Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2190/03.1TBPTM.E2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: ALEGAÇÕES DE RECURSO
CONCLUSÕES
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
CASO JULGADO
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
Data do Acordão: 12/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, p. 144, 149 a 151;
-Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, Volume V, p. 359;
-Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, 1972, p. 299.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 639.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 29-04-2008, PROCESSO N.º 7A4712;
- DE 22-03-2011, PROCESSO N.º 5715/04.1TVLSB.L1.S1;
- DE 06-12-2012, PROCESSO N.º 373/06.1TBARC-A.P1.S1;
- DE 07-10-2014, PROCESSO N.º 118/08.1TVPRT.P2.S2;
- DE 09-06-2016, PROCESSO N.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1;
- DE 19-10-2017, PROCESSO N.º 1577/14.9T8STR.E1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso não está coberto pela força do caso julgado, nem se esgotam com a sua prolação os poderes do juiz na apreciação da situação e dos efeitos que devem ser determinados.

II – Para efeitos do disposto no art. 639º, nº3, do CPC, o tribunal não deve utilizar um critério estritamente quantitativo, mas um critério funcionalmente adequado, que tenha em conta – perante a complexidade real do litígio e as questões suscitadas pelo recorrente – o preenchimento ou não preenchimento da função processual cometida à figura das conclusões da alegação de recurso.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório

1. Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante “IEP – Instituto das Estradas de Portugal” e expropriada “AA, SARL”, proferida decisão arbitral e adjudicados os prédios identificados nos autos à expropriante, vieram, a expropriante e a expropriada, interpor recurso da decisão arbitral.

2. Da sentença foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de … que, por acórdão já transitado, anulou aquela sentença e determinou a realização de nova avaliação e, se necessário, de inspeção judicial.

3. Realizadas as diligências de instrução, foi proferida nova sentença que fixou em EUR 142.080,00, o montante a pagar a título de indemnização à expropriada, montante atualizável nos termos previstos no art.24º, do Código das Expropriações.

4. Inconformada com esta decisão, dela apelou a expropriada, e, em conclusão, disse:

1ª) Expropriação por utilidade pública " é a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em um fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjetivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória (M. Caetano — Manual, 8a ed. 944j;

2ª) O porto seguro do direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte resulta, entre outros, das disposições combinadas dos artigos 62° da Constituição da República Portuguesa (CRP), 1311° do Código Civil (CC) e Io do Código das Expropriações (CE);

3ª) São pressupostos legais para o recurso ao instituto da expropriação por utilidade pública, como flui da estatuição do supracitado artigo 62°:

a) A sua afetação com observância do cumprimento da lei;

b) O pagamento da justa indemnização;

4ª) O direito à "Justa indemnização" consiste num direito, com natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias tuteladas pela Constituição e a sua forma de quantificação está prevista nos artigos 22° a 31°, do Código das Expropriações, na versão de 1999.

5ª) Numa fórmula sem primor técnico-jurídico, o direito à justa indemnização há-de assegurar ao expropriado a possibilidade de aquisição da propriedade de outro bem, com as características, iguais ou equivalentes, à expropriada, com o produto pecuniário recebido como compensação pela expropriação;

6ª) A expropriação por utilidade pública há-de respeitar os princípios constitucionais da adequação, da necessidade, da proporcionalidade e da igualdade;

7ª) O cálculo da justa indemnização há-de fazer-se com reporte à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo por referência o destino efetivo ou possível do bem expropriado e na perspectiva de uma utilização normal, como flui do regime do artigo 22°, n.°2, do Código das Expropriações;

8ª) As disposições combinadas dos artigos 205°, n.°l, da Constituição da República Portuguesa, 607° do Código de Processo Civil e 24° da Lei 62/2013, de 26/08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário) impõem aos tribunais a obrigação legal de fundamentarem as suas decisões;

9ª) De uma breve exegese do regime jurídico da obrigação de fundamentar a sentença destacam-se os seguintes atos:

a) Declaração dos factos provados;

b) Declaração dos factos não provados;

c) Análise crítica das provas;

d) Indicação das ilações tiradas dos factos instrumentais;

e) Indicação dos demais fundamentos decisivos para a convicção do julgador;

10ª) A sentença sob censura não as contém as estatuições referidas na conclusão antecedente;

11ª) Com efeito, no capítulo dos factos provados, a Mma Juíza «a quo» releva a circunstância de as parcelas de terreno estarem abrangidas pelo Plano Diretor Municipal do concelho de … (o que é uma evidência despropositada, porquanto aqueles Planos sempre abrangem a área do concelho) e omite a vigência do PROT - Algarve, criado pelo Decreto Regulamentar n°. 11/91, de 21/03, que sujeitou todas "as ações com incidência direta ou indireta, na ocupação, uso ou transformação do solo a praticar ou a desenvolver por qualquer entidade no território abrangido pelo PROT - Algarve" ao seu regime, com eficácia vinculativa sobre todos os demais instrumentos de gestão territorial urbanística, o que deve ser elevado à matéria provada.

12ª) A sentença recorre a factos conclusivos, insusceptíveis de valoração fáctica como suporte de qualquer decisão judicial. Tal sucede no ponto 5, dos factos provados, onde se consigna que as infraestruturas em causa “não foram todavia concluídas e se encontram com algum grau de degradação e inoperacionais";

13ª) Por se não tratar de factos jurídicos, devem os mesmos ser eliminados;

14ª) No ponto 9 dos factos provados regista-se "Um pedido de Informação Prévia, com vista ao desenvolvimento de um objeto turístico com componente imobiliária, a Câmara Municipal de … deliberou, em Dezembro e 2004, remeter para a revisão do PDM a alteração da classificação dos solos da zona ". Este facto é inócuo e sem qualquer valor em termos de prova, só colhendo sentido com a identificação da autora do pedido, que é, nem mais nem menos, a expropriada, como se alcança dos documentos suporte do sobredito facto junto aos autos;

15ª) A Mma Juíza «a quo» não declarou os factos que julgou não provados, remetendo para uma forma, proibida por lei, e com declaração pela negativa e em termos abstratos, com o seguinte conteúdo: "Os demais que, com relevo para a causa, não constam provados:

16ª) A recorrente ficou sem saber:

a) Quais os factos considerados alegados nos autos;

b) Quais, entre os factos considerados alegados, a Mma Juíza considerou terem relevância para a causa;

c) Quais, entre os factos alegados e considerados com relevância para a acusa, não foram considerados provados;

17ª) Neste contexto, a recorrente está sem saber qual a posição real do tribunal sobre cada facto;

18ª) A sentença recorrida também não procede à análise crítica das provas, mormente, daquelas que determinaram a não respectiva demonstração, de tal modo que, a expropriada não sabe quais as provas carreadas ao processo que foram insuficientes para a sua evidenciação;

19ª) Por outro lado, a sentença recorrida lança mão de documentos não revestidos de força probatória, nos termos do artigo 371°, do Código Civil, para considerar provados os factos dos pontos 2 a 9, tal como os projetos de execução e planta parcelar, e outros que a própria sentença não identifica, para dar como assentes aqueles pontos;

20ª) A sentença recorrida não faz qualquer análise crítica concreta à prova dos pontos 3, 6, 7, 8, e 9 dos factos provados do teor de fls. 1092, com o próprio teor dos autos, desconhecendo-se o que pretende significar com o conceito "o próprio teor dos autos ";

21ª) Pelas razões invocadas, é nula a sentença por violar o regime do artigo 615°, n.°l, alínea b) do Código de Processo Civil.

