Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
77/20.2PEVIS.C1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: RECURSO PER SALTUM
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 12/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Sumário :

I – A análise dos tipos legais de tráfico de estupefacientes não deve ser dicotómica, apenas entre o tipo fundamental de ilícito (art. 21.º/1, DL 15/93) e o tipo privilegiado em razão da menor gravidade do facto (art. 25.º DL 15/93), mas estender-se ao art. 24.º, que prevê um tipo agravado de tráfico de estupefacientes, abrangendo situações de especial ilicitude do facto. Mesmo o art. 21.º deve ser considerado na sua completude, pois tem um âmbito de aplicação alargada, com agravação (nºs 2 e 3) e atenuação (n.º 4) de penas. Só uma ponderação global fornece uma visão integrada da resposta legislativa ao fenómeno do tráfico de estupefacientes: o tipo fundamental de tráfico no art. 21.º/1, um tipo de crime privilegiado no art. 25.º, e um tipo de crime qualificado no art. 24.º.

II – O tipo privilegiado de tráfico de menor gravidade (art. 25.º) pressupõe uma dimensão da ilicitude do facto, consideravelmente menor do que a ínsita no tipo fundamental (art. 21.º), enquanto o tipo qualificado, exigindo em regra uma ilicitude maior que a pressuposta no art. 21.º, beneficia de uma indicação taxativa de situações passíveis de integrar o tipo qualificado.

III – Os pressupostos de aplicação da norma (art. 25.º) respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto, uns à própria ação típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da ação), outros ao objeto da ação típica (qualidade – percentagem de presença do princípio ativo – ou quantidade do estupefaciente), pelo que não relevam, como diminuindo a ilicitude, fatores atinentes ao juízo sobre a culpa, quer relativos ao desvalor da atitude interna do agente, ou à sua personalidade. Nas contas da correta ou incorreta subsunção jurídica da conduta apurada não entram os antecedentes criminais do arguido, os períodos de tempo de prisão que já cumpriu e as suas modestas condições de vida.

IV – A menor ilicitude afere-se pela ponderação dos meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, o número de pessoas a quem foi realizada a venda, distribuição, cedência etc., ou o número de vezes em que tal ocorreu em relação à mesma pessoa.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 77-202PEVIS.C1.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Juízo Central Criminal ... foi decidido:

«(…) condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de:

▪ um crime de tráfico de estupefacientes (praticado entre 10/10/2020 e 10/03/2021), p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma legal, (crime para o qual se convola o crime de tráfico de estupefacientes agravado que lhe vinha imputado na acusação) na pena de 7 (sete) anos de prisão;

▪ um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

▪ um crime de evasão, p. e p. pelo art. 352.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

Em cúmulo jurídico das penas parcelares acima referidas, condenar o arguido AA na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Julgar procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante BB e, em consequência, condenar o arguido AA, a pagar àquela a quantia global de € 1.658,56 (mil seiscentos e cinquenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos)».

2. Inconformado, recorreu o arguido rematando a alegação de recurso com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. O presente recurso tem como objecto a matéria de direito do douto acórdão proferido nestes autos de uma pena efectiva de sete anos de prisão, pela prática, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do dec-Lei 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I – A e I – B anexas ao mesmo diploma legal.

2. No nosso entendimento, a pena aplicada excede os princípios inerentes à aplicação da mesma, que são os da prevenção geral e de prevenção especial, em síntese de ressocialização. 3. A favor do arguido militam as suas modestas condições de vida.

4. O Arguido interiorizou o desvalor da sua conduta e tem vontade de se tratar e de sair da toxicodependência.

5. A ilicitude dos factos praticados pelo Arguido mostra-se consideravelmente diminuída.

6. O Arguido actuava sozinho, sem qualquer estrutura organizativa.

7. À data dos factos o Arguido era consumidor de produtos estupefacientes, designadamente cocaína e haxixe, consumia, em média, diariamente, três a quatro gramas de cocaína e dez gramas de haxixe.

8. A actividade de tráfico do Arguido cingiu-se a um período máximo de cinco meses e apenas foram identificados dezassete consumidores.

9. A personalidade do Arguido aponta mais para um dealer de rua do que para um grande traficante, relegando-o para o elo final da cadeia comercial, o que desvaloriza a sua intervenção no mercado do tráfico.

10. Arguido á data dos factos era consumidor de estupefacientes, actuava sozinho, a sua actuação visara assegurar o seu próprio consumo, e tal actuação cingiu-se a um período de cinco meses, e de apenas terem sido identificados 17 consumidores que o arguido abastecia.

11. A conduta do Arguido deveria ter sido enquadrada na previsão do citado artigo 25º do D.L 15/93 e condenando-o à respectiva pena, cuja moldura penal é de um a cinco anos de prisão, o que não fez.

12. - O Arguido era toxicodependente à data da prática dos factos, e que justifica a pequena dimensão da actividade delituosa perpetrada pelo Arguido, não perpetuou grande tráfico, mas sim pequeno tráfico, preenchendo a sua conduta de forma correcta e proporcional o tipo privilegiado p. e. no artigo. 25 do D. L. n.º 15/93 de 22/01.

13. O Tribunal a quo violou o preceituado nos art.s 21º e 25º a) do D.L. 15/93 de 22/01,art. 32º nº 2 da C.R.P. o principio do in dubeo pro reo, 40º, 71º do C.P.

14. A pena aplicada ao arguido é manifestamente exagerada e excessiva e ultrapassa a medida da sua culpa e não atende às necessidades de prevenção especial, nomeadamente à ressocialização do arguido.

15. Não pode o tribunal a quo, face à factualidade provada, deixar de enquadrar o comportamento ilícito do arguido na prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, prevista no artigo 25º a) do D.L. 15/93.

16. Refere o artigo 40 do Cód. Penal que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos (considerações de prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (considerações de prevenção especial). O nº 2 do artigo citado enuncia o princípio geral e estruturante do direito penal, o princípio da culpa, através da qual se afirma que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.

17. Reafirma o artigo 71ºº, nº 1 do Cód. Penal que a determinação da medida da culpa é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, acrescentando o nº 2 do mesmo artigo que o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor ou contra o agente.

18.Tendo em conta os artigos 40, 70 e 71 do Cód. Penal, à culpa compete fornecer o limite máximo da pena que ao caso deva ser aplicada.

19. Sendo em função de considerações de prevenção quer geral de integração, quer especial de socialização, que deve ser determinada, abaixo daquele máximo, a medida final da pena, de modo que, através deste processo, de determinação da medida da pena, se aceite a integração e o reforço das consequências jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança em face da violação da norma (numa função de proteção do ordenamento jurídico-reação contra fáctica das normas).

20.Tendo ainda em conta o grau pouco elevado de sofisticação com que agia.

21.Entendemos por adequado e proporcional fixar a pena de prisão num mínimo possível, que deverá ser suspensa na sua execução sob regime de prova que Vossas Excelências deverão delinear.

Lei Violada: Arts 21º e 25º a) do D.L. 15/93 de 22/01, art. 32º nº 2 da C.R.P. (o princípio do in dubeo pro reo), 40º, 71º do C.P.

Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas., doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência ser o douto acórdão recorrido reparado com as premissas supra expostas, concluindo-se pela integração dos factos praticados no crime de tráfico de menor gravidade, e alterando-se, diminuindo-a, a medida da pena, assim se fazendo Justiça».

3. O Ministério Público respondeu concluindo (transcrição):

«1ª – A factualidade dada como provada – que não vem posta em causa pelo recorrente- integra o crime de tráfico do artigo 21 do DL 15/93, e não o crime de tráfico de menor gravidade pp pelo artigo 25 do mesmo diploma, como pretende, assim como demanda a sua condenação como reincidente – que, de igual modo, não vem posta em causa.

2ª – Não existem razões para a diminuição da pena aplicada ao arguido pelo crime de tráfico (única de que discorda), e muito menos para a suspensão da execução da pena de prisão, que, sequer, pode ser ponderada, por impossibilidade legal da sua aplicação.

