Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
72/14.0TTOAZ.P1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: DOCUMENTOS
JUNÇÃO COM AS ALEGAÇÕES
DUPLA CONFORME
CLÁUSULA PENAL
INDEMNIZAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUSTA CAUSA
Data do Acordão: 05/12/2016
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECER, EM PARTE, DA REVISTA DA RÉ.
NEGADA A REVISTA DA RÉ.
CONCEDIDA, EM PARTE, A REVISTA DO AUTOR.
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / GARANTIAS DO TRABALHADOR / VICISSITUDES CONTRATUAIS / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AOS DEVEDOR / FIXAÇÃO CONTRATUAL DOS DIREITOS DO CREDOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 143.
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª Edição, 794 e ss..
- Alves Velho, “Sobre a Revista Excepcional. Aspectos Práticos”, Junho 2015, disponível no site www.dgsi.stj.pt .
- António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, 468 e ss..
- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014, 2.ª Edição, 191 e 192, 302, 303.
- Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Almedina, 2002, 273 e ss..
- Carvalho Fernandes, Teoria Geral, 1983, 2.º Vol., 459, citado por Abílio Neto, em anotação ao art. 812.º do C.C..
- Gravato Morais, Contrato Promessa em Geral - Contrato Promessa em Especial, Almedina, 2009, 154 e ss..
- José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 645 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 405.º, N.º1, 810.º, 811.º, 812.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 423.º, 425.º, 651.º, N.º 1, 671.º, N.º3.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 129.º, N.º 1, AL. D), 285.º, 381.º, N.º1, 394.º, 396.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 3.º, 9.º, 13.º, 20.º, 62.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 24/02/2010 E DE 13/10/2010, PROCESSOS N.º 56/07.7TTALM.S1 E N.º 185/08.8TTSTR.E1.S1, AMBOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 27/09/2011, PROCESSO N.º 81/1998.C1.S1, 6.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 26/09/2012, PROCESSO N.º 174/08.2 TTVFX.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 21/01/2014, PROCESSO N.º 9897/99.4TVLSB.L1.S1, 1ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
-DE 14/04/2015, PROCESSO N.º 723/10.6TBCHV.P1.S1, CUJO SUMÁRIO SE ENCONTRA DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT .
-DE 09/07/2015, PROCESSO N.º 542/13.8.T2AVR.C1.S1, 7.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 18/02/2016, PROCESSO N.º 428/13.6TTPRT.P1.S1.
-DE 03/03/2016, PROCESSO N.º 151/10.3TBCTB.C1.S1, 7.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 21/04/2016, PROCESSO N.º 79/13.5 TTVCT.G1.S1.

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DECISÃO SINGULAR DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 10/02/2015, PROCESSO N.º 6543/13.9YYPRT-A.P1-A.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I – Em sede de recurso, a junção de documentos tem de observar o disposto no art. 651.º, n.º 1, do actual CPC, cuja normativo é claro ao afirmar que tal junção, com as alegações, é excepcional, reportando-se apenas às situações previstas no art. 425.º ou quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

II – De acordo com o amplo princípio da liberdade contratual que vigora no nosso ordenamento jurídico, na celebração de contratos firmados sob a égide do direito privado é permitido às partes, no momento da celebração do contrato – incluindo o contrato de trabalho - acordar nas cláusulas que lhes aprouver desde que não violem normas imperativas.

III – Nessa medida, podem as partes acordar na fixação de uma contrapartida negociada – uma quantia em dinheiro – a pagar ao trabalhador, caso ocorra a cessação do contrato de trabalho por motivos não imputáveis ao trabalhador, visando, v.g., atenuar o risco assumido pelo A. quando se desvinculou de uma empresa onde anteriormente trabalhava, com expectativas de futuro promissoras, para integrar outra.

IV – Em tais circunstâncias, a quantia fixada na citada cláusula inserida no contrato de trabalho reveste as características de uma contrapartida negociada, uma compensação expressamente convencionada pelas partes, que não se confunde com a indemnização devida ao A. pela resolução do contrato de trabalho com base em justa causa.

V - O Tribunal pode proceder à redução da cláusula penal convencionada pelas partes, de acordo com juízos de equidade, quando a indemnização estabelecida for manifestamente excessiva, nos termos do art. 812º do CC, ainda que por causa superveniente, bem como no caso de a obrigação ter sido parcialmente cumprida.

VI – Para esse efeito, é lícito ao Juiz reduzir o seu valor, dispondo, para tal, de ampla liberdade de ponderação, podendo, por isso, socorrer-se de vários factores para formular o seu juízo equitativo sobre o montante, v.g., atendendo aos interesses das partes, à sua situação económica e social, ao seu grau de ilicitude, e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

VII – Existe dupla conformidade de julgados quando se está perante decisões idênticas em ambas as instâncias, que não diferem uma da outra, e sem fundamentação essencialmente diferente.

VIII – Assume natureza de fundamentação essencialmente diferente quando resulte da comparação efectuada entre as duas decisões  das instâncias que a solução jurídica da causa configurada pelo Tribunal da Relação assentou, em normas, interpretações e regimes jurídicos diversos e autónomos dos que serviram de fundamentação à decisão proferida pela 1ª instância.
Decisão Texto Integral:


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


1. AA

Intentou a presente acção com processo comum, contra:

BB, Lda.

Pedindo a condenação da Ré:

a) “A reconhecer que assiste ao A. justa causa para a resolução do contrato de trabalho, com a consequente condenação da mesma a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais no montante de € 94.087,58, bem como a quantia de € 881,01, a título de ressarcimento dos danos emergentes, pelo facto de a R., com culpa, ter recusado a recepção da comunicação de resolução do contrato de trabalho do A. e não haver emitido e entregue a este a declaração da entidade patronal para efeitos da candidatura do A. ao subsídio de desemprego;
Sem conceder,
 b) A considerar que a resolução produziu efeitos em data posterior a 4 de Dezembro de 2013, designadamente na data da comunicação por fax (09 de Dezembro de 2013) ou da realização da notificação judicial avulsa (10 de Janeiro de 2014), reconhecendo-se, declarando-se e condenando-se nos mesmos termos constantes da alínea a) deste petitório, apenas com os acréscimos que resultarão da dilatação temporal, nestas hipóteses, da data da eficácia da declaração resolutória, em termos de retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, e de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes da resolução do contrato de trabalho e do dano provocado ao A. pela R. em sede de subsídio de desemprego, ao não emitir e enviar ao A. a declaração necessária para a candidatura do A. ao subsídio de desemprego, cuja liquidação deverá ser relegada para incidente de liquidação ou execução de sentença, condenando-se a R., nestas hipóteses, a pagar o que se vier a liquidar;
Em qualquer dos casos,
c) Declarando-se nulo o abaixamento do salário mensal do A. de € 5.884,00 para € 1.500,00, e no respectivo reconhecimento do direito do A. àquela retribuição base mensal de € 5.884,00, também a partir de 1 de Janeiro de 2011, data até à qual foi paga ao A. a retribuição mensal base de € 5.884,00 e na qual se operou a transmissão do estabelecimento industrial para a sociedade R.;
d) Condenando-se a Ré a pagar ao A. a quantia de € 509.147,14, a título de créditos salariais, subsídios de alimentação, de férias e de Natal, nos termos discriminados no art. 59º da petição inicial, bem como a pagar-lhe as diferenças de retribuição em dívida, entre o período de 1 de Janeiro de 2011 a 04 de Dezembro de 2013, referentes a 50% do subsídio de Natal de 2013, de férias proporcionais ao tempo de serviço em 2013, do subsídio de férias proporcional respectivo, da retribuição de Novembro de 2013 e de 4 dias de Dezembro de 2013, de diferença dos 50% de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2013, de diferença do subsídio de Natal de 2013, pago em duodécimos, e de indemnização sob a forma de cláusula penal referida na cl.ª 6.ª do contrato de trabalho;
e) Condenando-se a Ré a pagar juros de mora, à taxa legal, desde a data do seu vencimento e até integral pagamento, quanto às prestações retributivas vencidas até à data da cessação do contrato de trabalho; e desde a data de citação, quanto às demais prestações retributivas e indemnizatórias já liquidadas; e, ainda, desde a data do pedido de liquidação, quanto às prestações retributivas e/ou indemnizatórias que vierem a ser liquidadas.

Alegou, para tal e em síntese, que foi admitido para prestar trabalho no estabelecimento industrial da Sociedade “CC, S.A.”, com contrato de trabalho sem termo e a tempo completo, no dia 7/Abril/2003, para exercer funções de Director-Geral da empresa, com o vencimento mensal de € 5.712,50 e o demais que refere nos autos.
Anos depois, tal sociedade foi declarada insolvente e alienado o estabelecimento industrial em liquidação da massa insolvente, tendo sido adquirido pela aqui Ré “BB, Lda.”, pelo que, a partir daí, o A. passou a prestar o seu trabalho à sociedade Ré, como Director-Geral da empresa, tal como o fazia antes.
Aquando da transmissão do estabelecimento da sociedade primitiva para a R., em Janeiro de 2011, esta diminuiu, por decisão unilateral, a retribuição do A., passando de € 5.884,00 para a quantia ilíquida mensal de € 1.500,00, acrescida de subsídio de alimentação. Porém, nem esta retribuição lhe foi paga na totalidade e pontualmente.
O A. não só não deu o seu acordo ao abaixamento da sua retribuição mensal, como inclusivamente manifestou a sua discordância quanto à redução da mesma.
Invocou, ainda, a falta de pagamento de vários créditos salariais, que lhe são devidos, nomeadamente desde Agosto de 2013, nos valores que indica na p.i., do diferencial entre o salário pago e o salário devido, bem como o prejuízo na obtenção de subsídio de desemprego.
Devido a todos estes factos o A. comunicou à Ré, por carta, a resolução com justa causa do seu contrato de trabalho, pondo fim a este. Contudo, a Ré recusou-se a receber a referida carta, com os consequentes prejuízos para o A., levando-o a ter de recorrer ao Tribunal de Trabalho de Águeda para pedir a notificação judicial avulsa da Ré, na pessoa do seu gerente, de modo a obter a notificação.

2. A R. contestou, nomeadamente nos seguintes termos:
a) Invocando a falsidade do contrato de trabalho do A., pois nunca foi encontrado o original;
b) Argumentando que, ao contrário do alegado, o A. nunca contestou o montante do salário que lhe foi pago pela Ré, durante quase 3 anos, nem a interpelou para lhe pagar as eventuais diferenças de vencimento.

Além do mais, a Ré tem sofrido muitas dificuldades devido ao descalabro financeiro criado pela anterior sociedade, pelo que não agiu com culpa ao não pagar quaisquer retribuições em atraso, se é que algum valor deve, lutando com graves problemas económico-financeiros, face à crise que se atravessa e às dificuldades que encontrou no mercado.
Concluiu pedindo a condenação do A. como litigante de má-fé.

3. O A. respondeu, pugnando pela genuinidade do documento, pela inexistência de má-fé da sua parte, afirmando desconhecer as dificuldades financeiras da empresa e mantendo, no mais, o afirmado na petição inicial.  