22ª) Os documentos autênticos, "exarados por autoridade ou oficial público competente, em razão da matéria e do lugar", "fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora" nos termos dos artigos 369° e 370° do Código Civil;

23ª) Por força do dito em 22a) tinha que ter sido dado como provado o facto: "Em 17/03/2003, a Câmara Municipal de … atestou que o prédio de onde foram destacadas as parcelas expropriadas não têm capacidade para produzir quaisquer rendimentos agrícolas" conforme resulta do Documento n° 2, junto com as alegações de 06/11/2007, a fls. 904 dos autos;

24ª) Por força do dito em 22a) tinha que ter sido dado como provado o facto: "Por despacho do Senhor Secretário de Estado da Administração local e Ordenamento do Território (SEALQD, de 24/06/2004, pela Informação n° 570/94, elaborada pela Adjunta Chefe de Gabinete do Senhor SEALOT em 24/006/1994, por Ofício n° 2661 de 17/05/1997, do Senhor Presidente da CCDRA e pela Informação n° 557/DROT-94, elaborada pelos Serviços da CCDRA, em 12/04/1994, foi declarada expressamente a compatibilidade com o PROTAL da Ia Fase do Loteamento, licenciada pelo Alvará n° 80/73, emitido pela CM. …, em 18/04/1973 e constituída por 157 lotes integrados em zona de ocupação turística, abrangendo as parcelas expropriadas" conforme resulta do Doe. junto com o requerimento de 17/03/2008, a fls. 948 e ss dos autos;

25ª) Em matéria de fixação da indemnização, em processos de expropriação por utilidade pública, como o dos autos, reveste importância basilar a classificação do solo expropriado, por determinante da fórmula de cálculo do valor devido;

26ª) Retira-se do Relatório dos peritos, a fls. 10, na resposta aos quesitos, em "3o" e "4o", 10°, que os mesmos utilizaram informação resultante de processo diverso destes autos e de 2005, i.e., posterior à DUP e a estes autos!!;

27ª) Se, para resposta a alguns quesitos, servem aos peritos os elementos/ documentos/ decisões posteriores à data da DUP, já que se reportam a elementos de facto existentes à data da DUP, terão que servir também e ser considerados os restantes elementos/ documentos/ decisões constantes do processo que estejam na mesma situação, i.e., ainda que resultantes de procedimentos ulteriores à data da DUP, que confirmem factos existentes à data desta;

28ª) Se uma norma só é revogada em 2008, estava plenamente vigente e aplicável à data da DUP, o que a Mm.a Juíza «a quo tinha» obrigação de saber, padecendo a sentença de erro ao julgá-la inaplicável;

29ª) A sentença «sub iudice» invoca a inexistência de elementos, nos autos, que imponham a classificação do solo como apto para construção, o que conforma erro grave de julgamento;

30ª) A verificação das circunstâncias previstas nas alíneas do n° 2 do art. 25° do Código das Expropriações não é cumulativa, errando o Tribunal «a quo» ao declará-lo;

31ª) Estão preenchidos os requisitos previstos na Alínea A) do N° 2 do art. 25° do CE. para classificação do solo como apto para construção, a saber, dispor "de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir"

32ª) As parcelas dispõem de acesso rodoviário, o que consta de facto Provado n° 2 e da Vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam;

33ª) Nas parcelas existem redes de abastecimento de água, energia elétrica e de saneamento para servir edificações, o que consta de facto Provado n° 5 da sentença e da Vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam;

34ª) Os peritos não responderam ao quesitado em "8o" pelos expropriados quanto às infraestruturas, limitam-se a remeter para a Vistoria A.P.R.M., que transcrevem erradamente ao referir que as infraestruturas estão em avançado estado de degradação, o que na Vistoria não consta e é mera referência conclusiva sem suporte factual concretizado em enumerando de danos, sem qualquer valor e que o Tribunal não podia valorar;

35ª) A lei, a jurisprudência e a doutrina não exigem que as infraestruturas estejam em funcionamento, afirmando até que basta a mera disponibilidade da rede para o terreno, ou seja, que, tal como os acessos, ela seja acessível para o terreno no seu exterior;

36ª) Nem é exigível a existência de todas as infraestruturas mencionadas no artigo 25°, n° 2 do Código das Expropriações de 1999, já que, como é Jurisprudência unânime, superior e constante dos nossos Tribunais, "A classificação do solo como apto para construção não depende da existência de todas as infraestruturas referidas na ah a) do n.° 2 do art. 24° de CE, sendo relevante apenas a existência ou previsão da existência de um acesso rodoviário, mesmo sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente. É o que resulta da conjugação daquela alínea com o disposto nos arts. 2 e 3 do art 25°do referido", In Acórdão da Relação do Porto, de 20/11/1997, CJ, 1997/V/199;

37ª) Ao classificar o solo como apto para outros fins a sentença recorrida viola o artigo 25°, n° 2, alínea a) do CE.;

38ª) Estão preenchidos os requisitos previstos na Alínea Q do N° 2 do art. 25° do CE. para classificação do solo como apto para construção, a saber, estar "destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a);

39ª) O Tribunal «a quo» não apreciou, como estava obrigado, qual a legislação e instrumentos de gestão territorial que estavam em vigor à data da DUP e que eram aplicáveis in casu, o que conforma omissão de pronúncia geradora de nulidade da sentença;

40ª) O Tribunal «a quo» limitou-se a reproduzir o constante do relatório pericial quanto à inserção das parcelas em REN e RAN pelo PDM de … (PDM);

41ª) Sobre a questão dos instrumentos de gestão territorial, a sentença é completamente omissa - omissão que tem, ainda, como consequência, um erro de julgamento, por incorreta subsunção dos factos ao Direito efetivamente aplicável à situação em apreciação;

42ª) Os Peritos não são juristas, não apreciam corretamente a Lei, nem detêm capacidade técnica para a aplicar, sobretudo em situações mais complexas de sobreposição de vários diplomas que têm que ser hierarquizados e conjugados na sua aplicabilidade, o que cabe ao Juiz, no exercício da sua função jurisdicional, de que não pode demitir-se;

43ª) Os peritos não podem emitir pareceres com base em "presunções" (como se retira de fls. 4 e 5 do Relatório Pericial), mas, apenas, com base em factos que constatam;

44ª) A qualificação do solo apto para construção ou outros fins, bem como a determinação da sua justa indemnização, não pode resultar de decisão arbitral, uma vez que esta não tem força obrigatória dentro do processo;

45ª) Os Senhores peritos, tal como o Tribunal «a quo», não tomaram em consideração o PLANO REGIONAL DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO do Algarve (PROT-AL), cingindo-se ao que consta do PDM para a classificação do solo;

46ª) Tendo a DUP das parcelas expropriadas tido por base o Despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto e Obras Públicas, de 01/02/2001, publicado no DR, II Série, em 21 /02/2001, para cálculo da justa indemnização aplicam-se as normas em vigor nessa data;

47ª) Tais normas são as constantes do Código das Expropriações vigente e dos Instrumentos de Gestão Territorial, em especial do PLANO REGIONAL DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO - Algarve, publicado no DR 1, Série-B, n.° 67, de 21.03.1991;

48ª) O PROT-AL, aprovado por Resolução do Conselho de Ministros n.° 33/88, de 04/08, no quadro jurídico definido pelo Dec. Lei n° 176-A/88, de 18/03 - cf. início do Preâmbulo do Dec.-Reg. n° 11/91, de 21/03 - e, nos termos do art. 45°, em vigor no dia a seguir a publicação, estava em vigor na data da DUP, por não ter sido revisto (cf. art.° 31° da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (LBPOTU) e art 153° do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial de 1999 (RJIGT));

49ª) As parcelas expropriadas são abrangidas pelo PROT-AL, uma vez que este integra os prédios denominados "Herdade da …." e "M… V…" em ZOT - Zona de Ocupação Turística;

50ª) Nos termos do artigo 11º, nº1, do PROT-AL, "As zonas de ocupação turística, (...) são constituídas por áreas ocupadas por empreendimentos turísticos ou com projetos da mesma natureza (...) ficando genericamente afetas à CONSTRUÇÃO EDIFICAÇÃO e demais empreendimentos com interesse para o sector";

51ª) Nos termos dos art.s 5o, 6o e 12° do Dec.-Reg. n° 11/91, de 21/03, o PROT-AL sobrepõe-se aos instrumentos municipais de gestão do território;

52ª) Nos termos dos art.s 3o, 24°, 51°, do Dec.-Lei n° 380/99, de 22/09 RJIGT, os programas regionais, entre outros, constituem quadro de referência para a elaboração dos programas e dos planos intermunicipais e municipais, sobrepõem-se aos instrumentos municipais de gestão do território;

