Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4393/08.3TBAMD.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
ALIMENTOS
PRESTAÇÕES DEVIDAS
Data do Acordão: 09/27/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DA FAMÍLIA - MENORES
Doutrina: - Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pág. 127.
- Jean Carbonnier, La Famille, Thémis, PUF, 18ª edição, 1997, nº 385.
- Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, Coimbra, 2002, págs. 203 e 204.
- Philippe Malaurie, Cours de Droit Civil, La Famille, 6ª edição, «Cujas», Paris, 1998/99, pág. 496 e nota (67), citando Marty et Raynaud, nº 58.
- Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) «Versus» o Dever de Assistência dos Pais Para com os Filhos (Em Especial Filhos Menores), Centro de Direito de Família, Coimbra Editora, 2000, págs. 72,73, 221.
- Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª edição, pág. 169.
- Xavier Henry, Mega Code Civil Dalloz, 2003, pág. 276, em anotação ao artigo 203º, do Código Civil Francês.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1878.º, N.º1, 1905.º, 2004.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 1410.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 13.º.
LEI N.º 75/98 DE 19/11.
OTM: – ARTIGOS 180.º, 189.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12/11/09, PROCESSO Nº 110-A/2002.L1.S1;
-DE 12/07/11, PROCESSO Nº 4231/09.0TBGMR.G1.S1, AMBOS EM WWW.DGSI.PT .
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 525/01, DE 3/12/01, PROCESSO N.º 528/01;
-N.º 54/11, DE 1/02/11, PROCESSO Nº 707/10, AMBOS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário : I - A essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo, não se podendo dar, e ter, por satisfeita pela constatação da falta de elementos das condições económicas do progenitor requerido, particularmente se por ausência deste em parte incerta ou de colaboração sua.

II - Mesmo no caso de se desconhecer o paradeiro e a situação económica do progenitor, deve fixar-se a pensão de alimentos devidos a menor.

III - Não o fazer, deixando para o futuro, de duração incerta se não mesmo inalcançável, campo para novas iniciativas por banda da mãe dos menores ou do MP com o objectivo de descobrir o paradeiro do requerido-pai e as suas condições de vida ou expectar o seu surgimento, compromete inevitavelmente a eficácia jurídica da satisfação das necessidades básicas dos menores alimentandos, prolongando no tempo de forma injustificada a carência continuada de recebimento de qualquer prestação social de alimentos.
Decisão Texto Integral:

Revista nº 4393/08.3TBAMD.L1.S1[1]

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO


O Digno Magistrado do Mº Pº, em representação dos menores AA e BB, nascidos em 04-04-1995 e 12-11-2000, respectivamente, intentou acção de regulação do exercício do poder paternal contra os pais daqueles, CC e DD.

Invoca que os requeridos viveram juntos cerca de treze anos, mas actualmente encontram-se separados, residindo os menores com a mãe, DD, sendo a que indica a última residência conhecida do pai, não estando os progenitores de acordo sobre a forma do exercício do poder paternal.

Por despacho de folhas 23, e considerando ser desconhecido o requerido na residência indicada pelo requerente, foi dada sem efeito a aprazada conferência de pais e fixado um regime provisório de regulação do exercício do poder paternal, com entrega dos menores à guarda e cuidados da mãe, que ficou a exercer o poder paternal.

Designada nova conferência de pais, para ela foi também citado o requerido, editalmente, mas à mesma não compareceu qualquer dos requeridos, nela tendo sido determinada a requisição do competente inquérito à Segurança Social.

Junto este, o Digno Agente do Mº Pº promoveu a fixação de um regime de exercício do poder paternal com atribuição deste à progenitora, fixação de um regime de visitas e de uma pensão de alimentos, a pagar pelo pai, em valor não inferior a 100,00€ mensais para cada menor, actualizável anualmente em função do índice de inflação divulgado pelo INE.

Foi subsequentemente proferida sentença que, considerando não ser possível proceder à fixação de quantitativo a título de pensão de alimentos para os menores, em casos, como o dos autos, de absoluto desconhecimento do paradeiro e nomeadamente da situação económica e social do obrigado ao pagamento da pensão de alimentos, e julgando embora a acção procedente, fixou o regime de exercício do poder paternal, confiando os menores à guarda e cuidados da mãe, mas não estabeleceu qualquer prestação a efectuar pelo pai a título de pensão de alimentos para aqueles.

