta nomeadamente o número de painéis solares, a sua capacidade de produção e a localização da unidade, a produção de energia eléctrica nos 14 anos era de 3 018 846 KWH, com uma tarifa de € 0,1499 por KWH.

16ª - Em 16 de Julho de 2013 a Recorrente AA foi chamada à atenção pela Caixa FF. [na qual] para o facto de não apresentar qualquer movimento na conta domiciliada para a receita mensal com origem no contrato de compra e venda de energia eléctrica celebrado com a Ré CC pelo que, devido ao facto daquela conta não apresentar qualquer movimento, quando naquela altura- Julho de 2013 -deveria ter sido creditado pelas Rés pelo menos o valor de €75 264,63 (setenta e cinco mil duzentos e sessenta e quatro euros e sessenta e três cêntimos) (244861 KWHx0,2499+23%), a Caixa FF negou o financiamento à Autora AA.

17ª - Em 5 de Agosto de 2013, a EE - Extração de Granitos, Lda. denunciou o contrato de autorização de instalação de Miniprodução (MN2013000037) que tinha celebrado com a Autora AA.

18ª - A denúncia deste contrato causou na Recorrente AA uma perda de lucros no valor calculado de €150 000,00 (cento e cinquenta mil euros).

19ª - As leituras da instalação da produção de mini energia em causa apenas foram sendo comunicadas pelo Operador de Rede à Ré CC desde fevereiro a agosto de 2013.

20ª - Nos termos do artigo 406º nº 1 do Código Civil, os contratos devem ser pontualmente cumpridos.

21ª - Estipula o artigo artº 798º que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”, e, conforme consigna o artigo 799º, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (nº 1), sendo que a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (nº 2).

22ª - São pressupostos da responsabilidade civil, seja contratual seja extracontratual: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

23ª - No caso não existe simples mora no pagamento da electricidade produzida e fornecida à rede pela Recorrente, mas sim um incumprimento defeituoso do contrato, gerador da obrigação de indemnizar.

24ª - Resulta da factualidade provada que os factos que traduzem o incumprimento contratual pela recorrida CC foram causa directa e necessária dos danos e prejuízos elencados.

25ª - O douto acórdão recorrido violou nomeadamente os artigos 405º, 406º, 562º, 563º, 564º, 798º, 799º, 804º e 806º, todos do Código Civil.

Termos em que deverá o recurso merecer provimento, revogando-se o Acórdão recorrido, em conformidade com as conclusões que antecedem, mantendo-se consequentemente a sentença da primeira instância.”


A Recorrida CC, S.A. contra-alegou concluindo nos termos seguintes:

“(…)

II. Não obstante o disposto no número 3 do artigo 673º do C.P.C., a ora Recorrida CC não pode deixar de se insurgir contra o teor da 1ª conclusão do recurso dos Recorrentes, porquanto a decisão da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de primeira instância merece toda a censura de que foi alvo no douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, uma vez que da leitura da fundamentação dada pelo Tribunal de primeira instância às decisões por si proferidas em sede de matéria de facto, não é percetível com base em que meios de prova ou em que considerações terá tal Tribunal chegado às suas conclusões, não explicitando o juiz do Tribunal de primeira instância o modo como cada um dos meios de prova (documental e testemunhal) o influenciaram e lhe criaram a convicção que o levou a decidir no sentido da condenação parcial da ora Recorrida CC.

III. Sendo certo que alguns dos factos dados como provados pelo Tribunal de primeira instância, tiveram por base documentos que não existem, nem nunca foram juntos aos autos (vejam-se os pontos 29, 30, 31 e 32), outros factos eram conclusivos (veja-se o ponto 41), outros desconsideraram os meios de prova documental e testemunhal (vejam-se os pontos 43, 46, 47, e 52).

IV. As conclusões 2ª a 17ª do recurso dos Recorrentes reproduzem, no essencial, os factos considerados provados nos presentes autos com os pontos 1, 3, 5, 6, 7, 8, 11, 13, 15, 23, 25, 26, 29, 33, 34, 38 e 39, sendo certo que de tais conclusões de recurso, bem como dos factos dados como provados, não se retiram as conclusões pretendidas pelos Recorrentes, quanto às suas pretensões indemnizatórias, revogação do Acórdão recorrido e manutenção da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância.

V. Os Recorrentes alegam que a Recorrida CC deverá ser condenada no âmbito da responsabilidade contratual, imputando-lhe o ilícito que reside no incumprimento contratual da obrigação de proceder à faturação e pagamento mensal, no âmbito do contrato celebrado entre a Recorrente AA, Lda e a Recorrida CC, designado de “Contrato de Compra e Venda de Energia Elétrica Unidades de Produção”, desde a data em que ocorreu a instalação da unidade de microprodução em causa nos presentes autos (12 de Novembro de 2012) até à data da conclusão da transição do processo e deste contrato para a Ré DD, Serviço Universal (12 de Setembro de 2013).

VI. Ao invés do que pretendem os Autores e como muito bem refere o douto Acórdão recorrido, as relações e vicissitudes contratuais, papel de cada uma das entidades envolvidas, bem como os fatores e reveses demonstrados pelos factos provados e relacionados com o processamento da faturação e [d]o pagamento do preço da energia produzida pela unidade em causa nos presentes autos, são concausas da mora na faturação e pagamento, suficientes para afastar a presunção de culpa que impende sobre a Recorrida CC, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 799º do Código Civil.

VII. O douto Acórdão recorrido não merece qualquer censura por tal entendimento e identifica de forma fundamentada e demonstrada todos os fatores, vicissitudes e reveses relacionados com o processamento da faturação e do pagamento que concorreram para que a 1ª faturação e pagamento viesse a ocorrer unicamente em 12 de Setembro de 2013. Tais concausas da mora na faturação e pagamento são:

VIII.  Em primeiro lugar, a dependência da Recorrida CC, relativamente à DD Distribuição, quanto ao envio das leituras, as quais só a DD Distribuição podia fornecer, o que apenas fez em Fevereiro de 2013 e apenas tendo fornecido um valor acumulado que não permitia à Recorrida CC proceder à faturação em separado de cada um dos meses, nem pagar atempadamente à Recorrente AA.

IX. Nesta sede, alerta-se que, ao invés do que consta na conclusão 19ª do recurso dos Recorrentes, o que está provado no ponto 43 dos factos dados como provados, com as alterações introduzidas no douto Acórdão recorrido é o seguinte: “43. As leituras da instalação da produção de mini energia em causa apenas foram sendo comunicadas pelo Operador de Rede à Ré CC desde fevereiro a agosto de 2013, e apenas foi sendo comunicado um valor acumulado desde o início da produção”.

X. A segunda vicissitude prende-se com a alteração da legislação aplicável, a 19 de Fevereiro de 2013, aquando da publicação do Decreto-Lei nº 25/2013 que, reconhecendo as dificuldades práticas e operacionais, seja no que respeita à articulação entre o comercializador de último recurso (DD Serviço Universal), os comercializadores e os produtores no processo de aquisição da energia produzida pelas unidades de microprodução e miniprodução em regime bonificado (…), veio alterar os regimes jurídicos da micro produção e miniprodução, cometendo apenas ao comercializador de último recurso a obrigação de celebrar com os microprodutores e os miniprodutores contratos de compra e venda da eletricidade produzida pelas respetivas unidades (…), com imediata aplicação à unidade de microprodução em causa nos presentes autos.

XI. A terceira vicissitude prende-se com as comunicações enviadas via e-mail à Recorrida pela Ré DD, Serviço Universal e DD, Soluções Comerciais, maxime o e-mail datado de 22 de Abril de 2013, enviado pela DD, Soluções Comerciais à Recorrida CC (junto a fls. 254 do processo físico), comunicando-lhe que “envio a resposta para as situações em que a CC não recebeu leituras de instalações de produção indicando que a DD Serviço Universal no momento da cessão contratual assumirá as leituras desde o início. O objetivo é que nenhum período de produção seja faturado em duplicado”.

XII. Como refere e bem o douto Acórdão do Tribunal recorrido, perante a comunicação supra transcrita, a Recorrida CC só podia deduzir que não tinha de emitir qualquer facturação relativamente à unidade de microprodução em causa nos presentes autos e que deveria concentrar os seus esforços na transição dos contratos. Confirmando-se que era, de facto, esta a ideia das entidades envolvidas nesta transição, resulta provada a emissão da fatura de toda a energia produzida desde a data da ligação à rede – 16 de Novembro de 2012 – até à data da transição – 12 de Setembro de 2013, por parte da Ré DD, Serviço Universal, no preciso dia em que esta entidade deu por concluído o processo de transição da unidade da AA.

XIII. Como também refere e bem o douto Acórdão do Tribunal recorrido, no que diz respeito à transição do contrato em causa nos presentes autos para a Ré DD, Serviço Universal, não se percebe por que motivo a DD, Soluções Comerciais ficou à espera que a Recorrida CC lhe enviasse os elementos solicitados quando a plataforma SRMini – sistema de registo de produção – conteria a maior parte dos elementos pretendidos pela DD, Soluções Comerciais, dados esses que igualmente poderiam ter sido solicitados à DD Distribuição.

XIV. Da legislação aplicável à data da instalação da unidade de microprodução da AA, dos documentos juntos aos autos a fls. 15, 15v., 16, 58v., 59, 60 (troca de e-mails entre a Recorrente AA e a Recorrida CC), bem como dos factos provados, outra não pode ser a conclusão de que a Recorrida CC funcionava como uma mera intermediária entre os Mini e Micro Produtores e a DD: a energia era injetada diretamente na rede pelo produtor e era adquirida pela DD que, após receber a respetiva faturação a emitir pela CC, procedia ao pagamento à CC da energia produzida, e esta, por sua vez, procedia ao seu pagamento ao produtor.

XV. Contudo, quem procedia e procede à ligação da unidade de miniprodução à rede, quem sela o contador e quem tem acesso direto e imediato às leituras da energia produzida, não era a Recorrida CC (enquanto comercializadora), mas sim a DD Distribuição (cfr. artigo 21º do DL 34/2011, é o operador da rede de distribuição que procede à ligação da unidade de miniprodução à RESP e, segundo o ponto 9. da cláusula 6ª do contrato de compra e venda celebrado entre a Recorrente AA e a Recorrida CC, “o Operador da Rede de Distribuição é a entidade responsável pela leitura dos equipamentos de medição”.

XVI. A Recorrida CC dependia, para cumprimento escrupuloso dos contratos como o que está em causa nos presentes autos, de outras entidades, de terceiros, designadamente da DD Distribuição, a qual tem a obrigação de proceder e enviar as leituras, o que não fez desde a data em que ocorreu a ligação à rede (16 de Novembro de 2012).

XVII. Quanto às pretensões indemnizatórias dos Autores, ora Recorrentes BB e AA Lda., nenhuma censura merece o douto Acórdão recorrido ao concluir que as mesmas improcedem, ainda que se considerasse que a demonstração das demais concausas da mora na faturação e pagamento, conforme supra descritas, não seriam suficientes para afastar a presunção de culpa que impende sobre a Ré CC, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 799º do Código Civil.

