Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1966/05.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE VENDA DE ACÇÕES
RESOLUÇÃO
CLÁUSULA RESOLUTIVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CONTRATO-PROMESSA / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / RESOLUÇÃO DO CONTRATO.
Doutrina:
- Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2.ª ed., pp. 83 e 84.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 808.º.
Sumário :
1. A resolução de contrato-promessa de compra e venda de acções de uma sociedade pode operar ou por via do disposto no art. 808º do CC, designadamente quando se verifique uma situação de incumprimento definitivo, ou por via de uma cláusula resolutiva expressa reportada ao decurso de um prazo peremptório.

2. Deve ser interpretada como cláusula resolutiva expressa a cláusula aposta num contrato-promessa de compra e venda de acções de uma sociedade anónima estipulando que “no prazo máximo de 15 dias decorridos sobre a data de recepção desta notificação, a promitente-compradora deverá pagar o preço correspondente a uma área de construção efectiva de 3.500 m2” e que se a promitente-compradora não proceder ao respectivo pagamento no mesmo prazo, o contrato considerar-se-á imediatamente resolvido e o promitente-vendedor fará suas as quantias prestadas a título de sinal e respectivos reforços.

3. Recebida pelo promitente-comprador a comunicação do promitente-vendedor com indicação do prazo para o pagamento do preço remanescente e para a correspondente entrega das acções, a verificação do efeito resolutivo do contrato decorrente do decurso do prazo não dependia da emissão de outra interpelação admonitória para cumprimento do contrato prometido.

Decisão Texto Integral:
1. AA - Soc. Imobiliária, Ldª, intentou acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB.

Logo na petição inicial requereu a intervenção principal da sociedade CC - Empresa de Construção Civil, S.A., a fim compor o litisconsórcio necessário activo.

Pediu condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 994.156,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 8-8-04 até efectivo pagamento.

Alegou que, em 26-6-02, a A. e a Soc. CC celebraram com o R. um contrato-promessa de compra e venda das acções representativas da totalidade do capital da sociedade DD, S.A., e a adquirir os créditos por suprimentos que o mesmo R. detinha sobre a referida sociedade.

Essa sociedade era proprietária de um prédio urbano que constituía o único activo relevante da mesma, tendo a A., enquanto empresa imobiliária, interesse em adquirir esse imóvel para nele realizar um projecto imobiliário. Foi a aquisição desse imóvel o verdadeiro motivo e objectivo que determinou a celebração do contrato, com previsão de um conjunto de declarações e de garantias relativas à situação jurídica, fiscal, contabilística e patrimonial da sociedade, as quais teriam que estar verificadas na data da transmissão das acções, mediante a realização de uma auditoria, a exigir a colaboração do R.

A A. entregou ao R., por conta do preço, o montante de € 497.078,00 e, quando se apercebeu que aquele perspectivava a marcação da data para a celebração do contrato definitivo, comunicou-lhe a necessidade de ser realizada a referida auditoria. Mas antes que a auditoria se realizasse o R. emitiu uma declaração de resolução do contrato.

Concluiu que nunca se constituiu em mora quanto à obrigação de celebrar o contrato definitivo e que nunca houve incumprimento definitivo da sua parte, pelo que vindo o R. a resolver, sem fundamento, o contrato-promessa, manifestou inequivocamente a vontade de não cumprir, constituindo-se na obrigação de lhe entregar o dobro do sinal prestado.

Invocou ainda que, entretanto, a A. e a sociedade CC acordaram que apenas aquela iria adquirir as acções prometidas comprar e vender, renunciando a CC a qualquer direito que lhe assistisse no âmbito do contrato-promessa em causa, quer perante a A. quer perante o R.

Todavia, como o R. não interveio nesse acordo e a CC não quis voluntariamente acompanhar a A. na acção, para assegurar a sua legitimidade face ao R., requereu a intervenção principal provocada da dita sociedade.

O R. impugnou a factualidade articulada na petição inicial, invocando que o incumprimento do contrato era imputável à demandante, aduzindo que, contrariamente ao estabelecido, não lhe deu qualquer conhecimento das vicissitudes do processo camarário para licenciamento do empreendimento imobiliário, nem promoveu a sanação das insuficiências do projecto que foram assinaladas pela CML. Além disso, a auditoria a efectuar à sociedade era de extrema simplicidade, uma vez que a contabilidade era diminuta e a empresa não tinha actividade, tendo colaborado na realização desses trabalhos que, só por culpa da A. e dos seus auditores, não foram concluídos.

Foi admitida a intervenção principal da sociedade CC, S.A. que concluiu ser parte ilegítima e não ter interesse em agir, a qual entretanto foi declarada em estado de insolvência.

Também a A. AA foi declarada em estado de insolvência, sendo habilitada em seu lugar a sociedade EE - SGPS, S.A.,

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o R. do pedido.

A habilitada EE, SA, interpôs recurso de apelação, o qual foi julgado improcedente.

Interpôs depois recurso de revista em que essencialmente concluiu que:

a) Deve ser dado provimento às nulidades alegadas no ponto II das presentes alegações, devendo ser anulada a decisão proferida nas instâncias;

b) Caso assim não se entenda dever ser a mencionada nulidade suprida, devendo indicar em que sentido deverá a decisão ser corrigida dando-se cumprimento ao disposto no art. 731º do CPC.

c) O presente recurso deverá ser acolhido declarando o STJ que o regime declarar que os contratos-promessa de compra e venda a interpelação admonitória constitui elemento essencial, na fixação do incumprimento do devedor,

d) Igualmente deverá ser fixado que o contrato dos presentes autos é um contrato bilateral com natureza sinalagmática sendo lícita uma das partes não cumprir (prestando o que lhe era devido) enquanto a outra não cumprir as suas obrigações.

e) Igualmente deverá ser declarado que a chamada a recusa peremptória do cumprimento deverá ser precedida da prévia marcação por parte do promitente vendedor da data hora e local da celebração do contrato, devendo ser a referida marcação idónea para a prática dos actos previstos.

f) A simples comunicação a conceder o prazo de 15 dias por parte do promitente-comprador, para a celebração do contrato prometido, solicitando apenas o cumprimento pelo promitente vendedor da sua obrigação de prestação do preço prometido mediante transferência bancária, sendo omissa quanto à correspondente prestação promitente-comprador, de entrega dos títulos representativos do capital social da sociedade objecto da prometida venda, não constitui elemento idóneo para constituir o promitente-comprador em mora, muito menos em incumprimento definitivo.