4. Neste Supremo Tribunal de Justiça a PGA foi de parecer que o recurso deve improceder.

5. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

II

A

Factos provados:

1. O arguido CC decidiu adquirir produtos estupefacientes, nomeadamente, cocaína e heroína, para proceder à entrega/venda dos mesmos aos toxicodependentes/compradores de produtos estupefacientes que o procurassem, recebendo o respectivo pagamento, superior ao preço de aquisição, designadamente, 10/15 euros cada dose de heroína e de cocaína.

2. Dedicou-se a tal actividade entre 10/10/2020 e 10 de Março de 2021, ocasião em que foi sujeito a medida de coacção de prisão preventiva, pois mesmo sujeito a outras medidas de coacção, desde 27/11/2020, designadamente de apresentações periódicas, proibição de contactar com pessoas conotadas com o consumo e tráfico de estupefacientes e proibição de frequentar locais conotados com o consumo e tráfico de estupefacientes, continuou a actividade criminosa).

3. O arguido deslocava-se ao ..., com uma regularidade que não foi possível determinar, mas várias vezes por mês, e aí adquiria heroína e cocaína a indivíduos cuja identidade não foi possível apurar.

4. Para essas deslocações ao ... para aquisição de produtos estupefacientes, o arguido solicitava a outras pessoas, habitualmente também consumidores de produtos estupefacientes, que o levassem no veículo automóvel destes, nomeadamente, a DD e EE, entre outros, entregando a alguns deles, em troca/contrapartida, doses de heroína ou cocaína.

5. O arguido, em cada deslocação ao ..., adquiria cocaína e heroína, em valor e quantidade não concretamente determinados e transportava tais substâncias para ....

6. Após adquirir os produtos estupefacientes, o arguido procedia à entrega/venda dos mesmos aos toxicodependentes/compradores de produtos estupefacientes que o procurassem, recebendo o respectivo pagamento, superior ao preço de aquisição, correspondente a 10/15 euros a dose de heroína e a dose de cocaína, respectivamente.

7. Para a venda/escoamento da cocaína e heroína, o arguido, disponibilizava aos consumidores de produtos estupefacientes, preferencialmente, os seguintes números móveis: ...58, ...19, ...80 e ...27.

8. Assim, os consumidores de produtos estupefacientes contactavam estes números móveis e encomendavam o produto e as doses que pretendiam, bem como a forma e local de entrega, que podia ser nos seguintes locais: ..., ..., junto ao ..., Praça ... – ..., ..., Parque da Cidade ... e/ou Praceta ..., ou outros locais da Cidade ....

9. O arguido não exercia qualquer actividade remunerada e não tinha qualquer outra fonte de rendimento, beneficiando apenas do rendimento social de inserção no valor mensal de € 189,57.

10. Depois de acordados a quantidade, a hora, o local da entrega e o produto estupefaciente encomendado pelos consumidores, o arguido vendia/entregava aos consumidores/compradores de produtos estupefacientes, como se passa a descrever, as doses de heroína e/ou cocaína, ou outro produto estupefaciente solicitados, e recebia em troca o correspondente preço/dinheiro que pedia, 10/15 euros/dose.

Assim:

11. DD é consumidor de heroína e cocaína, e utilizador do n.º de telemóvel ...80.

12. Em datas não concretamente apuradas, mas certamente de Outubro a 25 de Novembro de 2020, DD adquiriu, pelo menos, por seis vezes, um a dois pacotes de heroína e/ou cocaína, de cada vez, pelo valor de 10 euros o pacote, ao arguido.

13. Nessas ocasiões o arguido entregava a DD, de cada uma das vezes, as doses heroína/cocaína solicitadas, e recebia em troca de DD, a quantia de 10 euros/pacote, como havia pedido, quantia que fazia sua integrando-a no seu património.

14. FF é consumidor de cocaína e liamba e utilizador do n.º de telemóvel ...84.

15. Em datas e número de vezes não concretamente apurados, mas certamente entre Novembro de 2020 e Janeiro de 2021, FF comprou cocaína ao arguido, pelo valor de 10 a 15 euros cada dose, quantia que o arguido recebia e fazia sua.

16. No dia 25 de Novembro de 2020, pelas 14:57 horas, FF encontrou-se com o arguido na residência onde o mesmo se encontrava, sita na Praceta ..., a fim de adquirir cocaína.

17. Pelas 15:32 horas FF deslocou-se novamente para junto da residência do arguido ao volante de uma viatura Opel Corsa, tendo ali acorrido também DD ao volante de do Peugeot de matrícula ..-..-JF;

18. O arguido, após conversar com este último, entrou na viatura conduzida por FF, deslocando-se ambos, bem como DD no Peugeot, para um local ermo, onde FF e o arguido estiveram a consumir cocaína disponibilizada por este.

19. De seguida, deslocaram-se todos a um multibanco onde FF procedeu ao levantamento de quantia em dinheiro não concretamente apurada, mas próxima de € 50,00, que entregou ao arguido para aquisição de cocaína.

20. No dia 5 de Janeiro de 2021, cerca das 15h30, na Cidade ..., FF comprou uma pedra de cocaína ao arguido por valor não concretamente apurado, mas aproximado de € 10/€ 15, que este recebeu e fez seus.

21. GG, é consumidora de cocaína e utilizadora do n.º de telemóvel ...56.

22. Pelo menos nos meses de Novembro e Dezembro de 2020, o arguido residiu em casa de GG, sita na Praceta ... ..., ....

23. Nesse período, o arguido entregava a GG, de forma diária, cerca de seis a sete pedras de cocaína, algumas vezes de forma gratuita e outras vezes pelo preço de 15 euros a pedra, quantia que o arguido recebia e fazia sua.

24. HH é consumidor de cocaína, conhecido pela alcunha de “II” e utilizador dos n.ºs de telemóvel ...85 e ...01.

25. Em datas não concretamente apuradas, mas certamente entre Outubro 2020 e 5 de Janeiro de 2021, o arguido entregou produtos estupefacientes a HH com uma regularidade de duas a três vezes por semana, fazendo-o umas vezes em troca de boleias que este lhe dava para o ... ou para proceder a entregas a outros consumidores (caso em que lhe entregava cerca de um ou dois pacotes de heroína e uma pedra de cocaína), e outras mediante o pagamento de quantia de valor não concretamente apurado.

26. No dia 05 de Janeiro de 2021, cerca das 15h50, na Praça ... –..., o arguido entregou a HH 0,069 gr. de cocaína (éster metílico), mediante preço não concretamente apurado.

27. JJ é consumidor de cocaína e utilizador do n.º de telemóvel ...99.

28. No dia 5 de Janeiro de 2021, cerca das 15h50/16h00, na Praça ..., no interior da viatura de JJ, o arguido entregou a este uma ou duas pedras de cocaína, entregando aquele em troca o correspondente valor monetário pedido pelo arguido, 15 euros cada pedra, valor que o arguido recebeu e fez seu.

29. EE é consumidor de heroína, haxixe e cocaína e utilizador do n.º de telemóvel ...50.

30. Em datas não concretamente determinadas, do início do ano de 2021, pelo menos por três ou quatro vezes, DD adquiriu ao arguido heroína, na quantidade de uma dose de cada vez, pelo preço de € 10,00 cada.

31. Nessas ocasiões, o arguido entregou as doses solicitadas a DD e este entregou-lhe o correspondente valor monetário pedido, acima mencionado, que o arguido recebeu e fez seu.

32. KK foi consumidor de heroína e usava por vezes o telemóvel da companheira com o n.º ...34.

33. Em data não concretamente apurada do ano de 2020, pelo menos por uma vez, KK adquiriu metadona ao arguido, pelo valor de 7,50 euros o frasco.

34. Nessa ocasião, o arguido entregou a KK o frasco de metadona solicitado, e este entregou-lhe o correspondente valor pedido por tal produto, 7,50 euros, que o arguido recebeu e fez seu.