53ª) Qualquer PROT se sobrepõe ao PDM correspondente, que está vinculado ao instrumento Regional que lhe é superior e constitui o seu quadro de referência, sendo nulo o PDM que viole PROT com o qual deva ser compatível, por força dos art.s 10° e 11° da Lei n.° 48/99, de 11/08, a LBPOTU; e art.° 51°, n.° 1, 101° e 102°, do Dec.-Lei 380/99, de 22.09 -RJIGT;

54ª) A desconformidade do PDM com o PROT-AL relativamente à qualificação das parcelas expropriadas em apreço, acarreta a nulidade daquele quanto à matéria desconforme, também por força do art.° 12° do Dec. Lei 176-A/88, de 18/3, alterado pelo Dec. Lei n.° 367/90, de 26/11;

55ª) O PDM, publicado no DR n.° 132, Ia Série-B, de 07.06.1995, ratificado por Resolução do Conselho de Ministros n.° 53/95, publicada no DR I, Série B, n.° 132, em 7/6/1995, quando o PROT-AL já estava em vigor há mais de 04 anos, define como inseridas em RAN e REN as "Herdade da …" e "M… V…", em manifesta contradição e incompatibilidade com o PROT-AL;

56ª) O PDM contempla a criação de ZOTs nos artigos 37°, n° 1, alínea c) e artigo 43°, pelo que devia tê-las coordenado com as ZOT anteriormente fixadas pelo PROT-AL;

57ª) Tendo o PDM sido elaborado em violação do PROT-AL, nos termos das disposições legais supraindicadas, o PDM é NULO, na medida em que não podia afetar à zona incluída em REN ou/e RAN solos que, no PROT-AL, estavam afetos a ZOT:

58ª) A nulidade do PDM devia ter sido apreciada e deveria ter sido decretada pelo Tribunal «a quo» que, consequentemente, deveria ter classificado o solo das parcelas expropriadas aptos para construção.

59ª) Esta nulidade, por violação do Princípio da Hierarquia dos Planos, pode ser declarada a todo o tempo e não pode deixar de ser conhecida;

60ª) As parcelas expropriadas fazem parte de um loteamento válido à data da DUP, sem caducidade declarada, cuja compatibilidade com o PROTAL e integração em ZOT foi declarada pelo SEALOT, como resulta de Documento que está junto aos autos a fls. 948 e ss com requerimento de 17/03/2008, o que confirma a existência de instrumento de gestão territorial que classifica as parcelas como aptas para construção;

61ª) Ao classificar o solo como apto para outros fins a sentença recorrida viola o artigo 25°, n° 2, alínea c) do CE. por não reconhecer a existência de instrumento de gestão territorial que o destina à construção;

62ª) Sem prescindir, da inserção em RAN ou REN - que não se aceita -não podia extrair-se a impossibilidade de classificação do solo como apto para construção, como consta do Facto Provado n° 3, pois que a lei a não veda;

63ª) A jurisprudência é clara quanto à possibilidade de construção em áreas RAN/REN - veja-se - por todos, o Acórdão da Relação de …, de 29/11/2007 no proc. n° 2007/07-1M: "{o) facto de aparcela expropriada se integrar na RAN ou REN não implica por si só que o solo tenha necessariamente que ser classificado como apto para outros fins.";

64ª) A admitir-se a constituição de zonas RAN e REN nas parcelas em causa - o que não se aceita - sempre seriam passíveis de integrar as exceções de previstas pelas acima indicadas alíneas d) do n° 2 do artigo 9o do Decreto-lei n° 196/89 e c) do artigo 4º, n° 2 do Decreto-Lei n° 93/90;

65ª) Estão preenchidos os requisitos previstos na Alínea D) do N° 2 do art. 25° do CE. para classificação do solo como apto para construção, a saber, mesmo não abrangido pelas alíneas anteriores, "possuir alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes da data da DUP;

66ª) Os Factos Provados n°s 4 e 8 são contraditórios, não podendo aceitar-se o teor do segundo já que, como resulta do primeiro, foi emitido o Alvará de Licença de Loteamento n.° 80, não existe nenhum elemento nos autos que infirme a validade deste Alvará, nem tal consta dos factos provados, nem a tal se refere a sentença recorrida;

67ª) A caducidade de tal Alvará de Loteamento não foi alegada nem provada, nos autos, pela Entidade Expropriante, como era seu ónus se quisesse invocar tal facto, nos termos do art. 342°, n.° 2 do Cód. Civil;

68a) A caducidade nunca opera automaticamente antes tendo que ser declarada expressamente por ato administrativo expresso, nos termos dos arts 120° e 127° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), na redação dada pelo Decreto-Lei 442/91,15/11;

69ª) A ter existido um tal ato administrativo, teria que ter sido notificado à interessada aqui Expropriada para o exercício do direito de audiência prévia ou de tutela jurisdicional, como impõem os art.s 66° e ss do CPA e artigos 20°, 212° e 268°, n.°3 da CRP, o que não aconteceu, nem consta dos factos provados, nem foi provado;

70ª) A vigência do loteamento que confere possibilidades edificativas é reiterada pela aprovação, em 24/06/2004, pela Câmara Municipal de …, de um Pedido de Informação Prévia - PIP para construção de campos de golfe e club house nos terrenos em causa - facto provado n° 9, a cuja localização a CCDR- Algarve dá igualmente parecer favorável, bem como à revisão, em sede de PDM, da reclassificação dos solos das propriedades;

71ª) O teor do Facto Provado n° 9 resulta de a própria C.M…. se ter apercebido do erro que fez constar do seu instrumento de gestão territorial e que necessitava de correção, por forma a repor a correta submissão do PDM ao PROT-AL (cf. Doe. n° 3, a fls. 905 e 906 dos autos, junto a alegações de 06/11/2007) o que também determina a urgente declaração de nulidade daquele instrumento municipal;

72ª) Os Srs. Peritos e o Tribunal, perante a prova constante dos autos, nunca poderiam ter declarado e avaliado as parcelas como solo destinado a produção agrícola, de fava e feno;

73ª) Resulta claro do Documento n° 2, emitido pela Câmara Municipal de …, constante de fls. 904 dos autos, junto a alegações de 06/11/2007, que o terreno de que se trata nos autos "SE ENCONTRA INUTILIZADO PARA TODO E QUALQUER FIM AGRÍCOLA"!!!!;

74ª) Os Peritos contradizem-se no Relatório já que classificam o solo de uma forma: com insusceptibilidade de uso agrícola atribuindo-lhe capacidades de uso das classes C, D e E, do Dec.-Lei n° 196/89, 14/6 (Classe C: suscetível de utilização agrícola pouco intensiva", Classe D: "não suscetível de utilização agrícola, salvo casos muito especiais", Classe E: "não suscetível de utilização agrícola") o que impõe a conclusão da incapacidade de produção agrícola;

75ª) Acresce que, o artigo 4º, do Dec.-Lei n° 196/89, de 14/06, estabelece que: "n° 1 - As áreas RAN são constituídas por solos das classes A e B (...) " - do que não se trata nos autos pois os Sr. S Peritos não atribuem esta classificação a nenhuma parcela;

76ª) OS Srs. Peritos não identificam, nem quantificam, quais as concretas áreas das parcelas que estão inseridas em REN e RAN e por que razão ambas as parcelas apenas têm classificações de solos RAN "C", "D" e "E";

77ª) O tribunal não podia, assimilando cegamente o indicado pelos Peritos, valorar as parcelas de terreno destinado à construção, com uma área de 128.985m2, cheias de infraestruturas urbanísticas, como visto, com redes viárias em betão, redes de água, depósito, rede de esgotos, rede de eletricidade, como se fosse possível plantar nele favas!;

78ª) SEM PRESCINDIR, ainda que não classificadas as parcelas como solos aptos para construção - o que se não concede - sempre na indemnização das parcelas expropriadas se teria que considerar as suas potencialidades edificativas reais, resultantes de circunstâncias objetivas, como imposto pelo n° 12 do artigo 26° do CE de 99;