g) Se na mencionada comunicação for omissa quanto a entrega de demais elementos pelo promitente-vendedor respeitante à prometida venda, como sejam as cartas renúncia dos membros dos órgãos sociais e dos livros da sociedade, não constitui documento idóneo para proceder à marcação da celebração do contrato definitivo.

h) A doutrina que defende a dispensa da interpelação admonitória, na situação de recusa peremptória, não é aplicável aos presentes autos, da sua aplicação não pode resultar em momento algum o afastamento das disposições do art. 808º do CC. Esta doutrina não pode colidir com as disposições constantes do art. 808º do CC, mais concretamente quando do processo não resultam sem margem para qualquer dúvida da recusa de uma das partes e da vontade em cumprir de forma objectiva com todas as suas obrigações contratuais previstas no presente contrato.

i) A aplicação da referida doutrina sem se assegurar de forma plena e inequívoca a recusa da contra parte em contratar e verificada a vontade do eferente da prestação em cumprir plenamente as obrigações livremente assumidas.        

j) Havendo dúvidas quanto à perfeição da prestação oferecida quer quanto, ao modo e local da prestação é elemento suficiente para afastar a aplicação da mencionada Doutrina. Em caso de dúvida deverá aplicar-se o regime comummente aceite da necessidade de interpelação admonitória.

k) O pedido de transferência bancária do preço num contrato-promessa de compra e venda sem a devida informação quanto a simultaneidade de entrega dos direitos objecto da promessa, não constitui acto idóneo para concluir pela recusa peremptória quando a outra parte solícita e invoca ausência de dados sobre o cumprimento da obrigação correspondente ao pagamento do preço.

l) No âmbito do vínculo contratual objecto dos presentes autos, é lícito ao promitente-comprador não fazer a entrega do preço sem ter assegurada a prestação correspondente, ou seja a entrega dos títulos representativos do capital social da sociedade e demais elementos constantes do contrato livremente aceites pelas partes;

m) Havendo disposição contratual que num contrato-promessa de compra e venda de acções representativas da totalidade do capital social que preveja a realização de auditorias contabilísticas, a referida disposição deve ser cumprida, como se tratasse de uma obrigação contratual.

n) Deve o STJ receber o presente recurso devendo ao mesmo ser concedido a natureza de recurso ampliado de Revistas, porquanto a interpretação dada por um acórdão desse mesmo tribunal, afastando a necessidade da interpelação admonitória, para fixar sobre a sua dispensa em caso de recusa absoluta e peremptória, pode, como no caso dos presentes autos, ser susceptível de incorrecta aplicação, porquanto não se faz a devida distinção entre a interpelação para cumprimento e os requisitos que esta deve conter,


Houve contra-alegações.

Cumpre decidir


II - Factos provados (com especificação adicional de alguns documentos e com ordenamento lógico-cronológico):

1. Encontra-se matriculada na CRC de Lisboa, sob o n° …, a soc. DD -UTILIDADES, EQUIPAMENTOS e INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS S.A., estando inscrito, pela inscrição n° 27, de 20-7-04, que o Presidente do Conselho de Administração é o ora R., conf. certidão de fls. 48 a 56 – E);

2. Encontra-se inscrita a favor de DD, S.A., a aquisição do prédio urbano sito na R. de …, nºs 14 a 24, em Lisboa, descrito na 4ª CRP de Lisboa, sob o nº …. e inscrito na respectiva matriz sob os arts. … e …, conf. certidão de fls. 57 a 61 – F);

3. O prédio referido em 2. é o único activo relevante de DD, S.A. – G);

4. O R. era, à data da propositura da acção, o único accionista de DD, S.A. – H);

5. A A., sendo uma empresa de promoção imobiliária, tinha interesse em adquirir o prédio identificado em 2., com vista a nele realizar um projecto imobiliário – I);

6. O R. pretendeu vender o prédio referido em 2., por via da alienação da totalidade das acções da sociedade proprietária do imóvel, DD, S.A., e dos créditos de suprimentos por ele detidos na citada sociedade – J);

7. Foi esse o motivo e foi esse o objectivo que determinou a celebração do acordo referido em 8. – L);

8. Em 26-7-02, AA - SOC. IMOBILIÁRIA, Ldª, e CC - EMPRESA de CONSTRUÇÃO CIVIL, S.A., como promitentes-compradoras, e BB, como promitente-vendedor, celebraram entre si o acordo cuja cópia consta de fls. 31 a 38, compreendendo os anexos de fls. 179 a 286 – A);

9. Tal promessa incidiu sobre a compra e venda de 18.704.578 acções ao portador, pertencentes ao R., com o valor nominal de 0,01 € cada uma, correspondentes a 100% do capital social da sociedade denominada DD, S.A., com sede na R. …, 71-A, 71-B, em Lisboa, com o capital social de 187.045,78 €, e a cedência de créditos de suprimentos do R. na mesma sociedade – B);

10. Nos termos da cláus. 9ª do contrato:

"1. O Contrato considerar-se-á imediata e automaticamente resolvido nos seguintes casos:

a) O Novo Projecto de Arquitectura seja definitivamente aprovado pela CML com uma Área de Construção Efectiva igual ou inferior a 3.300m2;

b) Decorram 5 anos sobre a presente data sem que o contrato definitivo esteja ou devesse estar celebrado.

2. No caso de:

a) O Novo Projecto de Arquitectura ser definitivamente indeferido pela CML; ou de

b) Decorrerem 12 meses [prazo que passou para 15 meses por alteração posterior – fls. 288] sobre a presente data sem que a Sociedade tenha sido notificada pela CML da aprovação do Novo Projecto de Arquitectura,

O Promitente-Vendedor poderá, a qualquer momento, mediante comunicação escrita às Promitentes-Compradoras:

i) Informá-las de que pretende resolver o Contrato. No prazo máximo de 15 dias decorridos sobre a data de recepção desta notificação, as Promitentes-Compradoras poderão declarar que pretendem celebrar o contrato definitivo pagando o preço correspondente a uma Área de Construção Efectiva de 3.711 m2. Se as Promitentes-Compradoras não emitirem declaração neste sentido no referido prazo ou não procederem ao respectivo pagamento no mesmo prazo, o Contrato considerar-se-á imediatamente resolvido e o Promitente-Vendedor deverá restituir as quantias prestadas a título de sinal e respectivos reforços;

ou, na situação referida na alínea b) supra, em alternativa,

ii. Informá-las de que pretende celebrar o Contrato. No prazo máximo de 15 dias decorridos sobre a data de recepção desta notificação, as Promitentes-Compradoras deverão pagar o preço correspondente a uma Área de Construção Efectiva de 3.500 m2. Se as Promitentes-Compradoras não procederem ao respectivo pagamento no mesmo prazo, o Contrato considerar-se-á imediatamente resolvido e o Promitente-Vendedor fará suas as quantias prestadas a título de sinal e respectivos reforços.