XVIII. Quanto à pretensão do Recorrente BB, sempre se dirá que no âmbito da responsabilidade contratual não são indemnizáveis os danos causados a terceiro pelo incumprimento do contrato.

XIX.  O Recorrente BB não é parte no contrato de compra e venda de energia em causa nos presentes autos, porquanto não intervém no mesmo na qualidade de Titular ou Produtor, pelo que nem este Recorrente tinha o poder ou faculdade de exigir da Recorrida CC qualquer atuação ou realização de uma prestação, nem a Recorrida CC tinha nenhuma obrigação ou dever de prestar para com o Autor BB. A relação da sociedade AA, Lda, para com os seus sócios e vice-versa, nunca poderia dizer respeito à Recorrida CC.

XX. Os factos provados demonstram que o alegado contrato de mútuo celebrado em nome do Recorrente BB, sempre teria de ser celebrado ou por este Recorrente ou pela Recorrente AA, Lda (uma vez que esta não podia aceder a crédito bancário por se encontrar em início de atividade, foi convencionado entre os sócios que o investimento seria realizado com capital próprio de cada um a título de suprimentos para a sociedade, pelo período de 12 meses, tempo que seria o necessário para que as instituições financeiras concedessem o crédito à Recorrente AA). Ora, em ambos os casos, sempre seriam devidos encargos associados a tal empréstimo. Em ambos os casos, todos e quaisquer encargos sempre seriam a suportar pela Recorrente AA, Lda, uma vez que esta era, de facto, a beneficiária do empréstimo e a única responsável por reembolsar o seu sócio pelo capital investido, bem como pelos encargos que este suportasse, pelo que o atraso na faturação e pagamento não causou qualquer agravamento nos custos associados ao mútuo, nem constitui qualquer prejuízo a carecer de indemnização.

XXI. Por outro lado, também no âmbito da responsabilidade civil ou extracontratual subsiste a regra geral de que são apenas reparáveis os danos causados ao titular dos bens directamente atingidos e não já os de terceiro.

XXII. Quanto à pretensão indemnizatória da Recorrente AA, Lda, alerta-se, desde já, que a conclusão 18ª do recurso dos Recorrentes não consta dos factos dados como provados. Esta conclusão correspondia ao ponto 41 dos factos considerados provados pelo Tribunal de primeira instância, ponto que foi alterado pelo douto Acórdão recorrido em sede de apreciação sobre a impugnação da matéria de facto.

XXIII. Não resulta dos factos provados nos presentes autos que a denúncia do contrato/acordo de autorização de instalação de Miniprodução (MN2013000037), que tinha sido supostamente celebrado entre a sociedade EE - Extração de Granitos, Lda e a sociedade AA, Lda, tenha causado na Recorrente AA uma perda de lucros no valor calculado de 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros). Tal ponto da matéria de facto foi alterado e bem no douto Acórdão recorrido, uma vez que o seu teor surgia como perfeitamente conclusivo, na parte em que afirmava “causou uma perda de lucros no valor calculado de € 150.000,00.”

XXIV. O facto dado como provado nos presentes autos, como ponto 41, com as alterações introduzidas pelo douto Acórdão recorrido tem a seguinte redação: “41. Segundo as previsões efetuadas pela autora AA, o projeto de miniprodução a instalar na EE, permitir-lhe-ia arrecadar lucros no valor de estimado de 150.000,00 €, os quais correspondem ao valor de receita líquida dos 14 anos de exploração deduzidos, para além do investimento necessário, referido em 31, os 12% da renda e ainda respetiva manutenção da unidade

XXV.   Só estão provadas meras previsões! Não está provado que, se o negócio tivesse ido para a frente, a ora Recorrente AA teria uma estimativa de lucro na ordem dos € 150.000,00, nem está provado que a desistência da EE tivesse impossibilitado definitivamente a Recorrente AA de montar o negócio em questão ou outro semelhante com a sociedade EE ou com outra empresa, nem está provado que a desistência da EE em Agosto de 2013, impedisse as partes de virem a concretizar a instalação da miniprodução, em Setembro de 2013 (quando a Recorrente AA veio a receber os cerca de € 70.000,00 relativos à energia até aí produzida pela unidade instalada na HH), desconhecendo-se até, por não ter sido alegado, nem provado, por que motivo o negócio não é concretizado em Setembro de 2013, quando a Recorrente AA recupera a totalidade dos pagamentos em atraso.

XXVI. In casu, a Recorrente AA, Lda fundamenta a sua pretensão indemnizatória com base no atraso na faturação e pagamento da eletricidade por si produzida e injetada na rede, pelo que nos encontramos perante uma situação de mora no cumprimento de uma obrigação pecuniária, concluindo e bem o douto Acórdão recorrido que na responsabilidade contratual, a indemnização pela mora no cumprimento de obrigações pecuniárias encontra-se fixada à fortait, correspondendo necessariamente aos juros devidos, sem que seja facultada ao credor a prova de que o dano sofrido é superior (cfr. artigos 804º e 806º do C.C.). Neste sentido, cita-se doutrina dominante, maxime definição de MANUEL DE ANDRADE, obrigações pecuniárias “são aquelas em que a prestação debitória tem por objeto dinheiro”, visando proporcionar o respetivo valor, in “Teoria Geral do Direito Civil”, p. 215, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, Vol. II, Coimbra Editora, p. 69, ANA PRATA, in “Código Civil Anotado”, Volume I, 2017, Almedina, Coordenação de Ana Prata, p. 1012 e p. 1013, ADRIANO VAZ SERRA, in “A mora do devedor”, BMJ nº 48, Maio 1955, p. 100, bem como jurisprudência, maxime Acórdão do S.T.J., de 13.07.2017, proc. n.º 188/14.3T8PBL.C1.S1, disponível em     www.dgsi.pt, “num caso de responsabilidade contratual (…), a indemnização pelo não pagamento da quantia correspondente à perda total reconduz-se tão só ao pagamento de juros moratórios sem que haja lugar ao pagamento de uma indemnização suplementar por danos superiores ao montante dos juros, uma vez que a previsão do nº 3, do art. 806º, do CC, é aplicável apenas à responsabilidade civil extracontratual”.

XXVII. A função da indemnização é a de reparar danos e não, como os Autores peticionam e o Tribunal de primeira instância decidiu, uma fonte de enriquecimento sem fundamento e de vantagens e aproveitamentos dos devedores (sejam eles quem forem).

XXVIII. Refere o douto Acórdão recorrido que aqui chegados fica prejudicada a questão também levantada pela Recorrida CC, em sede de recurso de apelação, relativamente à falta de prova da probabilidade de ocorrência dos danos sofridos pela AA, Lda e da (ir)relevância do atraso nos pagamentos na ocorrência de tais danos.

XXIX. Nesta sede, é de salientar e valorar que no texto do douto Acórdão recorrido, não foi ignorado o artifício, malabarismo e aproveitamento malicioso por parte dos Autores, ora Recorrentes nos presentes autos, para ficcionar um pedido de indemnização por alegados lucros cessantes, conforme consta mencionado a folhas 12 de tal Acórdão.

XXX.  Na verdade, as partes intervenientes no suposto contrato/acordo celebrado entre a Recorrente AA e a sociedade EE - Extração de Granitos, Lda, em que esta, na qualidade de titular de uma instalação de energia elétrica, autorizava a AA a instalar uma unidade de miniprodução nas suas instalações transferindo-lhe a qualidade de “Produtor” (cfr. documento de fls. 23 dos autos, que não está sequer assinado), bem como as partes envolvidas na denúncia de um suposto contrato/acordo (cfr. facto provado no ponto 39), que fundamenta a pretensão indemnizatória da Recorrente AA, Lda, nos presentes autos e no valor de € 150.000,00, estão intimamente relacionadas.

XXXI. Quem aparece em representação da EE, no suposto contrato/acordo mencionado nos pontos 29 e 39 dos factos provados, que salienta-se, não está assinado por qualquer dos identificados contraentes, em representação da sociedade EE - Extração de Granitos, Lda, é GG, também sócio gerente da aqui Recorrente AA, Lda, bem como presidente da HH, um dos outorgantes do contrato de compra e venda de Energia Elétrica Unidades de Miniprodução, celebrado com a Ré CC, ora Recorrida. Ou seja, o referido GG era presidente da administração da HH, S.A. e gerente da AA e da EE.

XXXII. Mais, a Recorrente AA, Lda. é uma sociedade por quotas, constituída em Setembro de 2012, com um capital social de € 5.000,00, dividido em duas quotas, uma de € 2.450,00 pertencente ao Autor BB e outra de € 2.550,00 pertencente à empresa II - SGPS, Lda., esta última também sócia maioritária da EE - Extração de Granitos, Lda.

XXXIII. Por sua vez, a sociedade EE - Extração de Granitos, Lda. (sociedade “locadora” que concedeu a autorização para instalação da miniprodução), tinha como sócio maioritário a sociedade II - SGPS, Lda., esta última sócia (com mais de 50%) da Autora AA, Lda. (conforme https://publicacoes.mj.pt).

XXXIV. Acresce que o suposto contrato/acordo com a sociedade EE - Extração de Granitos, Lda., apenas foi celebrado já depois de a Recorrida CC ter entrado em mora, menos merecendo consequentemente tutela.

XXXV. Ao invés do que os Recorrentes alegam, in casu, ficou apenas demonstrada a existência de um atraso na faturação e no pagamento da energia produzida pela unidade de microprodução em causa nos presentes autos. Mais ficou demonstrado que tal mora se deveu a fatores e vicissitudes legais e contratuais que, juntamente com a conduta da Recorrida CC, concorreram para que a 1ª faturação e pagamento viesse a ocorrer apenas em 12 de Setembro de 2013, suscetíveis e suficientes para afastar a presunção de culpa que impende sobre a Recorrida CC, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 799º do C.C.

XXXVI. Nenhuma censura merece o douto Acórdão recorrido, nem o mesmo violou os artigos 405º, 406º, 562º, 563º, 564º, 798º, 799º, 804º e 806º, todos do Código Civil.”


         Cumpre apreciar e decidir.


3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias):

1. Em 8 de Novembro de 2012 a 1ª Autora, doravante designada de Autora AA, e a 1ª Ré, doravante designada de Ré CC, celebraram um contrato designado de “CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ENERGIA ELÉCTRICA UNIDADES DE MINIPRODUÇÃO”, onde a Autora AA figura como “Produtor” e a Ré CC como “Comercializador”, sendo que a fonte de energia da unidade de miniprodução é do tipo solar.

2. O objeto do contrato referido na alínea anterior é o que consta da sua Cláusula 1.ª, ou seja:

“ 1. O Titular possui um contrato de compra e venda de energia eléctrica em média tensão, celebrado com o Comercializador, para a instalação sita em Zona Industrial …, LT17, … …, com o Código de Ponto de Entrega PT00020…4FL, e a potência contratada de 500,00 KW.

2. O Titular autorizou o Produtor, mediante contrato escrito celebrado entre ambos, a estabelecer uma unidade de mini produção, na instalação de utilização de energia eléctrica identificada no número 1 da presente cláusula, a qual se encontra registada no Sistema de Registo de Mini produção (SRMini) com o Nº MN2011000264 e possui o certificado de exploração, a que corresponde o CPE PT0002…4CQ.