35. LL é consumidora de cocaína e heroína.

36. Em datas não concretamente determinadas, mas situadas seguramente entre Outubro de 2020 e inícios de 2021, LL adquiriu, pelo menos uma vez por semana, uma dose de heroína e uma pedra de cocaína ao arguido, pelo valor global de 25 euros.

37. Em outras ocasiões, o arguido, como contrapartida do produto estupefaciente que lhe entregou, heroína e cocaína, manteve relações sexuais com LL.

38. MM é consumidor de produtos estupefacientes e utilizador do telemóvel ...86.

39. Em datas não concretamente determinadas, mas seguramente entre o mês de Outubro de 2020 e 25 de Novembro de 2020, e entre Fevereiro de 2021 e meados de Março de 2021, MM encontrou-se com arguido, dia sim, dia não, a fim de adquirir, para si ou para outras pessoas que o acompanhavam, uma a duas pedras de cocaína de cada vez, pelo valor de 15 euros cada pedra.

40. Encontraram-se, em regra junto ao ..., em ruas da Cidade ..., ou nas proximidades de ..., onde o arguido entregou, de cada uma das vezes, as doses solicitadas a MM ou aos consumidores que o acompanhavam e recebeu o correspondente valor monetário pedido, acima mencionado, que fez seu.

41. Em contrapartida de pedras de cocaína, o arguido chegou a dormir em sua casa.

42. NN é consumidora de cocaína e utilizadora do n.º de telemóvel ...85.

43. Em datas não concretamente determinadas, mas situadas entre o mês de Outubro de 2020 e meados do mês de Março de 2021, NN, contactou o arguido uma a duas vezes por mês, a fim de adquirir, de cada vez, uma a duas pedras de cocaína, pelo valor de 10 euros cada pedra.

44. Nesses telefonemas combinaram o local da transacção, em regra junto à casa do arguido, onde o arguido, de cada uma das vezes, entregou a NN as doses solicitadas e esta entregou-lhe o correspondente valor monetário pedido, acima mencionado, que o arguido recebeu e fez seu.

45. OO é consumidor de produtos estupefacientes e utilizador do n.º de telemóvel ...74.

46. Em datas não concretamente determinadas, mas seguramente entre o mês de Outubro de 2020 e o início do ano de 2021, OO contactou o arguido com regularidade quase semanalmente, a fim de adquirir, de cada vez, três pedras de cocaína, pelo valor de 15/20 euros cada pedra.

47. Nesses telefonemas combinaram o local da transacção, em regra na ..., Zona Industrial ... ou na ... em ..., onde o arguido entregou, de cada uma das vezes, a OO as doses solicitadas e este entregou-lhe o correspondente valor monetário pedido, acima mencionado, que o arguido recebeu e fez seu.

48. PP é consumidor de produtos estupefacientes e utilizador dos n.ºs de telemóvel ...67 e ...34.

49. Em datas não concretamente determinadas, mas situadas entre o mês de Novembro de 2020 e o mês de Janeiro de 2021, PP contactou o arguido, duas vezes por semana, a fim de adquirir, de cada vez, uma pedra de cocaína, pelo valor de 10 euros cada pedra.

50. Nessas ocasiões, combinaram o local da transacção, habitualmente na ... - ..., onde o arguido entregou, de cada uma das vezes, as doses solicitadas a PP e este entregou-lhe o correspondente valor monetário pedido, acima mencionado, que o arguido recebeu e fez seu.

51. QQ é consumidor de produtos estupefacientes;

52. Em datas não concretamente determinadas, mas situadas entre os meses de Novembro de 2020 e Março de 2021, QQ, uma vez por dia, adquiriu ao arguido um pacote de heroína, de cada vez, pelo preço de 10 euros o pacote/dose e, de forma esporádica, pedras de cocaína, pelo valor de 10 euros a pedra.

53. Para tanto, QQ contactava o arguido telefonicamente, que lhe indicava o lugar para a transacção, em regra na ... – ..., junto ao ... ou do P... ou noutro local da Cidade ..., onde a companheira do arguido, GG, lhe entregava, de cada uma das vezes, o produto estupefaciente e recebia o correspondente valor monetário pedido pelo arguido, acima mencionado, que posteriormente era entregue ao arguido, que o recebia e fazia seu.

54. RR é consumidor de produtos estupefacientes e utilizador dos n.ºs de telemóvel ...52 e ...38.

55. Em datas não concretamente determinadas, mas seguramente entre Outubro de 2020 e o fim do ano de 2020, duas a três vezes por mês, RR adquiriu ao arguido duas ou três pedras de cocaína de cada vez, pelo preço de 15 euros a pedra e, de forma esporádica, pacotes de heroína, pelo valor de 10 euros a dose.

56. Para tanto, RR contactava o arguido telefonicamente, que lhe indicava o lugar para a transacção, em regra na ... – ..., ou na ..., onde o arguido, de cada uma das vezes, entregou o produto estupefaciente e recebeu de RR o correspondente valor monetário por si pedido, acima mencionado, que fez seu.

57. SS utilizador do n.º de telemóvel ...29, em data não concretamente apurada, mas situada no final do ano de 2020, junto à sua residência, sita na Rua..., ..., adquiriu ao arguido três pedras e meia de cocaína, entregando àquele em troca da cocaína a quantia de 50 euros, quantia monetária que o arguido solicitou, recebeu e fez sua.

58. TT foi consumidora de produtos estupefacientes.

59. Em datas não concretamente apuradas, durante o ano de 2020, inícios de 2021, por duas ocasiões, o arguido deslocou-se à residência de TT, sita na Urbanização ..., ..., sendo que numa dessas vezes, adquiriu-lhe uma pedra de cocaína por € 10,00 que o arguido recebeu e fez seus, e na outra vez, foi o arguido quem lhe disponibilizou cocaína para consumo sem contrapartida económica.

60. UU é consumidor de produtos estupefacientes.

61. Em datas não concretamente determinadas, mas seguramente nos meses de Outubro e Novembro de 2020, e por duas vezes, UU adquiriu ao arguido um pacote de heroína e uma pedra de cocaína de cada vez, pelo valor de 10 euros a dose/pedra.

62. Para tanto, contactava o arguido telefonicamente, que lhe indicava o lugar para a transacção, em regra na ... – ..., onde o arguido, de cada uma das vezes, entregou o produto estupefaciente e recebeu de UU o correspondente valor monetário por si pedido, acima mencionado, que fez seu.

63. VV é consumidor de produtos estupefacientes e utilizador do n.º de telemóvel ...03.

64. Em datas não concretamente determinadas, mas situadas final do ano de 2020, e por número de vezes não concretamente apurado, mas entre 5 a 10 vezes, DD adquiriu cocaína ao arguido, duas a três pedras de cada vez, por valor não inferior a 10 euros a pedra.

65. Para tanto, o arguido contactava telefonicamente DD informando-o de que tinha produto e indicava-lhe o lugar para a transacção, em regra na ..., onde o arguido entregou, de cada uma das vezes, o produto estupefaciente, e recebeu de DD o correspondente valor monetário por si pedido, que fez seu.

66. No dia 25 de Novembro de 2020, a hora não concretamente apurada, mas antes das 15:30 horas, o arguido solicitou a DD que o transportasse à cidade ..., a fim de adquirir produtos estupefacientes, ao que aquele acedeu.

67. Assim, durante a tarde do dia 25 de Novembro de 2020, o arguido, deslocou-se à cidade ..., no veículo de marca Peugeot, de matrícula ..-..-JF, propriedade de WW e conduzido por DD, a fim de se abastecer de produtos estupefacientes para a venda nesta Cidade ....

68. Quando saíram da Cidade ..., e antes de acederem à A 25, pararam nas ..., sitas em ..., onde o arguido abasteceu a viatura com 15 euros de combustível.