4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a R. a pagar ao A. o seguinte:

“- 50% do subsídio de férias correspondente às férias vencidas em 01.01.2013 e um duodécimo de subsídio de férias, vencidos em 31.08.2013, no montante de € 812,50; a retribuição do mês de Agosto de 2013, vencida em 31.08.2013, no montante de € 1.697,11 (salário mensal – € 1.500,00 + subsídio de alimentação - € 134,61 + duodécimo de subsídio de Natal de 2013 - € 62,50); a retribuição do mês de Setembro de 2013, vencida em 30.09.2013, no montante de € 1.759,61 (salário mensal – € 1.500,00 + subsídio de alimentação - € 134,61 + duodécimo de subsídio de férias - € 62,50 + duodécimo de subsídio de Natal - € 62,50); a retribuição do mês de Outubro de 2013, vencida em 31.10.2013, no montante de € 1.772,43 (salário mensal – €1.500,00 + subsídio de alimentação - € 147,43 + duodécimo de subsídio de férias - € 62,50 + duodécimo de subsídio de Natal - € 62,50);
- 50% do subsídio de Natal de 2013 no montante de € 2.724,37;
- As férias proporcionais ao tempo de serviço prestado em 2013, no montante de € 5.448,56;
- O subsídio de férias referentes às férias proporcionais ao tempo de serviço prestado em 2013, no montante de € 5.448,56;
- O salário do mês de Novembro de 2013, acrescido do subsídio de alimentação e duodécimo de subsídio de férias e de Natal, no montante global de € 6.521,72;
- 4 dias de Dezembro de 2013 no montante global de € 875,55.
- As diferenças salarias dos anos de 2011 e 2012, respectivamente, no valor de € 61.376,00; as diferenças salarias do ano de 2013, no valor de € 52.608,00;
- a diferença dos 50% do subsídio de férias referentes às férias vencidas em 1/1/2013  no montante de € 2.192,00; a diferença do subsídio de Natal de 2013 pago em duodécimos, no montante de € 3.653,34;
- A quantia de 62.761,60 €, a título de indemnização decorrente da resolução do contrato por justa causa;
- O prejuízo decorrente da falta de subsídio de desemprego, no montante de € 881,01;
- Tudo acrescido de juros de mora, nos termos do art. 559.º do Código Civil, à taxa legal, desde a data do seu vencimento e até integral pagamento, quanto às prestações retributivas vencidas até à data da cessação do contrato de trabalho, e desde a data de citação, quanto às demais prestações retributivas e indemnizatórias já liquidadas.
- Absolvo a R. do demais peticionado.
- Dos autos não se constata a decorrência de litigância de má-fé”.

- Custas da acção a cargo do A. e da R. em proporção do respectivo decaimento (art. 527º do CPC)”.

5. Inconformados, A. e R. interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação proferido Acórdão que:

“ - julgou improcedente a apelação do A.;
  - julgou parcialmente procedente a apelação da Ré, reduzindo a indemnização por resolução lícita do contrato de trabalho para o montante de € 31.380,80; e
  - no mais, confirmou a sentença recorrida.
  - Custas em ambas as instâncias na proporção do vencido”.

6. Insurgiram-se o Autor e a Ré, mediante os respectivos recursos de Revista.

7. O A. veio recorrer dos seguintes segmentos decisórios do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto:

 a) Da confirmação por parte do Tribunal da Relação da sentença da primeira instância, quanto à improcedência total do pedido de indemnização de € 300.000,00, deduzido por si contra a Ré;
 b) Do provimento parcial da apelação interposto pela R., reduzindo a indemnização decorrente da resolução com justa causa do contrato de trabalho pelo A., do montante de € 62.761,60 para € 31.380,80.
 
8. Para o efeito, o A. formulou, no que releva, as seguintes conclusões:
(…)
2.ª O recurso de revista interposto pelo A. é, (…), admissível, porquanto, embora a parte injuntiva da sentença de 1.ª Instância e do Acórdão da Relação do Porto seja igual, a fundamentação de uma e outra decisões é essencial e radicalmente diferente. Na verdade,
3.ª Quanto à fundamentação de facto da sentença de 1.ª Instância, nesta foi considerado como não provado o valor da indemnização convencionada aqui em causa, daí retirando a improcedência deste pedido.
4.ª Ao invés, o douto Acórdão recorrido, na sequência da impugnação deduzida pelo A., considerou que a apelação do A. neste ponto procedia parcialmente, alterando a redacção do ponto 8. da matéria de facto provada, exarando-se que "ficou acordado (entre A. e R.) uma verba a ser atribuída, em valor não inferior a € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros)".
5.ª O douto Acórdão recorrido, apesar da alteração da matéria de facto, concluiu pela improcedência deste pedido formulado pelo A., argumentando que condenar a R. no pagamento da indemnização, referida no ponto 8. da matéria de facto provada, ofendia a proibição de cumulação da indemnização fixada e estipulada sob a forma de cláusula penal (art.º 810.º, n.º 1 do C. Civil) com a indemnização legal, pelo que improcede a pretensão do A..
6.ª É evidente que a fundamentação das decisões iguais de 1.ª e 2.ª Instâncias quanto à questão referida é essencial e vincadamente diferente num e noutro dos arestos.
7.ª Tanto assim que, se o julgador em 1.ª Instância estivesse confrontado com a redacção dada ao ponto 8. da matéria de facto provada, por decisão da Relação, teria de concluir necessariamente pela condenação da R.; ao invés, fundamentando-se a improcedência na "tese" da inadmissibilidade da cumulação das indemnizações, o julgador concluiria de modo oposto.
8.ª Não há assim nada que obste à admissibilidade e apreciação do recurso de revista.
9.ª Questiona-se no douto Acórdão recorrido a atribuição ao A. da indemnização fixada sob a forma de cláusula penal por não estarem "determinadas as condições em que se devia proceder ao pagamento da indemnização”; Ora,
10º Considera o A. que, em primeiro lugar, é evidente a fundamentação pelas instâncias da improcedência total, de tal modo que, face à matéria de facto fixada em 2ª Instância (facto 8) e ao argumento invocado de ter de improceder a acção quanto à cláusula penal, porque não está fixado o valor da cláusula penal, com a alteração do ponto 8 da matéria de facto, operada pela Relação, a 1ª Instância teria de concluir necessariamente pela procedência, total ou parcialmente, do pedido de condenação da R. no pagamento da indemnização aqui em causa.
11ª Isto é, constatada a diferença essencial entre a matéria de facto (facto 8), fixada em 1ª Instância, e a que resultou da alteração efectuada pela Relação, a 1ª Instância, se fosse colocada perante a nova redacção fixada pela Relação, teria necessária e logicamente de decidir pela procedência, total ou parcial, do pedido formulado pelo A., o que evidencia a já aludida diferença essencial na fundamentação de facto e de direito.
12.ª Só se pode falar em cumulação de indemnizações, como o fez o Tribunal "a quo", se forem os mesmos danos o objecto do ressarcimento numa e outra das indemnizações. Ora,
13.ª A indemnização legal por resolução do contrato de trabalho com justa causa repara os danos sofridos pelo A. em função da antiguidade do A. ao serviço de, primeiro, CC, S.A. e, depois, da R..
14.ª A perda de antiguidade que o A. tinha ao serviço da DD e o confirmado risco de o A. se transferir de uma empresa sólida para uma empresa com notórias dificuldades traduzem danos que resultam da frustração de expectativas legítimas e susceptíveis de protecção e cujo ressarcimento foi expresso na cláusula penal, fixada no valor de, pelo menos, € 150.000,00.
15.ª Estão preenchidos os pressupostos necessários para o vencimento e pagamento do valor da cláusula penal pelo montante irrefutavelmente fixado de, pelo menos, € 150.000,00:
- cessou o contrato de trabalho por motivos não imputáveis ao A.;
- as partes pretenderam, ao fixar uma indemnização sob a forma de cláusula penal, proteger os interesses associados à antiguidade adquirida ao serviço da DD;
- a sabida maior solidez da DD face a empresas como a R.
16.ª A fixação da cláusula penal visou estimular o A. a tomar a arriscada decisão de deixar de trabalhar para a DD por denúncia unilateral, com a perda daí decorrente da antiguidade ao serviço da DD.
16.ª Esta indemnização sob a forma de cláusula penal remete para a antiguidade ao serviço da DD, não havendo cumulação de indemnizações, no sentido de serem pagas duas indemnizações pelos mesmos danos.
17ª O Tribunal “a quo”, concedendo provimento parcial ao recurso de apelação do A., reduziu a indemnização legal por cessação do contrato de trabalho, considerando, para base do cálculo, 15 dias de retribuição mensal por cada ano ou parte desse ano (neste caso, proporcionalmente), ao invés do que sucedeu em 1ª instância, que fixou em 30 dias.
18ª O art. 396º, nº 1, do CT, dispõe que a indemnização oscilará entre 15 e 45 dias por ano completo de antiguidade, atendendo-se à remuneração auferida pelo trabalhador e ao grau de ilicitude.
19.ª Quanto à remuneração auferida pelo A., aceita-se que ela apontaria para uma indemnização mais próxima do mínimo do intervalo de variação.
20.ª Mas já quanto à ilicitude, ela não é reduzida, como se alega no Acórdão recorrido, e revela uma clara discriminação do A. em relação aos colegas de trabalho, por parte da R., também ao contrário do que se defende no Acórdão recorrido.
     Na verdade,
21.ª A retribuição que a R. se encontrava a pagar ao A. era a que resultava da redução resultante de decisão unilateral da R., retribuição essa reduzida que equivalia ou era de valor muito próximo de outros colegas de trabalho, apesar do A. ser director-geral da empresa.
22.ª Quando a R. excluiu o A. do pagamento de parte das retribuições em mora, sem que haja apresentado qualquer explicação ou justificação para a exclusão do A. desse pagamento, discriminou-o.
23.ª Este comportamento hostil foi ao ponto de a gerência da R. ter ordenado ao A. que desse sem efeito a pura inclusão do A. nas folhas de salário e de IRS que foram enviadas à Segurança Social e à Autoridade Tributária, respectivamente.
24.ª Este procedimento da R. é de intensa ilicitude, ferindo direitos do A. de natureza económico-financeira e relativos à sua personalidade moral e profissional, representando uma patente e injustificada desconsideração, humilhação e discriminação.
25.ª Atendendo ao elevado grau de ilicitude da R. e ao prejuízo moral, psicológico e económico-financeiro sofrido pelo A., a indemnização a fixar deverá aproximar-se do máximo (45 dias), aceitando, porém, o A. que, modicamente, seja fixada na base de 30 dias/ano, mantendo-se, assim o valor da indemnização fixado em 1.ª Instância.
26.ª O douto Acórdão recorrido violou o disposto nos arts 227.º, 799.º, 810.º, n.º 1 e 811.º do C. Civil e 396.º, n. 1, do C. do Trabalho.“

Concluiu, pedindo a procedência do recurso com a condenação da Ré:

“- a pagar ao A., a título de cláusula penal, convencionada para compensar o A. da perda de antiguidade ao serviço da "DD" e do risco de estabilidade profissional que a cessação do vínculo à DD e o estabelecimento de novo vínculo contratual/laboral, a quantia mínima de € 150.000,00;
- no pagamento da indemnização legal ao Autor pela cessação do contrato de trabalho através da resolução com justa causa, fixando-se a indemnização na base de 30 dias por ano de antiguidade, ao serviço sucessivamente de CC, S.A. e BB, Lda., no montante de € 62.761,00, condenando-se a R. no seu pagamento; 
- e num e noutro caso acrescido de juros de mora, desde a citação até integral pagamento”.
9. Por seu turno, a R. veio recorrer dos seguintes segmentos decisórios do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto:

a) Do indeferimento do pedido de junção de documentos que a Recorrente juntou com as alegações de recurso, e com a resposta às alegações do A., ao abrigo do disposto na parte final, do n.º 1, do art. 651.º, do CPC;
d) Do valor da retribuição devida ao A. e do montante da indemnização decorrente da resolução com justa causa do contrato de trabalho, pugnando para que o montante a considerar, para esse efeito, seja de € 1.500,00 e não de € 5.884,00.
 c) Da não condenação do A. por abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium;
 d) Da inconstitucionalidade das normas constantes do art. 129.º, n.º 1, al. d), do Cód. do Trabalho, na interpretação de que não se pode reduzir a retribuição.