Recorreu o Mº Pº, referindo expressamente circunscrever o objecto do recurso à parte da sentença que, com base no desconhecimento do paradeiro e das condições económico-financeiras do pai dos menores, omitira a fixação de uma prestação alimentícia a cargo desse progenitor, mas sem êxito, uma vez que a Relação no seu Acórdão de fls. 103 a 117 negou provimento à apelação e confirmou, por unanimidade, a sentença ali recorrida.

Desse acórdão foi interposta revista excepcional, de novo pelo Exmo. Magistrado do Mº Pº, que invocou a verificação dos pressupostos da respectiva admissibilidade previstos no art. 721º-A, nº 1, als. a), b) e c), do Código de Processo Civil, indicando as razões em seu entender justificativas e juntando cópia de um acórdão da Relação de Lisboa, de 28/06/07, cujo trânsito em julgado certifica, e que invoca como fundamento.

Foi a mesma aceite pela formação de Juízes deste Supremo Tribunal por verificado o requisito da alínea c) do nº 1 do citado art. 721º-A.


ª

Passando ao demais, nas alegações que apresentou, com interesse e directamente conexionadas com a questão controvertida uma vez que quase na sua integralidade as conclusões versam a sustentação da admissibilidade da revista excepcional, tira as seguintes conclusões:

1. A decisão foi proferida em violação das seguintes normas legais: art°s 1878º, 1905° e 2004°, n" 1 do Código Civil.

2. O que terá devido suprimento pela concessão de acolhimento do presente recurso, dando sem efeito a decisão recorrida e fixando-se uma pensão a cargo do progenitor, mesmo desconhecendo-se em concreto as suas condições para responder pelo pagamento da prestação alimentar ou o desconhecendo-se até o seu paradeiro.

3.- "Ainda que não se saiba da existência de rendimentos de que seja titular o progenitor - quer por desconhecimento do respectivo paradeiro, quer por desconhecimento da sua situação económica - e, bem assim, quando esta seja precária, deve a sentença impor àquele a obrigação de prestar alimentos.

4.- Com efeito, é inerente ao poder paternal o dever de prover ao sustento do filho menor, o que, além de constituir imperativo constitucional por força do que se dispõe no artigo 36° da CRP, decorre também do artigo 2009º, n° 1, c) do Código Civil.

5.- Acresce que, de outro modo, ficaria vedada a intervenção do FGADM, por falta de um dos pressupostos essenciais, ou seja, a fixação judicial do quantum de alimentos. Tal fixação deve, nesses casos, ser determinada com recurso a presunções e por critérios de equidade ".

Não foram oferecidas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


ª

As conclusões do recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil  – doravante CPC) – consubstanciam uma única questão: saber se o desconhecimento de qualquer facto relativo às condições económicas do pai dos menores, que se encontra em paradeiro desconhecido, impede que seja fixada uma prestação alimentícia a seu cargo.

ª


I I – FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

            Das instâncias vem dada por assente a seguinte matéria de facto:

"1- AA nasceu em 04 de Abril de 1995 e encontra-se registado como filho de CC e de DD;

2- BB nasceu em 12 de Novembro de 2000 e encontra-se registado como filho de CC e de DD;

3- Os progenitores do AA e do BB não são casados entre si, viveram maritalmente um com o outro durante cerca de 15 anos e encontram-se separados um do outro há cerca de 6 anos;

4- Os Menores sempre viveram com a Requerida, coabitando os três numa casa constituída por dois quartos, 1 sala, casa de banho e cozinha, com boas condições de habitabilidade;

5- A Requerida mantém uma forte ligação afectiva aos dois filhos, esforça-se por garantir a satisfação das necessidades básicas dos Menores acompanhando com regularidade o percurso escolar do BB , beneficiando de apoio por parte de familiares;