69. Na cidade ..., deslocaram-se ao Bairro ..., onde o arguido adquiriu produto estupefaciente a indivíduo cuja identidade não foi possível apurar.

70. O arguido entregou, ainda, a DD, em contrapartida do transporte, quatro pacotes de heroína e duas pedras de cocaína.

71. Já a chegar a ..., deslocaram-se a ..., onde DD (por não ser titular de carta de condução) solicitou à sua companheira WW que assumisse a condução da viatura para irem deixar o arguido a casa.

72. Cerca das 21h00, já na Praceta ..., ..., local onde residia à data o arguido, foram interceptados por agentes da PSP ..., altura em que o veículo era conduzido por WW, seguindo ao lado do condutor DD, e no banco de trás do veículo, o arguido.

73. Nessas circunstâncias, o arguido tinha consigo:

a) um telemóvel de marca LG com o cartão com o n.º ...58, que o arguido;

b) seis moedas do BCE com o valor facial de 2 euros, que o arguido trazia dentro de porta moedas em lã, num bolso do casaco;

c) onze moedas do BCE com o valor facial de 1 euro, que o arguido trazia dentro de porta moedas em lã, num bolso do casaco;

d) três notas do BCE, com o valor facial 5 euros, que se encontravam na carteira do arguido;

e) um telemóvel da marca Huawei, que se encontrava na mochila do arguido, com o IMEI ...19;

f) um telemóvel da marca ZTE que se encontrava na mochila do arguido, com o IMEI ...53;

g) 97 (noventa e sete) pacotes com heroína, com o peso total de 18,478 gr., com 20,8% de grau de pureza, correspondente a 21 doses médias individuais diárias, que se encontravam dentro de uma embalagem de plástico que na altura da intercepção o arguido rasgou e atirou para o chão;

h) uma embalagem de plástico contendo cocaína, com o peso total de 25,864 gr., com 24,5% de grau de pureza, correspondente a 211 doses médias individuais diárias, embalagem que na altura da intercepção o arguido rasgou e atirou para o chão;

i) três embalagens de plástico contendo canábis (folhas sumidades), com o peso total de 2,697 gr., com 2,5% de grau de pureza, correspondente a uma dose média individual diária, que se encontrava na porta da frente da viatura do lado direito;

j) uma embalagem contendo canábis (resina) com o peso de 0,232 gr., com 18,1% de grau de pureza, correspondente a menos de uma dose média individual diária, que se encontrava na mochila do arguido;

74. Na mesma ocasião DD tinha consigo:

a) 4 (quatro) pacotes contendo heroína com o peso total de 0,690 gr., com 22% de grau de pureza, correspondente a menor de uma dose média individual diária que este trazia no bolso interno do casaco que vestia;

b) 2 (duas) pedras de cocaína, com o peso de 0,448 gr., com 25,8% de grau de pureza, correspondente a três doses médias individuais diárias, que este trazia no bolso interno do casaco que vestia, embrulhado em prata.

75. Os produtos apreendidos ao DD haviam sido entregues pelo arguido, a DD, como forma de pagamento, por o mesmo o ter transportado ao ... nesse dia, tendo o arguido também pago o combustível com que abasteceu a viatura.

76. Sendo que, nesse mesmo dia, e antes de iniciarem a viagem para o ..., o arguido cedeu/deu ao DD heroína, em quantidade não apurada, que o mesmo consumiu de imediato.

77. DD já tinha transportado o arguido ao ..., anteriormente, para ali adquirir produtos estupefacientes, pelo menos por mais quatro vezes, o que fez a pedido do arguido, que pagou sempre o valor do combustível do veículo e deu/cedeu produtos estupefacientes ao DD para consumir, como forma de pagamento.

78. No dia 05 de Dezembro de 2020, pelas 1:57 horas, GG solicitou a presença da PSP à residência que partilhava com o arguido, sita na Praceta ..., ..., ..., denunciando episódio de violência.

79. No local, os agentes da PSP verificaram que o arguido se encontrava fechado na casa de banho, tendo na sua posse:

a) um pacote de heroína com o peso de 0,237 gr., com 5,3% de grau de pureza, correspondente a menos de uma dose média individual diária;

b) uma embalagem contendo 2,481 gr. de canabis (folhas/sumidades), com 11,3% de grau de pureza, correspondente a 5 doses médias individuais diárias;

c) uma embalagem/blister de metadona, com o peso de 0,30 g;

d) quatro cachimbos para consumo de produto estupefaciente;

e) uma embalagem de 250 ml. de amoníaco, utilizado no corte de estupefacientes;

f) uma concha de sopa utilizada para a preparação de estupefacientes, nomeadamente, heroína e cocaína.

80. O arguido ao actuar da forma supra descrita visou adquirir produtos estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, e outros, como metadona e canabis, para posteriormente os vender aos consumidores que o procurassem, e com a revenda auferir o lucro correspondente.

81. De facto, o arguido, com a supra descrita conduta, agiu livre, voluntária e conscientemente, pretendendo adquirir as aludidas substâncias e vendê-las aos consumidores de produtos estupefacientes que o procurassem, por preço por este fixado, revertendo para ele o produto da venda ou mesmo cedê-las, a título gratuito, para consumo de outros.

82. O arguido em toda a sua conduta agiu voluntária, livre e conscientemente, conhecendo a natureza e características das substâncias (heroína, cocaína, canabis, metadona) que adquirira, que tinha na sua posse e vendia/cedia a terceiros, e que tais condutas lhe estavam proibidas por lei e eram punidas como crime.

83. O arguido foi condenado:

a) no processo comum colectivo n.º 465/99 do ... Juízo Criminal de ..., por acórdão datado de 15/03/2000, transitado em julgado em 05/04/2000, pela prática, em 18/11/1998, do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e seis meses de prisão, sendo que lhe foi concedida, pelo TEP ..., no âmbito do processo 926/2001, por decisão datada de 20/12/2001 liberdade condicional, entretanto revogada, por decisão de 3/03/2003;

b) no processo comum singular n.º 271/02.... do ... Juízo Criminal de ..., por sentença de 01/10/2003 transitada em julgado em 16/10/2003, pela prática, em 20/04/2002, do crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143.º do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, suspensa por 18 meses;

c) no processo comum colectivo n.º 77/98.... do ... Juízo Criminal de ..., por acórdão de 09/12/1999, pela prática, em 18/11/1998, dos crimes de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e desobediência, p. e p. pelo art. 53.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, pena entretanto extinta pelo cumprimento em 26/01/2006;

d) no processo comum colectivo n.º 54/03.... do ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial ..., por acórdão datado de 14/07/2004, transitado em julgado em 04/08/2004, pela prática, em 07/11/2003, do crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.os. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. e) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;

e) no processo comum singular n.º 164/03.... do ... Juízo Criminal de ..., por sentença de 14/04/2005, transitada em julgado em 14/12/2005, pela prática, em 19/06/2003, do crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 6.º, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, na pena de 9 meses de prisão;

f) no processo comum colectivo n.º 27/03.... do ... Juízo Criminal de ..., por acórdão datado de 21/03/2006, transitado em julgado em 31/03/2006, pela prática, até 14/10/2003, do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena única (em cúmulo com a pena aplicada no processo comum singular n.º 271/02...., do ... Juízo Criminal de ...) de 3 anos e 8 meses de prisão;

g) no processo comum singular n.º 137/03.... do ... Juízo Criminal de ..., por sentença datada de 10/04/2007, transitada em julgado em 26/04/2007, pela prática, em 02/04/2003, do crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão;