79ª) A sentença em crise erra na aplicação do Direito ao referir a inaplicabilidade deste artigo 26°, n° 12 do CE., por causa de facto ulterior a data da DUP, que foi a declaração de sua inconstitucionalidade, com o Acórdão n° 196/2011 do Tribunal Constitucional de 12/04/2011, quando interpretado no sentido de um terreno com aptidão edificativa, integrado na RAN, ser indemnizável como solo apto para construção;

80ª) O ARTIGO 26°, n° 12 do CE. 99 ESTAVA EM VIGOR À DATA DA DUP e ERA APLICADO;

81ª) Os terrenos classificados como solos aptos para construção por preencherem os requisitos previstos pelo artigo 25°, n° 2, ai. a) do CE mas que forem, ulteriormente, integrados em áreas de uso agrícola ou outros fins não edificativos por força de instrumento de gestão territorial, não podem deixar de ser considerados abrangidos pelo artigo 26°, n° 12 do Código das Expropriações, sob pena de violação do Princípio da Igualdade (13° CRP) e o Princípio da Justa Indemnização, o mesmo entendendo a doutrina e a Jurisprudência constante dos nossos tribunais superiores;

82ª) Neste sentido, e por todos, veja-se o Ac. Relação do Porto, de 14/03/2013 (I.E., após a alegada declaração de inconstitucionalidade cf. 79a), no processo n° 585/08.3TBVLGC.P1, em www.dgsi.pt, que informa que: " (...) poderão ser todavia avaliados nos termos previstos no n° 12 do artigo 26° do Código das Expropriações os terrenos que tenham sido adquiridos anteriormente à sua inclusão em RAN ou REN, posto que se apure que, aquando dessa inclusão, reuniam algum dos requisitos exigidos pelo n° 2 do artigo 25° para a sua classificação como solo apto para construção." - sendo que os terrenos dos autos foram comprados pela Expropriada na década de 60, o loteamento licenciado na década de 70, enquanto que a REN e a RAN foram criadas por decretos de 1989 e 1990; 81a) Se assim não fosse, o Estado podia sempre contornar o pagamento da Justa Indemnização emitindo regulamento condicionante da construção na parcela exproprianda que dispunha de capacidades edificativas, em momento imediatamente anterior à DUP;

82ª) Não há qualquer dúvida de que as parcelas de que se trata dispõem de capacidades edificativas mas, ainda que se considerasse serem classificáveis como "solo apto para outros fins", sempre por aplicação do artigo 27°, n° 3 do CE se teria que ter em conta as "circunstâncias objetivas suscetíveis de influir" no valor daquelas parcelas, pelo que a sentença viola este artigo;

83ª) O ius aedificandi tem que ser levado em conta como um dos critérios de fixação do valor da indemnização, sobretudo nos casos em que esteja envolvida uma grande proximidade com uma efetiva ou potencial edificabilidade;

84ª) As parcelas em análise estão muito próximas do núcleo urbano de Portimão (3 km) e confrontam com terrenos em que se encontram instalados empreendimentos de vários tipos, a saber: a Norte, o empreendimento turístico do M… do R…, a Nascente, o empreendimento da M… V…, a Sul, a urbanização B… e a Poente a urbanização M… J… e diversos edifícios destinados a habitação e turismo incluindo hotéis de 4 e 5 estrelas, lotes para moradias, blocos de apartamentos e dois campos de golf (cf. resposta quesito 17° Relatório Pericial, a fls. 14 e does 1 e 4 juntos com a Reclamação de 29/09/2014), sendo as suas potencialidades edificativas não só bem definidas e próximas, como efetivas e reais, e NUNCA PODERIAM DEIXAR DE SER CONSIDERADAS para efeitos do cálculo da indemnização;

85ª) A construção era a vocação dos terrenos daquela área pelo que o relatório pericial enferma mais uma contradição ao negar que o prédio em causa se situava em zona com grande procura de terrenos para fins urbanísticos, como o fazem na resposta ao quesito 20° dos expropriados, com um mero "não", sem recurso a qualquer justificação ou fundamentação, que estavam obrigados a apresentar;

86ª) Sem que venha invocada qualquer razão para o efeito, quer no Relatório Pericial, quer na sentença, não foram apreciados nos autos os negócios jurídicos de venda dos terrenos que confinam com as parcelas expropriadas e que também foram objeto de expropriações parciais!

87ª) Os peritos devem fornecer todos os elementos necessários para que o juiz possa fixar a justa indemnização, ou seja, o valor que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia e que corresponda ao valor do mercado ou de compra e venda, "É imprescindível que a avaliação forneça todos os elementos necessários para decidir, pelo que, incompleta a perícia, há que, por aplicação analógica do artigo 712°, n. 2 do Código de Processo Civil, anulá-la, para que possa ser completada, suprindo-se as suas lacunas, deficiências ou contradições." Ac. Relação Porto de 11/02/1993 no proc. 9242572;

88ª) No relatório pericial não foram apreciadas todas as circunstâncias e condições de facto existentes, os peritos não levaram a cabo a função para que foram nomeados e não responderam aos quesitos formulados;

89ª) No quesito 13° dos Expropriados, os Peritos limitam-se a dizer: "De acordo com os relatórios de vistoria aprm, não existe. " mas os peritos não são contratados para reproduzir o que consta daquela vistoria, caso contrário não seriam necessários. São-no, para apurarem, de acordo com a sua razão de ciência, das circunstâncias efetivas da situação em análise, sob pena de inutilidade da elaboração de quesitos; Na resposta ao quesito 21° dos Expropriados respondem de forma conclusiva, sem indicar o fundamento para o "entendimento" que adotam, o que estavam obrigados a fazer;

90ª) Os Peritos demitem-se da sua função chegando a excluir a resposta ao quesito 28° dos Expropriados, sobre os impactos visuais e acústicos da expropriação e degradação do nível ambiental e paisagístico da parte sobrante, invocando "que eventuais prejuízos desta natureza não estão no âmbito desta avaliação", quando é a própria lei, e.g. art. 26°, n°6 do CE. que impõe e elenca a qualidade ambiental, i.e., estes impactos, como um parâmetro de avaliação dos solos;

91ª) Srs. Peritos, bem como o Tribunal «a quo», ignoram, sem justificação, a prova junta a estes autos a saber:

- o Relatório de Avaliação dos Peritos identificados como AVFII/10/007, AVFII/10/053 e AVFII/08/034, junto como Doc. n° 1, a fls. ..., com Reclamação de 29/09/2014, que fixa um valor indemnizatório de €25.200.000,00;

- o Relatório de Avaliação de Comissão Judicial de Peritos, nomeada no proc. n° 8041/08.3YYPRT-B, Io Juízo, 3a Secção - Juízos de Execução do Porto junto como Doc. n° 4, a fls. ..., com Reclamação de 29/09/2014, que fixa um valor indemnizatório de €l8.482.720,00 e um valor potencial de €26.434.200,00;

- o Relatório de Avaliação das ações da Expropriada de Comissão Judicial de Peritos nomeada proc. n° 8041/08.3YYPRT-B, Io Juízo, 3a Secção -Juízos de Execução do Porto junto como Doc. n° 5, a fls. ..., com a Reclamação de 29/09/2014 que fixa um valor médio de €21.177.573,00 até €25.200.000,00;

- o Relatório de Avaliação Imobiliária do proc. n° 8041/08.3YYPRT-B, Io Juízo, 3a Secção - Juízos de Execução do Porto junto como Doc. n° 6, a fls. ..., com a Reclamação de 29/09/2014 que fixa um valor de €19.850.000; 92a) Os relatórios de avaliações foram realizados por peritos idóneos, competentes e isentos, sendo que 3 foram elaborados por peritos nomeados por Tribunal, o que reforça a sua isenção, e deixam clara a vocação da zona para o turismo, o comércio e os serviços, exponenciada pela proximidade ao centro de … e inserção numa envolvente em forte expansão com enorme potencial para o desenvolvimento de empreendimentos imobiliários turísticos, sendo que o Relatório Pericial para que a Mm.a Juíza «a quo» remete é o único a condenar as parcelas a fava e feno;