3. O Comercializador obriga-se a adquirir ao Produtor a totalidade da energia eléctrica produzida, líquida dos serviços auxiliares, entregue na rede receptora até ao limite da potência referida no nº 1 da cláusula 3.ª e, no caso de Produtor com acesso ao regime bonificado, com valor máximo de energia previsto no nº 2 da cláusula 3.ª.

4. A Produtor entregará à rede a energia eléctrica nas condições estipuladas na legislação e nos regulamentos aplicáveis”.

3. As Cláusulas 7.ª, 8.ª e 9.ª, definem o modo de facturação, o regime remuneratório, preços e o pagamento, ou seja, a facturação é mensal o pagamento é de € 0,2499 por KWH conforme o Decreto-Lei 34/2011 de 8 de Março.

4. A Autora AA é uma sociedade por quotas, constituída em Setembro de 2012, com um capital social de €5000,00, dividido em duas quotas, uma de €2450,00 pertencente ao Autor BB e outra de €2550,00 pertencente á empresa II - SGPS, Lda e que tinha como objecto a produção, comercialização de energia eléctrica e instalação e manutenção de instalações eléctricas.

5. O primeiro investimento da Autora sociedade ocorreu na instalação da unidade registada no Sistema de Registo de Mini produção (SRMini) com o Nº MN2011000264 com o certificado de exploração a que corresponde o CPE PT0002…4CQ, aquela objeto do contrato ajuizado.

6. O investimento total com a instalação da unidade supra referida foi de €259 145,74 (duzentos e cinquenta e nove mil cento e quarenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos).

7. Uma vez que a Autora AA ainda não podia aceder ao crédito bancário para obter aquele montante, uma vez que estava a iniciar a sua atividade, foi convencionado entre os sócios que o investimento seria realizado com capital próprio de cada um a título de suprimentos para a sociedade, pelo período de 12 meses, tempo que seria o necessário para que as instituições financeiras lhe concedessem o crédito.

8. Com a assinatura do contrato referido em 1 e 2, com os pagamentos mensais que a Ré CC teria que efetuar de 30 em 30 dias, por contrapartida da energia produzida e injetada na rede e com o contrato de cedência dos direitos do produtor da unidade supra melhor identificada pelo período de 9 anos, as instituições financeiras em 12 meses estariam em condições de conceder crédito à Autora AA.

9. Como tal os sócios da Autora AA emprestaram €265 000,00 (duzentos e sessenta e cinco mil euros), nas seguintes proporções: o sócio aqui também Autor BB €135 000,00 (cento e trinta e cinco mil euros) e a sócia II - SGPS, Lda., €130 000,00 (cento e trinta mil euros)

10. A sócia da Autora AA a II - SGPS, Lda tinha capital em carteira, o que não acontecia com o sócio BB que teve de recorrer a crédito bancário para o efetuar referido investimento.

11. O Autor BB em 27 de Setembro de 2012 contratou com a Caixa FF um crédito pessoal denominado CP TRANSVERSAL COM GARANTIA HIPOTECÁRIA 03…84, no valor de €135 000,00 (cento e trinta e cinco mil euros), pelo período, imposição bancária, de 84 meses e com uma TANB de 11,6 %, [alterado pela Relação].

[redacção anterior do facto 11: O Autor BB em 27 de Setembro de 2012 contratou com a Caixa FF um crédito pessoal denominado CP TRANSVERSAL COM GARANTIA HIPOTECÁRIA 03…84, no valor de €135 000,00 (cento e trinta e cinco mil euros), pelo período, imposição bancária, de 84 meses e com uma TANB de 11,6 %, empréstimo contraído apenas porque aquele Autor estava convencido do cumprimento do contrato celebrado entre a Autora AA e a Ré CC.]

12. A energia produzida pela Autora AA era normalmente comercializada pelas Rés CC e DD cobrando dos seus clientes mensalmente o respetivo preço.

13. A ligação da unidade da miniprodução de energia, supra melhor identificada, foi efetuada em 16 de Novembro de 2012.

14. No dia 7 de Dezembro de 2012, via correio eletrónico, a gerência da Autora AA alertou a Ré CC para o facto de ainda não ter recebido o contrato junto sob o nº 1 devidamente assinado, bem como não poderem ocorrer atrasos nos pagamentos da energia produzida, uma vez que se tal sucedesse geraria incumprimento dos compromissos financeiros que tinham sido assumidos com o investimento na criação da unidade de miniprodução, nomeadamente os assumidos com o crédito efetuado pelo 2º Autor, BB, sócio gerente da Autora AA.

15. Em 13 de Fevereiro de 2013 a Ré CC ainda não tinha creditado qualquer valor por conta do contrato assinado com a Autora AA, embora comercializasse aquela energia, pelo que a Autora sociedade insistiu, novamente via correio eletrónico, nessa data.

16. A Autora AA foi entretanto contactada via telefone pela Ré CC referindo que estava a analisar a situação, afirmando que em princípio o problema residia no facto do distribuidor – no caso 2ª Ré – não estar a enviar as respetivas leituras da energia produzida.

17. Estes solicitaram então esclarecimentos à Ré DD a qual, de imediato, informou que as leituras estavam a ser devidamente comunicadas à Ré CC.

18. No dia 9 de Abril de 2013, a Autora AA, via correio eletrónico comunicou à Ré CC o conteúdo do email recebido do gestor de clientes da Ré DD, e mais uma vez alertava para as consequência do não pagamento atempado, nomeadamente para o incumprimento com os seus fornecedores, pagamento de juros e ainda para o facto de um dos sócios da Autora, o aqui Autor, BB, ter recorrido a um empréstimo bancário para a criação da unidade e cujas prestações estavam a vencer-se desde Outubro de 2012.

19. Em 3 de Junho de 2013 através de carta registada com aviso de receção, a Autora AA interpelou a Ré CC para o pagamento da energia produzida e que tinha sido injetada na rede desde 16 de Novembro de 2012 até ao dia 11 de Maio de 2013, naquela data acendia ao montante de pelo menos €36 034,73 (trinta e seis mil e trinta e quatro euros e setenta e três cêntimos) acrescidos de IVA, a que correspondiam 144 196 KWH produzidos, com uma tarifa para a unidade em causa de €0,2499 por KWH.

20. Após esta interpelação a Ré CC nada pagou e nada disse.

21. No dia 4 de Julho de 2013, através de carta registada com aviso de receção, a Autora AA interpelou a Ré CC e também a Ré DD para o pagamento da energia que tinha sido produzida e injetada na rede desde 16 de Novembro de 2012, que até àquela data rondaria o montante de pelo menos €50 000,00 (cinquenta mil euros) acrescidos de IVA.

22. Na sequência desta interpelação as Rés nada disseram tão pouco pagaram algo, na ocasião.

23. No dia 13 de Setembro de 2013 a Ré DD procedeu ao pagamento à Autora AA de 33 9327 KWH de energia no valor de €84.797,82,00 (339 327 KWHx€0,2499=€84 797,82) acrescidos do respetivo IVA no valor global de €104.301,32, (cento e quatro mil, trezentos e um euro e trinta e dois cêntimos), quantia titulada pela fatura nº 400…34, emitida em 12/9/2013, referente à energia produzida pela Autora no período compreendido entre 17-11-2012 (inicio dos efeitos do contrato celebrado com a CC) e 12-09-2013 data de conclusão do processo de transição dos processos.  

24. Face aos relatados atrasos no pagamento da energia produzida na mini produtora a Autora AA viu-se obrigada a atrasar os pagamentos aos seus fornecedores e o seu sócio – o Autor BB – a suportar o pagamento dos encargos por conta do financiamento efetuado na instalação da unidade de miniprodução, sendo que no que respeita à primeira tal sucedeu com a instaladora da unidade de miniprodução, a empresa JJ, Lda. ela que deveria ter recebido €25 000,00 da fatura nº 87/2012ª em 26/12/1012.

25. Devido ao atraso de 9 meses nos pagamentos da energia por parte da Ré CC à Autora AA, o Autor BB foi obrigado a prolongar o pagamento dos encargos assumidos por conta do crédito referido em 11 desta factualidade, pelo menos desde Dezembro de 2013 até Dezembro de 2014, no valor total de €8.637,23 (oito mil seiscentos e trinta e sete euros e vinte e três cêntimos) no qual se encontram incluídos os juros, despesas bancárias, seguro de vida e seguro do imóvel dado de garantia, suportados exclusivamente pelo Autor BB.

26. A Autora AA não reuniu as condições necessárias para poder contrair um empréstimo que serviria para o reembolso dos suprimentos dos seus sócios em razão da falta do pagamento mensal a que a Ré CC estava obrigada, uma vez que a Caixa FF., que apenas lhe concederia crédito desde que fosse comprovada a existência de receitas mensais com origem no contrato de fornecimento de energia elétrica, durante pelo menos um ano.

27. A Autora AA, em Janeiro de 2015, obteve o aludido crédito bancário, facto que sucedeu tendo em conta os pagamentos mensais que, a partir de Setembro de 2013, passaram a ser regularmente efetuados à Autora AA e, consequentemente, a provisionar a conta dela nº 039…30 na Caixa FF.

28. Pelas razões apontadas, apenas em Janeiro de 2015 o Autor BB logrou amortizar a totalidade do empréstimo, que lhe fora concedido por 84 meses, período este que lhe foi imposto pela instituição bancária.

29. Em 10 de Abril de 2013, a Autora AA acordou com a EE – Exportação de Granitos, Lda., que esta, na qualidade de titular de uma instalação de energia elétrica, de acordo com a alínea a), do nº 1, do artigo 3.º do Decreto-Lei 34/2011 – sendo titular de um registo para a produção de eletricidade também de acordo com o citado Dec. Lei, o qual lhe conferia o direito de instalação de uma unidade de miniprodução com recurso à tecnologia solar fotovoltaica e ainda porque disponha de registo de miniprodutor válido junto do sistema SRMini –, autorizava a Autora AA a instalar uma unidade de miniprodução nas suas instalações transferindo -lhe a qualidade de “PRODUTOR”, acordo que se regeria pelas cláusulas exaradas no doc. de fls. 23, exarado para o efeito e cujo teor aqui se dá por reproduzido. [alterado pela Relação]

[redacção anterior do facto 29: Em 10 de Abril de 2013, a Autora AA assinou um contrato denominado de “CONTRATO DE AUTORIZAÇÃO DE INSTALAÇÃO DE MINIPRODUÇÃO”, com a empresa EE – EXTRAÇÃO DE GRANITOS LDA., do qual faz parte integrante o seu anexo, no qual a EE autoriza, na qualidade de titular de uma instalação de energia eléctrica, de acordo com a alínea a), do nº 1, do artigo 3.º do Decreto-Lei 34/2011, sendo titular de um registo para a produção de electricidade também de acordo com o citado Dec. Lei, o qual lhe conferia o direito de instalação de uma unidade de miniprodução com recurso à tecnologia solar fotovoltaica e ainda porque disponha de registo de miniprodutor válido junto do sistema SRMini, a Autora AA a instalar uma unidade de miniprodução nas suas instalações transferindo -lhe a qualidade de “PRODUTOR”.]