Nestes autos foi realizado cúmulo jurídico das penas aplicadas neste processo e nos processos supra aludidos em b), e) e f), por decisão datada de 10/12/2008 e transitada em julgado em 23/01/2009, sendo o arguido condenado na pena única de 4 anos e 2 meses de prisão, pena entretanto declarada extinta, pelo cumprimento em 03/12/2019;

h) no processo comum colectivo n.º 1072/10.... do ... Juízo Criminal de ..., por acórdão datado de 24/04/2012, transitado em julgado em 21/05/2012, pela prática, até 19/12/2010, do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/03, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, pena entretanto declarada extinta pelo cumprimento em 12/04/2017;

i) no processo abreviado n.º 438/18.... do Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., por sentença de 11/04/2019 transitada em julgado em 20/05/2019, pela prática, em 28/03/2018, do crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 5,00, no total de € 400,00, pena entretanto declarada extinta pelo pagamento;

j) no processo comum colectivo n.º 530/18.... do Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., por acórdão de 09/12/2020, transitado em julgado em 28/10/2021, pela prática, em 18/04/2018, do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º al. a), do Decreto-Lei n.º 15/03, de 22 de Janeiro, na pena de 3 anos de prisão;

k) no processo comum singular n.º 85/18.... do Juízo de Competência Genérica ..., por sentença de 23/06/2020, transitada em julgado em 08/09/2020, pela prática, em 30/05/2018, do crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, da pena de 6 meses de prisão, suspensa por um ano, com regime de prova e sujeição à obrigação de tratamento da toxicodependência;

l) no processo comum singular n.º 130/20.... do Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., por sentença de 11/01/2022, transitada em julgado em 10/02/2022, pela prática, em 09/10/2020, do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/03, de 22 de Janeiro, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

84. Em consequência das referidas condenações, o arguido sofreu os seguintes períodos de privação de liberdade:

i) de 18/11/1998 a 21/12/2001, à ordem dos autos com o n.º 77/98...., sendo que por decisão de 20/12/2001, foi concedida liberdade condicional ao arguido nos autos com o n.º 926/2001 do TEP ...;

ii) de 07/11/2003 a 30/06/2004, à ordem dos autos com o n.º 54/03....;

 iii) de 30/06/2004 a 26/01/2006, à ordem dos autos com o n.º 77/98...., para cumprimento do remanescente da pena em que foi condenado, na sequência da revogação da liberdade condicional decretada por decisão de 03/03/2003 nos autos com o n.º 926/01.... do TEP ...;

iv) de 26/01/2006 a 07/07/2006, à ordem dos autos com o n.º 54/03....;

v) de 07/07/2006 a 30/04/2009, à ordem dos autos com o n.º 137/03...., sendo que por decisão de 29/04/2009, foi concedida liberdade condicional ao arguido nos autos com o n.º 1373/04.... do TEP ...;

vi) de 19/12/2010 a 30/11/2011, em prisão preventiva à ordem dos autos com o n.º 1072/10...., tendo nesta última data sido restituído à liberdade;

vii) de 24/12/2013 a 12/04/2017, em cumprimento de pena à ordem dos autos com o n.º 1072/10...., tendo nesta última data sido restituído à liberdade e declarada extinta a pena em que foi condenado;

viii) de 27/07/2018 a 03/12/2019, para cumprimento do remanescente da pena em que foi condenado nos autos com o n.º 137/03...., na sequência da revogação da liberdade condicional decretada por decisão de 06/05/2015 nos autos com o n.º 2315/10.... do TEP ..., tendo por referência a esta última data sido declarada extinta a pena que lhe foi aplicada naqueles autos;

ix) de 03/12/2019 a 14/04/2020, para cumprimento do remanescente da pena em que foi condenado nos autos com o n.º 54/03...., na sequência da revogação da liberdade condicional decretada por decisão de 06/05/2015 nos autos com o n.º 2315/10.... do TEP ..., sendo nesta última data restituído à liberdade, na sequência do perdão concedido ao abrigo do disposto no art. 2.º, n.º 2 da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, sob condição resolutiva, por decisão de 13/04/2020 nos autos com o n.º 2315/10.... do TEP ....

85. Entre a prática do crime de tráfico supra referido em 83. h), em que foi condenado no processo 1072/10...., na pena de prisão de 4 anos e 3 meses, e a data dos factos supra descritos em 1. a 82., descontado o tempo em que o arguido esteve privado da liberdade nos termos supra enunciados em vi) a ix) (que ascendeu a 5 anos, 11 meses e 18 dias), decorreram menos de 5 anos, mais concretamente 3 anos, 10 meses e 5 dias.

86. O arguido iniciou a actividade de tráfico objecto destes autos 5 meses e 26 dias depois de ter sido colocado em liberdade na sequência do perdão que lhe foi concedido ao abrigo da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, sob a condição resolutiva prevista no n.º 7 do art. 2.º da citada Lei.

87. A condenação e cumprimento de pena não foram suficientes para afastar o arguido do cometimento de novos crimes e conseguir a sua recuperação social, mostrando-se insensível à advertência nela contida.

88. Desde a restituição à liberdade, o arguido manteve-se sem vínculo profissional estável ou fonte de rendimentos lícita regular, e retomou o consumo de estupefacientes, assim revelando uma personalidade com acentuada propensão para a prática de crimes, que ainda hoje se mantém.

89. O arguido não interiorizou o desvalor da actividade criminosa que vem desenvolvendo desde há vários anos, ressalvado o tempo que esteve preso, prosseguindo com tal actividade inclusive ainda no decurso do período da condição resolutiva do perdão que lhe foi concedido e no período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada na condenação aludida em 82. k).

90. No dia 10 de Março de 2021, pelas 15:30 horas, realizou-se interrogatório judicial do arguido (não detido), com vista à alteração das medidas de coacção anteriormente aplicadas;

91. Findo o interrogatório, a Juiz de Instrução Criminal proferiu despacho determinando que o arguido passasse a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.

92. Pelas 16:35 horas, quando a Juiz de Instrução Criminal comunicou ao arguido a alteração das medidas de coacção e que ia ficar em prisão preventiva, a oficial de justiça que estava de serviço chamou a agente da PSP BB (que presta serviço neste Tribunal), a qual estava no exterior da sala de audiências, e comunicou-lhe que o arguido devia ser detido e conduzido ao Estabelecimento Prisional.

93. Nessa altura, a agente da PSP entrou na sala de audiências e aproximou-se/abordou o arguido com o intuito de proceder à sua algemagem.

94. No momento em que a agente da PSP segurava o braço do arguido para o algemar, o mesmo desferiu um violento puxão/safanão, obrigando a agente da PSP a recuar e fazendo-a desequilibrar-se, e de seguida dirigiu-se à porta lateral, com a qual bateu violentamente, atingindo a agente da PSP (que seguia no seu encalce) na perna direita, tendo a mesma, com a dor, caído ao chão.

95. Nessa altura, e com a agente da PSP caída no chão, o arguido colocou-se de imediato em fuga, correndo do local, conseguindo fugir e sair do edifício do Tribunal.

96. O arguido veio depois a ser localizado, junto ao ... em frente ao Bairro ... - ..., sendo interceptado e detido pelo militar da GNR XX ainda antes das 17:00 horas do mesmo dia.

97. Em consequência da conduta do arguido, a agente da PSP BB sofreu edema do tecido muscular em relação com contusão muscular na face posterior/lateral da coxa direita, equimose na face posterior da coxa direita, com 40x40mm e provável hematoma subcutâneo, lesões lhe determinaram um período de 19 dias de doença, 14 dos quais com incapacidade para o trabalho profissional.

98. Ao proceder como se descreve, o arguido agiu violentamente contra a agente da PSP com o propósito concretizado de se opor a que a mesma praticasse acto relativo ao exercício das suas funções, o que ele sabia.

99. E ciente de tal actuou querendo proceder dessa forma, bem sabendo que a agente da PSP se encontrava no exercício das suas funções de autoridade policial, devidamente fardada e identificada.

100.Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu também com o propósito se evadir, bem sabendo que se encontrava legalmente preso preventivamente, conforme lhe tinha sido comunicado pela Juiz de Instrução Criminal, e assim fugir da situação de privação de liberdade em que se encontrava, o que conseguiu.

101.O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo as suas condutas proibidas e criminalmente punidas.