6- A Requerida encontra-se desempregada, conta com apoio económico por parte da Segurança Social em montante não apurado, bem como com a prestação de abono de família em benefício dos filhos no montante de € 100,00 mensais e apoio económico por parte de familiares;

7- A Requerida despende mensalmente, em média, € 60,00 com electricidade, € 20,00 com água e € 21,00 com gás;

8- O AA frequenta o ensino oficial público na Escola Sophia de Mello Breyner na Brandoa, tem um comportamento adequado para com adultos, revelando, todavia, problemas de concentração e aprendizagem, beneficiando de actividades extracurriculares (basquetebol) e aulas de apoio de inglês;

9- O BB frequenta, igualmente, o ensino oficial público na Escola B1 Ricardo Alberty, revela dificuldades de aprendizagem, beneficiando de actividades extracurriculares (xadrez) e aulas de apoio ao estudo;

10- A Requerida tem demonstrado maior disponibilidade para acompanhar o percurso escolar do BB que o do irmão;

11- Após a separação entre os progenitores dos Menores o Requerido passou a visitar os filhos de forma muito esporádica;

12 - Apesar de longos períodos de ausência de contactos entre o Requerido e os filhos estes possuem uma ligação afectiva ao pai, nomeadamente o AA;

13- O Requerido reside previsivelmente no estrangeiro, em local incerto, desconhecendo-se presentemente qual o seu modo de vida, situação pessoal, laboral e económica;

14- Em 03/02/2009 foi proferida a fls. 23 dos autos decisão provisória sobre a guarda e exercício do poder paternal dos Menores, competindo tal poder-dever à Requerida.".


ª

DE DIREITO

Como acima se disse na enunciação da questão suscitada nesta revista, procura saber-se se poderá o tribunal, sem dispor de quaisquer elementos factuais acerca da vida pessoal, social e económica do progenitor dos menores que lhes deverá prestar alimentos, fixar mesmo assim uma prestação alimentar.

O acórdão recorrido, confirmando a sentença da 1ª instância, concluiu no sentido de que “para a fixação de alimentos devidos a menor é necessário a recolha de elementos que permitam avaliar os meios do obrigado à sua prestação, nos termos do artigo 2004º n.º 1 do C. Civil, não merecendo censura a sentença que, por carência de tais elementos não fixa tal pensão, o que a verificar-se violaria o disposto no referido artigo”.

Perfilha-se o entendimento de que a fixação da pensão de alimentos não é obrigatória nas decisões que regulam o exercício do poder paternal, sempre que se ignora totalmente o paradeiro do obrigado à sua prestação, bem como a sua situação económica e financeira.

Integra-se ela numa das duas soluções em que sobre esta matéria as decisões dos tribunais de 1ª e 2ª instância se têm agrupado, de que se faz vasta discriminação no corpo alegatório recursivo. A outra é precisamente de sentido oposto, sustentando a sua fixação nos termos defendidos pelo recorrente.

Esta questão foi objecto de recente apreciação no acórdão desta Secção de 12/07/11, Proc. nº 4231/09.0TBGMR.G1.S1, disponível no ITIJ, relatado pelo Cons. Hélder Roque, também subscrito pelos ora relator e 1º Adjunto Cons. Martins de Sousa.

Continuando a não divisar algo que desmereça a orientação nele firmada, por razões de comodidade, transcreve-se de seguida o que nele se escreveu:

O fundamento sociológico e jurídico da obrigação de alimentos radica-se na natureza vital e irrenunciável[2] do interesse, juridicamente, tutelado, que tem subjacente a responsabilidade dos pais pela concepção e nascimento dos filhos, independentemente da relação afectiva e do convívio, realmente, existente entre o progenitor não guardião e os filhos, a ponto de permanecer intacta, na hipótese do mais grave corte da relação entre ambos, como acontece com a situação de inibição do exercício do poder paternal, que “em nenhum caso isenta os pais do dever de alimentarem o filho”, como decorre do estipulado pelo artigo 1917º, do Código Civil (CC).

A obrigação de alimentos é, igualmente, de interesse e ordem pública[3], de carácter indisponível, irrenunciável, intransmissível e impenhorável, constituindo preocupação do Estado que quem deles esteja carecido possa recorrer, desde logo, aos seus familiares[4].

