Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
058248
Nº Convencional: JSTJ00004106
Relator: BRAVO SERRA
Descritores: CASO JULGADO
DESPACHO SANEADOR
LEGITIMIDADE
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196302010582481
Data do Acordão: 02/01/1963
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IªS 21-02-1963 ; BMJ 124 , 414
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 2/1963
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC39 ARTIGO 767.
CPC61 ARTIGO 104 ARTIGO 466 A ARTIGO 510 N2 ARTIGO 514 ARTIGO 668 N3 ARTIGO 673 ARTIGO 675 ARTIGO 763.
D 3 DE 1907/05/29.
D 18552 DE 1930/07/03.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1960/10/25 IN BMJ N100 PAG545.
ACÓRDÃO STJ DE 1954/07/15 IN BMJ N44 PAG229.
ACÓRDÃO STJ PROC57957 DE 1960/01/19.
Sumário :
E definitiva a declaração em termos genericos no despacho saneador transitado relativamente a legitimidade, salvo a superveniencia de factos que nesta se repercutam.
Decisão Texto Integral: Acordam em Secções reunidas no Supremo Tribunal de Justiça:

Por falecimento de A em 23 de Abril de 1945 os herdeiros repartiram entre si a herança por escritura de 24 de Junho de 1945.
Em comum aos cinco filhos ficaram os bens que constituiam a casa agricola sita em Mirandela.
Não se entenderam depois os interessados quanto a partilha destes bens, facto que deu origem a que, na comarca de Coimbra, se instaurasse inventario - findo por transacção
- atraves do que os requerentes desse processo se obrigaram a vender os respectivos quinhões a sua irmã B.
Faz parte dessa transacção a clausula seguinte:
"Ate cinco dias antes do prazo fixado para a celebração da escritura de venda o marido da interessada e co-herdeira B, Doutor C apresentara as contas de administração dos bens de Mirandela, desde as ultimas prestadas ate a data em que foram feitas as promessas da venda questionada".
A referida administração vinha sendo exercida pelo indicado Doutor C, por incumbencia do seu sogro, o autor da herança.
Mais tarde os interessados D e o Doutor E e esposa deduziram no mesmo juizo de direito contra o referido administrador acção de prestação de contas que foi julgada procedente em ambas as instancias, e, assim, condenado o reu Doutor C a pagar como saldo de contas da casa de Mirandela desde o fim de Julho de 1944 a 7 de Agosto de 1945, aos herdeiros de A, na proporção das suas quotas, - ou seja uma quinta parte a cada um deles - a quantia de 547476 escudos e sessenta e dois centavos. Condenado ainda na multa de 10000 escudos como litigante de ma fe, alem da indemnização de 120000 escudos nos termos da alinea a) do artigo 466 do Codigo de Processo Civil.
Não conformado recorreu de revista a qual lhe foi negada pelo acordão de 25 de Outubro de 1960, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 100, a paginas 545, aresto que o recorrente arguiu de nulo por entender que se verificava a hipotese do n. 3 do artigo 668 do indicado diploma e a de omissão de pronuncia.
A primeira dessas nulidades traduzir-se-ia no facto de ter sido decidido que a viuva de A não tem quinhão no saldo de contas o que, acentua, não se harmoniza com o teor da escritura de 24 de Julho de 1945, pela qual a dita viuva doou aos cinco filhos a sua meação, liberdade que tão-somente abrangeu os imobiliarios sitos no concelho em Mirandela.
A segunda nulidade teria como substractum o seguinte:
O acordão para determinar a titularidade do credito sobre o saldo não considerou estes periodos: antedecesso, de A; o imediato ate a escritura de partilhas e o lapso temporal apos essa data ate 7 de Agosto de 1945.
Pelo acordão de folhas 1157 foi desatendida a reclamação.
Recorreu então para o Tribunal Pleno, alegando que o aresto recorrido estabeleceu fundamentalmente:
I - Que a decisão proferida no saneador sobre a legitimidade das partes, transitada em julgado, obsta a que o problema da legitimidade possa voltar a ser examinado;
II - Que o saldo apurado das contas da administração da casa de Mirandela tem de ser distribuido pelos seus cinco herdeiros na proporção de um quinto por cada um.
Estão estas decisões em manifesta oposição respectivamente com os seguintes acordãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos no dominio da mesma legislação: a) De 15 de Julho de 1954, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 44, pagina 229, sobre a mesma questão de direito enunciada em primeiro lugar; b) O de 19 de Janeiro de 1960 proferido no recurso 57957 interposto nos autos que B moveu contra os recorridos.