Do pedido de indemnização civil formulado por BB

102.Em resultado da actuação do arguido, a ofendida BB sentiu forte dor na coxa direita, foi assistida no local pelo INEM, e transportada ao Centro Hospitalar ..., EPE;

103. E ainda mantém acompanhamento em consulta de medicina física e de reabilitação por lesão isquiotibiais e penetração de corpo estranho, tendo sido medicada e sujeita a várias sessões de fisioterapia;

104.Pelas consultas, sessões de fisioterapia e ecografia, a ofendida pagou já a quantia de € 140,56;

105. Em virtude das lesões sofridas, a ofendida BB apresenta ainda incapacidade para fazer marcha com maior cadência, para saltar e correr e sofre de espasmos musculares esporádicos, o que afecta o seu desempenho profissional e condiciona as actividades domésticas e de lazer a que a ofendida se dedica.

106.Toda a situação lhe causou grande angústia, dores, sofrimento físico e moral. Das condições pessoais e económicas do arguido:

107. O arguido é o mais velho dos três filhos de uma família, natural da localidade de ..., que em dado momento emigrou para a ..., onde o arguido acabaria por nascer, permanecendo naquele país até aos 15 anos, altura em que, com a passagem à reforma da progenitora, o agregado acabaria por optar regressar a Portugal, fixando residência, em casa dos avós maternos, na localidade de ..., na periferia da Cidade ....

108.O arguido retomou em território nacional o percurso escolar que iniciara e frequentara com regularidade na ..., contudo, as dificuldades de integração, potenciadas pelas limitações linguísticas que o mesmo apresentava, acabariam por se reflectir ao nível do aproveitamento escolar, tendo apenas concluído o 8.º ano de escolaridade, após o que iniciou a sua vida profissional numa empresa sedeada na zona de ..., especializada na lapidação de diamantes, onde trabalhou durante cerca de dois anos, até iniciar o cumprimento do Serviço Militar Obrigatório.

109. De regresso à vida civil, registou experiências profissionais de curta duração em vários sectores de actividade, na sequência de alguns cursos de formação que foi garantindo. Depois da morte da progenitora, vítima de um acidente de viação, quando ele contava cerca de 26 anos de idade, o arguido decidiu regressar à ..., projecto que viria a interromper nove meses depois, na sequência da morte inusitada do progenitor.

110. Terá sido neste período de maior desorganização pessoal que o arguido iniciou o consumo de substâncias estupefacientes, circunstância que se viria a revelar, no seu caso, profundamente desestruturante, com crescente e gradual desvinculação em relação aos valores pró-sociais e alimentando comportamentos de risco, que foram surgindo na base dos inúmeros contactos com o sistema de justiça que o mesmo passou a registar.

111. No passado, foi sujeito, em várias ocasiões, a tratamentos e a alguns internamentos em comunidades terapêuticas, todavia estas intervenções revelar-se-iam sempre inconsequentes. Num dos períodos de liberdade ainda regressou à ..., onde terá mantido uma relação estável e trabalho regular, até à intervenção da justiça portuguesa.

112. Colocado em liberdade em Abril de 2020, regressou a ..., onde passou a reocupar, juntamente com os demais familiares, irmã, cunhado e sobrinhos, a anterior casa morada de família.

113. Requereu o Rendimento Social de Inserção, e trabalhou em pelo menos duas campanhas agrícolas em .... Manteve uma relação com uma companheira, mas recaiu nos comportamentos aditivos. Contactado pela DGRSP para elaboração de um Plano de Reinserção Social no âmbito do processo n.º 85/18...., nunca se mostrou colaborante.

114.Desde a detenção em 10/03/2021, o arguido tem mantido um comportamento estável e conforme às normas da instituição, não tendo sido, até ao momento, alvo de qualquer tipo de procedimento disciplinar.

115.Resulta do relatório social que: “O arguido assume com algum conformismo, e inevitabilidade, a sua atual condição, a qual faz naturalmente decorrer dos riscos que correu, quando em liberdade, por manter os seus hábitos de consumo de estupefacientes e para os quais não aparenta, qualquer tipo de atitude diferenciada, que nos permita antever qualquer aposta numa mudança comportamental, persistindo numa atitude de vitimização face ao sistema, o qual acusa de não ter sido capaz de o reabilitar. Junto da comunidade residente a imagem do arguido surge-nos negativamente marcada com a sua conotação ao mundo da droga e pela perturbação da paz social da localidade, que a sua presença e o movimento de estranhos a ela associada, sempre motivou”.

Factos não provados:

a) Que as deslocações ao ... ocorressem pelo menos duas vezes por semana, que nessas ocasiões levava consigo, no mínimo, € 600,00 e que por vezes se deslocava em carro próprio.

b) Que para adquirir cocaína FF contactava o arguido telefonicamente para o n.º daquele, ...58, ou para o n.º ...83, sendo o local de entrega, em regra, o Parque da Cidade ... e/ou Praceta ....

c) Que no dia 25/11/2020, FF, chegado à residência sita na Praceta ..., seguindo instruções do arguido, introduziu por debaixo da porta da residência daquele a quantia de 15 euros, que o arguido recebeu, entregando em troca uma pedra de cocaína, pelo mesmo meio.

d) Que após consumir a pedra de cocaína que o arguido lhe entregou/vendeu, FF voltou a contactar o arguido reclamando ter sido mal servido.

e) Que na sequência da aplicação ao arguido nos presentes autos, a 27 de Novembro de 2020, da medida de coacção de apresentações periódicas diárias no OPC da área da residência, o arguido solicitou em número de vezes não concretamente determinado, a FF que o transportasse à PSP ..., e em troca/contrapartida, de cada vez, entregou-lhe/cedeu-lhe cocaína.

f) Que HH comprava de cada vez, duas pedras de cocaína, pelo valor de 15 euros a pedra.

g) Que pela pedra de cocaína adquirida no dia 05/01/2021 ao arguido, HH tenha pago ou ficado de pagar a quantia de 7,5 euros

h) Que em dia não concretamente apurado do mês de Novembro de 2020, YY contactou o arguido telefonicamente, a fim de adquirir, uma pedra de cocaína, ao que o arguido indicou como local para a transacção a Praceta .... Aí, o arguido entregou a dose solicitada a YY e este entregou-lhe o correspondente valor monetário pedido, 15 euros, que o arguido recebeu e fez seu.

i) Que ZZ é consumidor de cocaína e utilizador do n.º de telemóvel ...79. Em datas não concretamente apuradas do ano de 2020, por diversas vez, em número superior a duas, a sua falecida companheira AAA, contactou o arguido para adquirir uma pedra de cocaína por dia, para o consumo dos dois, cujo preço era pago por ambos. Assim, ZZ entregou a sua parte do preço solicitado a AAA, que a entregava ao arguido recebendo em troca, de cada vez, uma pedra de cocaína, que era consumida por ZZ e AAA. Por sua vez, o arguido recebia a quantia monetária por si solicitada pela dose de cocaína, não concretamente apurada, que fazia sua.

j) Que por três/quatro vezes, o arguido solicitou a DD que o transportasse ao ... para adquirir produto estupefaciente para vender aos consumidores que o procurassem, ao que este acedeu. Nessas ocasiões, como contrapartida do transporte, o arguido procedia ao pagamento das portagens e combustível no valor de 35/40 euros e entregava a DD duas doses de heroína.

k) Que a aquisição de metadona por KK ao arguido tenha ocorrido em data posterior a 09/10/2020

l) Que para além das duas vezes em que o arguido esteve em casa de TT, em outras ocasiões, e em datas não concretamente determinadas, TT, solicitou a um indivíduo de nome Tó, de forma diária, que adquirisse ao arguido uma pedra de cocaína, o que aquele fazia, usando muitas das vezes o telemóvel de TT, para contactar o arguido e combinar o local de entrega, sendo que, TT, pagou ao arguido a quantia de 10 euros por cada pedra, que este recebeu.

m)Que no dia 25/11/2020 tivesse sido WW a conduzir a viatura até ao .... n) Que o arguido visou, com a sua actividade, distribuir produtos estupefacientes por

grande número de pessoas, e obter avultada compensação remuneratória.

o) Que o episódio de urgência datado de 28/04/2021 tivesse correspondido a assistência médica a lesões decorrentes dos factos.