30. [Eliminado pela Relação].

[facto 30 fixado na sentença: Acordaram as partes que pela cedência dos direitos de instalação e exploração da unidade, a Autora AA pagaria uma renda mensal equivalente a 12% da receita da venda de energia eléctrica, cujo valor seria pago no prazo de 5 dias a contar da data do pagamento efectuado ao produtor por parte do fornecedor.]

31. [Eliminado pela Relação].

[facto 31 fixado na sentença: Acordaram ainda que a exploração seria pelo prazo de 14 anos, bem como os requisitos da unidade a instalar, seguro, manutenção, acesso, deslocalização e paragens, nos termos das CLÁSULAS 2º, 3º, 4.º, 5.º, 6º, 7.º e 8.º.]

32. [Eliminado pela Relação].

[facto 32 fixado na sentença: O referido contrato poderia ser denunciado pela EE se a Autora AA não tivesse iniciado quaisquer trabalhos antes do dia 15 de Junho de 2013, sendo que seria também da exclusiva responsabilidade daquela o total cumprimento dos prazos legais para a instalação à rede da unidade de produção.]

33. A unidade de miniprodução seria instalada por conta da Autora AA e o investimento seria no valor de € 161 815,00 (cento e sessenta e um mil oitocentos e quinze euros) acrescidos de IVA.

34. De acordo com as previsões do instituto da Comissão Europeia, JRC, que estuda e prevê a produção de energia solar fotovoltaica, tendo em conta nomeadamente o número de painéis solares, a sua capacidade de produção e a localização da unidade, a produção de energia elétrica nos 14 anos era de 3 018 846 KWH, com uma tarifa de € 0,1499 por KWH.

35. A Autora AA procurou então junto de várias instituições financeiras financiamento para a instalação da dita unidade nomeadamente na Caixa FF, ocasião na qual - Maio de 2013 – a Autora sociedade já tinha produzido e injetado na rede cerca de 193 591 KWH x €0,2499, eletricidade produzida na referida unidade.

36. Naquela data ou momento os sócios da Autora AA não tinham qualquer possibilidade de obter financiamento individualmente uma vez que estavam já a assumir os compromissos financeiros com investimento efetuado na instalação da unidade de miniprodução da HH Granitos S.A..

37. Em 24 de Junho de 2013 e depois de várias conversações, a Autora AA solicita à Caixa FF uma simulação para um crédito no valor de €150 000,00 (cento e cinquenta mil euros), valor aproximado do investimento para a instalação da referida unidade.

38. Em 16 de Julho de 2013 obteve uma resposta via correio eletrónico, na qual aquela instituição chama à atenção para o facto da Autora não apresentar qualquer movimento na conta domiciliada para a receita mensal com origem no contrato de compra e venda de energia elétrica celebrado com a Ré CC pelo que, devido ao facto daquela conta não apresentar qualquer movimento, quando naquela altura - Julho de 2013 - deveria ter sido creditado pelas Rés pelo menos o valor de €75 264,63 (setenta e cinco mil duzentos e sessenta e quatro euros e sessenta e três cêntimos) (244861 KWHx0,2499+23%), a Caixa FF negou o financiamento à Autora AA.

39. Em 5 de Agosto de 2013, através de carta registada com aviso de recepção, a EE - Extração de Granitos, Lda. denunciou o contrato de autorização de instalação de Miniprodução (MN2013000037) que tinha celebrado com a Autora AA, uma vez que não tinham sido iniciadas quaisquer trabalhos de instalação da referida unidade.

40. A Autora AA não iniciou os trabalhos na instalação da unidade de Miniprodução (MN2013000037) da EE - Extração de Granitos, Lda. devido ao facto de não ter conseguido financiamento bancário, pelas apontadas razões.

41. Segundo as previsões efetuadas pela autora AA, o projeto de instalação e exploração da unidade de Miniprodução (MN2013000037) da EE - Extração de Granitos, Lda. permitir-lhe-ia arrecadar lucros no valor estimado de €150 000,00 (cento e cinquenta mil euros), os quais correspondem o valor da receita líquida dos 14 anos de exploração deduzidos, para além do investimento necessário, referido em 33 os 12% de renda e ainda a respetiva manutenção da unidade. [alterado pela Relação]

[redacção anterior do facto 41. A denúncia do contrato de instalação e exploração da unidade de Miniprodução (MN2013000037) da EE - Extração de Granitos, Lda. causou na Autora AA uma perda de lucros no valor calculado de €150 000,00 (cento e cinquenta mil euros), aos quais correspondem o valor da receita líquida dos 14 anos de exploração deduzidos, para além do investimento necessário, referido em 33 os 12% de renda e ainda a respectiva manutenção da unidade.]

42. Desde Maio de 2013 foi a Ré DD quem passou a gerir todos os pontos de microprodução e de miniprodução onde se inclui a unidade de miniprodução em causa nos autos, ainda que a Autora sociedade nunca tenha sido notificada formalmente de tal transferência.

43. As leituras da instalação da produção de mini energia em causa apenas foram sendo comunicadas pelo Operador de Rede à Ré CC desde fevereiro a agosto de 2013, e apenas foi sendo comunicado um valor acumulado desde o início da produção.

[redacção anterior do facto 43: As leituras da instalação da produção de mini energia em causa foram sendo comunicadas pelo Operador de Rede à Ré CC desde Janeiro de 2013.]

44. Na sequência da aplicação do Decreto-Lei 25/2013 de 19 de Fevereiro, relativo ao processo de aquisição da energia produzida pelas unidades de microprodução, nomeadamente na articulação das ações entre os 3 intervenientes no referido processo – o comercializador de último recurso, os comercializadores e os produtores – e da atribuição, em exclusivo, ao comercializador de último recurso – a DD SU – da obrigação de celebrar os contratos de compra e venda de eletricidade com os mini e micro produtores, eliminando a intervenção dos comercializadores, neste caso da Ré CC, o processo de transição dos 914 (novecentos e catorze) contratos de produção dos comercializadores para a DD SU apresentou várias dificuldades práticas, o que impossibilitou o cumprimento cabal dos “timings” inicialmente fixados.

45. A DD SU, por forma a operar a transferência dos contratos de produção de energia nos termos definidos pelo diploma legal referido supra, em 26 de Fevereiro de 2013 enviou um email a todos os comercializadores, incluindo a Ré CC, com o seguinte teor:

“ A fim de agilizar o processo de cedência de posição contratual previsto no Artigo 5.º do citado DL, vimos solicitar que a declaração de cedência venha acompanhada dos dados conforme estrutura constante dos ficheiros anexos, com as seguintes indicações de preenchimento:

i) Os ficheiros estão divididos por atividades (micro e miniprodução);

ii) Todos os campos são de preenchimento obrigatório à exceção dos dados de financiamento (existentes somente nos ficheiro de microprodução) que devem ser preenchidos somente quando o proditor tem financiamento.

Mais, tendo em conta a necessidade de efetuar os desenvolvimentos adequados nos sistemas, que permitam a transferência em boas condições solicitamos que os dados sejam enviados até 18 de Março, devendo processar-se a faturação normalmente até à data de envio”.

46. Na sequência do email enviado, a Ré CC preencheu os mapas enviados com todas as informações solicitadas – relativas ao nome do cliente, ao NIF, o CPE de Produção, o CPE de consumo, o NIB, o telefone e a morada –, com exceção da potencia contratada (referindo apenas “regime bonificado” –, dados que enviou a 17 de maio de 2013.

[redacção anterior do facto 46: Não obstante o email enviado e, bem assim, da indicação da data de entrega dos dados a Ré CC não preencheu os mapas envidos com as informações necessárias e essências à transição dos contratos para a Ré DD SU.]

47. A Ré insistiu com a Ré CC, mas a 30 de agosto de 2013, a Ré CC ainda não tinha enviado à concreta informação respeitante à “tarifa”.

[redacção anterior do facto 47: Esta Ré insistiu com a Ré CC mas esta, em 30 de Agosto de 2013 ainda não tinha enviado os registos de produção, dados esses que eram essenciais para a finalização de alguns dos contratos a transitar.]

48. No email enviado em 05-09-2013 a Ré DD SU mais uma vez adverte que “É essencial que sejam facultados a totalidade dos dados comerciais para que a cessão dos contratos seja concluída e para que os produtores comecem a ser faturados”.

49. Apesar da insistência da DD S.U., a Ré CC apenas enviou a informação respeitante à “Tarifa” em 10.09.2013, data em que a Ré DD, SU, procedeu à conclusão da transição do processo da Autora, elaboraram novo contrato, passaram a faturar e a pagar a energia produzida.

[redacção anterior do facto 49: Pese embora toda a insistência da DD SU a Ré CC apenas enviou todas as informações solicitadas em 10.09.2013, data essa na qual foi então possível concluir a transição do processo da Autora, elaborar novo contrato e, bem assim, a facturar e pagar a energia produzida.]

50. O contrato identificado em 1 prevê que o pagamento das faturas pelo comercializador ao Produtor será feito nos prazos previstos para o pagamento, pelo Titular, da faturação referente ao consumo de energia na instalação de utilização.

51. A Ré CC Energia, S.A. – Sucursal em Portugal comunicou aos Autores que não creditou qualquer valor referente à produção de energia da unidade de miniprodução em causa nos presentes autos alegando que nunca obteve qualquer indicação por parte do Operador de Rede de Distribuição da data de ativação da referida instalação, do início da produção - porque estava dependente do envio das leituras/contagens/medidas por parte do Operador de Rede de Distribuição - porque estava dependente de que tais montantes lhes fossem previamente liquidados por parte do Distribuidor; devido à alteração do regime jurídico aplicável.

52. A Ré DD SU anunciou à CC, em 22-04-2013, que assumiria o pagamento da energia produzida desde o início do contrato. [alterado pela Relação]

[redacção anterior do facto 52: A Ré DD SU anunciou que assumiria o pagamento da energia produzida.]


4. Tendo em conta o disposto no nº 4 do art. 635º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões. No caso presente, recorde-se que os Recorrentes pretendem a repristinação da decisão da 1ª instância. Assim, da conjugação desta pretensão com o teor das conclusões resulta ter o presente recurso como objecto as seguintes questões:

- Obrigação de a R. CC Energia, S.A. indemnizar a A. AA, Lda. no montante de € 116.667,00, acrescido de juros de mora;

- Obrigação de a R. CC Energia, S.A. indemnizar o A. BB no montante de € 6.717,85, acrescido de juros de mora.


5. Antes de apreciar as questões objecto do recurso, importa proceder ao respectivo enquadramento e, além disso, considerar os termos em que tais questões foram apreciadas e decididas pelas instâncias.

         Tendo a A. AA, Lda. (da qual o A. BB é sócio) e a R. CC, S.A. celebrado um contrato denominado “Contrato de Compra e Venda de Energia Elétrica Unidades de Miniprodução”, no qual a primeira figura como “Produtor” e a segunda como “Comercializador”, e existindo atraso no pagamento dos valores da electricidade produzida, na presente lide foram (com a nova p.i. de fls. 77v) formulados os seguintes pedidos:

- A A. AA, Lda. pediu a condenação solidária da R. CC, S.A. e da R. DD, Serviço Universal, S.A. (DD, SU) a pagar-lhe:  

i. A quantia de € 3.207,06, a título de juros pela mora no referido pagamento;

ii. Uma indemnização complementar, no valor de € 150.000,00, pelos lucros cessantes causados pela referida mora.