10. Para o efeito, a R. apresentou, em síntese, as seguintes conclusões:

a) Valor da retribuição devida ao Autor:

1º. A primeira e mais importante e difícil questão controvertida refere-se ao valor da retribuição devida ao A. AA, que o douto Acórdão recorrido decidiu contra a Ré.
2.º Nesta questão o douto Acórdão recorrido considerou que o salário do A. é de € 5.884,00 e não de € 1.500,00 acrescidos do subsídio de alimentação. (…)
9°. Na factualidade constante dos autos, nunca a Ré pagou, num determinado mês, um salário de certo valor ao A. e, posteriormente, passou a pagar-lhe um salário inferior. (…)
11.º A Ré iniciou a sua actividade em Janeiro de 2011, mês em que o A. também passou a trabalhar para a Ré.
12.º Nunca a Ré diminuiu o salário do A., pois, sempre lhe pagou o mesmo salário mensal, com excepção de alguns montantes respeitantes a ajudas de custo ou outras remunerações diferentes que acrescem legalmente ao salário de €1.500,00. (…)
14.º O A. desde o primeiro dia (1 de Janeiro de 2011) em que trabalhou para a Ré até ao último dia em que se despediu (4 de Dezembro de 2013) sempre recebeu o mesmo valor do salário no montante de € 1.500,00, mais o subsídio de alimentação e, eventualmente, acresceram valores a título de ajudas de custo ou outras despesas não incluídas na remuneração base.
15.º Congeminou-se no Acórdão recorrido uma situação hipotética em que a Ré teria pago inicialmente ao A. o salário de € 5.448,56 e depois teria decidido diminuir unilateralmente esse montante para € 1.500,00.
16.º É absurdo impor legalmente à Ré o pagamento ao A. de um salário de € 5.448,56, em vez de € 1.500,00, não havendo da parte do A., durante 3 anos, qualquer pedido para que aquele montante lhe fosse pago ou sequer a Ré tivesse alguma possibilidade económica racional de o pagar. (…)
19.º A matéria de facto dada como assente demonstra um quadro factual diverso, ou, seja, um comportamento voluntário e intencional do A., que quis voluntariamente vir trabalhar para a R. e não despedir-se com invocação de justa causa, quando trabalhava para a sociedade CC S.A., e tinha vários meses de salários em atraso.
20.º O A. veio prestar serviço para a Ré, por uma opção sua, livre, voluntária e consciente, decidindo vir trabalhar para a Ré com o salário de € 1.500,00, que ele antecipadamente sabia que ia passar a receber.
21.º Na nossa legislação laboral os trabalhadores têm a liberdade de se despedir, quando têm salários em atraso, como fizeram muitos dos trabalhadores da insolvente CC, S.A.
22.º Não se verifica a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, nem foi violado o art.º 129.º. n.º 1, al. d), do Código do Trabalho, pois foi o A. que concordou em vir trabalhar para a Ré com o salário que desde o primeiro mês de trabalho aceitou receber pacificamente. (…)
24.º Toda a matéria de facto dada como provada leva a concluir que, durante 3 anos, houve uma aceitação consciente e voluntária por parte do A. em receber o salário que lhe ia sendo pago e que era processado por ele próprio. (…)
29.º A condenação da Ré a pagar ao A. o montante de € 175.360,00, só em diferenças salariais, com os fundamentos constantes do Acórdão (ou falta de fundamentos) constitui um erro judiciário, uma violência intolerável, que é ultrapassável e deve ser ultrapassada pela Justiça e pela equidade da decisão desse Supremo Tribunal de Justiça. (…)
33.º O Acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, incorreu em erro de julgamento sobre a factualidade material e procedeu a uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 102.º e 126°, n.º 1, do Código do Trabalho, e 227.º, 236.º, 334.º e 762.º, n°.2, do Código Civil, assentando em erro sobre os pressupostos de direito e de facto, devendo ser revogado o Acórdão recorrido na parte que considerou que o valor da remuneração do A. é de € 5.448,56. (…)

b) Quanto ao abuso de direito:

35.º Sempre sem prescindir, a Ré Recorrente sustenta que houve também um erro de julgamento no douto Acórdão recorrido, quando considerou que o trabalhador AA não agiu com abuso de direito.
36.º A Relação não decidiu bem, ao considerar que a conduta do A. ao peticionar a diferença remuneratória, depois de durante 3 anos receber o salário mensal de 1.500,00 €, sem qualquer reclamação, vir agora alegar que o seu salário mensal é de € 5.884,00, o que representa de diferenças salariais nos anos de 2011 e 2012, um valor de € 61.376,00, por cada ano, e no ano de 2013, um valor de € 52.608,00, não configura um abuso do direito. (…)
45.º Fundamental ainda é a existência nos Autos de uma Escritura Notarial, documento que faz prova plena, da qual consta o nome do A. e o valor do seu salário mensal no montante de €1.500,00, que passaria a auferir ao serviço da Ré. (…)
47.ºAo contrário do que afirma o douto Acórdão recorrido, o Autor teve todas as possibilidades de determinar o seu próprio salário. (…)
50.º Era ele quem processava os vencimentos, as "folhas de salários" e era ele que enviava os mapas para a Segurança Social e para a Autoridade Tributária
51.º O A. ao peticionar a diferença remuneratória, depois de durante 3 anos receber o salário mensal de 1.500,00 €, está a agir com abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”. (…)
58.º Salvo melhor opinião, a conduta do A., demonstrada pela factualidade provada, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito, que se arroga. (…)
62.º Durante os últimos 3 anos, exercendo a gerência de facto, como ficou provado na sentença, a actuação do A. foi de tal modo desastrosa que a Ré, uma micro empresa familiar, já careceu de contrair empréstimos no valor de muitas centenas de milhares de Euros, por falta de recursos financeiros. (…)
71.º O alegado exercício do direito do A. ao recebimento das diferenças salariais, nas circunstâncias concretas dos autos e no montante de € 175.360,00, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. (…)

c) Indeferimento dos documentos juntos pela Ré:

81º. Conforme consta do Acórdão recorrido, a Ré requereu, com as alegações de recurso, a junção de quatro documentos, que consistem em cópia de dois cheques emitidos a favor do Autor, datados de 2011 e 2012, e dois documentos intitulados "valores a receber para perfazer o valor 1.500 €".
82°. A Ré requereu ainda, com a resposta às alegações do A., cópia da apresentação ao Ministério Público de uma participação crime apresentada pela Ré contra o Autor e os legais representantes da sociedade “CC, S.A.”, por falsificação de documentos, (contrato de trabalho do A.), em data de 2014, que não se mostra legível, e uma carta datada de 29-6-2011.
83.º A propósito dos primeiros documentos alegou a Ré, nas conclusões das suas alegações de recurso: “A Recorrente requer a junção a este articulado de documentação muito relevante e que só recentemente, depois da decisão proferida, foi encontrada pelo gerente, Sr. EE, e só por esta razão a documentação não foi junta aos autos em momento oportuno, mas cuja junção se requer ao abrigo do disposto no art. 651.º, n.º 1, parte final, do CPC".
84.º O Acórdão recorrido indeferiu a junção desses documentos com a fundamentação constante do Acórdão que os considerou extemporâneos.
85.º A Ré Recorrente entendeu, conforme consta do seu articulado, que a junção dos referidos documentos se tornava necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, assim, ao abrigo do que prescreve a última parte do n.º 1, do art. 651.º, do CPC, foi requerida a junção dos citados documentos.
86.º A decisão da 1.ª instância não decidiu que o contrato de trabalho do A., que o mesmo juntou aos autos, era falso, embora o seu teor contivesse falsidades.
87.º Assim, em nome do princípio da justiça material, e não formal, e da descoberta da verdade e boa decisão da causa, sempre seria justo que o Tribunal pudesse conhecer e ponderar devidamente o teor da participação-crime de denúncia dessa falsidade do contrato de trabalho e que deu origem ao Inquérito n.º 314/14.2T3AGD,actualmente pendente na Comarca de Aveiro-Oliveira de Azeméis, DIAP – Secção Única.
88.º Também a carta, datada de 29-06-2011, documento muito relevante que se pedia para juntar, nos termos do art. 651.º, n.º 1, última parte, do CPC, é a prova cabal de que o A., assinou uma carta, datada de 29 de Junho de 2011, em papel timbrado da empresa MM, S.L.
89.º Assinou-a como representante da Direcção-Geral de MM, S.L, dirigindo-se a outra empresa de Portimão, comunicando a concessão da Certificação FSC, tudo indicando que o A.,
90.º Ao mesmo tempo que trabalhava para a Ré, o A. também era trabalhador da MM, S.L., empresa com sede em Espanha, auferindo, portanto, remuneração, configurando esta conduta um gravíssimo acto ilegal, de oportunismo e deslealdade da parte do A. para com a Ré.
91.º O Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, pelo que se requer a sua revogação e que a junção dos referidos documentos seja considerada legal, nos termos do art. 651.º, não.º 1, última parte, do CPC.

d) Da inconstitucionalidade do art. 129º, nº 1, alínea d), do Cód. do Trabalho:

92.º A Ré considera que nunca reduziu, nem nunca diminuiu, a remuneração do A., pois sempre lhe pagou a mesma remuneração.
93.º Apenas por dever de patrocínio e numa hipótese meramente académica, caso o Tribunal entenda o contrário, à cautela, a Ré vem arguir a inconstitucionalidade da norma supra referida, quando interpretada e aplicada com o sentido e alcance com que se mostra interpretada e aplicada no Acórdão recorrido. (…)
100.º A questão colocada no Acórdão em causa sobre as diferenças salariais é uma questão difícil, complexa e que provoca inexoravelmente a insolvência da entidade empregadora. (…)
104.° A Constituição Portuguesa protege especialmente o trabalho e os rendimentos que com ele se auferem.
105.° No entanto, não pode dizer-se que o direito à não diminuição do montante da retribuição do trabalho que, em cada situação objectiva laboral se aufira, tenha o estatuto de direito fundamental, de direito inalienável, porque atribuído às pessoas pela Constituição e que possa ser mais importante do que a garantia da propriedade privada ou a sobrevivência de uma empresa. (…)
111.° Assim sendo, é convicção da Ré que o Supremo Tribunal pode e deve declarar a inconstitucionalidade da norma constante do art. 129.º, n.º 1, al. d) Código do Trabalho. (…)
112.º O Montante da indemnização decorrente da resolução com justa causa do contrato de trabalho do A., cujo valor do salário mensal a considerar deve ser de € 1.500,00, e não de € 5.884,00/mês, aceitando a Ré redução a 15 dias de salário por cada ano de serviço constante do Acórdão. (…)
117.º O Instituto da Segurança Social, requerente da insolvência da sociedade "CC, S.A." reclamava um crédito de € 825.689,92, acrescido de € 99.327,18, de juros, tendo a Exma. Sra. Administradora da Insolvência apurado, na lista de créditos reconhecidos, o valor global de € 11.696,07 – (Facto nº 34).
118.º A sócia da Ré KK Lda. e o gerente da Ré (Sr. EE) emprestaram à R. o montante de € 305.989,46, para pagar salários aos trabalhadores, contribuições e até despesas correntes de funcionamento – (Facto nº 35).
119.º Este montante dos empréstimos era referente à data da Contestação da P.I. do Autor, mas, desde essa data, a Ré, para poder manter a actividade, necessitou de contrair muitos outros empréstimos de elevado montante.
120.º Considerando a precária situação financeira da Ré e a culpa gravíssima que teve o A. nessa situação, o montante de € 31.380,00 é ainda muito exagerado e injusto”.

Concluiu a Ré pedindo a procedência da revista e, em consequência, a revogação parcial do Acórdão recorrido, que deve ser substituído por outro que considere, nomeadamente:

- Que é legal a junção aos autos dos documentos, que foi considerada extemporânea pelo Acórdão recorrido;
- Que seja declarada inconstitucional a norma constante do art.129°, n.º 1, al. d), do Cód. do Trabalho, quando interpretada e aplicada com o sentido constante da decisão recorrida, por violação dos princípios constitucionais da Justiça, da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da manutenção do princípio da confiança, tudo princípios do Estado de Direito Democrático, da garantia e protecção da propriedade privada, ínsitos nos artigos 2.°, 3.°, 9.°, 13.° e 62.°, n.º1, da CRP, entendidos com o alcance e sentido que se infere do Acórdão recorrido;
- Que no cálculo do montante da indemnização decorrente da resolução com justa causa do contrato de trabalho do A., o valor do salário mensal a considerar seja de € 1.500,00, e não de € 5.884,00/mês, aceitando a Ré redução a 15 dias de salário por cada ano de serviço constante do douto Acórdão”.