B

O Direito

Depois de ordenadas logicamente, as questões postas pelo recorrente são as seguintes:

(a) Integração da conduta do arguido no crime de tráfico de menor gravidade; (b) medida da pena de tráfico e (c) eventual suspensão da pena.

*

a) A qualificação jurídica dos factos.

1 Pretende o recorrente a integração [de parte] dos factos praticados no crime de tráfico de menor gravidade, sustentando para tal que a atividade de tráfico cingiu-se a um período máximo de cinco meses e apenas foram identificados dezassete consumidores, que a personalidade do arguido aponta mais para um dealer de rua do que para um grande traficante, relegando-o para o elo final da cadeia comercial, o que desvaloriza a sua intervenção no mercado do tráfico; à data dos factos era consumidor de estupefacientes, atuava sozinho, a sua atuação visara assegurar o seu próprio consumo.

2 Dispõe o art. 25.º do DL 15/93: «Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;

b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV».

As substâncias traficadas constam das tabelas I – A e I – B.

3 A análise dos tipos legais de tráfico de estupefacientes não deve ser dicotómica, apenas entre o tipo fundamental de ilícito (art. 21.º/1, DL 15/93) e o tipo privilegiado em razão da menor gravidade do facto (art. 25.º DL 15/93), mas estender-se ao art. 24.º, que prevê um tipo agravado de tráfico de estupefacientes, abrangendo situações de especial ilicitude do facto. Mesmo o art. 21.º deve ser considerado na sua completude, pois tem um âmbito de aplicação alargada, com agravação (nºs 2 e 3) e atenuação (n.º 4) de penas. Só uma ponderação global fornece uma visão integrada da resposta legislativa ao fenómeno do tráfico de estupefacientes: o tipo fundamental de tráfico no art. 21.º/1, um tipo de crime privilegiado no art. 25.º, e um tipo de crime qualificado no art. 24.º.

4 O tipo privilegiado de tráfico de menor gravidade (art. 25.º) pressupõe uma dimensão da ilicitude do facto, consideravelmente menor do que a ínsita no tipo fundamental (art. 21.º), enquanto o tipo qualificado, exigindo em regra uma ilicitude maior que a pressuposta no art. 21.º, beneficia de uma indicação taxativa de situações passíveis de integrar o tipo qualificado (ac STJ 13.09.2018, wwwdgsi.pt).

5 Em matéria de tráfico e outras atividades ilícitas, dispõe o art. 21.º/1, DL 15/93 «Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos». Por sua vez em tema de agravação dispõe o art.º 24.º, DL 15/93, «as penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: a) As substâncias ou preparações foram entregues ou se destinavam a menores ou diminuídos psíquicos; b) As substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas; c) O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória; d) O agente for funcionário incumbido da prevenção ou repressão dessas infrações; e) O agente for médico, farmacêutico ou qualquer outro técnico de saúde, funcionário dos serviços prisionais ou dos serviços de reinserção social, trabalhador dos correios, telégrafos, telefones ou telecomunicações, docente, educador ou trabalhador de estabelecimento de educação ou de trabalhador de serviços ou instituições de acção social e o facto for praticado no exercício da sua profissão; f) O agente participar em outras actividades criminosas organizadas de âmbito internacional; g) O agente participar em outras actividades ilegais facilitadas pela prática da infracção; h) A infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações; i) O agente utilizar a colaboração, por qualquer forma, de menores ou de diminuídos psíquicos; j) O agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando; l) As substâncias ou preparações foram corrompidas, alteradas ou adulteradas, por manipulação ou mistura, aumentando o perigo para a vida ou para a integridade física de outrem». Finalmente, quanto ao tráfico de menor gravidade diz o art. 25.º, DL 15/93, «se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV».

6 O crime de tráfico de menor gravidade pressupõe situações em que o tráfico de estupefacientes, tal como se encontra definido no tipo base, se processa de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude. A título exemplificativo, indicam-se no preceito (art. 25.º) como critério ou índice da ilicitude consideravelmente diminuída as seguintes circunstâncias objetivas «os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações».

7. Os pressupostos de aplicação da norma respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto, uns à própria ação típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da ação), outros ao objeto da ação típica (qualidade – percentagem de presença do princípio ativo – ou quantidade do estupefaciente), pelo que não relevam, como diminuindo a ilicitude, fatores atinentes ao juízo sobre a culpa, quer relativos ao desvalor da atitude interna do agente, ou à sua personalidade (ac STJ. 15.01.2020, disponível em wwwdgsi.pt). Assim, nas contas da correta ou incorreta subsunção jurídica da conduta apurada não entram os antecedentes criminais do arguido, os períodos de tempo de prisão que já cumpriu e as suas modestas condições de vida.

8. Feita a precisão que antecede, resulta que em regra a menor ilicitude afere-se pela ponderação dos meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, o número de pessoas a quem foi realizada a venda, distribuição, cedência etc., ou o número de vezes em que tal ocorreu em relação à mesma pessoa. Nesta equação não se pode esquecer a favor da pretensão do arguido o facto de o arguido ser toxicodependente. Mas em contraponto deve ser também considerado que o arguido não tem aproveitado as sucessivas oportunidades para se afastar do consumo de drogas. O arguido depois de vários períodos abstinente e com possibilidade de integrar programas de recuperação, tem escolhido voltar à vida anterior de tráfico e consumo pelo que se esbate em concreto o valor atenuativo da sua toxicodependência.

9 O arguido dedicou-se ao tráfico durante um período de cinco meses (facto provado 2).  Deslocava-se ao ... várias vezes por mês, e aí adquiria heroína e cocaína a indivíduos cuja identidade não foi possível apurar (facto provado 3). Para a venda da cocaína e heroína, o arguido, disponibilizava aos consumidores de produtos estupefacientes, 4 números de telemóvel (facto provado 7). Não exercia outra atividade remunerada, não tinha outra fonte de rendimento, beneficiando apenas do rendimento social de inserção no valor mensal de € 189,57, pelo que o tráfico era o seu modo de vida. Dos 17 consumidores identificados, a muito poucos realizou vendas ocasionais, aos demais vendeu a uns várias vezes por mês, a outros várias vezes por semana e a outros diariamente ou quase. O período durante o qual se verificou o tráfico – cinco meses – é objetivamente curto, mas importa ponderar que o fim do tráfico não decorreu de uma decisão pessoal do arguido de se afastar dessa atividade, mas da circunstância de ter sido detido por causa dela. Na altura da detenção, o arguido trazia consigo 97 (noventa e sete) pacotes com heroína, com o peso total de 18,478 gr., com 20,8% de grau de pureza, correspondente a 21 doses médias individuais diárias, uma embalagem de plástico contendo cocaína, com o peso total de 25,864 gr., com 24,5% de grau de pureza, correspondente a 211 doses médias individuais diárias; três embalagens de plástico contendo canábis (folhas sumidades), com o peso total de 2,697 gr., com 2,5% de grau de pureza, correspondente a uma dose média individual diária; uma embalagem contendo canábis (resina) com o peso de 0,232 gr., com 18,1% de grau de pureza, correspondente a menos de uma dose média individual diária. As quantidades vendidas não são despiciendas. Finalmente, a qualidade – percentagem de presença do princípio ativo – do estupefaciente vendido pelo arguido é a corrente neste tipo de tráfico.