- O A. BB pediu a condenação solidária da R. CC, S.A. e da R. DD, Serviço Universal, S.A. a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 8.637,23, pelos danos correspondentes aos custos que teve com o empréstimo bancário que obteve para, enquanto sócio da A. AA, Lda., poder suprir as necessidades de financiamento desta última, uma vez que, em resultado do atraso no pagamento da electricidade produzida ao abrigo do contrato dos autos, a dita sociedade não tinha acesso a crédito bancário.


A 1ª instância, após proceder à análise descritiva dos procedimentos, exaustivamente regulados por lei, de produção de energia eléctrica em unidades de mini-produção, nos quais se integra o contrato dos autos, celebrado entre a A. AA, Lda. e a R. CC, S.A., considerou ter ficado provado que aquela A. produziu energia eléctrica pela qual não foi (atempadamente) paga. Apreciando a responsabilidade das RR. nesse incumprimento concluiu:

- Ter sido provado que a R. DD, Serviço Universal – que, em resultado da transição, determinada por lei, da posição da R. CC para a dita DD, Serviço Universal, veio ulteriormente a pagar a energia produzida pela A. AA – era totalmente alheia aos procedimentos de registo e de comunicação das leituras de produção de energia, os quais eram da responsabilidade da DD - Distribuição, S.A.;  

- Em consequência, não pode a R. DD, Serviço Universal ser responsabilizada perante os AA., por falta de verificação dos respectivos pressupostos; ao não ser parte da presente acção, não pode sê-lo também a DD - Distribuição;

- Da factualidade provada resulta que a omissão de comunicação atempada das informações sobre a energia eléctrica produzida pela A. AA é imputável à DD, Distribuição por um período de dois meses e à R. CC por um período de sete meses;

- Foram provados os seguintes danos invocados pelos AA.: lucros cessantes da A. AA no valor de € 150. 000,00; custos suportados pelo A. BB no valor de € 8.637,23;

- Sendo a R. CC responsável por tais danos apenas na proporção do período de tempo em que lhe é imputável a falta de comunicação das informações sobre a energia eléctrica produzida, foi condenada a pagar: à A. AA a quantia de € 116.667,00, e ao A. BB a quantia de € 6.717,85; ambas acrescidas dos correspondentes juros de mora.


Tendo a R. CC impugnado a matéria de facto, a Relação veio a alterá-la e, em conformidade, reapreciou a decisão de direito nos termos seguintes:

- Se é certo que «incumbia à Ré CC processar a comercialização e pagamento da eletricidade resultante da miniprodução, “juntamente e com a periodicidade dos pagamentos relativos ao consumo faturado à instalação elétrica de utilização” – nºs. 2 e 3, do artigo 14º do DL nº 34/2011”, ficou provado que “quem procede à ligação da unidade de miniprodução à rede, quem sela o contador e quem tem acesso direto e imediato às leituras da energia produzida, não era [é] o comercializador mas a DD Distribuição – segundo o artigo 21º do DL 34/2011, é o operador da rede de distribuição que procede à ligação da unidade de miniprodução à RESP. E, segundo o ponto 9. da cláusula 6ª do contrato de compra e venda celebrado entre a autora AA e a CC, “O Operador da Rede de Distribuição é a entidade responsável pela leitura dos equipamentos de medição”»;

- Dadas as múltiplas vicissitudes que foram ocorrendo ao longo da execução do contrato, ficou provado que a mora no processamento da facturação e no pagamento da energia produzida pela A. AA se deveu a diferentes factores, que, juntamente com a conduta da R. CC, concorreram para a referida mora;

- Mesmo que se entendesse que tal concurso de causas não bastaria para afastar a presunção de culpa que, de acordo com o art. 799º do Código Civil, impende sobre a R. CC, sempre as pretensões indemnizatórias dos AA. teriam de improceder;

- No que ao A. BB se refere, não sendo este parte do contrato dos autos, celebrado entre a A. AA e a R. CC, não se verifica quanto a ele uma situação de responsabilidade civil contratual;

- Além de que não se encontra a R. CC obrigada a indemnizar o A. BB pelos custos suportados com o prolongamento do empréstimo bancário por ele contraído para, na qualidade de sócio, suprir as necessidades de financiamento da sociedade AA (na medida em que, enquanto esta não recebesse o pagamento da energia produzida, não podia aceder a crédito bancário), uma vez que tais custos sempre existiriam, quer o empréstimo tivesse sido, como foi, contraído pelo A. BB, quer tivesse sido contraído pela A. AA, cabendo a esta reembolsar aquele de tais custos;

- A qualificação dos danos do A. BB como danos reflexos não altera esta conclusão, na medida em que os mesmos não se encontram abrangidos pela responsabilidade contratual;

- Nem tampouco tais danos são reparáveis em sede de responsabilidade extracontratual por, tratando-se de danos económicos puros ou de danos patrimoniais puros, não se enquadrarem em nenhuma das hipóteses em que tal categoria de danos é indemnizável;

- Em síntese, “a simples mora no cumprimento de uma obrigação contratual por parte da Ré CC não seria susceptível de acarretar a sua responsabilização por eventuais danos puramente patrimoniais causados a terceiro (se os houvesse)”;

- Não se encontra também a R. CC obrigada a pagar à A. AA uma indemnização por lucros cessantes por, estando em causa a mora no cumprimento de uma obrigação pecuniária, nos termos do art. 806º do Código Civil, não ter o credor direito a indemnização superior aos juros moratórios;

- Assim sendo, fica prejudicada a apreciação da questão da invocada falta de prova da probabilidade de ocorrência de lucros cessantes.

A final, a Relação julgou a apelação procedente, revogando a decisão da sentença e absolvendo a R. CC dos pedidos.


6. Contra a decisão do acórdão recorrido insurgem-se os Recorrentes, invocando a seguinte argumentação: “No caso não existe simples mora no pagamento da electricidade produzida e fornecida à rede pela Recorrente, mas sim um incumprimento defeituoso do contrato, gerador da obrigação de indemnizar”; “Resulta da factualidade provada que os factos que traduzem o incumprimento contratual pela recorrida CC foram causa directa e necessária dos danos e prejuízos elencados”.

Estes argumentos não podem ser acolhidos.

Com efeito, tendo ficado provado que a ligação da unidade de produção de energia eléctrica da A. AA foi efectuada a 16 de Novembro de 2012 (facto 13), que o pagamento seria mensal (factos 2, 8 e 50), mas que o primeiro pagamento apenas foi realizado a 13 de Setembro de 2013 (facto 23), está em causa uma situação de mora no cumprimento de uma obrigação pecuniária e não uma situação de cumprimento defeituoso. O cumprimento defeituoso, ou violação contratual positiva, distingue-se da falta de cumprimento e da mora por o dano “não provir da falta da prestação nem do seu atraso (mora), mas dos vícios, defeitos ou irregularidades da prestação efectuada” (Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. II, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 127).

Tampouco se verifica uma relação causal directa entre a mora e os danos invocados pelos AA. No caso da mora no cumprimento do contrato dos autos, os danos directos consistem na privação, durante certo período de tempo, por parte da credora (a aqui A. AA) da quantia pecuniária a que tinha direito, a título de pagamento da energia eléctrica produzida. Tanto os lucros cessantes invocados pela A. AA como os custos acrescidos suportados pelo A. BB revestem a natureza de danos indirectos, o que, por si só, não afasta a sua ressarcibilidade. De acordo com a orientação tradicional da doutrina e da jurisprudência nacionais, o princípio consagrado no art. 563º do Código Civil exige que entre o facto ilícito (no caso, a mora) e os danos ocorra uma relação de causalidade adequada, mesmo que indirecta.

      Ainda que os argumentos deduzidos pelos AA. Recorrentes não possam ser aceites, tendo estes invocado erro de julgamento da decisão de revogação da sentença, com absolvição da R. CC dos pedidos indemnizatórios, importa reapreciar cada uma das pretensões objecto do presente recurso.

         O que passamos, em seguida, a fazer.


7. Relativamente à questão da obrigação de a R. CC Energia, S.A. indemnizar a A. AA, Lda. no montante de € 116.667,00, acrescido de juros de mora, está dado como assente que a execução do contrato dos autos se integra num processo de produção de energia eléctrica por unidades de mini-produção, detalhadamente regulado por lei, no qual a R. CC (Comercializador) funcionava como intermediária entre o Produtor (a aqui A. AA) e o Distribuidor (a DD -Distribuição, S.A., que não é parte na presente acção), sendo que, ao longo do ano de 2013, se operou, por determinação legal, a transição da posição da R. CC para a DD - Serviço Universal (a aqui 2ª R., absolvida dos pedidos por decisão da 1ª instância, que transitou em julgado).

  Importa apreciar da verificação dos pressupostos da responsabilidade contratual: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

    Se, com a prova do atraso no pagamento do custo da energia eléctrica produzida pela A. AA (mora), não existem dúvidas quanto ao preenchimento do pressuposto do facto ilícito, divergiram as instâncias a respeito de ter ou não sido feita prova bastante de factos que permitam excluir a culpa do devedor, a aqui R. CC.

   Tendo a Relação alterado a matéria de facto relevante para o efeito, vejamos os termos em que fundamentou a decisão de absolvição da R. CC, na parte relativa à apreciação da culpa da mesma R.:

“(…) de acordo com tal contrato incumbiria à Ré CC a faturação e o pagamento mensal da energia produzida pela unidade de miniprodução da AA.

Contudo, quem procede à ligação da unidade de miniprodução à rede, quem sela o contador e quem tem acesso direto e imediato às leituras da energia produzida, não era o comercializador mas a DD Distribuição – segundo o artigo 21º do DL 34/2011, é o operador da rede de distribuição que procede à ligação da unidade de miniprodução à RESP. E, segundo o ponto 9. da clausula 6ª do contrato de compra e venda celebrado entre a autora AA e a CC, “O Operador da Rede de Distribuição é a entidade responsável pela leitura dos equipamentos de medição”.

No caso em apreço, tendo a ligação à rede sido efetuada a 16 de novembro de 2012, a 1ª faturação e o primeiro pagamento foi efetuado somente a 12 de setembro de 2013, constatando-se a ocorrência de mora, quer relativamente à obrigação mensal quer de faturação, quer de pagamento, da energia produzida por tal unidade – devendo a primeira fatura ser emitida a 12 de dezembro, a 1ª faturação e pagamento são realizados com um atraso de 9 meses, embora pela totalidade da energia até aí produzida (no valor de 84.797,82 €, acrescida de IVA).

Contudo, a execução de tal contrato foi objeto de várias vicissitudes que acabaram por influenciar o (in)cumprimento da obrigação de faturação e de pagamento mensais que recaía sobre a comercializadora.