3. A resolução do Contrato efectuada nos termos dos nºs 1 e 2/i da presente cláusula confere às Promitentes-Compradoras exclusivamente o direito à restituição das quantias prestadas a título sinal e respectivos reforços".

E acordaram, conforme consta da Cláus. 10ª do contrato que:

"1. Na hipótese de, na data de celebração do contrato definitivo, as Promitentes-Compradoras não cumprirem qualquer das respectivas obrigações, ou de as Promitentes-Compradoras não procederem ao depósito pontual das quantias referidas na Cláusula 4ª, nº 4, o Promitente-Vendedor poderá resolver imediatamente o Contrato e fazer suas as quantias prestadas a título de sinal.

2.  Se na data de celebração do contrato definitivo, o Promitente-Vendedor não cumprir qualquer das respectivas obrigações, as Promitentes-Compradoras poderão resolver imediatamente o Contrato e exigir em dobro as quantias prestadas a título de sinal.

3.   Fica expressamente ressalvada a possibilidade de execução específica do presente Contrato sendo que, vindo a ser exercida, as quantias já entregues pela parte respectiva constituirão princípio de pagamento.".

11. Em 25-2-03, foi subscrita pelas mesmas partes uma "Adenda" ao acordo referido em 8., cuja cópia se encontra a fls. 39 e 40, pela qual as partes acordaram na alteração da redacção da cláus. 9ª, n° 2, al. b), desse acordo, de forma a que o prazo de 12 meses aí previsto passasse a ser de 15 meses – C);

12. No momento da celebração do contrato referido em 8., a A. AA e a interveniente CC puderam verificar todos os documentos que elas solicitaram sobre a realidade da sociedade DD, S.A – 7º;

13. Foi feita uma auditoria às contas de DD, S.A., aquando da celebração do acordo referido em 8. – R);

14. Em 27-4-04 a A. e CC, S.A., celebraram o acordo cuja cópia consta de fls. 41 a 43, pelo qual acordaram que a A. adquiria as acções representativas da totalidade do capital social da DD, S.A., renunciando a CC a qualquer direito que tivesse no âmbito do contrato-promessa, quer perante a A., quer perante o R. – D);

15. A A. pagou ao R. por conta do preço, a título de sinal e reforços do mesmo, as seguintes importâncias:

- € 250.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento, no dia 26-7-02;

- € 14.534,00 em cada um dos meses que decorreram entre Fevereiro de 2003 (inclusive) e Junho de 2004 (inclusive), num total de € 247.078,00 a título de reforços de sinal – M);

16. Após a outorga do acordo referido em 8., a DD, S.A., não teve qualquer actividade – 8º;

17. Em 28-5-04, o R. enviou a FF, SGPS, S.A.., ao cuidado de GG, o fax cuja cópia consta de fls. 319 e 321, no qual expõe os princípios que pensa poder vir a aceitar no que respeita à possível alteração do contrato de aquisição das acções da DD – N);

18. Em 18-6-04, DD, S.A., remeteu a GG, administrador da A., os docs. cujas cópias constam de fls. 295 a 313, relativos à situação contabilística daquela sociedade – O);

19. Em 22-6-04, GG enviou para a DD o fax cuja cópia consta de fls. 315, pelo qual solicita esclarecimentos relativamente "às contas da DD" que recebeu por fax de 18-6-04 – P);

20. Em 22-6-04 foram prestados os esclarecimentos a que se alude no nº anterior, através do fax cuja cópia consta de fls. 316 a 318 – 11º;

21. Em 28-6-04, HH, em papel da FF, SGPS, S.A.., expediu para II, advogado do R., o fax cuja cópia consta de fls. 62 e 63, no qual se refere o seguinte:

"Atendendo ao conteúdo da resposta aos esclarecimentos solicitados pela AA, bem como à proximidade da data da celebração do contrato definitivo, afigura-se-nos ser importante diligenciar no sentido de verificar a auditoria anteriormente efectuada.

Assim, e com vista a não atrasar todo este processo, solicito o contacto do gabinete de contabilidade da DD, com vista a fornecê-lo aos nossos auditores e estes iniciarem a diligência" – Q);

22. Em 1-7-04, HH enviou um fax a II, cuja cópia consta de fls. 65 e 66, onde declara "serve o presente para reforçar o pedido de indicação do gabinete de contabilidade da DD, com vista a poder-se tratar da necessária auditoria" – S);

23. Em Julho de 2004, na análise da contabilidade da DD, S,A, existiam para verificar, no máximo, duas pastas de documentos contabilísticos – 10º;

24. O projecto de arquitectura relativo ao prédio identificado em 2. foi indeferido em 2-7-04, por despacho da vereadora da CML, JJ e o despacho de indeferimento do projecto de arquitectura foi notificado à A. por carta com registo de 15-7-04 – 8º e 12º;

25. A proposta de indeferimento foi comunicada à A. no dia 28-5-04, no âmbito da diligência de audiência prévia – 13º;

26. A A. não providenciou por suprir os aspectos do projecto de arquitectura que determinaram o respectivo indeferimento pela CML – 15º;

27. Em 5-7-04, HH expediu para o nº 214845874 o fax cuja cópia consta de fls. 67, onde declara "serve o presente para renovar a indicação de onde e quando poderá ser auditada a sociedade", não tendo tal fax sido recebido naquele número – T);

28. No dia 6-7-04, a A. expediu, por correio registado, para o R., que a recebeu, a carta cuja cópia consta de fls. 68 a 76, com cópia dos faxes de 5-7-04, de 28-6-04 e de 1-7-04 – U);

29. Em 7-7-04 a A. recebeu a carta do R., datada de 5-7-04, cuja cópia consta de fls. 77 e 78 (e de fls. 322 a 328), pela qual informa, nomeadamente, pretender celebrar o contrato prometido de compra e venda das acções e que a A. deverá, no prazo máximo de 15 dias, pagar o preço correspondente a uma área de construção efectiva de 3.500 m2, sob pena de o contrato considerar-se imediata e automaticamente resolvido – V);

30. A carta tem o seguinte teor:

"… Venho, pela presente, nos termos da cláus. 9ª, n° 2, secção ii do Contrato-Promessa, informá-las de que pretendo celebrar o contrato prometido de compra e venda das acções na DD,

Como acordado, no prazo máximo de 15 dias decorridos sobre a recepção desta comunicação, deverão V. Exªs pagar o preço correspondente a uma Área de Construção Efectiva de 3.500 m2. Se V. Exªs não procederem ao respectivo pagamento no referido prazo, o Contrato considerar-se-á imediatamente resolvido, com os efeitos previstos.