10 Procedendo a uma valorização global da conduta do arguido, ponderando o conjunto da ação, tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão (o crime de tráfico é um crime de perigo abstrato) do bem jurídico protegido (saúde pública) (ac. STJ de 15.01.2020, disponível em www.dgsi.pt), face à ausência de circunstâncias provadas que diminuam consideravelmente a ilicitude da ação delituosa do recorrente, não merece reparo a integração da apurada conduta no tipo fundamental de ilícito do art. 21.º do DL 15/93.

(b) Medida da pena aplicada ao crime de tráfico e (c) eventual suspensão.

11 O arguido entende que a pena aplicada é manifestamente exagerada e excessiva e ultrapassa a medida da sua culpa e não atende às necessidades de prevenção especial, nomeadamente à ressocialização do arguido. Alega que a seu favor militam as suas modestas condições de vida. Pede que seja aplicada uma pena menos gravosa, nomeadamente uma pena de prisão suspensa na sua execução, ou uma pena de prisão efetiva no seu limite mínimo».

12 Em tema de medida da pena aplicada ao arguido diz a decisão recorrida:

«Há que ponderar as exigências de prevenção geral que são elevadas tanto quanto ao crime de tráfico de estupefacientes (atentos os efeitos que acarreta quer ao nível de saúde pública, quer ao nível da segurança dos cidadãos, assumindo particular relevo quando – como sucedeu no caso dos autos – a actividade é desenvolvida em meio social de médias dimensões e, logo, de forma mais visível, importando acrescido alarme social), como quanto aos crimes de resistência e coacção sobre funcionário e evasão (por estar em causa a autonomia intencional do Estado e em última análise a administração da justiça).

-As exigências de prevenção especial, que são muito elevadas, em particular no tocante ao crime de tráfico de estupefacientes, pois que o arguido registava já, à data dos factos, 4 condenações por crime de tráfico e outras 2 por crimes de consumo de estupefacientes, sendo certo que as penas de prisão sofridas e a mera ameaça da pena de prisão suspensa que ainda lhe foi aplicada, se revelaram de todo ineficazes para obstar à repetição do ilícito. São ainda bastante significativas quanto ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, relativamente ao qual também já registava condenação anterior. E, não obstante nunca ter sido anteriormente condenado por evasão, verifica-se que os factos em apreço foram praticados durante o período de duração da condição resolutiva do perdão que lhe foi concedido e no decurso do prazo de suspensão de uma pena de prisão;

O grau de ilicitude, o modo de execução e gravidade das consequências do facto, aqui havendo a ponderar, quanto ao crime de tráfico, a favor do arguido, o período de tempo não muito longo em que o arguido desenvolveu a actividade e o modo como o fazia (em vendas directas ao consumidor); e contra o número já significativo de pessoas que abastecia, a natureza (de ditas “drogas duras”) do estupefaciente transaccionado e a forma como era desenvolvida a actividade, implicando deslocações regulares ao .... Quanto ao crime de resistência e coacção sobre funcionário atende-se à gravidade concreta da sua forma de actuação, visando a senhora agente da PSP, sobre quem exerceu violência não muito elevada, mas com consequências já algo gravosas em termos de lesões. Quanto ao crime de evasão, atende-se à baixa sofisticação dos meios usados, aproveitando o facto de estar apenas uma senhora agente da PSP no local, e colocando-se em fuga apeado, vindo a ser detido menos de 30 minutos depois.
A natureza do dolo, que além de directo foi intenso e persistente, em particular no crime de tráfico (em cuja prática o arguido se manteve durante meses e não obstante a intervenção judicial que teve lugar em 25/11/2020 com a imposição de medidas de coacção não privativas da liberdade).

Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, relevando a este respeito a problemática aditiva que terá estado subjacente à prática dos factos; motivação a que não é alheio também o cometimento dos demais crimes de resistência e coacção sobre funcionário e evasão;

As condições pessoais e económicas do agente, relevando a ausência de integração profissional e familiar e a total ausência de projectos de vida minimamente estruturados, designadamente ao nível da problemática subjacente à comissão dos crimes; e

A conduta posterior aos factos, havendo a ponderar a postura de vitimização que o arguido insiste em manter relativamente à prática do crime de tráfico de estupefacientes, refugiando-se na sua situação de toxicodependência. Releva a confissão quanto ao crime de evasão e o facto de, não obstante não ter assumido uma postura integralmente confessória relativamente ao crime de resistência e coacção, revelar algum arrependimento e empatia para com a ofendida.

Ora, atendendo aos factores elencados, e aos limites mínimo e máximo das penas de prisão abstractamente aplicáveis, considera-se ajustado fixar:

- em 5 anos e 6 meses a pena pela prática do crime de tráfico de estupefacientes;

- em 1 ano e 6 meses a pena pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário;

- em 4 meses a pena pela prática do crime de evasão».

Em consequência do funcionamento da agravante reincidência foi decidido:

«Por força do disposto no art. 76.º do Código Penal, a moldura penal abstractamente aplicável ao crime de tráfico de estupefacientes, passa então a ser de 5 anos e 4 meses de prisão a 12 anos.

Ponderando, agora à luz desta moldura penal, os critérios de determinação da medida da pena a que supra se fez referência, entende-se então ajustado aplicar ao arguido a pena de 7 anos de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes.

Procedendo ao cúmulo, verifica-se ser abstractamente aplicável ao arguido, nos termos do disposto no art. 77.º do Código Penal, pela prática dos três crimes que aqui lhe são imputados, uma pena situada entre o limite mínimo de 7 anos de prisão, e o limite máximo de 8 anos e 10 meses de prisão (7 anos + 1 ano e 6 meses + 4 meses).

Ponderados os critérios de determinação da medida da pena atrás referidos, e numa análise global da actividade delituosa do arguido, entende-se ajustada a aplicação, em cúmulo, da pena de 7 anos e 6 meses de prisão».

13 As exigências de prevenção geral não permitem que seja aplicada ao crime de tráfico a pena de prisão efetiva no seu limite mínimo. Por outro lado, sendo a pena mínima aplicável, em consequência do funcionamento da agravante reincidência, que o recorrente não questionou, uma pena superior a cinco anos, está liminarmente afastada a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão. Mas se a aplicação de uma pena de prisão junto ao seu limite mínimo não satisfaz as exigências de prevenção geral, a pena de sete anos de prisão pelo crime de tráfico a que chegou a decisão recorrida após a consideração da reincidência é desproporcionada por excessiva, considerando o concreto traficante e o tipo de tráfico que levou a cabo. Importa não perder de vista que a conduta do recorrente preenchendo embora o tipo de ilícito do art. 21.º DL, não deixa de estar perto da zona de transição do tráfico de menor gravidade para o de tráfico do art. 21.º. Assim, considerando a moldura penal abstrata já agravada pela reincidência, julgamos mais ajustada ao concreto crime de tráfico e às necessidades de prevenção geral e especial, sem esquecer a finalidade de reintegração do agente na sociedade (art. 40.º, CP), a que o recorrente se tem mostrado avesso, uma pena de seis anos de prisão.

14. Não questiona o recorrente as demais penas parcelares, mas em consequência do encurtamento da pena aplicada ao crime de tráfico impõe-se a reformulação da pena única. A pena aplicável – a moldura penal abstrata da punição do concurso – tem como limite máximo a somas das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (6 anos + 1 ano e 6 meses + 4 meses =) sete (7) anos e dez meses e como limite mínimo, a mais elevada das penas parcelares aplicadas aos vários crimes, seis (6) anos de prisão (art. 77.º/2, CP). Considerando em conjunto os factos e a personalidade do arguido, julgamos ajustada e proporcionada a pena única de seis (6) anos e seis (6) meses de prisão.

Decisão:

No provimento parcial do recurso, altera-se a pena aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º/1, DL 15/93, de 22 de janeiro, para seis anos de prisão; altera-se a pena única do concurso de crimes para seis (6) anos e seis (6) meses de prisão. No mais mantém-se a decisão recorrida.

Sem tributação.

Supremo Tribunal de Justiça, 21.12.2022

António Gama (Relator)

João Guerra

Orlando Gonçalves