93ª) O Doc. n° 9 junto com a Reclamação de 29/09/2014 demonstra que, desde 1973, i.e., quando emitido o Alvará de Loteamento n° 80 (doc. n° 3 junto com a Reclamação), a Expropriada, interessada na continuidade do empreendimento já iniciado, mantém vigente e paga a garantia bancária devida pela emissão daquele, aceite pela C.M.P., o que confirma a vigência do alvará de loteamento e funda as legítimas expectativas da Expropriada na detenção de terreno apto para construção com loteamento em vigor;

94ª) O tribunal «a quo» ignorou, também, que por força da aprovação das duas fases do empreendimento, em 18/04/1973 foi celebrada uma escritura de cedência, a favor da Câmara Municipal, de zona florestal, arruamentos e espaços livres, o que só aconteceu por se tratar de contrapartida daquela aprovação dos loteamentos (cf. doc. n° 11 junto com Reclamação de 29/09/2014) e reforça as legítimas expectativas da Expropriada;

95ª Os peritos e o tribunal «a quo» ignoraram, também o Auto de Expropriação, de 22/09/1997, constante de Doc. n° 13 junto com a Reclamação de 29/09/2014 que demonstrava que o pagamento da quantia de €1,1 O/m2 pelo terreno das parcelas expropriadas não seria uma justa indemnização por ter sido pago um valor superior, acima dos €2,00/m2, na expropriação amigável, realizada anos antes da DUP aqui em causa, de parte do prédio sito em C… (o menos valioso dos aqui tratados) que apenas afetou as margens do prédio (não o cortou a meio) e cujas consequências podiam esconder-se subterraneamente, sem impacto para as partes sobrantes;

96ª Em Reclamação do Relatório Pericial foram apresentados valores concretos de vendas ocorridas nas zonas envolventes que serviam de referência para o cálculo do valor da indemnização e não foram objeto de qualquer sindicância quer por parte dos Peritos, quer por parte da Mma Juíza «a quo», o que também constituiria violação do art. 26°, n°s 2 e 3 do CE;

97ª) O Tribunal a quo está vinculado, exclusivamente, à lei, não está vinculado aos relatórios periciais cuja força probatória é fixada livremente pelo tribunal de acordo com o Princípio da Livre Apreciação da Prova (389° C.Civil), submetendo-a às regras da experiência e livre convicção do julgador, que sobre as mesmas tem que exercer um juízo crítico;

98ª) O valor probatório do relatório pericial "será de excluir se outros preponderantes elementos de prova o infirmarem, se padecer de erro grosseiro ou se for contrário a normas legais vinculativas." Ac. Relação de Coimbra de 06/12/2011, proferido no proc. n° 445/09.0TBSEI.C1, em www.dgsi.pt, de outro modo, a intervenção do tribunal seria dispensada, bastando-se o processo expropriativo com a intervenção dos peritos;

99ª) Não é dispensada a atividade jurisprudencial porque a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial (art. 388° CC);

100ª) Quanto à aplicação do Direito os peritos não detêm qualquer competência técnica e apenas o Juiz poderá fazer a subsunção dos factos apurados em sede pericial ao Direito, não podendo demitir-se da sua função de apreciadores de factos e de aplicadores do Direito;

101ª) A fls 20 da sentença, a Mma. Juíza «a quo» admite não ter apreciado da questão da aptidão dos solos, questão cuja apreciação é pressuposto para a aplicação do Direito e fere a sentença de nulidade por omissão de pronúncia;

102ª) Com a assunção da classificação das parcelas como "solo para outros fins" pelos peritos, apropriada pelo Tribunal, e a remissão para a aplicação dos critérios de fixação de valor previstos no art. 27°, n° 1 do CE, não podiam os Peritos e o Tribunal aceitar, sem mais, a indicação de o Serviço de Finanças de Portimão "não dispor de lista e transações e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuadas na zona do prédio expropriado.'" e remeter-se a fazer constar isso do Facto Provado n°10;

103ª) Não era admissível a recusa do Serviço de Finanças em fornecer elementos de que tinha, necessariamente que dispor, por as parcelas estarem em área rodeada de dezenas e dezenas de prédios urbanos destinados a habitação e turismo, que pagavam, pelo menos, regularmente, contribuições autárquicas/IMI e, eventualmente, Imposto de selo/IMT, que em pleno «Boom» da construção, com apenas 3 freguesias e com mais de 30.000 prédios rústicos, não tenha realizado hastas públicas, emitido notas de pagamento de SISA ou assistido a transmissões de rústicos e urbanos, onde só os 3 Morgados a norte mudaram de mãos diversas vezes;

104ª) Na falta dos elementos previstos no n° 1 do 27°, tinha que aplicar-se o artigo 27°, n° 3 do CE e serem apreciadas as circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respectivo cálculo, o que também não aconteceu, como visto;

105ª) Na fixação da Justa Indemnização, não são aceitáveis os valores propostos pelos Peritos e assimilados pela sentença recorrida, que antes deviam ter tido em conta os seguintes critérios: um índice de ocupação ou de construção de 0,5, um valor de construção de €1.500,00/m2, um índice fundiário de 24%;

106ª) Acresce a estes critérios um valor de Mais-valias de 20%, sendo que a desconsideração das mais-valias existentes conforma um erro de julgamento;

107ª) Também tinha que ter sido considerado valor das benfeitorias que ascende a €4.500,00, não podendo ter-se como referência um valor indemnizatório inferior a este fixado pelos Peritos do Tribunal em 2004, data mais próxima da DUP, (como resulta do dito Relatório, a Fls. 276 dos autos, em que foi atribuído o valor de €1.500,00 às árvores da parcela 592 e o valor de €3.000,00 às árvores da parcela 594), pois em 2014 estavam os Peritos impossibilitados de apreciar o estado das benfeitorias 13 anos antes;

108ª) A indemnização devida nos autos não poderá ser fixada em menos de €27.865,260,00 (vinte e sete milhões, oitocentos e sessenta e cinco mil, duzentos e sessenta euros), que de desdobra nas seguintes parcelas, já tratadas:

- área (44.884m2 + 84.101m2) x 24% índice fundiário x 1.500€/m2 x 05 índice ocupação + 20% mais-valias (44.884m2 + 84.101m2) x 24% x 1.5006 x 0.5 + 20%    = €27.860.760,00 BENFEITORIAS = €4.500,00 TOTAL - €27.865,260,00;

109ª) Ao valor assim achado, terá ainda que somar-se a INDEMNIZAÇÃO DAS PARTES SOBRANTES às quais o tribunal, erradamente, não atribuiu qualquer valor, quando o impunha o art. 29°, do CR;

110ª) A afirmação dos Peritos de "as partes não expropriadas não ficarem depreciadas pela divisão dos prédios " É MERAMENTE CONCLUSIVA, falta-lhe, em absoluto, o suporte em quaisquer factos, pelo que, aqueles não cumpriram a imposição de fundamentação que sobre eles impendia;

111ª) A decisão do tribunal sobre o valor das partes sobrantes limita-se a seguir, cegamente, o relatório pericial sem fazer uma apreciação crítica do mesmo e carece, em absoluto, de fundamento factual e legal pois não se basta, como faz a sentença, com a mera apreciação da maior ou menor percentagem do tamanho da parte expropriada relativamente à parcela de origem:

112ª) Entender que por o prédio de origem ser extenso não há desvalorização do sobrante e que é irrelevante a alteração da configuração equivaleria a ter como assente que é indiferente a propriedade de uma grande parcela única ou de duas parcelas menores e que nunca haveria desvalorização quando fossem grandes as parcelas sobrantes, penalizando os proprietários de parcelas grandes em relação aos de parcelas com áreas reduzidas, o que não pode aceitar-se e constitui uma violação dos Princípios da Igualdade e da Justa Indemnização, constitucionalmente consagrados (art. 13° e 62°, n.° 2 da CRP);

113ª) A DESVALORIZAÇÃO DAS PARTES SOBRANTES É, IN CASU, NOTÓRIA E CONSIDERÁVEL e tinha que ser reconhecida pelo Tribunal já que a expropriação rasgou, pela metade, os terrenos da Recorrente, as redes de infraestruturas existentes foram também cortadas a meio inviabilizando a sua reutilização e restabelecimento das suas ligações;