No despacho liminar restringiu-se o ambito deste recurso a proposição mencionada em primeiro lugar, decisão com a qual o recorrente se conformou, procurando em seguida na sua douta alegação demonstrar que se contradizem os dois acordãos quanto ao valor da decisão contida no despacho saneador que pronuncie em juizo abstracto, não relacionado com qualquer questão concretamente posta.
Por sua vez os recorridos, sustentam que entre os dois acordãos não existe a pretendida oposição, faltando assim uma das condições essenciais para a admissão do recurso.
A Secção decidiu, pelo seu acordão de folhas 1205 que estão em conflito os dois indicados arestos, considerando para tanto: Que no processo de prestação de contas o reu atacou a decisão da segunda instancia alegando que os autores - ora recorridos - eram partes ilegitimas e que o Tribunal devia conhecer oficiosamente
- o que não fizera - de tal excepção.
O aresto donde emana este recurso decidiu a questão nestes precisos termos:
"A ilegitimidade dos autores so agora suscitada, pois que em passo algum foi posta as instancias, esta ferida de extemporaneidade, pois que em despacho proferido nos nos termos do artigo 514 a arrumou para estabilidade e utilidade da acção" expressis verbis.
O acordão de 1954, indicado como oposto, depois de transcrever o saneador - que nessa acção em termos vagos se exarara - estabeleceu: "A generica referencia naquele feita a legitimidade dos pleiteantes não pode constituir caso julgado formal a respeito do posteriormente alegado litisconsorcio visto o despacho não se ter pronunciado em especial acerca deste ponto juridico que, por tal motivo, continua pendente de decisão".
Entendeu a Secção que o simples enunciado destes resultados processuais era suficiente para demonstrar a oposição exigida pelo artigo 763.
Seguidamente alegou o recorrente sobre o objecto do recurso nos termos do artigo 767 do Codigo de Processo de 1939, significando em resumo, que o problema de litisconsorcio não foi na verdade posto nos articulados, o que não obstava a que fosse suscitada na fase de recurso.
Tal questão, discorre, esta na base deste processo ja que sem a intervenção de todos os titulares do saldo de contas, a sentença proferida nunca podera produzir o seu efeito util normal.
Ora, um despacho saneador meramente formulario, como e o proferido neste processo de prestação de contas não tem força de caso julgado.
Os recorridos insistem na afirmação de que falta a oposição de julgados, não devendo, por isso, conhecer-se do recurso.
Para o caso de outra vir a ser a decisão procuram demonstrar que constitui caso julgado formal a decisão no saneador que não tenha concretamente considerado a questão.
O excelentissimo representante do Ministerio Publico junto deste Supremo Tribunal iniciou o seu douto Parecer, notando: "Qualquer que seja a orientação do assento nenhuma influencia tera no caso dos autos, visto ja estar decidido, com transito, que a viuva de A não tem qualquer direito ao saldo de contas".
Para demonstração do assento transcreve a folhas 1231, um inciso do acordão recorrido onde foi concretamente posta a questão que, pelo angulo do recorrente, se traduzia na ilegitimidade dos autores.
Analisando em seguida, e doutamente, o problema em causa opinou que deve proferir-se assento com esta formulação: "O caso julgado so se verifica em relação as questões concretas sobre excepções dilatorias que hajam sido decididas".
O que tudo visto:
Supomos indubitavel que e flagrante a oposição alegada entre o acordão recorrido e o invocado.
Por isso nos dispensamos de examinar novamente este pressuposto do recurso.
E superfluo tambem reafirmar que a oposição se verificou no dominio da mesma legislação.
O despacho saneador tem a sua raiz no Decreto n. 3, de 29 de Maio de 1907.
Ramificou-se na plenitude que hoje apresenta com o Decreto n. 18552 que determinou para o juiz a obrigação de apreciar não so a legitimidade das partes, como outras questões previas e ainda de todas aquelas para cuja decisão o processo lhe ofereça os elementos necessarios.
Tem assim como objectivo essencial emitir um julgamento de forma versando consequentemente sobre pressupostos processuais.
Destina-se pois a evitar a instrução do processo - que praticamente se torne inutil - como adverte o Professor Manuel Andrade, nas Lições de Processo. Com esse tramite depurador visou-se desentorpecer a acção de tudo aquilo que possa impedir o julgamento do merito.
Sendo este, pois, o pensamento a que obedeceu a criação deste despacho (que o Professor Paulo Cunha integra na fase da condensação do processo), não e logico que o mesmo se subestime, afastando a sua caracteristica fundamental: de preclusivo das questões que antecedem a instrução.
E obvio que esse escopo se frustrava uma vez aceite que fosse a nova apreciação das questões decididas no saneador.
Repetindo Liebman - conforme nota o douto parecer a folhas 1233 verso, - Gabriel de Resende Filho, no seu Curso de Direito Processual Civil, afirma: "A preclusão impedira que sejam depois discutidas aquelas questões, tanto se o juiz expressamente as decidiu, como se por falta de contestação deixou de prover sobre elas".
A nosso ver, a não impugnabilidade da decisão emitida nessas condições tem, em harmonia com o rigor dos principios, de constituir caso julgado, inibindo o julgador de decidir posteriormente sobre a mesma questão.
E se o juiz so pode deixar de conhecer no saneador das excepções conducentes a absolvição da instancia no caso de o processo o impossibilitar de se pronunciar sobre elas, como determina o n. 2 do artigo 510 do Codigo de Processo Civil actual, dai uma outra razão - e valiosa - a impor caracter definitivo a decisão ali proferida.
Diverso entendimento conduz em linha recta a inobservancia do artigo 675 do mesmo diploma, segundo o qual, havendo duas decisões contraditorias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-a a que passou em julgado em primeiro lugar. E aplicavel o mesmo principio a contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.
Nem releva a circunstancia de ao saneador, formulado em termos gerais, faltar motivação, pois que o caso julgado somente se forma sobre a decisão e não sobre os fundamentos.

Cabe dizer, por mero incidente - o que não foi focado no desenvolvimento do processo - que o saneador a folhas 386, ao contrario do que o recorrente pretende, não emitiu uma formula vaga e abstracta, pois que decidiu nestes precisos termos: "São autores e reu dotados de personalidade juridica e, tendo em consideração a sua posição nestes autos quanto ao conflito que o tribunal e chamado a resolver, são ainda de considerar como partes legitimas".
Mas retomando as considerações sobre a tematica do recurso:
Como razão decisiva invocamos o preceito especial do artigo 104 do Codigo de Processo que relativamente a materia da incompetencia absoluta, determina que o despacho (o saneador) so constitui caso julgado em relação as questões concretas de competencia que nele tenham sido resolvidas.
Não ha disposição analoga quanto as outras excepções e dai a inexoravel consequencia: um veredicto formulado em termos genericos sobre outras excepções dilatorias uma vez transitado constitui caso julgado formal ou preclusão como denomina Chiovenda.
E muito embora se não excogite razão suficiente para justificar um tratamento especial para a excepção da incompetencia absoluta do tribunal, divergimos porem, com o devido respeito, da afirmação contida no douto Parecer quando ve nesse dispositivo a aplicação de um principio geral.
A clareza do texto mencionado induz antes de crer que se trata de um preceito de natureza especial.
Isso mesmo transparece do comentario ao Codigo - pagina 319 do primeiro volume - da autoria do eminente renovador da Processualistica portuguesa, comentario que supomos ter sido feito apos ter revisto a posição que acerca deste problema defendera no seu livro Breve Estudo.
A concluir:
De harmonia com os principios expostos fica ressalvada, como e obvio, a superveniencia de factos capazes de influirem no regime juridico da situação apreciada. A decisão so constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (artigo 673 do Codigo de Processo Civil) e não impede futuras alterações eventualmente atendiveis no processo.
Por estes fundamentos confirmam o acordão recorrido e estabelecem o seguinte assento:
E definitiva, a declaração em termos genericos no despacho saneador transitado relativamente a legitimidade salvo a superveniencia de factos que nesta se repercutam.
Custas pelo recorrente.


Lisboa, 01 de Fevereiro de 1963

Bravo Serra (Relator) - Jose Osorio - Eduardo Coimbra - Lopes Cardoso - Gonçalves Pereira - Amorim Girão - Abreu Lobo. Tem voto de conformidade dos Excelentissimos Juizes Alberto Toscano - Cura Mariano - Toscano Pessoa - Arlindo Martins - Barbosa Viana - Cardoso Meneses - Ricardo Lopes e Fragoso de Almeida que não assinam por não estarem presentes.
Bravo Serra.