Dispõe o artigo 1878º, do CC, que “compete aos pais, no interesse dos filhos,…, prover ao seu sustento,…”, sendo responsáveis por todas as despesas ocasionadas com a educação, saúde, alimentação, vestuário e instrução dos seus filhos menores, devendo sustentá-los, satisfazendo as despesas relacionadas com o seu crescimento e desenvolvimento, participando, com iguais direitos e deveres, na sua manutenção, atento o estipulado pelo artigo 36º, nºs 3 e 5, da Constituição da República, ainda que não seja, necessariamente, idêntica a forma do cumprimento desta obrigação.

(…) A obrigação de alimentos dos pais para com os filhos menores representa um exemplar manifesto da catalogação normativa dos deveres reversos dos direitos correspondentes, dos direitos-deveres ou poderes-deveres, com dupla natureza, em que se assiste à elevação deste dever elementar, de ordem social e jurídico, a dever fundamental, no plano constitucional[5], de modo a “assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”, como estabelece o artigo 27º, nº 2, da Convenção sobre os Direitos da Criança[6].”.

É, assim, apodíctico o indissociável dever jurídico do progenitor de contribuir para o sustento dos filhos menores[7], e que perante a matéria de facto provada os menores AA e BB carecem de alimentos para fazer face às suas necessidades básicas.

Do mesmo modo, todas as decisões relativas a menores terão primacialmente em conta o interesse superior da criança. É o que resulta do estabelecido no nº 1 do art. 1878º do Código Civil (CC), do disposto no art. 1905º do mesmo Código que recusa a homologação do acordo dos pais referente aos alimentos devidos ao filho se “não corresponder ao interesse do menor”, e são ainda os interesses do menor a que o art. 180º da OTM faz apelo quando regula a sentença que deva ser proferida.

Significa tudo isto, que a essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo, não se podendo dar, e ter, por satisfeita pela constatação da falta de elementos das condições económicas do progenitor requerido, particularmente se por ausência deste em parte incerta ou de colaboração sua. Tal vazio só deverá ocorrer perante a demonstração de qualquer incapacidade laboral, permanente ou definitiva, do progenitor que o iniba de procurar e diligenciar por uma actividade profissional ou laboral que lhe permita cumprir os seus deveres para com o menor, como se escreveu no Ac. deste Supremo de 12/11/09, Proc. nº 110-A/2002.L1.S1, no ITIJ, a propósito de situação de contornos próximos dos destes autos[8].

É certo que nos termos do art. 2004°, n.º 1, do CC “Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”, e no caso em apreço nada foi possível apurar que se prendesse com a condição social e económica do requerido-pai.

Perante a censura formulada, ao vazio decisório da 1ª instância, de contrariar frontalmente a filosofia que presidiu à criação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores constante da Lei nº 75/98 de 19/11, constituindo uma gritante violação do princípio da igualdade estabelecido no art. 13º da Constituição já que potenciaria um tratamento diferenciado entre menores em idêntica situação de carência, consoante se lograsse, ou não, averiguar a situação do alimentante, este princípio constitucional serviu de arrimo no acórdão recorrido para se concluir que em nada aquela solução recorrida, que igualmente preconiza, viola o princípio da igualdade, pois que “são coisas diversas uma situação de fixação de uma pensão de alimentos em montante determinado, em função de comprovada possibilidade de o obrigado a alimentos a pagar, e a situação de absoluto desconhecimento da situação pessoal do progenitor obrigado a alimentos“.

Motiva-nos este juízo a denunciar o enfoque errado em que se perspectivou esse princípio da igualdade, porque particularmente na óptica da posição e interesse do requerido quando o deveria ter sido na óptica do interesse dos menores. No caso, o interesse que fundamentalmente deve ser tutelado é o dos menores, que não deve ser prejudicado por juízos assentes numa outra lógica formal que os projecte para um plano secundário ao ponto de os postergar. E àquela luz, sem dúvida, que o respeito do princípio da igualdade não é assegurado.