Salvo indicação escrita da minha parte, o pagamento deverá ser efectuado para a minha conta com o NIB ….

Com o objectivo de facilitar a determinação do preço em dívida de acordo com a cláusula quarta do Contrato-Promessa, notamos o seguinte:

(i) O preço correspondente a urna Área de Construção Efectiva de 3.500m2 é de € 3.875,655,00 (a este valor acresceram as quantias no valor de € 14.534,00 que ternos recebido mensalmente e que, portanto, já estão pagas e não são relevantes para determinação do preço em divida);

(ii) Ao valor de € 3.875 655,00 referido no número anterior, deverá ser deduzida a quantia de € 250.000,00 que também já recebemos na data de assinatura do Contrato-Promessa;

(iii) Deverá ainda proceder-se à dedução do valor do Empréstimo (tal como definido no Contrato-Promessa) junto do Banco KK, o qual é o único actualmente existente.

Este valor na presente data é de € 1.583.532,19 e variará, durante os próximos 15 dias, nos termos constantes da cláus. 4ª do contrato de empréstimo (documento completar) junto ao contrato-promessa como Anexo V. Juntamos cópia do documento emitido pelo Banco KK de onde consta o referido valor, calculado à presente data;

(iv) Finalmente o preço variará em função do valor a liquidar a título de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas. A liquidação deste imposto foi solicitada e contamos receber a respectiva nota de liquidação nos próximos 15 dias. Estão V. Exªs. autorizadas a deduzir ao preço a pagar a quantia de € 95.863.97, conforme acordado, devendo, posteriormente, esta quantia ser ajustada, no caso de 50% do imposto devido corresponder a uma quantia menor (atendendo a facto que a taxa deste imposto desceu). De imediato voltaremos ao vosso contacto no caso de recebermos, entretanto, a referida nota de liquidação.

Sem prejuízo do estabelecido contratualmente (incluindo no que respeita à vossa obrigação incondicional de pagamento) e de todos os direitos que me assistam, coloco-me à vossa disposição para:

a) Contra o pagamento do preço devido, efectuar a entrega dos títulos representativos das acções na DD e respectivos livros

b) Solicitar junto do Banco KK o cálculo do Empréstimo na data em que o pagamento for realizado,

Para o efeito, deverão V. Exªs, indicar-me dia (dentro do prazo máximo de 15 dias decorridos sobre e recepção desta comunicação), hora o local em que pretendem realizar o pagamento, com antecedência razoável.

Por último, considerando que estão na vossa posse os documentos relativos ao prédio propriedade da DD e que já vos fornecemos os documentos de contas desta sociedade, agradecemos que nos esclareçam que documentos, em concreto, pretendem ainda receber.

Fico à vossa disposição para prestar qualquer esclarecimento que entendam por necessário".

31. Em 7-7-04, o R. remeteu à A. o fax cuja cópia consta de fls. 84, pelo qual refere "na última carta que vos enviei, solicitei esclarecimento acerca dos documentos que pretendem ainda receber, o qual não me foi prestado.

Noto de novo que me parece que V. Exªs. já têm na vossa posse os documentos relevantes para efeitos do contrato-promessa.

No entanto, não levanto qualquer obstáculo a que, como pretendido, se dirijam ao escritório do nosso contabilista, o qual estará disponível para vos receber a partir de amanhã" e, em 8-7-04, o R. remeteu à A. o fax cuja cópia consta de fls. 85 e 86, onde refere não ver qualquer razão para alterar os prazos contratualmente estabelecidos, pelo que a A. deverá proceder ao pagamento do preço acordado no prazo de 15 dias a contar da data da comunicação que para o efeito efectuou – Z);

Em 8-7-04, a A. remeteu ao R., que a recebeu, a carta cuja cópia consta de fls. 80 a 83, onde é dito, além do mais, o seguinte:

Recebemos ontem, dia 7-7-04, a sua carta datada de 5-7-04, na qual nos comunicou que, nos termos do disposto na cláus. 9ª, nº 2, secção II do contrato-promessa, pretende celebrar o contrato prometido de compra e venda das acções da DD, na modalidade, termos e condições previstos naquela disposição contratual.

Antes de mais gostaríamos de reafirmar de forma inequívoca a nossa vontade e intenção de cumprimento do contrato-promessa oportunamente celebrado, sem que, no entanto, possamos prescindir da prévia e integral execução dos mecanismos instrumentais e essenciais estabelecidos no respectivo clausulado em benefício e para garantia do promitente-comprador, facto que manifestamente não ocorre neste momento”.

Depois de assinalar a essencialidade da auditoria à DD, conclui que “até à conclusão desses trabalhos que, relembramos, apenas se não iniciaram por inércia de V. Exª, não estão reunidas as condições contratualmente estabelecidas para a celebração do contrato definitivo e consequente pagamento do preço, donde resulta a ineficácia e inoponibilidade da interpelação recebida em 7-7-04” – X);

32. Em 9-7-04, a A. remeteu ao R. o fax cuja cópia consta de fls. 87, pelo qual lhe envia uma carta, expedida com a mesma data por correio registado, cuja cópia consta de fis. 88 a 91, em que mantém o que afirmou na sua carta de 8-7-04, depois de assinalar a verificação das condições para o início da auditoria no início da semana seguinte – AA);

33. No dia 12-7-04, o R. enviou para a A., que o recebeu, a fax cuja cópia consta de fls. 92 e 93, pelo qual refere que deverá proceder ao pagamento do preço até ao dia 20-7-04, sob pena de o contrato considerar-se imediatamente resolvido e o promitente vendedor fazer suas as quantias prestadas a título de sinal e respectivos reforços – AB);

Refere-se em tal carta que “como referido, não pretendo promover a resolução do contrato, muito menos a todo o custo. Pretendo, aliás, como é meu direito, a celebração do contrato prometido …” E termina dizendo que “aproveito para relembrar que, na sequência da minha comunicação de 5 de Julho último, V. Exªs deverão proceder ao pagamento do preço até ao dia 20 de Julho próximo. Contra o pagamento, entregarei os títulos representativos das acções da DD e demais documentos da sociedade, concluindo-se, assim, o negócio … saliento que, nos termos do contrato-promessa, se V. Exªs não procederem ao pagamento até ao dia 20 de Julho, “o Contrato considerar-se-á imediatamente resolvido e o promitente-vendedor fará suas as quantias prestadas a título de sinal e respectivos reforços”. Não tenho, pois, o dever de vos fornecer qualquer prazo adicional para cumprimento”.

34. Em 13-7-04, a A. enviou ao R. o fax cuja cópia consta de fls. 94, pelo qual lhe remete uma carta, expedida com a mesma data por correio registado, cuja cópia consta de fls. 95 a 97 (e fls. 329 a 335), em que se manifesta disponível para, independentemente do início e prossecução dos trabalhos de auditoria, participar numa reunião – AC);

35. Em 13-7-04, a A. enviou para o R. o fax cuja cópia consta de fls. 98, enviando os “elementos necessários indicados pelos N. auditores, LL, Soc. de Revisores Oficiais de Contas” – AD);

36. Em 14-7-04, a A. expediu para o R. que o recebeu, o fax cuja cópia consta de fls., 99 e 100, pelo qual envia os "elementos necessários e não previstos na relação ontem enviada indicados pelos N. auditores" – AE);

37. A A. expediu para o R., que a recebeu, a carta datada de 14-7-04, cuja cópia consta de fls. 101 a 110, mas pela qual remete cópia dos faxes enviados em 13 e de 14-7-04 – AF);

38. O R. expediu para a A., que a recebeu, a carta datada de 15-7-04, cuja cópia consta de fls. 336, onde refere que "no que respeita aos documentos que V. Exªs ainda queiram consultar para auditoria no âmbito do contrato-promessa, os mesmos continuam à vossa disposição para consulta e análise" – AG);

39. Em 19-7-04 foi iniciada a auditoria à DD, S.A. – AH);

40. Em 19-7-04, LL, S.A., Soc. de Revisores Oficiais de Contas, designada pela A. para realizar a auditoria, remeteu à sociedade MM - Contabilidade de Serviços de Gestão, Ldª, indicada pelo R. como sendo a responsável pela contabilidade da DD, S.A., com conhecimento à ora A., o fax cuja cópia consta de fls. 111 e 112, no qual é referido que

"(...) estou a enviar-vos esta mensagem por fax, para fazer um ponto de situação relativamente ao trabalho de auditoria à sociedade DD - Utilidades e Investimentos Imobiliários, SA., que se iniciou hoje, 19-7-04, em virtude da indisponibilidade de V. Exªs para que se iniciasse na manhã da passada sexta-feira, 16 do mesmo mês. (...)

Dos elementos solicitados na passada semana e no decurso do dia de hoje, sem prejuízo de outros que poderão vir a ser solicitados nos próximos dias, não foram ainda disponibilizados os seguintes:

- Relatório e Contas de 2001 e 2003;

- Certificação Legal das Contas e demais relatórios de 2003;

- Livros de Actas das reuniões da Assembleia Geral e do Conselho de Administração;

- Escritura de aquisição do prédio de que a sociedade é proprietária, bem como respectiva certidão da CRP actualizada;

- No caso de ter havido reavaliação do imóvel, documentação de suporte;

- Contratos de financiamento;

- Relatório da Gerência para a transformação da sociedade, escriturada em 4-12-01, bem como relatórios do ROC independente para a transformação e o aumento do capital social em espécie, e ainda as contas especialmente preparadas para o efeito, reportadas a 30-11-01, os quais instruíram a referida escritura;

- Declarações Modelo 22 do IRC e respectiva declaração anual dos anos de 2001 e 2002;

- Escritura de cessão de quotas a favor do Sr. BB e outros" – AL);

41. A A. deu conhecimento ao R. do fax referido na alínea anterior, mediante fax de 20-7-04, cuja cópia consta de fls. 113 - AJ);

42. Em 20-7-04, MM, Ldª, enviou à LL, S.A., o fax cuja cópia consta de fls. 114, no qual refere que não é responsável pelo facto de a auditoria não se ter iniciado no dia 16-7-04, imputando tal responsabilidade a esta empresa e comunicando que "no que respeita ao restante conteúdo do seu fax, não me cumprirá a mim responder. Solicito-lhe, pois, que os seus clientes contactem os meus clientes para obterem os esclarecimentos necessários" – AL);

43. Em 20-7-04, a LL, S.A., respondeu ao fax referido na alínea anterior, através do fax cuja cópia consta de fls. 115 e 116, no qual enumera os elementos que foram disponibilizados e os que não foram recebidos – AM);

44. Em 20-7-04, a A. enviou ao R. o fax cuja cópia consta de fls. 117, pelo qual declara "renovamos e reforçamos a N. solicitação de que a informação necessária à execução da auditoria seja prestada e disponibilizada aos N. auditores" – NA);

45. Durante os dias 20 e 21-7-04, a auditoria prosseguiu o seu ritmo normal – AO);

46. Em 21-7-04, a LL, S.A., remeteu a MM, Ldª, o fax cuja cópia consta de fls. 118 (e fls. 341), onde se refere "peço que considere sem efeito a nossa anunciada visita de amanhã, 22-7-04, a qual reagendaremos, após confirmação da parte da vossa parte de que o trabalho pode prosseguir como previsto" – AP);

47. O R. remeteu à A. uma carta registada, datada de 23-7-04 e recebida pela A. em 26-7-04, cuja cópia consta de fls. 119 a 121, referindo que "como é do vosso conhecimento, o contrato-promessa está resolvido" – AO);

48. Em 26-7-04, a A. remeteu ao R. o fax cuja cópia consta de fls. de fls. 291 a 294, com cópia da notificação recebida a 16-7-04 da CML – AR);

49. A A. enviou ao R., que a recebeu, a carta datada de 26-7-04, cuja cópia consta de fls. 392 a 396, pela qual o notifica para lhe facultar "até ao próximo dia 30-7-04, todos os elementos e informações em falta, já anteriormente elencados pelos nossos auditores, e para praticar todos os actos necessários para permitir que os trabalhos de auditoria sejam concluídos até à mesma data, sob pena de, se tal não se verificar, esse comportamento ser considerado como incumprimento ou recusa de cumprimento do contrato” – AS);

50. A A. enviou ao R., que recebeu, a carta datada de 29-7-09, cuja cópia consta de fls. 397 e 399, solicitando que a informe "se mantém e confirma a sua declaração de resolução do contrato-promessa efectuada através da sua citada carta de 23-7-04” – AT);

51. O R. enviou à A. a carta, datada de 29-7-04, constante de fls. 342 a 346 e de fls. 390 a 391 – AU);

52. A A. enviou ao R., que a recebeu, a carta, datada de 2-8-04, cuja cópia consta de fls. 122 a 125 (e fls. 347 a 351), pela qual o notifica para lhe pagar "a indemnização de € 1.023.224,00 devida pelo seu incumprimento do contrato (dobro do sinal e respectivos reforços), para o que lhe fixamos como prazo limite o próximo dia 8-8-04" – AV);

53. O R. enviou à A., que a recebeu, a carta datada de 6-8-04, cuja cópia consta de fls. 352 a 358 – AX;

54. A A. enviou ao R. que a recebeu, a carta datada de 10-8-04, cuja cópia consta de fls. 401 a 404 – AZ);

55. O R. não pagou a quantia referida na carta de 53.



III – Decidindo:

1. Invoca a recorrente a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia relativamente à impugnação de um despacho que a inibiu de produzir prova em audiência de julgamento por falta de pagamento da taxa de justiça. Considera que ao caso é aplicável o regime do Dec. Lei nº 303/07, de modo que a impugnação de decisões interlocutórias pode e deve ser feita nas alegações do recurso interposto da decisão final.

Como parece evidente, existe aqui um erro de análise.

Tratando-se de acção que foi interposta antes de 1-1-08, era-lhe inaplicável o novo regime dos recursos introduzido pelo Dec. Lei nº 303/07. Nessa medida, na data em que foi proferido o despacho que a recorrente invoca, a forma de impugnação passava necessariamente pela interposição de recurso de agravo, com subida diferida, é certo, mas com interposição imediata, no prazo de 10 dias.

O regime apenas se modificou, quanto a processos instaurados antes de 1-1-08, com a aprovação e entrada em vigor do NCPC pela Lei nº 41/13, de 26-6.

Todavia, esta posterior uniformização dos regimes legais em matéria recursória não afectou o efeito preclusivo que porventura já tivesse ocorrido ao abrigo da lei anterior que era efectivamente aplicável à concreta decisão impugnável em via recursória.

Por conseguinte, independentemente dos argumentos invocados pela recorrente para se insurgir contra tal despacho, a falta de impugnação, pela via adequada e em tempo oportuno, tornou extemporânea a sua inserção nas alegações do recurso de apelação que foi interposto da sentença final.


2. Questiona a recorrente no essencial:

- A legitimidade da resolução operada pelo R., com a correspondente perda do sinal prestado, alegando que a situação de incumprimento definitivo não prescindia de uma interpelação admonitória com vista à outorga do contrato definitivo designado para uma data determinada.

- Por outro lado, alega que nunca revelou a vontade de não cumprir de forma definitiva o contrato prometido.

- Considera ainda que, tratando-se de um contrato sinalagmático, o pagamento da parte restante do preço na data da outorga do contrato definitivo implicava para o R. a realização simultânea da sua prestação de entrega das acções ao portador e de entrega de outros documentos, o que não foi feito.


3. As partes subscreveram um contrato-promessa de compra e venda da totalidade das acções representativas do capital social de uma sociedade anónima detida pelo promitente-vendedor, ainda que na substância o que verdadeiramente estava em causa fosse a transmissão do único imóvel que a referida sociedade detinha e relativamente ao qual existia um projecto imobiliário cuja aprovação poderia interferir no valor patrimonial. Foi isso que condicionou o teor do clausulado quanto à área de construção, preço e datas em que cada das partes poderia tomar posição sobre o passo subsequente.

Atenta a especificidade desse contrato, as partes ajustaram um rigoroso programa contratual justificado pelo grau de incerteza que rodeava a aprovação e o resultado final de qualquer projecto imobiliário. Incerteza ligada não só ao prazo do licenciamento como ainda ao projecto, designadamente à área de construção autorizada e à sua apreciação por parte das autoridades administrativas.

Tal complexidade e a necessidade de antecipar, tanto quanto possível, as consequências que cada uma das partes poderia extrair em face do resultado que fosse alcançado, de acordo com a evolução do programa contratual, explicarão o teor e a extensão daquilo que as partes previram no contrato-promessa.

O que essencialmente dele releva é o seguinte:

Nos termos da cláus. 9ª, o contrato considerar-se-ia imediata e automaticamente resolvido se o novo projecto de arquitectura fosse definitivamente aprovado pela CML com uma área de construção efectiva igual ou inferior a 3.300 m2 ou se decorressem 5 anos sobre a data da outorga do contrato-promessa sem que o contrato definitivo estivesse celebrado.

Já no caso de decorrerem 15 meses (na versão inicial, 12 meses) sem que as promitentes-compradoras tivessem sido notificadas pela CML da aprovação de um novo projecto de arquitectura, o promitente-vendedor, ora R., poderia, a qualquer momento, informar as promitentes-compradoras de que pretendia celebrar o contrato no prazo máximo de 15 dias decorridos sobre a data de recepção da notificação, devendo as promitentes-compradoras pagar o preço correspondente a uma área de construção efectiva de 3.500 m2.

Mais se previu, para esta alternativa, que se as promitentes-compradoras não procedessem ao pagamento da quantia devida no aludido prazo máximo de 15 dias, o contrato considerar-se-ia imediatamente resolvido, fazendo o promitente-comprador suas as quantias prestadas a título de sinal e respectivos reforços.


4. O projecto de arquitectura foi indeferido em 2-7-04, por despacho da vereadora da CML, sendo que, por razões que se desconhecem e que não interessam sequer ao resultado desta acção, a A. não terá providenciado pelo suprimento dos aspectos do projecto de arquitectura que determinaram o indeferimento.

Na sequência disso e tendo em conta o período decorrente desde a outorga do contrato-promessa de compra e venda das acções, o R. expediu, em 5-7-04, uma carta para a primitiva A., que a recebeu em 7-7-04, informando-a de que pretendia celebrar o contrato prometido e que aquela deveria, no prazo máximo de 15 dias, pagar o preço correspondente a uma área de construção efectiva de 3.500 m2, sob pena de o contrato se considerar imediata e automaticamente resolvido.

Tal carta limitava-se praticamente a reproduzir o que as partes já haviam consignado no contrato-promessa de compra e venda, acrescendo as operações aritméticas que sustentavam a quantificação do preço e a indicação sobre modo de pagamento.