11. A R. contra-alegou, argumentando que a revista do A. carecia de fundamento, pelo que deveria ser mantido o Acórdão recorrido, na parte desfavorável ao A.


12. Neste Supremo Tribunal foi proferido, pela ora Relatora, o despacho de fls. 438 a 440, aí se ordenando o cumprimento do disposto no art. 655.º, n.º 1 do NCPC, depois de constatada a convergência entre as instâncias, em dupla conforme, sem voto de vencido, nos recursos interpostos quer pelo Autor, quer pela Ré, relativamente a algumas matérias.


13. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu pronúncia no sentido de:
1. Quanto à revista da R.:
a) Sobre a questão prévia da junção dos documentos: deve ser negada a requerida junção e manter-se a decisão recorrida de não admissão dos documentos;
b) Deve ser rejeitado o recurso da Ré quanto às outras questões, por se verificar “dupla conforme”.
2. Quanto à revista do A.:
 a) Deve a revista ser julgada procedente, pelos fundamentos aduzidos a fls. 471 e segts.

14. O mencionado parecer, notificado às partes, obteve resposta da R., a fls. 480 e segts, discordando do Parecer do MP, pelas razões aí aduzidas.


15. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões das alegações dos Recorrentes, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do Código de Processo Civil.

Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[1]
II – QUESTÕES A DECIDIR:

- Está em causa, em sede recursória, o seguinte:

1º Uma Questão Prévia: aferir da possibilidade da Ré juntar documentação com as alegações de Recurso de apelação, nos termos em que o fez e com as contra-alegações;

No que respeita ao recurso de revista do A., aferir:

a) Da procedibilidade do pedido formulado pelo A. de condenação da R. no pagamento de € 300.000,00, a título de indemnização; e
b) Da redução do valor de indemnização a pagar pela R. ao A. de € 62.761,60 para € 31.380,80, a título de indemnização pela resolução com justa causa por parte do A.

No que respeita ao recurso de revista da R., aferir:

a) Do real valor da retribuição devida ao A., quer pela prestação do trabalho, quer para efeitos de cálculo da indemnização decorrente da justa causa;
b) Da existência de abuso de direito por parte do A.;
c) Da invocada inconstitucionalidade da norma constante do art. 129.º, n.º 1, al. d), do Código do Trabalho (no sentido da irredutibilidade da retribuição).

Apreciando e Decidindo.


III – FUNDAMENTAÇÃO:

Para a decisão do presente pleito, e tendo em atenção a data da prática dos factos, relevam as normas do Código do Trabalho de 2009 e as do NCPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2013.

A) DE FACTO

        - As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1. O A. foi admitido pela sociedade “CC, S.A.” em Abril de 2003.
2. Para trabalhar sob as suas ordens e instruções.
3. O A. no ano de 2010, e antes da outorga da escritura pública id. em 10., auferia o rendimento mensal ilíquido de 5.884,00 €.
4. Acrescido de subsídio de alimentação.
5. (em branco).
6. O horário convencionado foi de 37,50 horas semanais.
7. Para exercer as funções de director-geral da empresa, reportando directamente à administração da sociedade e exercendo poder hierárquico sobre todos os departamentos da empresa.
8. Ficou acordado uma verba a ser atribuída, em valor não inferior a € 150.000,00, e em moldes não concretamente apurados, no caso da ocorrência de qualquer factualidade que cessasse o contrato de trabalho por motivos não imputáveis ao A., pelo dano sofrido na sua antiguidade e pelo acréscimo de risco profissional decorrente de se desvincular da anterior entidade patronal – DD – entidade que lhe dava a expectativa legítima de emprego com futuro.[2]
9. A sociedade CC, S.A. foi declarada insolvente em 7 de Janeiro de 2008.
10. Por escritura pública, datada de 30 de Dezembro de 2010, foi efectuada a “alienação do estabelecimento industrial em liquidação da massa insolvente” outorgada entre a legal representante (Administradora da Insolvência) da sociedade “CC, S.A., em liquidação” – e a ora R. – cf. fls. 25 a 29 cujo teor e dá por integralmente reproduzido –, onde se constata que a R. aceitou a transmissão plena do aludido estabelecimento e dos bens imóveis, móveis, créditos, direitos e obrigações laborais (...)”.
11. Sendo realçado na escritura que “também como contrapartida da transmissão do estabelecimento industrial, a sociedade adquirente assume, de forma exclusiva, todos os direitos e obrigações decorrentes dos contratos de trabalho dos trabalhadores identificados no documento complementar anexo a esta escritura, contratos esses que, a partir da presente data, passam a vigorar entre ela e os referidos, mantendo os trabalhadores a antiguidade, categorias profissionais e as retribuições que vêm auferindo na insolvente e que ali estão mencionadas, bem como assume, também de forma exclusiva e sem direito a imputar qualquer custo à transmitente, a obrigação de lhes pagar integralmente, no momento em que forem exigíveis, as retribuições vencidas a partir da presente data, as retribuições relativas às férias ainda não gozadas, respectivo subsídio, relativos ao trabalho prestado no ano em curso e a de lhes permitir a efectivação do direito às férias ainda não por ele gozadas.
Que ainda como contrapartida da transmissão do estabelecimento industrial, a sociedade adquirente assume também a obrigação de dar preferência, nas admissões de pessoal que vier a efectuar, até trinta e um de Agosto de dois mil e onze, aos trabalhadores que se encontravam ao serviço da insolvente “CC, S.A.”, em um de Janeiro de dois mil e dez, e que entretanto cessaram os respectivos contratos de trabalho.
    Em anexo à escritura consta uma “Lista de trabalhadores ao serviço do Estabelecimento”, da qual consta o nome do Autor, o salário de € 1.500,00, mais € 6,41 de subsídio de alimentação, dele constando ainda a notação “os salários tiveram o acordo dos trabalhadores”.[3]
12. Em resultado da alienação referenciada em 10.) o A. laborou na sociedade R., como Director-Geral, funções que anteriormente exercia.
13. A R., a partir de 1 de Janeiro de 2011 e até à cessação do contrato de trabalho, liquidou junto do A. a retribuição ilíquida mensal de € 1.500,00, acrescida de subsídio de alimentação.
14. Por carta datada de 22 de Novembro de 2013, enviada à R. por correio registado, com aviso de recepção, no dia 25 do mesmo mês, o A. comunicou à R. que procedia à resolução com justa causa do contrato de trabalho – cf. fls. 32 a 34, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. Como os gerentes da R. raramente se encontravam presentes na empresa, e desde o início de 2012 nem sequer compareceram pessoalmente, o A., por regra, era o colaborador que, regularmente e com a posição hierárquica mais elevada, assumia a gestão quotidiana da empresa.
16. Até à data da comunicação da resolução, id. em 14.), não tinham sido liquidadas, como ainda não foram, as seguintes retribuições:
(i) 50% do subsídio de férias, correspondente às férias vencidas em 01.01.2013, e um duodécimo de subsídio de férias, vencidos em 31.08.2013, no montante ilíquido de € 812,50 e líquido de € 571,29;
(ii) a retribuição do mês de Agosto de 2013, vencida em 31.08.2013, no montante ilíquido de € 1.697,11 e líquido de € 1.196,46 (salário mensal – € 1.500,00 + subsídio de alimentação - € 134,61 + duodécimo de subsídio de Natal de 2013 - € 62,50);
(iii) a retribuição do mês de Setembro de 2013, vencida em 30.09.2013, no montante ilíquido de € 1.759,61 e líquido de € 1.241,25 (salário mensal – € 1.500,00 + subsídio de alimentação - € 134,61 + duodécimo de subsídio de férias - € 62,50 + duodécimo de subsídio de Natal - € 62,50);
(iv) a retribuição do mês de Outubro de 2013, vencida em 31.10.2013, no montante ilíquido de € 1.772,43 e líquido de € 1.252,60 (salário mensal – € 1.500,00 + subsídio de alimentação - € 147,43 + duodécimo de subsídio de férias - € 62,50 + duodécimo de subsídio de Natal - € 62,50).
17. A R., até 4 de Novembro de 2013, não procedera ao pagamento aos demais trabalhadores das suas equivalentes retribuições do mesmo período e a igual título referidos em 16).
18. Por determinação expressa da R. dirigida ao A., este processou a “folha de salários” relativa ao mês de Outubro de 2013, nela tendo o A. incluído todos os trabalhadores incluindo ele próprio.
19. Na referida “folha de salários” o A. manuscreveu que quanto a dois vendedores da empresa (FF e GG), tinham cessado os respectivos contratos de trabalho, em 11/10/2013, e estava em curso o cumprimento do acordo de pagamento de montante e na forma que foram negociados pelo Sr. HH e pelo Dr. II com estes vendedores.
20. No fax do A. que acompanhava a referida “folha de salários”, e que o sócio-gerente da R. Sr. EE recebeu, o A. anotou o facto do Dr. II lhe ter transmitido que, por ordens do sócio-gerente da Ré Sr. EE, a retribuição a processar para pagamento era a de Outubro de 2013, e não, contrariamente ao que era prática habitual, as mais antigas em dívida, neste caso o salário de Agosto de 2013, mais a parte do subsídio de férias em falta.
21. A “folha de salários” remetida pelo A., e recebida pelo Sr. EE, foi-lhe por este devolvida com o seu nome e o de dois colegas de trabalho riscados por cima e com cálculos manuscritos pelo Sr. EE, donde decorria que não fora considerado o pagamento da retribuição do A. e da dos outros referidos colegas, sendo previsto o pagamento aos demais trabalhadores, procedimento que se confirmou ao terem sido, como foram, emitidos pela gerência cheques para pagamento a todos os trabalhadores da empresa, à excepção do A. e dos outros colegas de trabalho, cheques esses que foram entregues pelo A. aos seus destinatários.
22. Não obstante não ter sido paga a retribuição do A. que aos demais foi paga, o A. remeteu o mapa integral de retribuições para a Segurança Social e para a Autoridade Tributária, facto que foi censurado posteriormente pela gerência e por esta exigido que fossem abatidos os encargos que, em sede de TSU e de IRS, resultavam para a empresa relativamente aos trabalhadores constantes do mapa de retribuições.
23. O A. juntou e remeteu, com a comunicação de resolução com justa causa do contrato de trabalho, os modelos “Declaração de Retribuições em Mora” e “Declaração de Situação de Desemprego” de modo a serem emitidas e assinadas pela gerência da R., tendo advertido a R. de que caso não o fizesse, no prazo de cinco dias úteis, a contar da data da recepção da comunicação, recorriam aos meios legais adequados para o efeito.
24. Os CTT, em 29 de Novembro de 2013, tentaram entregar à R. a carta remetida pelo A. que continha a resolução do contrato de trabalho, o que não conseguiram porque na R. não atenderam.
25. O funcionário dos CTT deixou na sede da Ré aviso de que se encontrava depositada a carta na Estação dos Correios e de que devia a R. aí levantá-la.
26. Os CTT, através do seu funcionário JJ, que manuscreveu, assinou e datou, exararam no sobrescrito, com data de 4 de Dezembro de 2013, que a R. recusou receber a carta, como efectivamente sucedeu, pelo que a mesma foi devolvida ao A.
27. O A. remeteu missiva dirigida ao Sr. EE, na sua qualidade de sócio-gerente da R., para o fax com o nº …243, no dia 9 de Dezembro de 2013, cópia da comunicação de resolução do contrato de trabalho acompanhada da comunicação explicativa do facto de haver remetido por correio, que a R. recusou receber, e do carácter complementar desta comunicação via fax.
28. Na pessoa do sócio-gerente da R., Sr. EE, foi efectuada, em 10 de Janeiro de 2014, a notificação judicial avulsa, da comunicação da resolução.
29. Perante a conduta da R., exarada em 16.) a 22.), o A. sentiu-se humilhado perante os colaboradores da sociedade tendo ficado nervoso e tenso.
30. Sente-se inseguro quanto ao futuro face à crise económica.
31. A R. por não ter entregue o impresso necessário para efeitos de subsídio de desemprego teve de recorrer à ACT para a emissão da respectiva declaração.
32. O A. candidatou-se ao subsídio de desemprego, começando a receber o respectivo subsídio em 6 de Janeiro, no montante diário de € 32,63.
33. Na R. estava a ser aplicado o regime de pagamento, ao subsídio de férias e de Natal, previsto na Lei nº 91/2013, de 28/11: o pagamento em duodécimos de 50% destes subsídios e o pagamento dos restantes 50% no início de gozo de férias (que na R. foi em Agosto) e até 15 de Dezembro quanto ao subsídio de Natal.
34. O Instituto da Segurança Social, IP, Requerente da insolvência da sociedade “CC, S.A.”, reclamava um crédito de € 825.689,92, acrescido de € 99.327,18 de juros, tendo a Exma. Sra. Administradora da Insolvência apurado, na lista de créditos reconhecidos, o valor global de € 11.696.569,07.
35. A sócia da R. KK Lda. e o gerente da R. (EE) emprestaram à R. o montante de 305.989,46 € para pagar salários aos trabalhadores, contribuições e até despesas correntes de funcionamento.
36. Os administradores da sociedade CC, S.A. subscreveram um documento denominado por “proposta de condições contratuais – BB”, dirigida ao A., datada de 12/2/2003, do seguinte teor:
- Vencimento base líquido de € 3.500,00, sendo a base de cálculo usada para chegar a este valor totalmente abrangida por todas as disposições legais em vigor para a tributação e impostos e a cargo da empresa;
- Atribuição de viatura de 5 lugares – carrinha Audi A4 ou equivalente, sendo uma viatura de meu uso exclusivo e permanente, com todos os encargos legais e de manutenção a cargo da empresa;
- Celebração de contrato de seguro de vida e de saúde;
- Atribuição de telemóvel de serviço;
- Pagamento dos custos de alimentação e deslocações em serviço;
- Entrada na empresa com contrato de trabalho efectivo por tempo indeterminado;
- Regime de isenção de horário de trabalho;
- Reserva de verba a ser atribuída no valor de € 150.000, com actualização anual igual ou superior à taxa de inflação verificada, no caso de qualquer situação com que a empresa se depare e que extinga o posto de trabalho ou necessidade de manter o colaborador após a entrada em funções;
- Este contrato terá validade permanente durante todo o período de permanência na empresa.”