114ª) Mais, seja qual for o seu uso, a presença e proximidade da autoestrada IC-4 tem um enorme e inegável impacto visual, sonoro e ecológico-ambiental: é fonte de ruído, fonte de poluição do ar, fonte de poluição das terras, fonte de poluição paisagística/visual, o que interfere com a sua qualidade e valor no mercado;

115ª) Acresce que foram constituídas grandes servidões non aedificandi
(Parcela 592 de 44.88m2, área non aedificandi de 33.487,00m2 e Parcela 594, expropriados 84.101,00m2, com área non aedificandi de 55.996,00m2) ónus inegável, de que resultam prejuízos para a Expropriada que têm que ser ressarcidos, por força dos artigos 22° e 62°, n° 2 da CRP (Constituição da República Portuguesa);

116ª) A mera imposição de servidão non aedificandi é uma restrição ao direito de propriedade que, se não fosse indemnizada, significaria que o Estado impunha ónus a particulares sem qualquer contrapartida, violando os artigos 22°, 62°, n° 2 e 266° da CRP e do art. 23° do CE;

117ª) As sucessivas e acrescidas expropriações de que as parcelas foram objeto para obras de correção de erros do projeto e empreitada da autoestrada (cf. págs. 4/5 Relatório avaliação n° 4468/05.OTBPTM, junto aos autos com a Reclamação da Perícia) interferiram também no valor e aproveitamento das parcelas sobrantes;

118ª) O tribunal «a quo» não podia ignorar estes fatores de depreciação das parcelas sobrantes, alinhando sem julgamento crítico pelo relatório pericial que está ferido de falta de fundamentação, impondo-se que seja fixada uma indemnização pela depreciação das partes sobrantes, sob pena de violação dos artigos 13°, 62° da CRP e 29° do CE que desde já se indica não deverá ser inferior a 35% do devido pela expropriação da área ocupada;

119ª) O Tribunal pode a todo o tempo ordenar a realização de nova perícia e nomear novos peritos, conquanto esta seja necessária para o apuramento da verdade, nos termos do previsto pelos artigos 487° (ex. 589°, n° 2) e 488° (ex. 590°) do Código de Processo Civil, o que devia ter sido ordenado para suprir as lacunas do Relatório Pericial;

120ª) Se assim se não entendesse, devia a Justa Indemnização ter sido apurada de acordo com os valores acabados de expor e que já tinham sido levados aos autos, ponderada a respetiva documentação de suporte;

121ª) Para além da atualização da sentença nos termos já fixados, são devidos juros moratórios, por força da lei, até pagamento, o que a sentença omite e deve ser declarado.

5. A apelada/expropriante contra-alegou.

6. Por considerar que as conclusões eram prolixas e complexas, o Exmo. Juiz Desembargador Relator proferiu decisão, ao abrigo do disposto no art.639º nº3 do C.P.C., a determinar a notificação da expropriada para vir aos autos apresentar novas conclusões de recurso, devidamente sintetizadas (em não mais de 40 pontos).

7. Notificado deste despacho, por ofício expedido em 16.3.2017, veio a expropriada - em 23/3/2017 – solicitar a prorrogação do prazo a que alude o nº3 do art.639º, do CPC, por mais 5 dias.

8. Em 31.3.2017, foi proferido despacho que indeferiu o requerido, decisão que nesse mesmo dia foi notificada à expropriada – cf. fls. 1219-1220 e 1222.

9. Em 31/3/2017, a expropriada apresentou as novas conclusões de recurso.

No requerimento que as acompanhava, e prevenindo a hipótese de as mesmas serem consideradas intempestivas, a recorrente requereu que fossem apreciadas as primitivas conclusões que não estivessem afetadas pelo vício apontado pelo Exmo. Relator.

10. Foi, então, proferido acórdão em que se decidiu não conhecer do recurso, por serem extemporâneas as (novas) conclusões apresentadas pela expropriada e também por serem prolixas e complexas, na sua totalidade, as primitivas conclusões.

11. Inconformada com o assim decidido, a expropriada interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

Nas suas alegações, em conclusão, disse:

1. A sentença recorrida justifica o não conhecimento do recurso com dois fundamentos meramente formais - 1) a apresentação extemporânea de novas conclusões de recurso e 2) o trânsito em julgado do despacho de aperfeiçoamento - e não faz nenhuma apreciação das conclusões originalmente apresentadas, o que viola o artigo 639°, n° 3, do C.P.C.;

2. O despacho de aperfeiçoamento é irrecorrível e não adquire força de caso julgado, pelo que é do acórdão fundado no incumprimento do convite ao aperfeiçoamento que o recorrente deve reagir, errando o Acórdão recorrido na interpretação e aplicação do Direito ao considerar o inverso;

3. A Relação não cumpriu com o dever - que invocou - de conhecer o pedido de prorrogação em tempo útil, antes de o prazo original ter terminado, pelo que a análise do requerido em data posterior nunca poderia penalizar a requerente, devendo aceitar-se as conclusões aperfeiçoadas, errando o Tribunal a quo ao não o fazer;

4. Ainda que não se conhecessem as conclusões aperfeiçoadas, por extemporâneas, sempre deviam ter sido apreciadas as originais, já que o facto de a recorrente não ter reagido contra o despacho de convite ao aperfeiçoamento (reação que a lei não admite) e de não ter apresentado novas conclusões tempestivas não eliminava a possibilidade, necessidade e dever de o Tribunal da Relação atentar de novo no teor das alegações e das conclusões inicialmente apresentadas;

5. O despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões não indica a respectiva fundamentação indicando, com clareza, os vícios de que padeciam as conclusões e especificando, detalhadamente, os motivos respectivos e quais as concretas conclusões afetadas;

6. No despacho de aperfeiçoamento não vem prevista expressamente a cominação de rejeição da totalidade das conclusões, ao invés do que refere o acórdão, indicação que seria obrigatória;

7. No despacho de aperfeiçoamento apenas é dito que a recorrente fez citações de doutrina e jurisprudência nas conclusões, facto que só afeta 6 das conclusões originais apresentadas;

8. O artigo 639°, n° 3 do C.P.C., confere a garantia de que apenas as conclusões que contenham algum vício não são conhecidas, artigo que foi violado pelo acórdão proferido;

9. A cominação, in casu, nunca poderia ser a perda de todas as conclusões pois a maioria das conclusões não padece de qualquer vício que impeça o seu conhecimento, antes contêm os elementos impostos pelos artigos 639° e 640°, do C.P.C.;

10. O despacho de aperfeiçoamento não fez a destrinça entre as conclusões relativas a matéria de facto e de Direito e o Tribunal da Relação nunca poderia recusar conhecer das conclusões que impugnam a matéria de facto com fundamento em violação do artigo 639°, n° 3 do C.P.C, pois este não lhes é aplicável, tendo errado na interpretação e aplicação do Direito;

11. As matérias tratadas nos autos são várias e muitas, resultantes de um processo que dura, só em fase judicial há mais de 14 anos, contendo inúmeros volumes, documentação, decisões, relatórios, perícias e, as conclusões originais são uma súmula do tratado nos autos pois para 152 páginas de alegações, resumiu em apenas 23 páginas de conclusões, não se limitando a reproduzir as alegações;

12. É inconstitucional, por violação dos arts. 20.° e 32.°, n.° 1, da Constituição, a norma do art. 639.°, nº 3, do C.P.C, quando interpretada no impor critério puramente formal e injustificado traduzido em número de conclusões em vez de um critério funcional;

13. O ónus de apresentar conclusões sintéticas, nos termos do n° 3 do art. 639° do CPC, deve ser interpretado com moderação, guiando-se pelos Princípios «amplianda e non restrmgenda» e da Prevalência da Decisão de Mérito, que o acórdão recorrido viola;

14. As conclusões revelam o cumprimento mais do que razoável do ónus complexo que decorre dos artigos 639° e 640° do C.P.C, e apenas nas situações de violação grosseira e absoluta impossibilidade de compreensão do teor das conclusões apresentadas deve resultar a aplicação da sanção extrema de não conhecimento do recurso, incorretamente aplicada in casu;