Em primeiro lugar, efetuada a ligação à rede a 16 de novembro de 2011, as leituras da instalação da produção de mini energia em causa apenas foram sendo comunicadas pelo operador de rede (DD Distribuição) à CC desde fevereiro a agosto de 2013 e apenas foi sendo comunicado um valor acumulado desde o início da produção (ponto 43 da matéria de facto).

Embora, segundo o contrato e o regime legal em vigor, a 1ª faturação devesse ter ocorrido no 1º mês seguinte ao da ligação à rede, ou seja, em dezembro de 2012, a 1ª leitura disponibilizada pela DD Distribuição à CC só veio a ocorrer em fevereiro de 2013, tendo-lhe sido fornecido unicamente um valor acumulado, valor este que não lhe permitia proceder à faturação em separado de cada um dos meses de dezembro e janeiro.

A Ré CC defende-se, na sua contestação, alegando não ter creditado qualquer valor à autora porque nunca obteve qualquer indicação por parte do Operador de Rede de Distribuição da data da ativação da referida instalação e porque estava dependente do envio das contagens e leituras por parte do Operador de Rede de Distribuição e de que os respetivos montantes lhe fossem previamente liquidados por este e ainda devido á alteração do regime jurídico aplicável.

Vejamos o que se acha demonstrado nos autos a tal respeito.

Ficou efetivamente provado que “As leituras da instalação da produção de minienergia em causa apenas foram comunicadas pelo Operador de Rede à Ré CC, desde Fevereiro a Agosto de 2013, e apenas foi sendo comunicado um valor acumulado desde o início da produção (ponto 43 da matéria de facto).

Do nº6 do artigo 20º do DL nº 34/2011, consta que “A data de ligação à RESP é registada no SRMini pelo operador da rede de distribuição.” e o nº3 do art. 15º de tal diploma prevê que as “DRE, o operador da rede de distribuição e os comercilaizadores de eletricidade devem registar-se no SRMini aderir ao sistema de comunicações eletrónico.

Assim sendo, se é o Operador de produção que procede à ligação da instalação à rede, devendo registar no SRMimi a data de ligação à RESP, em princípio também a Ré CC, na qualidade de comercializador deveria ter acesso a tal registo.

Alegando a Ré CC que tal elemento – a data de ligação à rede – nunca lhe foi comunicado, aos autores ou à co-ré DD, S.U., incumbiria a alegação e prova de que tal data lhe foi de facto comunicada e quando, bem como o valor da leitura inicial do contador.

Assim sendo, tendo o comercializador acesso ao SRMmini – a testemunha KK diz que não – não se tem por demonstrado que a comercializadora não tivesse acesso a tal informação, à qual poderia aceder mediante mera consulta do SRMmini.

De qualquer modo, ainda que a mera informação do valor “acumulado”, não lhe permitisse processar a faturação dos meses anteriores a fevereiro de 2013, pelo facto de a informação disponibilizada não conter a contagem inicial, a partir da data em que lhe transmitiram a 1ª leitura de um valor acumulado, em fevereiro de 2013, daí em diante a Ré CC encontrar-se-ia em condições de proceder à faturação. Ou seja, pelo menos em março, assim que recebe a respetiva leitura poderia ter procedido à faturação: bastava-lhe subtrair o valor acumulado de fevereiro ao valor acumulado de março e encontraria o valor produzido entre 12-02-2013 e 12-03-2014, sendo de aplicar o mesmo raciocínio aos meses subsequentes.

Mas os reveses relacionados com o processamento da faturação e do pagamento da energia produzida por esta unidade não se ficaram por aqui.

A 19 de fevereiro de 2013 foi publicado o Decreto-Lei nº 25/2013, que reconhecendo as “dificuldades práticas e operacionais, seja no que respeita à articulação entre o comercializador de ultimo recurso (DD Distribuição), os comercializadores e os produtores no processo de aquisição da energia produzida pelas unidades de microprodução e miniprodução em regime bonificado (…), veio alterar “os regimes jurídicos da micro produção e miniprodução, cometendo apenas ao comercializador de ultimo recurso a obrigação de celebrar com os microprodutores e os miniprodutores contratos de compra e venda da eletricidade produzida pelas respetivas unidades (…).

O disposto em tal diploma, sendo imediatamente aplicável às unidades de produção que já se encontrassem registadas no SRMini, implicava que os comercializadores titulares de contratos de compra e venda de energia produzida por proveniente de unidades de microprodução, como a da autora, deveriam ceder ao comercializador de último recurso, no prazo máximo de três meses a contar da data de entrada em vigor de tal decreto-lei, as respetivas posições contratuais nos referidos contratos.

Ora, alguns dias após a publicação de tal diploma – a 26 de fevereiro de 2013 – a Ré DD Serviço Universal (na pessoa do seu funcionário LL) envia às diversas comercializadoras, entre as quais a Ré CC, um mail, comunicando que vindo o DL nº 25/2013 cometer apenas ao comercializador de último recurso a obrigação de celebrar com os miniprodutores contratos de compra e venda de eletricidade produzida pelas respetivas unidades, e a fim de agilizar o processo de cedência da posição contratual “que a declaração de cedência seja acompanhada dos dados conforme estrutura constante dos ficheiros anexos”, comunicação acompanhada das indicações de preenchimento, requerendo que tais dados não fossem enviados antes de 18 de março, “devendo processar-se a facturação normalmente até à data de envio”.

Ou seja, face a tal comunicação, a Ré CC ficou a saber que, enquanto não se encontrasse concluída a transição dos contratos para a comercializadora final, a qui Ré, DD, S.U., continuava a incumbir-lhe o processamento da faturação da energia produzida pela unidade em causa.

Contudo, logo no mês seguinte, 22 de abril de 2013, a DD, Soluções Comerciais, envia um mail à Ré CC (mail junto a fls. 254 do processo físico), comunicando-lhe que “envio a resposta para as situações em que a CC não recebeu leituras de instalações de produção indicando que a DD Serviço Universal no momento da cessão contratual assumirá as leituras desde o início. O objetivo é que nenhum período de produção seja faturado em duplicado”.

Ou seja, de tal mail deduzir-se-ia que a Ré CC não teria de se preocupar em, a partir daí, emitir qualquer faturação relativamente a esta unidade de produção e que deveria concentrar os seus esforços na transição destes contratos (e haveria 199 contratos para transferir, como se encontra refletido nos vários mails trocados entre a DD Comercial e a Ré CC) para a aqui Ré DD Serviço Universal. E a confirmar que era, de facto, essa a ideia das entidades envolvidas nesta transição que, no preciso dia em que deu por concluído o processo de transição da unidade da AA, emitiu uma fatura de toda a energia produzida desde a data da ligação à rede – 16 de novembro de 2012 – até à data da transição – 12 de setembro de 2013.

Vejamos, agora, da responsabilidade da Ré CC no atraso da transição do contrato de venda de energia para a Ré, DD Serviço Universal.

Com interesse relativamente a tal matéria, foram dados como provados os seguintes factos:

- na sequência da aplicação do DL 25/2013, o processo de transição dos 914 contratos de produção dos comercializadores para a DD SU apresentou várias dificuldades práticas, o que impossibilitou o cumprimento dos timings inicialmente fixados Ponto 43 dos factos provados) – o referido diploma previa que tal transição estivesse completa no prazo de três meses após a sua entrada em vigor, ou seja, a 5 de julho de 2013;

- a 26 de fevereiro pela DD Comercial foi enviado um mail a todas as comercializadoras, solicitando o envio de declaração de cedência e dos dados dos produtores (ponto 44 da matéria de facto) e que tais dados não lhe fosse enviados antes de 18 de março de 2013;

- a Ré CC, a 17 de maio de 2013, enviou a totalidade dos dados solicitados, com exceção da tarifa contratada, dado este que só terá fornecido à DD Comercial a 10 de setembro de 2013.

É certo que a Ré CC demorou até ao envio total dos dados que lhe estavam a ser solicitados pela DD Comercial. Contudo, não se percebe por que motivo a DD Comercial ficou tanto tempo à espera que a Ré CC lhe enviasse esses elementos quando a plataforma SRMini – sistema de registo de produção – conteria a maior parte dos elementos pretendidos pela DD Comercial, dados esses que igualmente poderia ter solicitado à DD Distribuição.

Ou seja, ficou demonstrado que a mora no processamento da faturação e pagamento da energia produzida por esta unidade de produção se deveu a vários fatores que, juntamente com a conduta da Ré CC, concorreram para que a 1ª faturação e pagamento viesse a ocorrer unicamente a 12 de setembro de 2013.” [negritos nossos]


    Acompanha-se inteiramente o juízo da Relação. As vicissitudes ocorridas ao longo da execução do contrato dos autos – entre as quais avultam as que derivam do processo de transição, determinada por lei, da posição da R. CC para a R. DD - Serviço Universal – conduzem à conclusão de que a mora daquela no pagamento do crédito da A. AA se deveu a um conjunto de causas concorrentes, o que, por sua vez, permite afastar a presunção de culpa (exclusiva) da devedora, prevista no nº 1 do art. 799º do Código Civil.

     Ainda assim, há que ter presente que, como assinala o acórdão recorrido, os factos 46 a 49 (“Na sequência do email enviado, a Ré CC preencheu os mapas enviados com todas as informações solicitadas – relativas ao nome do cliente, ao NIF, o CPE de Produção, o CPE de consumo, o NIB, o telefone e a morada –, com exceção da potencia contratada (referindo apenas “regime bonificado” –, dados que enviou a 17 de maio de 2013.”; “A Ré insistiu com a Ré CC, mas a 30 de agosto de 2013, a Ré CC ainda não tinha enviado à concreta informação respeitante à “tarifa”.”; “No email enviado em 05-09-2013 a Ré DD SU mais uma vez adverte que “É essencial que sejam facultados a totalidade dos dados comerciais para que a cessão dos contratos seja concluída e para que os produtores comecem a ser faturados”.”; “Apesar da insistência da DD S.U., a Ré CC apenas enviou a informação respeitante à “Tarifa” em 10.09.2013, data em que a Ré DD, SU, procedeu à conclusão da transição do processo da Autora, elaboraram novo contrato, passaram a faturar e a pagar a energia produzida.”) indiciam que as falhas nas informações fornecidas pela R. CC, necessárias para a efectivação da transição da sua posição para a R. DD, Serviço Universal, também terão contribuído para a ocorrência da mora.

      Assim sendo, haveria que proceder à ponderação da medida em que cada uma das causas concorrentes contribuiu para os danos, de forma a determinar a medida da responsabilidade da R. CC.

Entendeu porém a Relação que, no que à peticionada indemnização por lucros cessantes da A. AA diz respeito, tal ficaria prejudicado pelo facto de esses danos não terem cobertura legal, em virtude das limitações normativas resultantes dos nºs 1 e 3 do art. 806º do Código Civil; e, eventualmente, também por falta de prova dos mesmos danos.

         Vejamos.


      O art. 806º do CC prescreve o seguinte:

    “1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.

    2. Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.