 
B) DO DIREITO

Em face das questões suscitadas pelas partes em sede recursória, uma delas impõe-se desde logo decidir, como questão prévia: a que respeita à junção dos documentos apresentados pela Ré, conjuntamente com as alegações.
Documentos que não foram admitidos pelo Tribunal da Relação, conforme ressalta de fls. 282 e segts.
Rejeição que merece a nossa concordância

Vejamos porquê.

1. A questão prévia da junção de documentos com as alegações:

1.1. Compulsados os autos constatamos que a R., aquando da interposição de recurso de apelação, requereu a junção de documentos.

Para o efeito alegou o seguinte (vide fls. 217 verso):
42. A Recorrente requer a junção a este articulado de documentação muito relevante e que só recentemente, depois da decisão proferida, foi encontrada pelo gerente, Sr. EE.
43. E só por esta razão a documentação não foi junta aos autos em momento oportuno, mas cuja junção se requer ao abrigo do disposto no art. 651.º, n.º 1, parte final, do CPC.”
E a fls. 221, 221-vº e 222, a R. juntou cópia de dois cheques emitidos em 2012 e 2011, respectivamente, e de duas listagens relativas a pagamentos do ano de 2011.

Posteriormente, e já com as contra-alegações ao recurso do Autor, veio a R. juntar outros dois documentos: um que será cópia de uma participação criminal efectuada pelo gerente da R., contra o A. e outras duas pessoas, dirigida ao DIAP de Águeda, em data ilegível, mas que aparenta ser do ano de 2014; o segundo, uma cópia de uma carta de 29 de Junho de 2011, que supostamente terá sido dirigida pelo A., em representação da R., à LL.

O Tribunal da Relação rejeitou a requerida junção, por considerar que, nos termos do disposto no art. 651.º, n.º 1 do CPC, as partes apenas podem juntar documentos com as alegações nas situações previstas no art. 425.º do CPC, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em primeira instância, sendo que os documentos em causa não preenchiam assim os requisitos para o efeito, porquanto:
- No que concerne aos documentos juntos com as alegações de recurso, tratava-se de documentos relativos aos anos 2011 e 2012, pelo que a junção dos mesmos deveria ter ocorrido com os respectivos articulados, nos termos do disposto no art. 423.º, n.º 1 do CPC, sendo insuficiente a alegação de que o legal representante da R. “apenas os encontrou recentemente”;
- Quanto aos documentos juntos com as contra-alegações, uma participação crime, considerou o Tribunal da Relação que a junção foi claramente extemporânea, porque já posterior às alegações.

Rejeição que o MP, no Parecer junto aos autos, acompanha com igual fundamentação.

Decidindo:

1.2. No domínio da prova documental o legislador teve o particular cuidado de regular a admissibilidade da apresentação de documentos, distinguindo-a em função do momento em que os mesmos são juntos pela parte e que, de fase, para fase processual, se vai tornando cada vez mais restritiva.
Assim, num primeiro momento a sua apresentação mostra-se fixada coincidentemente com a apresentação dos respectivos articulados.

Dispondo, a este propósito, o art. 423.º do NCPC[4] que:

1. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2. Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3. Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”

Por seu turno, o art. 425.º estabelece:

Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”

Já em sede de recurso, o art. 651.º n.º 1, do NCPC, é ainda mais restritivo, ao prever:

1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art. 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

1.3. Da análise dos preceitos legais citados resulta o seguinte regime jurídico:
A lei processual permite, num primeiro momento, que as partes juntem os elementos de prova documentais que entendam por conveniente, conjuntamente com os respectivos articulados e para prova dos correspondentes fundamentos da acção ou dedução da sua defesa. Este é o princípio geral ínsito no citado art. 423º do NCPC.
Ultrapassado o mesmo, as limitações fazem-se logo sentir.

Desde logo, com a aplicação de multa – no caso de serem apresentados não com os articulados mas já após esse momento e até 20 dias antes da data em que se realiza a audiência final – cf. art. 423º, nº 2, do NCPC.
E depois desse momento as restrições impõem-se com obstáculos dificilmente ultrapassáveis.

É assim que se chega ao nº 3 do art. 423º e ao art. 425º. A exigir que a sua admissão só se efectue se, depois do encerramento da discussão, a sua apresentação não tiver sido possível até àquele momento.

Princípio aplicável em sede de recurso.

Por conseguinte, em sede de recurso, só é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento.

Podendo ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido na 1ª instância, nos termos preceituados pelo art. 651º, nº 1, do NCPC, maxime, quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.[5]

Porém, conforme alerta o citado Autor, a jurisprudência, sobre esta matéria, “não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.” [6]

1.4. Ora, no caso dos autos, como já vimos, atenta a data constante dos documentos juntos com as alegações – 2011 e 2012 –, tendo sido proferida a sentença da 1ª instância em 26/Maio/2014 e tendo sido interposto o recurso de apelação depois desta data, a pretendida junção tardia de documentos não encontra justificação legal.

Com efeito, o motivo invocado pela Ré de que “só agora a R. (o seu legal representante) os encontrou” não constitui fundamento bastante para tal, sendo manifestamente insuficiente, uma vez que os referidos documentos se reportam a cheques da conta do sócio-gerente da Ré, ou desta própria, portanto, a que a Ré facilmente poderia ter acedido.

De outro modo, estaria encontrada a via para se legitimar a junção de documentos após a prolação da sentença, quando é certo que o art. 651.º, n.º 1, do actual CPC, é claro ao afirmar que tal junção, em sede de alegações, é excepcional, reportando-se apenas às situações previstas no art. 425.º, ou para o caso de a junção se ter revelado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.

Essa situação excepcional não se configura na situação dos autos, porquanto os factos a que se reportam tais documentos já estavam em discussão no momento da apresentação dos articulados, pelo que não se verificou, nesta parte, nenhuma situação nova, revelada apenas nesse momento, a ponto de justificar a sua integração na norma em análise.

Entendendo-se que a necessidade da junção em virtude do julgamento proferido na 1.ª Instância tem lugar quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto pelo Tribunal ou em preceito com cuja apreciação as partes não tivessem justificadamente contado ou, ainda, quando a decisão se baseou em meio de prova não esperado ou em preceito jurídico cuja aplicação as partes não pudessem razoavelmente prever. [7]

Entendimento já veiculado anteriormente, no mesmo sentido, pelo Acórdão do STJ, datado de 26/09/2012, proferido por esta Secção, no âmbito do Processo n.º 174/08.2 TTVFX.L1.S1[8]:

I. A possibilidade de junção de documentos com a alegação de recurso de apelação, não se tratando de documento ou facto superveniente, só existe para aqueles casos em que a necessidade de tal junção foi criada pela primeira vez, pela sentença da primeira instância.
II. A decisão de primeira instância pode criar, pela primeira vez, tal necessidade quando se tenha baseado em meio probatório não oferecido pelas partes, ou quando se tenha fundado em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes, justificadamente, não contavam.
III. Só nestas circunstâncias a junção do documento com as alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto no art. 693.º-B do CPC.

O mesmo se diga relativamente à junção das listagens dos pagamentos que a Ré pretendeu ver admitidas – porquanto se impunha que tivessem sido apresentadas com os articulados, dado que se reportavam a factos anteriormente alegados e discutidos desde logo nessa sede. Quanto à queixa-crime aludida pela Ré e apresentada contra o A., para além do referido, deve anotar-se que não releva para os presentes autos, pois um mero processo de inquérito em curso não tem virtualidades para, por si só, nessa fase inicial, introduzir alterações à matéria provada nos autos.

Pelo que, improcede a presente questão prévia, mantendo-se a decisão recorrida na parte em que determinou a rejeição dos documentos em causa.

2. Quanto ao Recurso de Revista interposto pelo Autor:

2.1. A primeira questão suscitada pelo Autor, em sede de revista, prende-se com a questão de aferir da procedência do pedido formulado pelo A. de condenação da R. no pagamento de € 300.000,00, a título de indemnização.

2.2. A este propósito ressalta dos autos que o A. requereu a condenação da R. no pagamento de uma indemnização no montante de € 300.000,00 que resultaria, de acordo com a sua versão, do teor da cláusula 6ª do contrato de trabalho, e decorrente do facto de o contrato ter cessado por motivos não imputáveis ao A., tendo este perdido a estabilidade do emprego com que antes poderia contar.

Relativamente a este pedido cumpre ter presente que a sentença da primeira instância considerou provado que:

Ficou acordado uma verba a ser atribuída, em valor e em moldes não concretamente apurados, no caso da ocorrência de qualquer factualidade que cessasse o contrato de trabalho por motivos não imputáveis ao A., pelo dano sofrido na sua antiguidade e pelo acréscimo de risco profissional decorrente de se desvincular da anterior entidade patronal – DD –, entidade que lhe dava a expectativa legítima de emprego com futuro.” – cf. factos provados e inseridos no ponto 8) da matéria de facto, a fls. 168, da sentença (sublinhado nosso).