15. Não estão verificados pressupostos que determinem a rejeição do recurso, uma vez que das conclusões resulta percetível o objeto do recurso e no próprio despacho de aperfeiçoamento é referido que as conclusões explanam, ainda que de forma exaustiva, as razões de discordância relativamente à sentença recorrida;

16. A recorrida pronunciou-se sobre o alegado, demonstrando a suficiência e a cabal compreensão das conclusões e fê-lo com exemplar sistematização, com divisões e subdivisões das matérias e questões em apreciação, sem dificuldade, nomeadamente em cinco temas: a impugnação da matéria de facto, a nulidade da sentença, a qualificação do solo das parcelas expropriadas, a justa indemnização e a indemnização da parte sobrante, com concreto reporte a específicas conclusões da Recorrente, o que também não podia ser ignorado pelo Tribunal da Relação, que tinha que conhecer destas matérias, errando na interpretação e aplicação do Direito ao não o fazer;

17. A consequência drástica retirada pela Relação é desproporcionada em face do teor das conclusões apresentadas, cuja maioria não é afetada por qualquer vício e é facilmente compreensível, e antes devia ter considerado superado o ónus de alegação e apreciado do mérito da apelação em ambas as vertentes da matéria de facto e da matéria de direito;

18. Sem prescindir, a existir algum vício, nunca poderia resultar na rejeição da totalidade das conclusões mas apenas das afetadas e a eventual rejeição do recurso apenas deveria atingir apenas a parte afetada, erro na interpretação e aplicação do Direito.

19. O Acórdão recorrido é absolutamente omisso de fundamentação material para a não apreciação das conclusões originais, não suprindo e antes mantendo os vícios do despacho de aperfeiçoamento, falhando, nomeadamente, na indicação de motivos que obstassem ao conhecimento da totalidade daquelas conclusões, de motivos para não excluir apenas as conclusões que continham jurisprudência ou doutrina, de motivo porque teriam que ser 40 as conclusões de recurso e de motivo para afirmar existir complexidade ou prolixidade, o que o inquina do vício de falta de fundamentação de facto e de Direito, violando os artigos 205°, n° 1 da Constituição, 607°, n°s 3 e 4 do C.P.C, e 24°, n° 1 da L.O.S.J..

TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, decidindo-se em conformidade com as conclusões:

1)       determinar-se a remessa dos autos à Relação para que seja apreciado o mérito da apelação (conclusões originais);

2)        ou, se assim se não entender, apreciar-se o recurso com base nas conclusões aperfeiçoadas/reduzidas;

3)       ou, se assim se não entender, determinar-se prolação de novo despacho aperfeiçoamento que supra os vícios do anterior.

12. Nas contra-alegações, pugnou-se pela confirmação do acórdão recorrido.

13. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), importando, assim, decidir se o acórdão recorrido enferma de nulidade, por falta de fundamentação, se o Tribunal da Relação devia ter conhecido do recurso de apelação, tendo como objeto as conclusões apresentadas pela recorrente na sequência de despacho de aperfeiçoamento, proferido ao abrigo do disposto no art. 639º, nº3, do CPC, ou, se devia ter atendido às conclusões originais, na sua totalidade, ou pelo menos, na parte que não se encontre afetada por vício algum;

II – Fundamentação

14. Os factos a ter em conta na apreciação deste recurso são os que constam do relatório.

15. Muito embora a presente ação tenha sido instaurada em 7.7.2003, o acórdão recorrido foi proferido em 28.6.2017 e a decisão da 1ª instância em 5.7.2016, ou seja, ambas as decisões foram proferidas na vigência da Lei n.º 41/2013, que alterou o Código de Processo Civil. Tem, assim, aplicação o novo regime de recursos resultante das alterações introduzidas pela referida lei (cf. arts. 5º n.º 1, 7º n.º 1 e 8º), desde logo por estar essencialmente em causa a definição das condições e dos pressupostos do próprio direito ao recurso.

16. A recorrente veio arguir a nulidade do acórdão recorrido, alegando que “é absolutamente omisso de fundamentação material para a não apreciação das conclusões originais, não suprindo e antes mantendo os vícios do despacho de aperfeiçoamento, falhando, nomeadamente, na indicação de motivos que obstassem ao conhecimento da totalidade daquelas conclusões, de motivos para não excluir apenas as conclusões que continham jurisprudência ou doutrina, de motivo porque teriam que ser 40 as conclusões de recurso e de motivo para afirmar existir complexidade ou prolixidade o que o inquina do vício de falta de fundamentação de facto e de Direito, violando os artigos 205°, n° 1 da Constituição, 607°, n°s 3 e 4 do C.P.C, e 24°, n° 1 da L.O.S.J.”.

Não tem, contudo, razão.

Nos termos do art. 615º, nº1, al. b), do CPC (ex vi do art. 666º, do CPC), a sentença é nula por falta de fundamentação quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo e que afeta a validade da sentença.

Esta nulidade, porém, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, não se configurando quando haja erro de julgamento, insuficiência ou mediocridade da motivação, ainda que, nestas situações, possa ficar afetado o valor doutrinal da decisão.

Por outro lado, como facilmente se compreenderá, o nível de exigência da fundamentação deve ser aferido em função da natureza e complexidade da decisão concreta a proferir.

Ora, no caso em apreço, não se verifica qualquer omissão relevante em sede de fundamentação (cf. fls. 4 e 5, do acórdão recorrido), pelo que não pode deixar de improceder a arguida nulidade.

17. Pretende a recorrente, com o presente recurso, obter a revogação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que culminou na rejeição do recurso de apelação da recorrente, e que considerou serem extemporâneas as conclusões apresentadas na sequência de despacho de aperfeiçoamento, proferido ao abrigo do art. 639º, nº3, do CPC, e serem prolixas e complexas as primitivas conclusões apresentadas.

Pois bem.

Estabelece-se no art. 639º, nº3, do CPC que, "quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.”.

Ao abrigo desta disposição, a recorrente foi notificada do despacho do Exmo. Juiz Desembargador Relator que a convidava a apresentar novas conclusões de recurso, devidamente sintetizadas, no prazo de cinco dias, previsto naquela disposição legal.

A recorrente, porém, apresentou as conclusões ditas aperfeiçoadas em 31.3.2017, ou seja, já depois de ter decorrido o prazo de cinco dias (o qual terminara em 27.3.2017).

Acresce que, tendo a possibilidade de praticar o ato dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo mediante o pagamento de multa, conforme permite o disposto no art. 139º, nº 5, do CPC, a recorrente não o fez.

A apresentação das "novas" conclusões é, por isso, manifestamente extemporânea.

A tal não obsta, o facto de a recorrente ter solicitado - em 23.3.2017 - a prorrogação do aludido prazo, pois se está perante um prazo improrrogável, como resulta com clareza do disposto nos arts. 639º, nº3 e 141º, nº1, ambos do CPC.

De igual modo, o pedido de prorrogação do aludido prazo não é suscetível de suspender o prazo em curso, pelo que a recorrente – ao contrário do que pretende fazer crer - não pode invocar a seu favor o facto de o despacho a indeferir a pretendida prorrogação ter sido proferido já após o seu termo.

17. Como já se disse, o Tribunal da Relação considerou intempestivas as conclusões “aperfeiçoadas”. Além disso, entendeu que as primitivas conclusões enfermavam dos vícios anteriormente apontados no despacho de aperfeiçoamento, escrevendo, a este propósito:

“ (…) no despacho em que se ordenou a sintetização das conclusões de recurso – o qual, há muito, já transitou em julgado – foi expressamente referido que as primitivas conclusões, além de conterem várias citações, quer de doutrina, quer de jurisprudência (que mais não são do que meras repetições já contidas nas alegações), eram também prolixas e complexas, pelo que ficou por delimitar o objeto do recurso na sua totalidade e, por isso, mostra-se inviabilizado, inexoravelmente, o conhecimento e a análise global da presente apelação interposta pela expropriada.

Deste modo, resulta claro que as primitivas conclusões de recurso, por serem prolixas e complexas, afetam também, de forma irremediável, a apreciação (na sua globalidade) do recurso em causa, pelo que - também por esta via - não é possível conhecer do seu objeto nesta Relação.”.

Vejamos.