    3. Pode, no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.”


   De acordo com o entendimento tradicional da doutrina e da jurisprudência nacionais, da conjugação do nº 1 com o nº 3 (introduzido pelo Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho) deste artigo do Código Civil resulta que, ocorrendo mora no cumprimento de uma obrigação pecuniária (como é o caso da obrigação de pagar o preço da energia eléctrica dos autos), a indemnização corresponde apenas aos juros moratórios devidos nos termos do nº 2 do mesmo preceito. A possibilidade de concessão de uma indemnização suplementar por danos que excedam o valor dos juros moratórios, prevista no nº 3, circunscreve-se às situações de responsabilidade civil delitual (sobre a origem e âmbito da norma do nº 3, cfr. a síntese de Maria da Graça Trigo/Mariana Nunes Martins, anotação 6, pontos I a IV, ao artigo 806º, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, págs. 1135 e segs.).

    Não se ignoram as vozes que, na doutrina, têm vindo a assumir uma posição crítica a respeito desta solução normativa (ver, a este respeito, a síntese do ponto VI da anotação 6 ao art. 806º, referida no parágrafo anterior) com base em argumentos que poderão justificar a sua revisão de iure constituendo. Tal problemática mostra-se, contudo, irrelevante para a resolução do caso sub judice, por não ter sido feita prova dos alegados lucros cessantes da A. AA.

   Na verdade, apesar da insistência dos Recorrentes em sentido contrário, bastaria o confronto entre a factualidade assente, dada como provada pela Relação, com aquela que fora fixada pela 1ª instância, para se concluir que não subsistem dúvidas quanto à falta de prova tanto dos alegados lucros cessantes como do nexo causal entre a mora e esses danos (a existirem).


Vejamos a factualidade fixada pela 1ª instância:

29. Em 10 de Abril de 2013, a Autora AA assinou um contrato denominado de “CONTRATO DE AUTORIZAÇÃO DE INSTALAÇÃO DE MINIPRODUÇÃO”, com a empresa EE – EXTRAÇÃO DE GRANITOS LDA., do qual faz parte integrante o seu anexo, no qual a EE autoriza, na qualidade de titular de uma instalação de energia eléctrica, de acordo com a alínea a), do nº 1, do artigo 3.º do Decreto-Lei 34/2011, sendo titular de um registo para a produção de electricidade também de acordo com o citado Dec. Lei, o qual lhe conferia o direito de instalação de uma unidade de miniprodução com recurso à tecnologia solar fotovoltaica e ainda porque disponha de registo de miniprodutor válido junto do sistema SRMini, a Autora AA a instalar uma unidade de miniprodução nas suas instalações transferindo -lhe a qualidade de “PRODUTOR”.

30. Acordaram as partes que pela cedência dos direitos de instalação e exploração da unidade, a Autora AA pagaria uma renda mensal equivalente a 12% da receita da venda de energia eléctrica, cujo valor seria pago no prazo de 5 dias a contar da data do pagamento efectuado ao produtor por parte do fornecedor.

31. Acordaram ainda que a exploração seria pelo prazo de 14 anos, bem como os requisitos da unidade a instalar, seguro, manutenção, acesso, deslocalização e paragens, nos termos das CLÁSULAS 2º, 3º, 4.º, 5.º, 6º, 7.º e 8.º.

32. O referido contrato poderia ser denunciado pela EE se a Autora AA não tivesse iniciado quaisquer trabalhos antes do dia 15 de Junho de 2013, sendo que seria também da exclusiva responsabilidade daquela o total cumprimento dos prazos legais para a instalação à rede da unidade de produção.

33. A unidade de miniprodução seria instalada por conta da Autora AA e o investimento seria no valor de €161 815,00 (cento e sessenta e um mil oitocentos e quinze euros) acrescidos de IVA.

34. De acordo com as previsões do instituto da Comissão Europeia, JRC, que estuda e prevê a produção de energia solar fotovoltaica, tendo em conta nomeadamente o número de painéis solares, a sua capacidade de produção e a localização da unidade, a produção de energia eléctrica nos 14 anos era de 3 018 846 KWH, com uma tarifa de € 0,1499 por KWH.

39. Em 5 de Agosto de 2013, através de carta registada com aviso de recepção, a EE Extração de Granitos, Lda. denunciou o contrato de autorização de instalação de Miniprodução (MN2013000037)que tinha celebrado com a Autora AA, uma vez que não tinham sido iniciadas quaisquer trabalhos de instalação da referida unidade.

40. A Autora AA não iniciou os trabalhos na instalação da unidade de Miniprodução (MN2013000037) da EE - Extração de Granitos, Lda. devido ao facto de não ter conseguido financiamento bancário, pelas apontadas razões.

41. A denúncia do contrato de instalação e exploração da unidade de Miniprodução (MN2013000037) da EE - Extração de Granitos, Lda. causou na Autora AA uma perda de lucros no valor calculado de €150 000,00 (cento e cinquenta mil euros), aos quais correspondem o valor da receita líquida dos 14 anos de exploração deduzidos, para além do investimento necessário, referido em 33 os 12% de renda e ainda a respectiva manutenção da unidade.

           

Confrontando-a com a factualidade dada como provada pela Relação:

29. Em 10 de Abril de 2013, a Autora AA acordou com a EE – Exportação de Granitos, Lda., que esta, na qualidade de titular de uma instalação de energia elétrica, de acordo com a alínea a), do nº 1, do artigo 3.º do Decreto-Lei 34/2011 – sendo titular de um registo para a produção de eletricidade também de acordo com o citado Dec. Lei, o qual lhe conferia o direito de instalação de uma unidade de miniprodução com recurso à tecnologia solar fotovoltaica e ainda porque disponha de registo de miniprodutor válido junto do sistema SRMini –, autorizava a Autora AA a instalar uma unidade de miniprodução nas suas instalações transferindo -lhe a qualidade de “PRODUTOR”, acordo que se regeria pelas cláusulas exaradas no doc. de fls. 23, exarado para o efeito e cujo teor aqui se dá por reproduzido. [alterado pela Relação]

30. [Eliminado pela Relação].

31. [Eliminado pela Relação].

32. [Eliminado pela Relação].

33. A unidade de miniprodução seria instalada por conta da Autora AA e o investimento seria no valor de € 161 815,00 (cento e sessenta e um mil oitocentos e quinze euros) acrescidos de IVA.

34. De acordo com as previsões do instituto da Comissão Europeia, JRC, que estuda e prevê a produção de energia solar fotovoltaica, tendo em conta nomeadamente o número de painéis solares, a sua capacidade de produção e a localização da unidade, a produção de energia elétrica nos 14 anos era de 3 018 846 KWH, com uma tarifa de € 0,1499 por KWH.

39. Em 5 de Agosto de 2013, através de carta registada com aviso de recepção, a EE Extração de Granitos, Lda. denunciou o contrato de autorização de instalação de Miniprodução (MN2013000037) que tinha celebrado com a Autora AA, uma vez que não tinham sido iniciadas quaisquer trabalhos de instalação da referida unidade.

40. A Autora AA não iniciou os trabalhos na instalação da unidade de Miniprodução (MN2013000037) da EE - Extração de Granitos, Lda. devido ao facto de não ter conseguido financiamento bancário, pelas apontadas razões.

41. Segundo as previsões efetuadas pela autora AA, o projeto de instalação e exploração da unidade de Miniprodução (MN2013000037) da EE - Extração de Granitos, Lda. permitir-lhe-ia arrecadar lucros no valor estimado de €150 000,00 (cento e cinquenta mil euros), os quais correspondem o valor da receita líquida dos 14 anos de exploração deduzidos, para além do investimento necessário, referido em 33 os 12% de renda e ainda a respetiva manutenção da unidade. [alterado pela Relação]


      Tanto do teor dos factos alterados, como da fundamentação da decisão de alteração (a págs. 11-14 e a pág. 16 do acórdão recorrido), resulta que apenas ficou provado o seguinte: que a A. AA negociou com terceiro (a sociedade EE, Lda.) um contrato de autorização de instalação de exploração de unidade de produção de energia eléctrica que, contudo, não foi assinado; que, de acordo com as previsões da A. AA, a exploração de tal unidade de produção lhe poderia proporcionar lucros da ordem dos €150.000,00.

      Ora, não apenas tais previsões não bastam para dar como provados os peticionados lucros cessantes, como não ficou provado que a frustração do negócio com a EE, Lda. tivesse sido causada pela mora no cumprimento do contrato dos autos (o contrato celebrado entre a A. AA e a R. CC). Nas palavras do acórdão recorrido:

“não é alegado pelas partes, nem referido durante a audiência,  por que motivo a “EE” se desinteressaria do negócio pelo facto de a AA só ter começado a receber o pagamento da energia produzida em setembro, quando, aparentemente, a única contribuição da “EE” para o negócio seria a disponibilização do local para instalação de painéis solares; e, ainda que o registo tivesse um prazo de validade e estivesse a caducar, bastaria proceder a novo registo, ainda que implicasse o pagamento de uma nova taxa. Ou seja, desconhece-se, nem tal é alegado, por que motivo o mesmo negócio não é levado avante em setembro de 2013, quando a autora recupera a totalidade dos pagamentos em atraso.” [negrito nosso]

        

Conclui-se assim que, não se encontrando preenchidos os pressupostos do dano e do nexo causal entre o facto (a mora no pagamento do preço da energia eléctrica) e o dano (os lucros cessantes invocados), mesmo a indicada possibilidade de revisão, de iure constituendo, da norma do nº 3 do art. 806º do CC, seria inconsequente para o caso dos autos.

Por tudo o exposto, é de manter a decisão do acórdão recorrido de não atribuição à A. AA de indemnização por lucros cessantes.

Assim sendo, a A. AA teria apenas direito a juros de mora sobre o valor do preço da energia eléctrica pago com atraso; porém, como resulta do relatório supra, apesar de tal pedido ter sido formulado na p.i., a sentença dele não conheceu, sem que os AA. tivessem invocado omissão de pronúncia.


8. Quanto à questão da obrigação de a R. CC Energia, S.A. indemnizar o A. BB no montante de € 6.717,85, acrescido de juros de mora, relevam os seguintes factos provados:

8. Com a assinatura do contrato referido em 1 e 2, com os pagamentos mensais que a Ré CC teria que efetuar de 30 em 30 dias, por contrapartida da energia produzida e injetada na rede e com o contrato de cedência dos direitos do produtor da unidade supra melhor identificada pelo período de 9 anos, as instituições financeiras em 12 meses estariam em condições de conceder crédito à Autora AA.

9. Como tal os sócios da Autora AA emprestaram €265 000,00 (duzentos e sessenta e cinco mil euros), nas seguintes proporções: o sócio aqui também Autor BB €135 000,00 (cento e trinta e cinco mil euros) e a sócia II - SGPS, Lda., €130 000,00 (cento e trinta mil euros)

10. A sócia da Autora AA a II - SGPS, Lda tinha capital em carteira, o que não acontecia com o sócio BB que teve de recorrer a crédito bancário para o efetuar referido investimento.

11. O Autor BB em 27 de Setembro de 2012 contratou com a Caixa FF um crédito pessoal denominado CP TRANSVERSAL COM GARANTIA HIPOTECÁRIA 039…84, no valor de €135 000,00 (cento e trinta e cinco mil euros), pelo período, imposição bancária, de 84 meses e com uma TANB de 11,6 %, [alterado pela Relação].