O pedido foi julgado improcedente, tendo-se fundamentado na sentença recorrida:

Requer o A. o pagamento de uma indemnização no montante de € 300.000,00 correspondente ao teor da cláusula 6.ª do contrato de trabalho decorrente do contrato ter cessado por factos não imputáveis ao A.
Contudo, não se demonstrou o valor de tal indemnização – por falta de prova não obstante os meios carreados para os autos –, conforme se constata dos factos como não provados, razão pela qual desde logo falece a apreciação da sua procedência.”

Por sua vez o Tribunal da Relação procedeu à alteração da factualidade provada e inserida no ponto 8º, tendo aduzido para tal as razões que se podem ler no Acórdão, a fls. 294 e segts:

“A questão fundamental aqui em causa, a convenção do pagamento de € 300.000,00, não resulta efectivamente demonstrada na prova produzida”.
(…)
Sintomático é ainda a circunstância de o Autor aceitar, subsidiariamente, que tenha sido acordada “apenas” a indemnização de € 150.000,00, com base no documento transcrito no facto provado 36ª.
Relativamente a este, as mesmas testemunhas referiram-se-lhe como um pré-acordo. Sendo certo que, segundo as testemunhas em causa, o valor de uma eventual indemnização não estava ainda determinado em definitivo, resulta da leitura do documento em causa e da prova testemunhal, conjugados com as regras da experiência, que esse seria o valor mínimo da indemnização a pagar ao Autor”.

Para depois concluir que a matéria de facto dada por provada pela 1ª Instância, e inserida no ponto 8), devia, por isso, ser alterada.
Passando o facto em causa a ter a seguinte redacção:

Ficou acordado uma verba a ser atribuída, em valor não inferior a € 150.000,00 e em moldes não concretamente apurados, no caso da ocorrência de qualquer factualidade que cessasse o contrato de trabalho por motivos não imputáveis ao A., pelo dano sofrido na sua antiguidade e pelo acréscimo de risco profissional decorrente de se desvincular da anterior entidade patronal – DD –, entidade que lhe dava a expectativa legítima de emprego com futuro” – sublinhado nosso.

Ou seja: enquanto a 1ª instância concluiu que “ficou acordado uma verba a ser atribuída, em valor e em moldes não concretamente apurados”, a Relação considerou provado que “ficou acordado uma verba a ser atribuída, em valor não inferior a € 150.000,00 e em moldes não concretamente apurados”.

Para, posteriormente, o Tribunal da Relação julgar improcedente o pedido do Autor nesta parte, fundamentando a improcedência nos seguintes termos:

Relativamente à primeira (a cláusula estipulando uma indemnização de € 300.000,00), face à improcedência da apelação relativamente à impugnação da matéria de facto, logo fica condicionado o seu conhecimento. (…)
Afigura-se, portanto correcto concluir que, ao iniciar a prestação do trabalho, o Autor aceitou a referida proposta de € 150.000,00, como valor mínimo, conforme já se concluiu aquando da alteração da matéria do ponto 8.º da matéria de facto provada.
O ponto 8.º da matéria de facto provada passou a ter a seguinte redacção: (redacção já supra transcrita).
Não se apurou, contudo, quais os pressupostos (“moldes”) da atribuição de tal cláusula.
Assim sendo, embora se possa concluir que foi acordada a aludida compensação ao Autor, no caso de ocorrência de qualquer factualidade que cessasse o contrato de trabalho, por motivos que não lhe fossem imputáveis, esse montante não pode ser atribuído, nem mesmo mediante liquidação posterior (nos termos do art. 609.º, n.º 2 do CPC), uma vez que não se provando os pressupostos de tal pagamento, não se pode concretizar se o mesmo é devido no caso concreto. (…)
Resulta do exposto que não foram determinadas as condições em que se devia proceder ao pagamento da indemnização. Sendo assim, uma vez que, salvo convenção expressa, a cláusula penal não se cumula com a indemnização legal, terá que se considerar que a mesma corresponda apenas a esta, como se fez na sentença sob recurso.”
Assim, aqui improcede a apelação do Autor”.

2.3. No caso em análise resulta evidente que, quer a 1ª Instância quer o Tribunal da Relação, convergiram em relação ao segmento decisório relativamente ao facto de ambas terem considerado que o A. não logrou fazer provar de toda a matéria factual inserida no ponto 8), na parte em que, para além do valor, se faz referência às condições em que deveria concretizar-se o pagamento daquela verba. Provando-se apenas que foi “em moldes não concretamente apurados”.

Porém a Relação, ao denegar o pedido do A., não se quedou pela mera falta de prova. Indo para além deste ponto quando refere expressamente: “Sendo assim, uma vez que, salvo convenção expressa, a cláusula penal não se cumula com a indemnização legal, terá que se considerar que a mesma corresponda apenas a esta”.

Ou seja: a Relação alude a um fundamento jurídico diferente, fazendo referência à matéria jurídica da cláusula penal para denegar a pretensão do A. Sendo diferente, nesta parte, a fundamentação utilizada pela 1ª instância.

Passamos, assim, da coincidência de argumentação sobre a falta de prova – aqui parcial – para um segmento decisório distinto:
- com a 1ª instância a denegar o pedido com base no facto de não se ter provado o valor da indemnização, nem os moldes em que esta deveria ser paga;
- e a Relação a decidir que, apesar de ser ter provado o valor, também não se provou os moldes em que a indemnização devia ser paga, acrescentando, como argumento jurídico o de que “salvo convenção expressa, a cláusula penal não se cumula com a indemnização legal”.

2.4. Ora, conforme tivemos já oportunidade de expressar em Acórdão desta Secção em que a questão da dupla conforme parcial se suscitou, só existe dupla conforme se a confirmação da decisão da 1.ª instância assentar em fundamentação essencialmente idêntica, sem voto de vencido.[9]

Importa, porém, em tal circunstância, ter presente que é necessário “destrinçar os casos em que a parte conclusiva seja integrada por diversos segmentos decisórios, uns favoráveis e outros desfavoráveis. Nestas circunstâncias, a admissibilidade do recurso normal de revista deve fazer-se mediante o confronto de cada um deles.  
Caso em que, para averiguar a existência de dupla conforme, cabe atentar apenas no segmento decisório que seja revelador de uma dissensão entre as instâncias, podendo aquele óbice ao conhecimento do recurso verificar-se apenas em relação a uma questão que seja distinta das demais que foram apreciadas no Acórdão Recorrido. [10]

E foi o que aconteceu no caso sub judice, ao contrário do que parecia inicialmente.
Por conseguinte, nesta parte, não existe dupla conforme.

2.5. Acresce que, o Tribunal da Relação concluiu no sentido de que a indemnização aqui em causa, peticionada pelo Autor, não se podia cumular com a indemnização legal, citando, para esse efeito, o art. 811º, nº 1, do CC, e referindo o argumento de que “a cláusula penal não se cumula com a indemnização legal.”

Entendimento que não podemos sufragar.

2.6. O direito substantivo prevê a cláusula penal no art. 810º do CC, definindo-a nos seguintes termos:
“As partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal” – cf. nº 1 da norma citada.

Por sua vez o art. 811º do CC estabelece os parâmetros legais exigidos para o accionamento dessa cláusula, estruturando os seus limites de acordo com a designação acolhida pelo legislador do denominado “funcionamento da cláusula penal”.

Aí se estatuindo que:
1. O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso na prestação; é nula qualquer estipulação em contrário.
2. O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes.
3. O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal.

A doutrina e a jurisprudência secundam, em uníssono, a explicitação do campo de aplicação deste preceito esclarecendo que “o regime dos arts 810º e 811º não se aplica às cláusulas penais compulsórias, mas apenas às de natureza indemnizatória, como se infere da conjugação do texto do nº 1 do art. 810º com o nº 3 do art. 811º”,[11] depois de alertarem para o facto de a cláusula penal poder revestir três modalidades:

- a cláusula com função moratória ou compensatória – dirigida, portanto, à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor;
- a cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita – em que a sua estipulação substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhuma delas;[12]
- e a cláusula penal de natureza compulsória – em que há uma “pena” que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento: a finalidade das partes, nesta última hipótese, é a de pressionar o devedor a cumprir, e já não a de substituir a indemnização.[13]


Inerente à sua ratio está o princípio da liberdade contratual, de acordo com o qual as partes são livres de celebrar os contratos que lhes aprouver e de neles inserir as cláusulas com o conteúdo que considerarem mais adequado em prol dos interesses que pretendem ver assegurados – cf. art. 405º, nº 1, do CC.

O objectivo principal radica na necessidade de prever condições para que o cumprimento dos contratos se paute no sentido do seu integral cumprimento, para que cada contraente honre os seus compromissos.

2.7. No caso dos autos, sabe-se que o A. acordou com a entidade patronal, no âmbito da liberdade contratual que assiste a ambas as partes, uma contrapartida negociada para o caso de “ocorrência de qualquer factualidade” que determinasse a cessação do contrato de trabalho por motivos não imputáveis ao A.
E fê-lo com o objectivo de ser ressarcido, por essa via, do “dano sofrido na sua antiguidade e pelo acréscimo de risco profissional decorrente de se desvincular da anterior entidade patronal – DD – entidade que lhe dava a expectativa legítima de emprego com futuro” – de acordo, não só com a alegação do próprio Autor, mas também do circunstancialismo fáctico que se provou e consta do ponto 8) dos factos provados.

É certo que não se apurou em que “moldes” se operaria, mas sabe-se, porque também se provou, que:
- A verba a pagar ao A. seria em valor não inferior a 150.000,00 €;
- E a “factualidade” ligada à cessação do contrato, ocorreu, e por motivos não imputáveis ao A.

Porém, a Relação considerou que, não obstante tal facto, não se podia cumular a indemnização devida ao A. com esta “cláusula penal”.

Impossibilidade que, contudo, não visionamos no quadro descrito.

2.8. Com efeito, a indemnização devida ao A. pela resolução do contrato de trabalho com base em justa causa, assenta no direito de resolução que a lei lhe reconhece com base na ocorrência de justa causa e lhe atribui em consequência da comprovação judicial da mesma – cf. arts. 394º e 396º do Cód. do Trabalho de 2009.
Ao passo que a quantia fixada na citada cláusula reveste as características de uma contrapartida negociada, uma compensação que foi expressamente convencionada pelas partes, no âmbito da livre disponibilidade e de acordo com o amplo princípio da liberdade contratual que vigora no regime jurídico da celebração de contratos firmados sob a égide do direito privado, desde que não violem normas imperativas.

Ora, essa compensação foi acordada para ser paga ao A. no termo do contrato de trabalho e como contrapartida pelos efeitos decorrentes da perda de antiguidade e do facto de se ter desvinculado de uma outra empresa com emprego com futuro.
Ou seja, as partes visaram atenuar o risco assumido pelo A. quando se desvinculou da empresa onde anteriormente trabalhava – a “DD” – com expectativas de futuro promissoras.

E atento o preceituado nos arts. 810º e 811º do Código Civil, nada obsta a que, no caso sub judice, em face do acordado, o A. seja ressarcido nos termos estabelecidos pela cláusula penal, pelo dano resultante da cessação do contrato.[14]

Conforme se alega nos autos, e bem, de acordo com o art. 811º, nº 2, do CC, o estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes, e “aqui, como se deu como provado, foi outra a convenção das partes a convenção com o teor e conteúdo considerados provados”.[15]

Destarte, e ao contrário do decidido pelo Tribunal da Relação, não existe cumulação de indemnizações para os mesmos danos, sendo diferentes a sua origem fáctica e a base jurídica em que se estribam, porquanto:

- Uma indemnização deriva da própria lei (é legal) – a relativa à indemnização devida ao Autor pela resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa, nos termos consagrados pelo art. 396º do Código do Trabalho;
- A outra advém de convenção outorgada pelas partes (é convencional) – acordada por ambas as partes para compensação do acréscimo do risco profissional decorrente do facto de o A. se ter desvinculado da anterior entidade patronal.

Mostra-se, assim, devida ao Autor a indemnização com tal fundamento.

2.9. Aqui chegados a questão que se levanta é a de saber se a R. deve ser condenada no valor de € 150.000,00, que resultou provado e consta do ponto 8) dos factos.
E isto porque, conforme já se salientou, nesta matéria provou-se apenas que “ficou acordada uma verba a ser atribuída, em valor não inferior a € 150.000,00, e em moldes não concretamente apurados”.

Assim sendo, entendemos que esta parte final dos “moldes não concretamente apurados” não pode deixar de se reflectir no valor a atribuir ao Autor, porquanto se desconhece, pois ficou por apurar, parte dessas condições, apesar de se ter provado o “valor não inferior a € 150.000,00”.

Ora, a própria lei substantiva permite a redução equitativa da cláusula penal pelo Tribunal, de acordo com juízos de equidade, quando a indemnização estabelecida for manifestamente excessiva, nos termos do art. 812º do CC, ainda que por causa superveniente, bem como no caso de a obrigação ter sido parcialmente cumprida.
Para além de a lei o prever, nessas circunstâncias, também o STJ o tem admitido, como é disso exemplo, entre outros, o Acórdão desta Secção, datado de 13/10/2010, a que se fez referência na nota anterior.

No caso sub judice, embora essa redução não tenha sido requerida expressamente pela Ré, a verdade é que quando esta faz referência “en passant” a essa matéria, nas contra-alegações que apresentou ao recurso de revista interposto pelo Autor, também não se opõe a que o Tribunal use tal faculdade – cf. fls. 425, penúltimo parágrafo. Admitindo, por isso, implicitamente essa possibilidade.
E quanto a nós essa redução justifica-se em face das circunstâncias do caso concreto, que apontam para uma manifesta excessividade do referido valor, se atendermos à forma como decorreu a relação de trabalho do A., com a R., em contínua crise económico-financeira, tendo esta adquirido, após um processo judicial de insolvência, a empresa em que o A. exercia funções e com quem convencionara a referida compensação, aquando da celebração do contrato de trabalho inicial.

A própria doutrina defende a intervenção judicial, com a fixação equitativa desse montante em situações excepcionais, podendo ler-se a este propósito o seguinte:

“A intervenção judicial do controlo do montante não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados, de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal, e nunca perdendo de vista o seu carácter “à fortait”. Daí que apenas se reconheça ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente”.[16]

Manifestando expressamente o entendimento de que redução equitativa da cláusula penal deve ter lugar, com aplicação plena do regime que deriva do art. 812º do Código Civil, “quer a excessividade seja inicial (verificada no momento em que foi celebrado o negócio), quer seja superveniente (a que decorre da alteração das circunstâncias então vigentes)”.[17]

Para esse efeito, o Juiz pode reduzir o valor nos termos do art. 812º do CC, dispondo, para tal, de ampla liberdade de ponderação, podendo, por isso, socorrer-se de vários factores para formular o seu juízo equitativo sobre o montante, v.g., atendendo aos interesses das partes, à sua situação económica e social, ao seu grau de ilicitude, e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

Sendo certo que subjacente a esse juízo de equidade estará presente, como factor de ponderação, o indissociável critério de proporcionalidade.

Ponderado tudo o que antecede, concluímos no sentido de que estão reunidos os pressupostos que habilitam o recurso ao regime excepcional da redução equitativa da cláusula penal, nos termos do preceituado no art. 812º do Código Civil.
Consequentemente, consideramos adequado e equitativo o valor que se fixa em € 30.000,00 (trinta mil euros).

Termos em que, procede a revista do A. nesta parte, sendo-lhe devida a compensação acordada mas no valor de € 30.000,00.  

3. Da redução do valor de indemnização devida ao A.:

3.1. Relativamente a esta matéria, o A. não concorda com a redução que o Tribunal da Relação efectuou ao valor de indemnização legal que lhe é devida pela resolução com justa causa, e na qual a Ré tinha sido condenada, tendo alterado o montante de € 62.761,60, fixado pela 1ª instância, para € 31.380,80, porquanto decidiu calcular a indemnização baixando de 30 para 15 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade.

Decisão que põe em causa em sede de revista.

3.2. No que aqui releva, resulta dos autos que a sentença da 1.ª instância fixou a indemnização a pagar pela R. ao A. com base em 30 dias por cada ano, atendendo ao facto de o A. ter estado sem receber a sua retribuição durante 3 meses e ter considerado que existiu discriminação por parte da R., relativamente aos demais trabalhadores.

Porém, divergindo desta decisão, o Tribunal da Relação expressou o seu entendimento nos termos que se sintetizam:
Atendendo ao facto de o A. auferir “uma retribuição muito superior à média, sendo reduzida a ilicitude da empregadora, considerando a sua (da Ré) precária situação financeira, enunciada no ponto 35.º da matéria de facto provada, afigura-se correcto, como pretende a R., fixar o valor no seu mínimo. Efectivamente, o facto provado 21.º não demonstra, por si só, a discriminação invocada na sentença sob recurso.”

Para concluir que se impunha reduzir a indemnização para os referidos 15 dias por cada ano.
Redução que o Autor contesta.

Ora, da análise da factualidade provada constatamos que, sendo embora verdade que o A. ficou sem receber durante 3 meses a sua retribuição, não se pode deixar de ponderar que se tratou de uma situação que não lhe aconteceu só a si, mas também a outros dois trabalhadores da Ré – vide facto provado sob o n.º 21.
Por outro lado, resultou também provado que a R. teve reais dificuldades financeiras, tendo inclusivamente recorrido a um empréstimo – efectuado a outra sociedade, sócia da R. – e ao gerente da mesma, EE, por forma a poder pagar os salários dos seus trabalhadores – cf. factos provados sob o n.º 35.
Acresce que também não podemos deixar de atender, para efeitos do disposto no art. 396.º n.º 1 do Cód. do Trabalho, ao valor da retribuição do A. que, no caso dos autos, provou-se ser no montante de € 5.884,00 e não de € 1.500,00 por mês (pagos pela Ré), sendo tal quantia bastante superior à média salarial nacional, ainda que se tenha presente que o A. era Director-Geral da R.

Determinando o já referido art. 396.º, n.º 1, do Cód. do Trabalho que: “(…), o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador (…)” , e concluindo-se que o valor da retribuição do A. é elevado e que o grau de ilicitude da empregadora é baixo, atento o contexto financeiro da R., e às dificuldades económicas com que esta se debatia, consideramos ajustada a indemnização fixada.

A este propósito cita-se o entendimento firmado por esta Secção, no Acórdão do STJ, de 18 de Fevereiro de 2016, no proc. 428/13.6TTPRT.P1.S1, Relatado por Ribeiro Cardoso:

“1 - Na fixação do valor da indemnização devida em consequência da resolução do contrato pelo trabalhador, com justa causa, deve ter-se em consideração o valor da retribuição e o grau de ilicitude, sendo aquele mais elevado quanto menor for a retribuição e quanto maior for a ilicitude do comportamento do empregador – (sublinhado nosso).

Assim sendo, bem andou o Acórdão recorrido ao decidir nos termos em que o fez, pelo que improcede a Revista do A. nesta parte.

4. Do Recurso de Revista da Ré:

4.1. Resulta dos autos que a Ré, em sede de revista, cingiu o seu recurso a diversas questões, nomeadamente pondo em causa:
a) O valor da retribuição devida ao A., quer para efeitos de prestação de trabalho, quer para efeitos do cálculo da indemnização decorrente da justa causa alegada pelo trabalhador, com a inconstitucionalidade do art. 129º, nº 1, al. d), do CT;
b) E o abuso de direito do A., na modalidade de venire contra factum proprium.

4.2. Do real valor da retribuição devida ao A., quer pela prestação do trabalho, quer para efeitos de cálculo da indemnização decorrente da justa causa, bem como da inconstitucionalidade do art. 129.º, n.º 1, al. d) do CT, no sentido em que as instâncias interpretaram tal preceito legal:

Relativamente a esta matéria, quer a sentença de primeira instância, quer o Acórdão recorrido decidiram de forma absolutamente idêntica.
Isto é, ambas decidiram que a retribuição do A. era efectivamente de € 5.884,00 e não de € 1.500,00, sendo que, para o efeito, ambas as instâncias usaram da mesma fundamentação no domínio fáctico e de direito.

A 1ª instância cita diversa jurisprudência para concluir que: ”por força da transmissão ocorrida, a Ré assume a obrigação decorrente da posição da entidade empregadora da cedente.”
E porque “se provou que o A. auferia o montante de 5.884,00 € – atento desde logo o princípio da irredutibilidade da remuneração – será esse o salário que a Ré tem a suportar.”
Calculando a indemnização nos termos do art. 396º do CT, e de acordo com o critério legal fixado.

Por sua vez o Tribunal da Relação cita abundante jurisprudência do STJ sobre o sentido e alcance do art. 396º do CT – cf. fls. 215 e segts – para decidir que o valor da indemnização deve ser calculado proporcionalmente, atendendo à precária situação da empregadora, ao grau de culpa desta, e ao demais que cita, nos precisos termos estabelecidos no nº 1 do art. 396º do CT.

Tendo concluído nos termos que o sumário retrata, nomeadamente que:
- “III – A diminuição da retribuição apenas é possível nas específicas situações previstas no Código do Trabalho ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
- “IV – Da circunstância de a um trabalhador, director geral da empresa, ao longo de três anos ter sido paga retribuição inferior à devida e de o mesmo não ter reclamado de tal situação não se pode concluir pela aceitação da retribuição que lhe foi paga, pois esta situação envolveria uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição”.

Sendo unânime o entendimento das instâncias no sentido de que o facto de o estabelecimento ter passado da titularidade de uma sociedade anterior para a sociedade agora R., assumindo esta os direitos e obrigações dos contratos de trabalho dos trabalhadores existentes (cf. art. 285.º do Cód. do Trabalho), em nada permitia à R. reduzir a retribuição do A., atento o princípio de irredutibilidade da retribuição, previsto no art. 129.º, n.º 1, al. d), do Cód. do Trabalho de 2009.
Concluíram, por conseguinte, ambas as Instâncias, que a retribuição devida correspondia à invocada pelo A., no montante mensal de € 5.884,00 e não de € 1.500,00.
Pelo que, foi também aquele valor que serviu de base ao cálculo da indemnização legal a atribuir ao A. pela resolução com justa causa.

Sendo convergente a decisão das Instâncias – quer no que respeita ao montante da retribuição (quanto aos factos), quer na decisão a que chegaram com base nas mesmas premissas, aplicando e interpretando as normas jurídicas (o direito) nos mesmos termos, sem que a Relação tivesse aduzido fundamentação essencialmente diferente, o recurso de revista da Ré não é admissível, nesta parte, por força da existência de dupla conforme.

4.3. Com efeito, tal como já se afirmou em ponto anterior, e se expressou no Acórdão do STJ, desta Secção, de 21/04/2016, exarado no âmbito do processo nº 79/13.5 TTVCT.G1.S1[18], em que expendemos igual fundamentação, a consagração da “dupla conforme” surgiu com a reforma introduzida ao regime dos recursos pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
Inerente à sua consagração esteve a necessidade de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça com a criação de um regime legal que restringisse a admissibilidade de recurso, sem, contudo, pôr em causa as garantias das partes e a defesa constitucional dos seus direitos. Restrição que assenta, hoje, na figura jurídica da dupla conforme”.
Na sua versão inicial introduzida em 2007, a verificação de uma situação de dupla conforme era totalmente independente da fundamentação de cada uma das decisões, na medida em que sempre que a Relação confirmasse, sem voto de vencido, e mesmo com fundamentação diversa, a decisão da primeira instância, existia dupla conforme.
No entanto, com o Novo Código de Processo Civil foi introduzida uma alteração muito significativa e que se prende com a fundamentação das decisões, na medida em que ressalta do texto legal actual, na sequência da referida reforma operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que só existe dupla conforme quando a Relação confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, com excepção de três situações particulares, presentemente enunciadas no art. 672.º, n.º 1, do NCPC.
Assim, enquanto na versão do n.º 3 do artigo 721.º do anterior Código de Processo Civil, a identidade ou diversidade de fundamentação não relevava para saber da existência de dupla conforme, referindo aquela norma que a tal não obstava a existência de diferente fundamento, agora, à luz do novo Código (artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), tal só ocorrerá se a confirmação for efectuada “sem fundamentação essencialmente diferente”.

Com esta alteração, a conclusão a extrair, no sentido da verificação, ou não, de tal situação, impõe que se proceda à comparação da fundamentação das duas decisões – a proferida pela 1ª instância e a da Relação – quanto aos seus segmentos decisórios, de modo a poder afirmar-se se as mesmas são essencialmente diferentes, ou não.
4.4. Sobre o sentido das alterações normativas efectuadas explicita Abrantes Geraldes[19]:
«A alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representam efectivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado. Ou também quando a Relação, para confirmar o resultado declarado pela 1ª instância, tenha aderido à fundamentação utilizada, acrescentando, como reforço, em termos cumulativos ou subsidiários, outros fundamentos.
Com efeito, a restrição ao conceito de dupla conformidade que resulta do regime actual não pode servir de pretexto para restaurar de pleno o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007 limitou e que o NCPC seguramente não pretendeu reintroduzir, tanto mais que se mantêm as vantagens que uma tal restrição assegura, por evitar o recurso indiscriminado ao Supremo Tribunal de Justiça, só porque o valor do processo ou da sucumbência o permite.
Na verdade, a restrição que foi assumida, apertando o critério da dupla conformidade, não pode servir – ainda que o quotidiano judiciário revele sucessivas tentativas nesse sentido – para superar, por via de meros juízos valorativos, o obstáculo levantado ao terceiro grau de jurisdição, num sistema que manteve generalizadamente aberto o canal do segundo grau de jurisdição em função do valor do processo ou da sucumbência”.

E segundo Alves Velho, seguramente que se está perante uma dupla conformidade de decisões quando ocorrem duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito, ambas determinantes para a decisão, sendo a segunda confirmatória da primeira. [20]

Também Lopes do Rego esclarece que, “sendo a matéria da pretensão principal, formulada pelo autor/recorrente (…) dirimida pelas instâncias de modo coincidente, quer em termos decisórios, quer em termos de fundamentação jurídica essencial, (…), não é admissível, por via do obstáculo decorrente da dupla conforme, a interposição de revista normal para o STJ.[21]

Quer isto dizer que ocorrendo a confirmação da decisão da 1.ª instância assente em fundamentação essencialmente idêntica, apenas a existência de um voto de vencido quanto à decisão ou a algum dos seus fundamentos essenciais pode justificar e autorizar o acesso ao terceiro grau de jurisdição, desde que, naturalmente, o valor do processo e o da sucumbência o permitam nos termos do art. 629.º, n.º 1, do NCPC.

4.5. Ora, no caso sub judice, estando nós relativamente a estas matérias perante decisões idênticas em ambas as instâncias, que não diferem uma da outra, e sem fundamentação essencialmente diferente, não pode deixar de se considerar que estão reunidos os referidos pressupostos de dupla conforme.
Destarte, não se conhece da revista da R., nesta parte, atento o disposto no art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

5. Quanto ao abuso de direito por parte do A.:

5.1. Relativamente ao invocado pela R. sobre o abuso de direito por parte do A., na modalidade de venire contra factum proprium, tal questão jurídica foi desde logo invocada em sede de contestação por aquela (vide arts. 52.º a 75.º da contestação), tendo então sido alegado que o A. agia com abuso de direito, porquanto ao fim de três anos a trabalhar para a R. veio peticionar o pagamento da diferença salarial, quando desde o início dessa actividade recebeu o salário mensal de € 1.500,00.

Sobre esta matéria, a sentença da 1ª instância considerou não haver qualquer abuso de direito, na medida em que, atenta a situação de desequilíbrio de forças entre a entidade patronal e o trabalhador, a lei prevê inclusivamente que o trabalhador possa exigir todos os seus créditos laborais, até um ano após a cessação da relação laboral (art. 381.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho), pelo que nunca poderia ser encarado como abuso de direito o exercício de um direito irrenunciável, em que não foram excedidos os limites da boa-fé.
E concluiu que: “a conduta do A. não excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Ora, atentando na fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação, constatamos que é idêntica à da sentença da primeira instância, culminando com igual solução jurídica para tal questão. – cf. fls. 314 e 315.
Sendo certo que, conforme se deixou antever supra:
“Não é qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido, relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica por ele assumida para manter a decisão já tomada em 1ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme.
“Só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância – não preenchendo esse conceito normativo o mero reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada na sentença apelada. [22]

Razão pela qual, também aqui, estamos perante uma situação de dupla conforme, nos termos do disposto no art. 671.º, n.º 3 do CPC, não podendo este Supremo Tribunal de Justiça conhecer da revista nesta parte.

6. Quanto às alegadas inconstitucionalidades pela Ré, acrescenta-se, para além do que ressalta das decisões das instâncias, que as interpretações jurídicas efectuadas nos autos respeitam os princípios e normas vigentes no nosso ordenamento jurídico e em nada atentam contra o regime do Estado de Direito democrático, nem contra a soberania do povo Português (arts. 2º e 3º da CRP).
Tendo, ao invés, garantido a ambas as partes os direitos constitucionais que a lei fundamental consagra, nomeadamente nos arts. 9º, 13º e 20º, todos da CRP, com igual respeito pelo direito de propriedade privada (art. 62º, nº 1, da CRP), traduzido na forma como foram ponderadas as dificuldades vividas pela Ré em sede de exercício da sua actividade empresarial e derivadas da crise económico-financeira sentida por esta.

Improcede, por isso, nesta parte, a revista da Ré.


IV – DECISÃO:

- Face ao exposto, acorda-se em:

1. Não conhecer do recurso de revista da Ré na parte em que se decidiu existir dupla conformidade de julgados;


2. Julgar improcedente a revista da Ré, quanto às alegadas inconstitucionalidades;

3. Julgar parcialmente procedente a revista do Autor e, em consequência, condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de indemnização convencionada, acrescida dos respectivos juros de mora peticionados, revogando-se, nesta parte, o Acórdão recorrido.

4. Manter, no mais, o Acórdão recorrido.


- Custas da revista a cargo de ambas as partes, na proporção de 4/5 para a Ré e 1/5 para o Autor.


- Anexa-se sumário do presente Acórdão.


Lisboa, 12 de Maio de 2016.



Ana Luísa Geraldes (Relatora)



Pinto Hespanhol



Ribeiro Cardoso (Voto Vencido)



______________


VOTO DE VENCIDO


Votei vencido por entender que, na tese que fez vencimento, se atribuiu dupla indemnização pela resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, com justa causa.

Embora aceite que no âmbito da liberdade contratual as parte possam, no âmbito do contrato de trabalho, contratar cláusulas penais, entendo que as mesmas não podem ter como fim o estabelecimento de indemnização diversa da estabelecida no art. 396º do CT para o caso de resolução do contrato pelo trabalhador com justa causa, por a tanto obstar a norma imperativa do art. 339º, nº 1 do CT.

A meu ver, a R. apenas poderia ser condenada de acordo com o estipulado na cláusula penal se o contrato cessasse por motivo não imputável ao trabalhador e desde que esse motivo não constituísse justa causa de resolução. Constituindo, a indemnização devida seria a estabelecida no art. 396º do CT.

A diferença entre a indemnização convencionada no contrato em causa e a legal é tão só a de que aquela seria devida em caso de cessação do contrato desde que por motivo não imputável ao trabalhador e mesmo que o CT não lhe atribuísse o direito a indemnização pela cessação. A legal é devida nos casos de resolução do contrato pelo trabalhador, com justa causa e, para esta, a lei estabelece os limites consagrados nos arts. 396º e 339º, nº 1 do CT.

No caso, foi o A. quem resolveu o contrato e fê-lo invocando a justa causa que viu reconhecida. Consequentemente, a indemnização devida era a prevista no art. 396º do CT e não a da cláusula penal e, muito menos, ambas as indemnizações.


Lisboa, 12 de Maio de 2016

Ribeiro Cardoso


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[1] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.
[2] Redacção introduzida pelo Acórdão do Tribunal da Relação, assinalada a negrito.
[3] Redacção introduzida pelo Acórdão do Tribunal da Relação, assinalada a negrito.

[4] Pertencem ao Novo CPC todas as normas que forem citadas sem qualquer outra referência. Sublinhado nosso.
[5] Neste sentido, cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2.ª Edição, págs. 191 e 192.
[6] Ibidem.
[7] Neste sentido, cf. Ac. do STJ, datado de 21/01/2014, proferido no âmbito do processo nº 9897/99.4TVLSB.L1.S1, 1ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Acórdão do STJ, Relatado por Gonçalves Rocha, e disponível em www.dgsi.pt., com actualidade nesta parte, não obstante ser citado o anterior normativo do CPC.
[9] Cf. Acórdão do STJ, desta Secção, datado de 21 de Abril de 2016, proferido no âmbito do processo nº 79/13.5 TTVCT.G1.S1, Relatado pela aqui Relatora.
[10] Neste sentido, cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2ª Edição, pág. 303. Sublinhado nosso.
Vide também o Acórdão do STJ, datado de 14/04/2015, proferido no âmbito da Revista n.º 723/10.6TBCHV.P1.S1, e Relatado por Pinto de Almeida, cujo sumário se encontra disponível em www.stj.pt.
[11] Neste sentido, cf. Acórdão do STJ, datado de 27/09/2011, proferido no âmbito do processo nº 81/1998.C1.S1 – 6ª Secção, e disponível em www.dgsi.pt.
[12] Neste sentido cf. Gravato Morais, in “Contrato Promessa em Geral - Contrato Promessa em Especial”, Almedina, 2009, pág. 154 e segts., citado em todos os Acórdãos do STJ, que versam sobre esta matéria.
[13] Cf. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 10ª Edição, pág. 794 e segts.
Para maior desenvolvimento, cf. António Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização”, Almedina, Coimbra, 1990, págs. 468 e segts.
[14] Sobre a matéria da cláusula penal e do ressarcimento do dano adveniente do incumprimento da correlativa obrigação, ainda que em contexto diverso daquele que neste Acórdão é objecto de análise, cf. os Acórdãos do STJ, desta Secção, datados de 24/02/2010 e de 13/10/2010, proferidos no âmbitos dos processos nº 56/07.7TTALM.S1 e nº 185/08.8TTSTR.E1.S1, Relatados por Vasques Dinis e Pinto Hespanhol, respectivamente, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[15] Cf., neste sentido, o Parecer do MP, a fls. 473, dos presentes autos.
[16] Neste sentido, cf. Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Almedina, 2002, págs. 273 e segts.
[17] Cf., neste sentido, Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral”, 1983, 2º Vol, pág. 459, citado por Abílio Neto, em anotação ao art. 812º do CC.
[18] Relatado pela ora Relatora, com a fundamentação que aqui se retoma.
[19] Neste sentido, cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “ Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2.ª Edição, 2014, Almedina, pág. 302.
Cf. tb, a decisão singular proferida pelo referido Autor, em 10.02.2015, no âmbito do processo n.º 6543/13.9YYPRT-A.P1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[20] Cf. Alves Velho, in “Sobre a Revista Excepcional. Aspectos Práticos”, Junho 2015, disponível no site www.dgsi.stj.pt.
[21] Neste sentido, cf. Acórdão do STJ, datado de 03/03/2016, proferido no âmbito do processo nº 151/10.3TBCTB.C1.S1 – 7ª Secção, Relatado por Lopes do Rego, e disponível em www.dgsi.pt. Sublinhado nosso.
[22] Neste sentido, cf. Acórdão do STJ, datado de 09/07/2015, proferido no âmbito do processo nº 542/13.8.T2AVR.C1.S1, 7ª Secção, Relatado por Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt, e citado igualmente nos autos.