Como se refere na decisão em crise, citando Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global. Ora, requer este princípio, além de que “todos os cidadãos… são iguais perante a lei”, que esta lei deve tratar por igual todos os cidadãos. De outra forma, breve e simples: “No fundo, o princípio da igualdade traduz-se na regra da generalidade na atribuição de direitos e na imposição de deveres. Em princípio, os direitos e vantagens a todos devem beneficiar os deveres e encargos sobre todos devem impender[9].

Então, se a lei fosse aplicada de acordo com a interpretação vazada nas decisões das instâncias, um menor, sem ter qualquer influência nesse resultado, ficaria beneficiado ou prejudicado em relação a outro consoante se lograsse apurar ou não a situação económica dos pais. Desigualdade com maior, e particular, visibilidade quando o menor alimentando nem sequer sabe do paradeiro do pai, como aqui acontece, circunstância por via de regra associada até a situações de maior carência alimentar.

 Tínhamos, pois, que em igualdade de circunstâncias quanto à necessidade da prestação alimentar, diferentes menores podiam ser favorecidos ou prejudicados pela aplicação da lei na perfilhação desse entendimento.

De facto, e retomando o mencionado Acórdão de 12/07/11 que subscrevemos “A natureza constitucional da obrigação de prestação de alimentos encontra expressão ordinária, ao nível da tutela penal da violação da obrigação do credor de alimentos menor, com consagração no artigo 250º, do Código Penal, e na específica compressão, em sede executiva, do próprio direito à sobrevivência condigna do progenitor vinculado ao dever de prestar alimentos, desanexado, atento o referencial básico das necessidades fundamentais dos filhos menores, do valor do salário mínimo nacional, como reduto inexpugnável do devedor, mas que, inversamente, não releva como pressuposto negativo da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, ou seja, o requisito da “inexistência de rendimentos líquidos do alimentando superiores ao salário mínimo nacional”.

Efectivamente, uma das concretizações mais marcantes deste direito fundamental dos filhos menores à prestação alimentar, por parte dos seus progenitores, encontra-se na instituição pelo Estado de uma prestação social substitutiva, com vista ao reforço da protecção social dos menores carenciados, expressa no regime do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, constante da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, regulamentada pelo DL nº 164/99, de 13 de Maio.

Com efeito, para além dos meios processuais tutelares hábeis com vista à obtenção de alimentos destinados a menores, de natureza declarativa, a lei consagrou ainda procedimentos coercivos, de índole pré-executiva, para tornar efectiva a prestação de alimentos devidos a menores.

Entre eles, destaca-se a efectivação da prestação dos alimentos devidos a menores, já, judicialmente, fixados, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, com natureza subsidiária, dependendo esta prestação substitutiva do Estado da verificação cumulativa de vários requisitos, nomeadamente, a existência de sentença ou acórdão, mesmo que não transitados, que fixem os alimentos devidos a menores, ou de decisão que estabeleça alimentos provisórios, a favor dos mesmos, a cargo da pessoa obrigada, a residência do menor, em território nacional, a inexistência de rendimentos líquidos do alimentando superiores ao salário mínimo nacional, o não recebimento pelo alimentando, na mesma quantidade, de rendimentos de outrem, a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, sempre que a capitação de rendimentos desse agregado familiar não exceda aquele salário, e o não pagamento, total ou parcial, por parte do devedor, das quantias em dívida, designadamente, através de uma das formas previstas no artigo 189º, da OTM, independentemente do recurso à via da execução especial por alimentos, como resulta das disposições combinadas dos artigos 1º, da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, 2º, nº 2 e 3º, nº 1, a), do DL nº 164/99, de 13 de Maio.             Assim sendo, é pressuposto necessário, etapa prévia indispensável da intervenção subsidiária, de natureza garantística, do Fundo de Alimentos Devidos a Menores, que a pessoa visada, para além de estar vinculada, por lei, à obrigação de alimentos, tenha ainda sido, judicialmente, condenada a prestá-los ao menor, em consequência de uma antecedente decisão, mesmo que não transitada em julgado.

Com efeito, a prestação do Fundo não visa substituir, definitivamente, a obrigação legal de alimentos devidos a menores, mas antes propiciar uma prestação «a forfait» de um montante, por regra, equivalente ao que fora fixado, judicialmente[10].

            Ora, não tendo sido fixada a prestação de alimentos, a cargo do requerido, na sentença que regulou o exercício do poder paternal, não pode o Fundo de Alimentos Devidos a Menores assegurar o pagamento de prestações alimentares que, oportunamente, não foram estabelecidas, “a pretexto da sua carência económica, o que seria susceptível de vedar ao filho carenciado o acesso a tal prestação social, com o argumento de que não existiria pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos ao menor[11]. “.

Assim sendo, do que vem dito emana que também nestas circunstâncias de desconhecimento das condições económicas do requerido pode e deve ser fixada uma prestação alimentícia como reflexo do seu poder/dever paternal. Como refere Remédio Marques, “os direitos-deveres dos progenitores para com os menores são sempre devidos, independentemente dos seus recursos económicos e dos estado de carência económica dos filhos, posto que se trata de direitos cujo exercício é obrigatório e prioritário em atenção á pessoa e aos interesses do menor. Na nossa opinião, não tem aplicação, nestas eventualidades, o disposto no art.2004/1 do CC, de harmonia com o qual , e ao derredor do princípio da proporcionalidade se deve atender às possibilidades e económicas do devedor, para o efeito de fixar a obrigação de alimentos. Donde, faz mister fixar-se sempre uma prestação de alimentos a cargo de um ou de ambos os progenitores, mesmo que estejam desempregados e não tenham meios de subsistência “[12].

Nem se diga, como no acórdão recorrido, que tal opção importa a “degradação” da fixação da pensão de alimentos num acto meramente instrumental da subsequente intervenção do Fundo, quando esta é subsidiária daquela, exigindo-se para a sua intervenção o prévio insucesso das vias pré-executivas do art. 189º, da OTM.

Importa ter presente a necessidade de que o mecanismo de apoio aos menores, em relação aos quais o dever parental de prover à sua subsistência é incumprido, possa dar uma resposta eficaz a essas situações. Pela sua acuidade, melhor que outros considerandos será transcrever o que neste âmbito do direito fundamental da segurança social dos menores se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 54/11, de 1/02/11, Proc. nº 707/10:

Estando nós perante a atribuição de prestações pecuniárias regulares, destinadas a custear as despesas dos menores, a questão temporal da satisfação dessas prestações é essencial. O sistema de segurança social deve garantir uma adequação temporal da resposta, concedendo oportunamente as prestações legalmente previstas para uma satisfatória promoção das condições dignas de vida das crianças (vide, enunciando este princípio da segurança social, João Carlos Loureiro, em “Proteger é preciso, viver também: a jurisprudência constitucional portuguesa e o Direito da Segurança Social”, in XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, pág. 383, da ed. de 2009, da Coimbra Editora). E este objectivo só se mostra alcançado, por um lado, se as prestações sociais atribuídas aos menores cobrirem, o mais aproximadamente possível, todo o período em que se verifica o incumprimento por parte dos pais do dever de proverem à subsistência dos seus filhos, e por outro lado, se existir um mecanismo que permita acorrer, num curtíssimo espaço de tempo, aos casos de necessidade urgente.

É necessário ter presente que, sendo os beneficiários desta prestação social menores privados de meios de subsistência, estamos num universo em relação ao qual os imperativos de protecção social constitucionalmente previstos se verificam na sua máxima expressão. “.

Ora, a solução perfilhada na decisão recorrida de deixar para o futuro, de duração incerta se não mesmo inalcançável, campo para novas iniciativas por banda da mãe dos menores ou do Mº Pº com o objectivo de descobrir o paradeiro do requerido-pai e as suas condições de vida ou expectar o seu surgimento, compromete inevitavelmente a eficácia jurídica da satisfação das necessidades básicas dos menores alimentandos, prolongando no tempo de forma injustificada, a não ser o estrito sentido literal do critério do art. 2004º do CC, a carência continuada de recebimento de qualquer prestação social de alimentos, em que a falta de solidariedade familiar do requerido já se vem demonstrando desde há cerca de 5 anos.

Em suma, com o devido respeito, a análise detalhada do acórdão recorrido evidencia que em vez de procurar tutelar os interesses dos menores que estão em causa abraçou uma hermenêutica jurídica acauteladora dos interesses do progenitor ausente, conduzindo a um resultado inadequado.

Inadequado, porquanto não só manteve completamente desonerado o progenitor requerido da responsabilidade decorrente do poder paternal, maxime da sua contribuição para alimentos dos filhos a que se encontra juridicamente vinculado pela paternidade, como acabou por deixar desprotegidos os menores, que não podem ser deixados às contingências de eventuais apoios de familiares e amigos, precisamente quem o direito da família essencialmente mais pretende tutelar.

Neste contexto e nesta área, a fixação de uma prestação alimentícia nos moldes pretendidos pelo requerente é a solução substancialmente mais justa, sabendo-se, para mais, que nos encontramos no domínio da jurisdição voluntária onde vigora o princípio do predomínio da equidade sobre a legalidade, que subtrai o julgador aos critérios puros e rigorosos normativamente fixados, por vezes indutores de soluções social e éticamente indiferentes (cfr. art. 1410º do CPC).

O requerente Mº Pº pede que seja fixada a pensão mensal de 100€ mensais para cada menor, actualizável anualmente em função do índice de inflação divulgado pelo INE.

Às instâncias cabe, neste âmbito, o pronunciamento e decisão.

Procedem, assim, as conclusões recursivas.


ª

Resta sumariar em observância do nº 7 do art. 713º do CPC:

I -. A essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo, não se podendo dar, e ter, por satisfeita pela constatação da falta de elementos das condições económicas do progenitor requerido, particularmente se por ausência deste em parte incerta ou de colaboração sua;

II – Mesmo no caso de se desconhecer o paradeiro e a situação económica do progenitor, deve fixar-se a pensão de alimentos devidos a menor;

III – Não o fazer, deixando para o futuro, de duração incerta se não mesmo inalcançável, campo para novas iniciativas por banda da mãe dos menores ou do Mº Pº com o objectivo de descobrir o paradeiro do requerido-pai e as suas condições de vida ou expectar o seu surgimento, compromete inevitavelmente a eficácia jurídica da satisfação das necessidades básicas dos menores alimentandos, prolongando no tempo de forma injustificada a carência continuada de recebimento de qualquer prestação social de alimentos.


ª


III -DECISÃO

Termos em que se julga procedente a revista, revogando-se o Acórdão recorrido.

Nas instâncias se fixará o montante, e termos, da prestação mensal a prestar

Custas nos recursos a cargo do requerido.

                                                           

Lisboa, 27/09/11
Gregório Silva Jesus (Relator) *
Martins de Sousa
Gabriel Catarino

____________________________
[1] Relator: Gregório Silva Jesus— Adjuntos: Conselheiros Martins de Sousa e Gabriel Catarino.
[2] Philippe Malaurie, Cours de Droit Civil, La Famille, 6ª edição, «Cujas», Paris, 1998/99, 496 e nota (67), citando Marty et Raynaud, nº 58.
[3] Xavier Henry, Mega Code Civil Dalloz, 2003, 276, em anotação ao artigo 203º, do Código Civil Francês.
[4] Jean Carbonnier, La Famille, Thémis, PUF, 18ª edição, 1997, nº 385.
[5] Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª edição, 169.
[6] Aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90, de 12 de Setembro, publicados no DR, Iª série, de 12 de Setembro de 1990.
[7] Decorre também do art. 2009º, n° 1, c) do CC.
[8] Cfr. neste sentido, Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, Coimbra, 2002, págs 203 e 204; Também no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 525/01, de 3/12/01, Proc. n.º 528/01, disponível no sítio desse Tribunal, se rejeita a prevalência dos direitos dos progenitores a não trabalhar ou ao repouso em relação aos deveres de educação e manutenção dos filhos que impendem sobre os pais.
[9] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pág. 127.
[10] Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) «Versus» o Dever de Assistência dos Pais Para com os Filhos (Em Especial Filhos Menores), Centro de Direito de Família, Coimbra Editora, 2000, 221.
[11] STJ, de 12-11-2009, www.dgsi.pt
[12] In Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), 2ª ed., pág. 72/73.