Gerou-se então um desentendimento entre as partes relativamente à realização da auditoria contratualmente prevista para as contas da sociedade DD, discordância que passou para a presente acção. Cada uma das partes acusava a outra da responsabilidade pela não realização da auditoria a tempo de permitir a outorga do contrato prometido no prazo contratualmente previsto e que tinha sido expressamente assinalado pelo R.

A matéria de facto revela uma série de comunicações que existiram entre as partes e as respectivas ROC que não interessa aqui reproduzir, bastando evidenciar que, dentro do referido prazo peremptório para a outorga do contrato definitivo, isto é, para a entrega das acções ao portador contra a entrega do preço, a auditoria não tinha terminado.

Em 8-7-04, a primitiva A. remeteu ao R., que a recebeu, uma carta informando-o de que devido a facto imputável ao R., não estavam reunidas as condições contratualmente estabelecidas para a celebração do contrato definitivo e consequente pagamento do preço, de onde resultava a ineficácia e a inoponibilidade da interpelação recebida em 7-7-04. Tal declaração foi confirmada no dia seguinte via fax.

O R., no dia 12-7-04, ainda enviou à A., que o recebeu, um fax em que referia, mais uma vez, que a A. deveria proceder ao pagamento do preço contratualmente acordado até ao fim do prazo que fora fixado, insistindo na cominação de que o contrato se consideraria imediatamente resolvido com a consequente perda das quantias que haviam sido prestadas a título de sinal e respectivos reforços.

Foi assinalado por diversas vezes à A. que o contrato deveria ser celebrado até ao dia que fora fixado, sem admitir prorrogação, considerando ainda o R., com base no que fora previsto no contrato, que a realização da auditoria não deveria contender com o respeito pelo referido prazo.

Para além do teor do contrato, esse sinal é bem explícito na missiva de 28-5-04 (17. supra) quando ainda se estabeleciam contactos para uma eventual renegociação do contrato, sendo confirmado em diversas outras missivas que foram remetidas entre o dia 7-7-04 e 22-7-04. Em todas essas comunicações o R. jamais abdicou da conclusão do contrato definitivo na data que tinha fixado, com base no que fora acordado no contrato-promessa.

Importa ter em atenção que, como o R. adiantou em algumas comunicações, já haviam decorrido praticamente dois anos desde a celebração do contrato-promessa de compra e venda das acções, em 26-7-02, estando excedido quer o prazo de 12 meses que inicialmente se previra para a realização do contrato prometido, quer o prazo de 15 meses que depois foi acordado pelas partes em aditamento ao contrato-promessa.

A A. sustentou a acção fundamentalmente no facto de o R. ter precipitado a resolução do contrato sem que desse à A. a colaboração para a realização da auditoria que considerava fundamental neste tipo de negócio, mas o certo é que a decisão da matéria de facto revela-nos que não se provou a matéria contida nos arts. 3º, 4º, 5º e 6º da base instrutória.

Sendo discutida a responsabilidade pela não realização integral da aludida auditoria, antes da outorga do contrato definitivo, importa estabelecer a comparação entre o que a A. alegou a esse respeito e que se provou e não provou.

Assim:

a) Não se provou que a A. não recebeu qualquer resposta aos faxes referidos nas als. Q) e S) (supra 21. e 22.) (3º);

b) Não se provou que no dia 21-7-07, nas vésperas de findar o prazo para a finalização do contrato prometido, a ROC designada pelo R. tenha contactado a ROC designada pela A. de que recebera instruções do R. para que os trabalhos de auditoria não prosseguissem no dia seguinte, sem mais explicações (4º);

c) Não se provou que só em 29-7-04, já depois de decorrido o prazo fixado, o R. tenha fornecido à A. todos os elementos necessários à realização da auditoria (5º);

d) Finalmente, não se provou que o R. tenha impedido a realização de uma reunião agendada para o dia 22-7-04 e que não tenha autorizado que a auditoria prosseguisse (6º).


5. A resolução dos contratos, designadamente de contratos-promessa de compra e venda de imóveis ou de outros bens, pode operar por duas vias concorrentes:

- Por via legal, com invocação de algum dos fundamentos previstos no art. 808º do CC: incumprimento definitivo por perda objectiva de interesse ou decurso de um prazo razoável sobre a mora fixado pelo credor;

- Por via de uma cláusula resolutiva.

Ao caso não importa nenhuma daquelas primeiras previsões. Não releva nem a falta de interesse objectivo, nem a situação de mora convertida em incumprimento definitivo. Só interessa verdadeiramente o confronto entre o clausulado contratual e as circunstâncias que as partes consideraram relevantes para a extinção do contrato.

Convém que não se descontextualize nem a cláusula contratual, nem a actuação que cada uma das partes teve aquando do momento crítico em que, por exclusiva vontade do promitente-vendedor, ora R., o destino do contrato derivou para a outorga do contrato definitivo, por via do exercício de uma faculdade contratual que lhe foi atribuída e a que as promitentes-compradoras não poderiam escapar, sob a cominação da extinção do contrato-promessa, com a consequente retenção do sinal por parte do promitente-comprador, com fundamento numa cláusula resolutiva expressa.

Bem longe do que é normal na generalidade dos contratos-promessa de compra e venda, o facto de este contrato se reportar à compra e venda de acções de uma sociedade trouxe para o clausulado contratual um rol de previsões que só compreende como forma de cada uma das partes ficar bem ciente e tornar bem ciente a outra dos seus direitos e do modo do seu exercício, fugindo ao grau de insegurança ou de aleatoriedade que ainda é projectada pelo recurso ao regime legal supletivo.

A complexidade e a minúcia da cláusula contratual que conferia ao R., num primeiro momento, a alternativa entre declarar a resolução ad nutum do contrato-promessa ou a vinculação da promitente-compradora à outorga do contrato definitivo encontra correspondência na complexidade e na minúcia do contrato globalmente considerado, revelando uma grande preocupação das partes de evitar factores de incerteza e de insegurança relativamente ao uso de cada uma das faculdades ou ao conteúdo de cada um dos direitos.

Tais características estendem-se ao clausulado quanto ao momento seguinte, ou seja, quanto aos efeitos que deveriam ser projectados para cada uma das partes a partir do momento em que o A., no exercício de um direito potestativo que lhe fora atribuído, optasse por informar a promitente-compradora da sua vontade de prosseguir com a outorga do contrato definitivo, implicando, por isso, além do mais, o pagamento da parte remanescente do preço.