25. Devido ao atraso de 9 meses nos pagamentos da energia por parte da Ré CC à Autora AA, o Autor BB foi obrigado a prolongar o pagamento dos encargos assumidos por conta do crédito referido em 11 desta factualidade, pelo menos desde Dezembro de 2013 até Dezembro de 2014, no valor total de €8.637,23 (oito mil seiscentos e trinta e sete euros e vinte e três cêntimos) no qual se encontram incluídos os juros, despesas bancárias, seguro de vida e seguro do imóvel dado de garantia, suportados exclusivamente pelo Autor BB.

26. A Autora AA não reuniu as condições necessárias para poder contrair um empréstimo que serviria para o reembolso dos suprimentos dos seus sócios em razão da falta do pagamento mensal a que a Ré CC estava obrigada, uma vez que a Caixa FF, que apenas lhe concederia crédito desde que fosse comprovada a existência de receitas mensais com origem no contrato de fornecimento de energia elétrica, durante pelo menos um ano.

27. A Autora AA, em Janeiro de 2015, obteve o aludido crédito bancário, facto que sucedeu tendo em conta os pagamentos mensais que, a partir de Setembro de 2013, passaram a ser regularmente efetuados à Autora AA e, consequentemente, a provisionar a conta dela nº 03…30 na Caixa FF.

28. Pelas razões apontadas, apenas em Janeiro de 2015 o Autor BB logrou amortizar a totalidade do empréstimo, que lhe fora concedido por 84 meses, período este que lhe foi imposto pela instituição bancária.


       Perante estes factos podemos, desde já, concluir ter ficado provado que o A. BB suportou custos acrescidos em consequência do atraso no cumprimento da obrigação de pagamento do preço da energia eléctrica devido à sociedade AA.

       Assim, se se atendesse apenas à prova do pressuposto do dano, a posição do A. BB seria mais consistente do que a da A. AA. Porém, se, como se impõe, prosseguirmos na tarefa de apreciação dos demais pressupostos da responsabilidade civil, deparamo-nos com dificuldades acrescidas.

      Na verdade, constata-se que, tal como entendeu o acórdão recorrido, os danos em causa correspondem ao que a doutrina qualifica como sendo danos económicos puros, também denominados danos patrimoniais puros ou ainda danos puramente patrimoniais.


8.1. Para explicitar o que se entende por tais designações, socorremo-nos da fundamentação do acórdão deste Supremo Tribunal de 08/09/2016 (proc. nº 1952/13.6TBPVZ.P1.S1), consultável em www.dgsi.pt, relatado pela relatora do presente acórdão:

“São danos que se reconduzem antes à categoria de ‘danos económicos puros’ (também designados ‘danos puramente patrimoniais’ ou ‘danos patrimoniais puros’) e que podem ser definidos como aqueles em que há uma perda económica (ou patrimonial) sem que tenha existido afectação de uma posição jurídica absolutamente protegida (v.g. um direito de personalidade ou um direito real) – cfr. Carneiro da Frada/Maria João Vasconcelos, “Danos económicos puros – Ilustração de uma problemática”, in Forjar o Direito, 2015, págs. 161-162.

A problemática da ressarcibilidade dos danos económicos puros tem sido estudada na doutrina portuguesa das últimas décadas (cfr. Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, 1989, págs. 187 e segs., Carneiro da Frada, Tutela da confiança e responsabilidade civil, 2004, págs. 238 e segs., Maria João Vasconcelos, “Algumas questões sobre a ressarcibilidade delitual de danos patrimoniais puros no ordenamento jurídico português”, in Novas tendências da responsabilidade civil, 2007, págs. 147 e segs., e, mais desenvolvidamente, Adelaide Menezes Leitão, Normas de protecção e danos puramente patrimoniais, 2009). (…)”.


Não obstante a terminologia comummente adoptada, esclareça-se que a questão dos danos económicos puros se prende com o pressuposto da ilicitude. Nas palavras de Mafalda Miranda Barbosa (Liberdade vs. Responsabilidade, A precaução como fundamento da imputação delitual?, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 214):

“(…) quando nos referimos à actualíssima problemática dos danos puramente patrimoniais, a despeito da designação dessa realidade, o que nós questionamos é o problema da ilicitude e não o problema dos danos.

De facto, a questão só surge na medida em que uma pessoa sofre prejuízos e não consegue obter o ressarcimento dos danos.”


Deste modo, se não oferece dúvidas que o A. BB sofreu prejuízos, não é líquido que o mesmo possa exigir a sua reparação da R. CC por falta de verificação do pressuposto da ilicitude.

Retomando a fundamentação do citado acórdão deste Supremo Tribunal de 08/09/2016:

“(…) Para efeitos de um breve enquadramento dogmático do tema, socorremo-nos da síntese de Carneiro da Frada/ Mª João Vasconcelos (cit., págs. 161-166).

Considera-se que, “em sede de responsabilidade civil obrigacional, prevista nos arts. 798º e seguintes do Código Civil, a indemnizabilidade de danos patrimoniais puros não suscita dúvidas segundo a natureza do interesse afectado” (cit., pág. 162). Porém, “no campo aquiliano, a situação é diferente: nos termos do art. 483º, nº 1, do Código Civil – norma central, a imputação delitual pode resultar da violação de direitos subjectivos de outrem ou de disposições legais destinadas à protecção de interesses alheios. Entende-se que a violação de direitos subjectivos de outrem, enquanto previsão básica de responsabilidade civil delitual, tem essencialmente em vista a lesão de posições jurídicas absolutamente protegidas.” (cit., págs. 162-163).

Deste modo, “as lesões patrimoniais que não envolvem a ofensa de uma posição jurídica absolutamente protegida só dentro de pressupostos relativamente estreitos poderão dar lugar a uma obrigação de indemnizar” (cit., pág. 163). Concretamente, na responsabilidade delitual, apenas será de admitir a ressarcibilidade de danos económicos puros nas seguintes situações:

(i) Quando tiver sido violada uma norma de protecção ou “disposição legal destinada a proteger interesses alheios” (art. 483º, nº 1, segunda regra, do CC);

(ii) (Quando exista previsão delitual específica que contemple os danos económicos puros, como por exemplo, as normas dos arts. 485º e 495º do CC, ou a norma do art. 8º do Decreto-Lei nº 147/2008, de 29 de Julho, relativamente à reparação de danos ambientais;

(iii) Quando se verifique abuso do direito, nas condições em que este constitua fonte de responsabilidade civil.

Na doutrina, defende-se também que se inclua nesta última via não apenas o exercício abusivo de um direito mas também o gozo da liberdade geral de agir (cfr. Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, cit. pág. 547, nota 325). Já para Carneiro da Frada/Mª João Vasconcelos, “segundo a lei, o abuso pressupõe o exercício de uma posição jurídica” pelo que “é muito discutível que possa em rigor sindicar também comportamentos ofensivos de interesses puramente económicos que não se traduzam no exercício de um direito” (cit., pág. 165). Para estes autores, seria antes de “admitir a indemnizabilidade de danos patrimoniais quando tenha havido uma ofensa grave do mínimo ético-jurídico exigível de todos os membros da comunidade, estejam ou não inseridos em relações contratuais.” (cit., pág. 165).

Conclui-se que, em sede de responsabilidade civil aquiliana, os danos económicos puros só são ressarcíveis em hipóteses circunscritas. No mesmo sentido, ver Paulo Mota Pinto (Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, 2008, págs. 550-551), Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, VIII – Direito das Obrigações, 2014, pág. 448) e Menezes Leitão, (Direito das Obrigações, I, 2016, pág. 261). Como bem se compreende, tal resulta da “necessidade de salvaguardar a liberdade de actuação dos sujeitos, pois esta opõe-se a uma protecção indiscriminada do património em sede de responsabilidade civil delitual” (Carneiro da Frada/Mª João Vasconcelos, cit., pág. 164).” [negritos nossos]


Sobre as razões para, no domínio da responsabilidade aquiliana, os danos económicos puros não serem, em regra, indemnizáveis, ver Mafalda Miranda Barbosa (em anotação ao referido acórdão do STJ de 08/09/2016, sob o título “Um caso de ressarcimento de danos puramente patrimoniais”, in Cadernos de Direito Privado, nº 57, págs. 60-74). Nas palavras desta autora:

“(…) concluímos que é da natureza do juridicamente cunhado que decorre a razão da não indemnização de princípio dos danos puramente patrimoniais. No fundo, se a responsabilidade do agente se impõe em nome de uma ideia mais densa de responsabilidade que, fazendo apelo à pessoalidade livre, reclama a reparação dos danos causados aos outros, ela não pode ultrapassar um certo limite que nos encaminhe para o excesso de responsabilidade. Por outro lado, está em causa a própria estrutura axiológica da normatividade a convidar-nos a atuar juridicamente num espaço marcado pela livre concorrência no mercado e, portanto, num espaço onde os interesses económicos alheios podem ser contraditados.” (pág. 64).

Tal não significa, porém, que a ressarcibilidade dos danos económicos puros fique inteiramente excluída. Como, logo de seguida, afirma a mesma autora:

“Isto [não indemnização de princípio dos danos puramente patrimoniais] comporta uma consequência: ficarmos legitimados a encontrar os expedientes normativos que considerarmos pertinentes sempre que se justificar, em concreto, por referência à situação material de base, a indemnização de tais danos, na medida em que avulte chocante à consciência jurídica geral a sua impunidade. Mas, se é certo que estamos legitimados a procurar critérios de imputação que nos permitam indemnizar os danos puramente patrimoniais em determinadas situações, não poderemos ir ao ponto de contornar o sistema.” (cit., pág. 64).

É justamente na busca do equilíbrio entre a não reparabilidade de princípio dos danos económicos puros e as hipóteses em que essa reparabildade deve ser admitida que se torna decisiva a função do julgador.


8.2. Retornando ao caso sub judice, considera-se ser de manter o juízo do acórdão recorrido no sentido de, em concreto, os custos suportados pelo A. BB não se integrarem em qualquer das situações de ressarcibilidade dos danos económicos puros em sede da responsabilidade extracontratual ou delitual nem configurarem uma situação em que a não ressarcibilidade atinja a consciência jurídica geral (tendo designadamente em conta que se o crédito bancário tivesse sido obtido pela sociedade AA, aqui 1ª A., e não pelo seu sócio, o aqui A. BB, tais custos sempre teriam existido).

      A pretensão do A. BB também não encontra cabimento em sede de responsabilidade contratual ou obrigacional. Com efeito, entende-se que “a responsabilidade civil obrigacional, que resulta da violação de posições jurídicas creditícias, só é, em regra, eficaz em relação ao devedor. Tal significa, de outra perspectiva, que o dano económico puro sofrido por um terceiro (que não o credor) não é, em princípio, tutelável.” (Carneiro da Frada/ Mª João Vasconcelos, cit., pág. 156). Por isso, sendo o A. BB terceiro em relação ao contrato de produção de energia eléctrica, os danos económicos puros por ele suportados não se encontram abrangidos pela tutela contratual.

     Conclui-se assim que, por falta de título de imputação, é de manter a decisão do acórdão recorrido de não atribuição ao A. AA de indemnização pelos prejuízos suportados.


9. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.


Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 12 de Setembro de 2019


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho