Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ISABEL SALGADO | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISTA PROCEDIMENTOS CAUTELARES ADMISSIBILIDADE DE RECURSO OPOSIÇÃO DE JULGADOS PRESSUPOSTOS ACORDÃO FUNDAMENTO ACÓRDÃO RECORRIDO ÓNUS DE ALEGAÇÃO ÓNUS DE CONCLUIR ALEGAÇÕES DE RECURSO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 11/02/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I. O disposto no art. 370.º, n.º 2, do CPC exclui o recurso de revista nos procedimentos cautelares, salvo nos casos, previstos no n.º 2 do art. 629.º do CPC, em que o recurso é sempre admissível. II. Em particular, na situação prevista na sua alínea d) -oposição de acórdãos- exige um acórdão fundamento, em termos que permita concluir que também na situação versada no acórdão recorrido, no plano da questão jurídica e também factual, sejam equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial. III. É manifesto que no caso em juízo, a requerida dispensou-se de observar os requisitos mínimos da alegação de eventual existência contradição do julgado impugnado e outro acórdão, o que não fez nas alegações da revista, seja agora na reclamação para a Conferência. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça 1. A Causa 1 1.1. Correram termos os autos providência cautelar de restituição provisória de posse, que em 5.11.2021, Cada Lugar, SA intentou, contra AA, pedindo que, sem audição da requerida: a) fosse ordenada a imediata restituição à Requerente da fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao Rés-do-chão B, do prédio urbano sito na Rua ..., ..., da União de freguesias de ... e ..., Concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o nº 6664, e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 2407; b) fosse a Requerida condenada em sanção pecuniária compulsória, de montante não inferior a 10 (dez) Unidades de Conta por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de restituição da posse à Requerente; c) fosse determinada a inversão do contencioso e, assim, a Requerente dispensada do ónus de proposição da ação principal. 1.2. Foi proferida sentença que na procedência do procedimento cautelar, condenou a requerida à imediata restituição à requerente da descrita fração autónoma, e no pagamento da sanção pecuniária compulsória, correspondente à quantia pecuniária de 1 UC por cada dia de atraso no cumprimento da providência,; no demais, indeferiu o pedido de decretamento da inversão do contencioso, nos termos do art. 369º do CPC. 2. As Apelações Citada, a requerida recorreu da sentença, vindo o Tribunal da Relação de Lisboa a julgar improcedente a apelação e confirmou o julgado a quo. 2.1. Sucessivamente, não foram admitidos, o recurso de revista interposto pela requerida do acórdão da Relação, e também, por via de reclamação apresentada, não se admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional. 2.2 Voltaram os autos à primeira instância, sendo ordenada a entrega imediata do imóvel à requerente. A requerida solicitou, em 30.1.2023, a suspensão da efetivação da entrega da fracção ,casa de morada de família, que não foi acolhida pelo tribunal. 2.3. Inconformada, apelou a Requerida, vindo a Relação de Lisboa, através do acórdão que antecede, a julgar improcedente o recurso e manteve a decisão de entrega imediata do imóvel à requerente. 3. A Revista Mantendo-se inconformada, a requerida “(…) vem interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que é de Revista, tem efeito suspensivo e sobe imediatamente nos próprios autos(..)”. Formulou a final as conclusões seguintes « 1ª Tendo a ora Recorrente solicitado na 1º instância a suspensão da execução do despejo/desocupação por se tratar da casa de morada de família ao abrigo do disposto na Lei nº 1-A/2020, de 19/3 o Tribunal indeferiu liminarmente tal pedido, sem mais. 2ª Inconformada a ora Recorrente interpõe recurso de Apelação com efeito suspensivo ( artº 692º nº 2 al. b) do CPC) por se tratar de habitação contra tal sentença, concretizado que com o despejo a Recorrente gravemente doente e o companheiro ficariam numa situação clamorosa por falta de habitação. 3ª Não é apresentada qualquer fundamentação do indeferimento limitando-se o Tribunal a considerar que teria havido esbulho quando na verdade se trata da manutenção da posse decorrente da tradição do bem ao abrigo de um contrato promessa de compra e venda. recorde-se que o direito de retenção não se confunde com esbulho! 4ª As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. 5ª se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente. 6ª Por outro lado, o douto despacho não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo A, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “N” ações, masque não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto. 7ª Nos termos do AC 17696/21. 2 T8LSB a Lei nº 1-A/2020, de 19/3 que se junta como Doc. 1 vem determinar a cessação do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentos adotados no âmbito da pandemia Covid 19; por outra e ao revogar os artigos 6º - B e 6º - C da Lei nº 1-A 2020, de 19/3 na sua redação atual vem também aditar o artº 6º - E, e cujo nº 7 determina a suspensão no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo dos actos de execução da entrega do local arrendado no âmbito das acções de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, a suspensão indicada porém não opera ope legis, mas apenas nos casos em que, e na sequência de pertinente alegação dos arrendatários seja produzida prova que confirme que os atos de execução da entrega do local arrendado sejam suscetíveis de colocar a promitente compradora em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa. 8º Também em sentido contrário ao despacho recorrido se junta exemplar do Ac 2882/21.3T8STB-B.E1 que se junta como Doc. 2 , o qual ipsis verbis mantém o sustentado no Doc. 1. 9º Em suma os dois acórdãos ora juntos contrariam a sentença recorrida na questão essencial que tem a ver com a existência ou não de base legal para a suspensão do despejo quando como é o caso se trata da casa de morada de família, sempre com efeito suspensivo automático. 10º Termos em que admitindo-se o presente recurso de Apelação, com efeito suspensivo ( artº 692º nº 2 al. b) do CPC), com dispensa de prestação de caução atenta a falta de meios reconhecida com a concessão de apoio judiciário e, julgando o mesmo procedente por provado revogando-se o acórdão recorrido se fará Justiça!» * O Tribunal da Relação admitiu o recurso de revista e fixou o efeito devolutivo. 3.1. Neste tribunal, na prognose da rejeição do recurso, dado o seu objecto e, o disposto no artigo 370º, nº2, do CPC, foram as partes notificadas, para querendo, se pronunciarem. 3.2. A requerida reiterou a admissão da revista, conforme se transcreve: “ 1º Na presente providência cautelar foi preterida a regra geral da audição prévia da Requerida e ora Recorrente, ficando assim esta numa situação de inferioridade visto que enquanto a Requerente procedeu à inquirição de testemunhas, alcançou uma decisão judicial a apresentou contra alegações a Requerida nunca logrou ser ouvida nem inquiridas as respetivas testemunhas, apenas tendo apresentada alegações. 2ª Aliás, de forma insólita a providência não foi junta a qualquer ação principal intentada pela Requerente e apesar de interpelada não veio intentar qualquer ação nem foi decretada a inversão do contencioso. Trata-se de questões que terão de ser conhecidas no recurso. 3ª Acresce ainda que a providência “baseia-se” num esbulho quando na realidade na ação à qual foi apensa, intentada pela Requerida, a causa de pedir tal como apresentada pela mesma nada tem a ver com esbulho antes com o legitimo direito de retenção. 4º Mais, a questão relativa ao efeito suspensivo ou devolutivo do recurso por se tratar de casa de habitação/casa de morada de família não poderia deixar de ter efeito suspensivo. O mesmo se diga quanto à invocação da proteção da casa de morada de família no âmbito da COVID 19. 5º Em suma, estamos perante questões que não podem deixar de ser conhecidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo igualmente certo que atento o disposto nas alíneas C) e D) do nº 2 do artº 629º do CPC, tal como resulta das respetivas Conclusões, é sempre admissível recurso para o STJ. 6º Efetivamente, tendo a Recorrente legitimidade; sendo a decisão recorrível e sendo o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido estão preenchidos os requisitos da sua admissibilidade. Termos em que deve ser admitida revista de modo a assegurar a ambas as partes duas decisões judiciais, pois só assim poderá ser reposta a igualdade de tratamento, com nivelamento por cima.» 3.3. A relatora proferiu despacho em 27.09.2023 de não admissão da revista, com os fundamentos que se transcrevem: “ A recorrente pede revista do acórdão da Relação que confirmou o despacho de primeira instância, proferido no decurso da fase de execução coerciva, confirmando a ordem de entrega material e imediata do imóvel à recorrida, no âmbito da decretada e transitada em julgado, providência cautelar de restituição provisória de posse. É aceite a legitimidade e tempestividade do recurso, mas, conforme se adiantou na apreciação preliminar, respeitando a providência cautelar, há que convocar, a este propósito, concretamente, o artigo 370º n.º 2 do Código de Processo Civil -“Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”. À tal regra de irrecorribilidade constituem excepção, as situações enunciadas no n.º 2 do artigo 629º Código de Processo Civil. Como reiteradamente pontificou o STJ - “(…) II. Em matéria de procedimentos cautelares, existe a norma do artigo 370º, nº 2 do Código de Processo Civil, que veda, em regra, o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação proferido no âmbito de procedimentos cautelares, incluindo o que determine a inversão do contencioso, a não ser que se verifique qualquer uma das situações elencadas nas alíneas a) a d) do nº 2 do artigo 629º, do mesmo código, em que o recurso é sempre admissível. III. Daí constituir entendimento unânime, quer da doutrina, quer da jurisprudência, que, de harmonia com o disposto no artigo 370º, nº 2 do Código de Processo Civil, os acórdãos proferidos pela Relação em autos de procedimento cautelar, só podem ser objeto de recurso de revista “normal” nos casos excecionais previstos no citado artigo 629º, nº 2, não sendo admissível, quanto aos mesmos, recurso de revista, a título excecional.»2 Nos autos, pese embora a recorrente na sua pronúncia ulterior sobre o tópico, venha agora “indicar “ este dispositivo legal para acolher a pretensão de revista, nada acrescenta ou esclarece sobre a verificação das sobreditas situações no caso em juízo.3 Na verdade, os fundamentos do recurso transcritos nas conclusões , cremos, evidenciam que as razões da discordância com o sentido decisório do acórdão recorrido, não reportam a decisão proferida contra jurisprudência uniformizada do STJ, ou encerrando divergência jurisprudencial sobre a mesma questão fundamental de direito , passível de revista atípica, sempre admissível.» 5. Por requerimento atempado , a recorrente pede agora que a Conferência se pronuncie, atento o disposto no artigo 652.º, n.º 3, ex vi artigo 679.º, ambos do CPC. Para o efeito, alegou: “1º Encontra-se pendente litígio entre a Recorrente e a Recorrida Cada Lugar, SA relativa à propriedade da fração autónoma correspondente ao R/c Esqº, estando-se a aguardar que seja proferida sentença judicial. 2º Apesar de convidada a Recorrida não acatou o convite do Tribunal para intentar a ação principal, sendo que os dois procedimentos cautelares nunca foram juntos a qualquer ação intentada pela Cada Lugar, SA, ou seja, tal anomalia carece de decisão sobre matéria de direito. 3º O mesmo se diga quanto ao que foi considerado como fato assente relativo à invasão, arrombamento e ocupação da fração autónoma em questão. 4º É entendimento unanime que o direito de retenção é um direito real e tendo a Recorrente intentado ação com base no fato de tendo o direito a ser indemnizada em cerca de 200 000,00€, ter procedido ao registo da pendencia da ação e ter efetuado o direito de retenção com base no pressuposto demonstrado através de escritura pública de que a Ré e ora Recorrida adquiriu o direito de propriedade de cada fração por um valor inferior a 20 000,00€, sendo que independentemente do prejuízo causado aos credores no processo de insolvência, é perfeitamente legitimo o exercício do direito de retenção pois que o valor é inferior aos peticionados mais de 200 000,00€. 5º Estando provado por documento e sendo essa a causa de pedir da ação principal não se compreende a tábua rasa face à natureza jurídica e aos efeitos da retenção com base numa afirmação completamente absurda que se tratou de um arrombamento/ocupação pois que se esta alguma vez existiu, tal só sucedeu após o despejo da ora Recorrente, num contexto não precedido de decisão judicial, encontrando-se a partir dessa data todos os andares ocupados, com expulsão da Requerida e dos respetivos familiares. 6º Tal só foi possível pela atribuição ao recurso de efeito devolutivo quando foi alegado, inclusive com junção de cópia do artigo do CPC respetivo nos termos do qual a Apelação, quando verse sobre habitação tem sempre efeito suspensivo. Tal questão também merece conhecimento por parte do Coletivo de Conselheiros. 7º Por último, foi invocado a vigência das disposições relativas à proibição de despejo no âmbito do COVID-19 e neste particular também se afigura que o Coletivo de Conselheiros deverá julgar sobre se o normativo em causa permanece ou não em vigor e ainda se estando perante o direito de retenção e não a ocupação/arrombamento tal legislação imperativa deve ou não ser aplicada, ficando claro que o Tribunal não se dignou proceder à inquirição das testemunhas especificamente arroladas para tal efeito. Termos em que com a Ida à Conferência nos termos e para os efeitos ora indicados deverá ser proferida deliberação sobre cada uma das concretas matérias, aguardando-se pela revogação imediata da decisão singular.”. 4. Cumpre decidir. É patente que a motivação da reclamante dirigida à Conferência, é alheia, por completo, ao fundamento legal da rejeição da revista, escusando-se a rebater, ou contra argumentar nesse domínio. Persiste, outrossim, à semelhança do conteúdo das suas conclusões do recurso, em manifestar discordância com o sentido decisório do acórdão recorrido, e aditando até, considerações acerca de alegados factos ( irrelevantes para o efeito) que não cumpre apreciar nesta sede. De qualquer maneira, em esforço de compreensão do fundamento da não admissão da revista na situação dos autos de providência cautelar de restituição provisória de posse, sinalizamos. Como vem decidindo continuamente o Supremo Tribunal, de harmonia com o disposto no artigo 370º, nº 2,do Código de Processo Civil, os acórdãos proferidos pela Relação em autos de procedimento cautelar, só podem ser objeto de recurso de revista “normal” nos casos previstos no citado artigo 629º, nº 2, do CPC. Em particular, na situação prevista na sua alínea d) -oposição de acórdãos-, exige um acórdão fundamento, reunindo as características supra indicadas, que não foi apontado pela requerida, em termos que permita concluir que também na situação versada no acórdão recorrido, no plano factual ou material, sejam equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial. É manifesto que no caso em juízo, a requerida dispensou-se de observar os requisitos mínimos da eventual existência contradição do julgado impugnado e outro acórdão versando sobre a mesma questão essencial de direito, e não é fez nas alegações da revista, seja agora na reclamação para a conferência. Acompanhando, inter alia, a síntese esclarecedora do recente Acórdão do STJ de 30.05.2023 - « I. Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, a saber, conforme o disposto no art.º 629, n.º2, do CPC. II - De entre as ali apontadas situações em que o recurso é sempre admissível, surge apontada a designada oposição de acórdãos, alínea d). III - A oposição relevante em termos de admissibilidade de recurso pressupõe que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, que determine a aplicação em cada um do mesmo regime legal, de modo direto conflituantes, com soluções de direito opostas e como tal inconciliáveis, e em conformidade contraditórias.»4 Pelo exposto, delibera-se em indeferir a reclamação, mantendo a decisão singular de não admissão da revista , e por consequência , não conhecendo do seu objecto. Custas pela recorrente, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça. Lisboa, 02.11.2023 Isabel Salgado (relatora) Ana Paula Lobo Maria da Graça Trigo ____
1. Com suporte no itinerário descrito com maior detalhe no acórdão do Tribunal da Relação. 2. De 20.10.2020 no proc. 464/19.9T8VRL.G1-A.S1,, inter alia, in www.dgsi.pt. 3. “5º Em suma, estamos perante questões que não podem deixar de ser conhecidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo igualmente certo que atento o disposto nas alíneas C) e D) do nº 2 do artº 629º do CPC, tal como resulta das respetivas Conclusões, é sempre admissível recurso para o STJ” 4. No proc. nº704/21.4T8ABF.E1-A.S1, in www.dgsi.pt |