Ora, não existindo dúvidas nem quanto ao decurso do prazo de que as partes fizeram depender a declaração de alguma das opções alternativas conferidas ao R., nem quanto à legitimidade da opção contratualizada de que o R. fez uso, a primitiva A. estava e ficou bem ciente nesse momento (decorridos que eram mais de 15 meses depois da outorga do contrato-promessa sem que tenha sido aprovado um novo projecto de arquitectura) do ónus que sobre si impendia, no sentido de tudo fazer para que fosse outorgado o contrato definitivo no prazo de 15 dias, efectuando o pagamento do preço correspondente a uma área de construção de 3.500 m2, contra a entrega, por parte do R., das acções ao portador da DD, S.A., sob pena de operar a resolução do contrato-promessa de compra e venda das acções.

A fixação de prazo peremptório para a prática de um determinado acto, sob cominação da resolução, para além da sustentação na autonomia privada em função dos interesses em presença, encontra justificação racional na ideia de se evitarem as delongas e os riscos normalmente associados ao processo de transformação de uma situação de simples mora em incumprimento definitivo, nos termos e para efeitos do art. 808º, nº 1, do CC (cfr. Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2ª ed,, págs. 83 e 84).


6. O pagamento do preço deveria ser feito na data da outorga do contrato definitivo, o que implicava a designação da data para esse acto, em princípio até ao final do prazo de 15 dias, ónus que ficou a cargo do R., promitente-vendedor, com a necessária concertação das promitentes-compradoras (cláus. 8ª).

O R., por diversas vezes tornou a A. ciente da sua vontade de se conjugarem esforços no sentido da concretização do contrato prometido que, atenta a natureza do negócio, se consumava essencialmente através da entrega das acções ao portador por parte do R. contra a entrega do preço que ainda se encontrava por pagar a cargo da A.

É claro que nesse prazo cada uma das partes deveria cooperar no sentido da outorga do contrato definitivo, pois era nesse momento que o preço restante deveria ser pago (cláus. 4ª, nº 5).

No que concerne à situação económica, financeira e fiscal da sociedade DD cujas acções seriam alienadas, a informação essencial já era do conhecimento das promitentes-compradoras (cláus. 3ª), mas outras informações revelar-se-iam porventura necessárias imediatamente antes da outorga do contrato definitivo, como decorre da cláus. 6ª, para o que se previu a possibilidade de ser realizada nova auditoria. Porém, esta diligência preventiva não reduzia a pressão sobre o rigor do prazo contratualmente previsto, devendo estar concluída até à data da outorga do contrato definitivo.

A taxatividade do prazo de outorga do contrato definitivo que já fora antecipada pelas partes no contrato acabou por ser confirmada pelo R. que, em nova missiva de 12-7-04, intimou a A. para proceder ao pagamento do preço até ao dia 20-7-04, insistindo na cominação que contratualmente fora fixada, qual seja, a resolução do contrato, com perda das quantias prestadas a título de sinal e respectivos reforços.

Pode, assim, afirmar-se a essencialidade do prazo contratualmente fixado, a qual, além de encontrar sustentação no teor do contrato e na posição que foi assumida e confirmada pelo R., está de harmonia com as especificidades do negócio e com o período temporal que já tinha decorrido desde a outorga do contrato-promessa.

Nestas circunstâncias não se compreende a missiva que a primitiva A. remeteu ao R., em 8-7-04, informando-a de que, por facto imputável a este, não estavam reunidas as condições contratualmente estabelecidas para a celebração do contrato definitivo e consequente pagamento do preço, reclamando a ineficácia e inoponibilidade da interpelação recebida em 7-7-04.

Este facto em si, isoladamente considerado, não representa verdadeiramente uma recusa de cumprimento do contrato prometido, mas constitui um elemento que antecipa o esgotamento do prazo que estava em curso e do qual as partes, na ocasião em que subscreveram o contrato, e o R., aquando do envio da carta em que definira a sua opção e as consequências da sua não efectivação no prazo de 15 dias, fizeram depender a extinção do contrato-promessa por via resolutiva expressa.

Repare-se que, estando em vias de realização uma segunda auditoria que fora requerida pelas promitentes-compradoras, as partes previram na cláus. 7ª, nº 3, que tal auditoria não poderia servir de pretexto para a prorrogação do prazo de celebração do contrato definitivo, presumindo que estariam reunidas as condições para essa outorga.

Por conseguinte, o decurso do prazo contratualmente previsto e que especificamente foi assinalado à A. por parte do R. teve como consequência despoletar o efeito resolutivo que pelo R. fora especificamente assinalado em duas missivas de que a A. teve conhecimento.


7. A necessidade de uma específica interpelação admonitória que concedesse um prazo adicional, depois de excedido o prazo que fora fixado pelo R., não estava prevista no contrato-promessa, nem é ajustada a situações como a dos autos.

Admite-se que, em regra, num contexto de sujeição ao regime legal supletivo, a situação d simples mora não determina a resolução do contrato-promessa. A jurisprudência e a doutrina são unânimes em considerar que, em face do art. 808º, nº 1, do CC, salvo situações excepcionais de recusa peremptória de cumprimento ou de outras que decorram de um especial circunstancialismo, o incumprimento definitivo do contrato não resulta do simples decurso de um prazo contratualmente previsto, devendo ser intermediado pela emissão de uma interpelação admonitória que coloque a contraparte na iminência da resolução em caso de esgotamento de um prazo razoável adicional.

O caso presente escapa, porém, a tal previsão normativa, sendo antes envolvido, como se disse anteriormente, na resolução de base convencional, efeito de que a A. estava bem ciente aquando da outorga do contrato.promessa de compra e venda das acções e, depois, através da primeira missiva do R., a fixar o prazo para a outorga do contrato prometido, o qual foi reafirmado numa segunda missiva antes do termo final.

Contra o alegado pela recorrente não se encontra na matéria de facto provada qualquer omissão de conduta imputável ao R., quer relativamente à realização da auditoria, quer em relação ao cumprimento da sua obrigação sinalagmática de entregar as acções contra o pagamento do preço. Outrossim, não se detecta qualquer falha em relação à entrega de outros documentos, sendo que o R., em diversas ocasiões, se mostrou sempre disponível para colaborar e, como é natural, para proceder à entrega das acções de que era portador.

Repare-se ainda que a transformação do contrato-promessa de compra e venda das acções no contrato definitivo de compra e venda das acções não carecia de qualquer formalidade especial, uma vez que tinham por objecto do contrato acções ao portador que, a partir da entrega, passariam a ser da titularidade dos adquirentes.

Improcede, por isso, a tese defendida pela R., devendo confirmar-se o acórdão recorrido.


IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

Notifique.

Lisboa, 9-7-15


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Bettencourt de Faria