Dir-se-á, em primeiro lugar, que o despacho de aperfeiçoamento das conclusões, por se tratar de uma decisão preparatória (na formulação legal, trata-se de um mero «convite») não admite recurso.

Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, págs. 150-151, “o despacho de convite não está coberto pela força do caso julgado, nem se esgotam com a sua prolação os poderes do juiz na apreciação da situação e dos efeitos que devem ser determinados.”[1]

Por isso, como assinala o mesmo autor, “o facto de o relator ter assinalado no despacho de convite determinadas irregularidades e, até, de ter indicado os efeitos da sua não superação não implica que deva retirar invariavelmente do incumprimento do despacho tais consequências. (…). Se acaso o relator se tiver precipitado na identificação de um determinado vício ou se, malgrado a sua confirmação e manutenção, verificar, numa análise mais profunda, que o efeito de rejeição total ou parcial do recurso, se mostra excessivo, deve abster-se de o declarar.”.

Aderindo a este entendimento, passemos então a analisar se as primitivas conclusões enfermam de irregularidades (formais) que, nos termos da lei processual, sejam impeditivas do conhecimento do objeto do recurso de apelação, pela Relação.

De harmonia com o disposto no art. 639, nº1 do CPC, “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.

Entendeu-se que, exercendo os recursos a função de impugnação das decisões judiciais, não fazia sentido que o recorrente não expusesse ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o tribunal aprecie se tais razões procedem ou não. E, como pode dar-se o caso de a alegação ser extensa, prolixa ou confusa, importa que, no fim, a título de conclusões, se indiquem resumidamente, os fundamentos da impugnação.[2] [3]

As conclusões serão, portanto, as proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo da alegação do recurso.

Nem sempre, porém, as conclusões são elaboradas com o rigor exigido, pois, frequentemente, evidenciam deficiências que podem conduzir à rejeição do recurso.

Em todo o caso, a formulação de conclusões, consoante a extensão e a complexidade do litígio em apreço, pode ser mais ou menos longa. Daí que para aferir da razoabilidade da sua extensão não deva ter-se em consideração apenas o número de artigos ou de páginas que as contêm.

Quer isto significar que o incumprimento pelo recorrente das regras processuais, neste domínio, e que podem ser determinantes do não conhecimento do recurso deve ser valorado em concreto, tendo presente que “a motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objetivo procurado pelo recorrente.”[4].

Tem sido essa, aliás, a prática judiciária, como salienta Abrantes Geraldes[5]: “Em face do número de situações em que se mostra deficientemente cumprido o ónus de formulação de conclusões, os tribunais superiores (…) colocam os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspetos de natureza formal.”.

Efetivamente, como se escreveu no ac. do STJ de 29.4.2008, proc. 7A4712 (Garcia Calejo), disponível em www.dgsi.pt (tirado na vigência do art. 690º, do anterior CPC): “Temos para nós que o disposto no art. 690º nº 4 conducente ao não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda, quando a síntese ordenada se não faça de todo.” (…)

A jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal continua (maioritariamente) a sufragar o entendimento de que é de admitir o recurso, ainda que a síntese conclusiva não seja modelar, se das mesmas conclusões se extraírem as questões que o recorrente visa suscitar (cf., neste sentido, os acs. do STJ de 19.10.2017, proc. 1577/14.9T8STR.E1.S19/6/2016 (Rosa Maria Ribeiro Coelho), ainda não publicado; de 9.6.2016, proc. 6617/07.5TBCSC.L1.S1 (Abrantes Geraldes); de 7/10/2014, proc. 118/08.1TVPRT.P2.S2 (Fernandes do Vale) e de 22/3/2011, proc. 5715/04.1TVLSB.L1.S1 (Azevedo Ramos), todos estes disponíveis em www.dgsi.pt).

A respeito do cumprimento do ónus de concisão, entendeu-se também no ac. do STJ proferido em 6.12.2012, no proc. 373/06.1TBARC-A.P1.S1 (Lopes do Rego), disponível em www.dgsi.pt, que se deve partir “não de um critério estritamente formal ou quantitativo, baseado exclusivamente no número de conclusões e extensão de páginas por elas preenchidas, mas de um critério funcionalmente adequado, que tenha em conta – perante a complexidade real do litígio e as questões suscitadas pelo recorrente – o preenchimento ou não preenchimento da função processual cometida à figura das conclusões da alegação de recurso. Ora, como é sabido, tal função processual traduz-se em definir adequadamente e tornar objetivamente apreensível o objeto do recurso, elencando o recorrente, de forma cabal e inteligível, as exatas questões que pretende ver dirimidas pelo Tribunal ad quem, mostrando onde se situou precisamente o erro de julgamento que motiva a impugnação deduzida.”

Do mesmo modo, se enfatiza no acima mencionado ac. do STJ de 22.3.2011 que: “os tribunais, ao apreciarem o critério legal a que devem obedecer as conclusões de um recurso, não podem deixar de ter sempre presente o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Temos para nós que a sanção do não conhecimento do objeto do recurso, prevista no art. 690, nº4, do C.P.C., deve ser utilizada com parcimónia e moderação, e só deve ser usada quando for de todo impossível ou extremamente difícil determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior.”.

Sendo estes, em nosso entender, os parâmetros orientadores a ter em conta, regressemos ao caso concreto.

Nas alegações do recurso de apelação, a recorrente, ao longo de 152 páginas, expôs desenvolvidamente os fundamentos por que pede a alteração da sentença, condensados em 121 conclusões que ocupam 23 páginas.

Atento o teor das conclusões, constata-se que a recorrente suscitou questões relativas a:

a) Arguição de nulidades da sentença (cf. conclusões 18ª a 21ª, 39º, 41ª e 101ª);

b) Impugnação da decisão da matéria de facto (cf. conclusões 11ª a 14ª, 22ª a 24ª e 66ª) e

c) Impugnação da decisão de direito (cf. conclusões 25ª a 65ª, 67ª a 102ª).

Ora, sem prejuízo de se considerar que, na elaboração das conclusões, a recorrente podia (e devia) ter exercitado o seu poder de síntese de forma mais significativa e utilizado diferente metodologia, por forma a tornar mais facilmente apreensíveis as questões concretas colocadas à apreciação do Tribunal Superior, a verdade é que, apesar disso, é possível determinar, sem exagerado esforço, quais as questões (de facto e de direito) suscitadas pela recorrente, qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida e quais os fundamentos por que pede a alteração da sentença, seja no plano dos factos, seja no plano do direito.

Por sua vez, como decorre das contra-alegações do recurso de apelação, a recorrida (ainda que se tenha insurgido contra a extensão das conclusões e colocado em dúvida a sua inteligibilidade), revelou compreender as precisas questões de facto e de direito identificadas nas conclusões do recurso, sobre as quais, aliás, se pronuncia com particular detalhe.

Diremos, finalmente, que o juízo a formular sobre esta matéria não pode, naturalmente, deixar de ponderar – em concreto - a (relativa) complexidade do processo (instaurado em 2003 e composto por 8 volumes), evidenciada, desde logo, pelas várias questões e subquestões suscitadas pela recorrente no recurso de apelação, cuja apreciação envolve a análise de inúmera documentação junta aos autos (invocada pela recorrente) e de diversificada legislação.

Neste contexto, a rejeição do recurso de apelação revela-se, a nosso ver, desproporcionada em face do teor das conclusões que foram apresentadas e do contexto processual da presente ação.

18. Nestes termos, concedendo provimento ao recurso, acorda-se em revogar o acórdão recorrido, determinando-se a remessa dos autos à Relação para que seja apreciado o mérito da apelação.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 14.12.2017

Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relator)

José Sousa Lameira

Hélder Almeida

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[1] Cf., neste sentido, os Acs. do STJ, de 7-10-14 (Fernandes do Vale) e de 9/6/2016 (Abrantes Geraldes), disponíveis em www.dgsi.pt.

[2] Cf. Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359.
[3] Também Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299, sustentava que “as conclusões consistem na enumeração, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso”, destinando-se as mesmas a resumir, para o Tribunal “ad quem”, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões por que devem ser decididas em determinado sentido”.
[4] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, pág.144.
[5] Ob.cit, pág. 149.