Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5186/09.6TVLB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: SINDICATO
ASSEMBLEIA DE EMPRESA
DELIBERAÇÃO
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO
COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO
ESTATUTOS DO SINDICATO
QUESTÃO DE NATUREZA PROFISSIONAL
OBJECTO DO RECURSO
RECTIFICAÇÃO DE ERRO MATERIAL
Data do Acordão: 12/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS COLECTIVAS ( PESSOAS COLETIVAS ) / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL / PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA ) / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 174.º, 236.º, 238.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 614.º, 635.º
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
– DE 20 DE MAIO DE 2010, PROC. Nº 86/2000.L1.S1;
– DE 4 DE MAIO DE 2014, PROC.Nº 23/12.7TBESP.P1.S1;
AMBOS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. No recurso de revista, não podem ser apreciadas questões não incluídas no objecto da acção; nem podem ser consideradas causas de pedir não oportunamente invocadas.

2. Tendo em conta que só o autor recorreu, está definitivamente decidido o pedido de anulação da deliberação da Assembleia de Empresa relativa à “quotização extraordinária” dos associados (Código de Processo Civil, artigo 635º, nº 5, do Código de Processo Civil).

3. Tendo subido o processo em recurso, já não é admissível a rectificação da decisão recorrida – nº 2 do artigo 614º do Código de Processo Civil. Isso não significa, no entanto, que o acórdão recorrido não deva ser interpretado com o sentido que dele ostensivamente resulta, ou seja, como confirmando a anulação da deliberação relativa àquela quotização.

4. O Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil tem capacidade para celebrar contratos de prestação de serviços de assessoria económico-financeira no exercício da actividade de “negociação do acordo de empresa e revisão salarial com a TAP Portugal”

5. Resulta dos estatutos que, para determinar a competência que estatutariamente cabe à Assembleia de Empresa, há que a delimitar face à competência da Assembleia Geral, que tem competência residual para “exercer as competências previstas nos presentes Estatutos e não compreendidas nas competências próprias de outros órgãos”.

6. Ao deliberar aprovar a celebração de um contrato de prestação de serviço de assessoria na negociação das condições do exercício da actividade profissional dos associados pilotos da TAP, a Assembleia de Empresa está a pronunciar-se sobre uma questão relativa ao exercício da respectiva profissão, nos termos estatutários.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA propôs uma acção contra o SPAC – Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil, pedindo a anulação das “deliberações adoptadas na reunião de 28 de Janeiro de 2009 da Assembleia de Empresa dos Pilotos da TAP Portugal do SPAC –  ­ Sindicato dos Pilotos de Portugal: (a) a deliberação que aprova a prestação de assessoria económico-financeira ao Sindicato por ‘BB, Consultores, Ldª.’, sob a forma de contrato de prestação de serviços por violação tanto dos artºs 54º, 78º, nº 1 e 42º, nº 1 dos estatutos do SPAC (incompetência do órgão para deliberar sobre esta matéria) e 177º CCiv (adopção de deliberação contrária à lei pelo seu objecto); (b) a deliberação que aprova a cobrança de uma ‘quotização extraordinária’ por parte dos associados pertencentes aos quadros da TAP por violação do artº 174º nº 2 CCiv (deliberação tomada sobre matéria estranha à ordem do dia), artº 24º nºs 2 e 7 dos estatutos do SPAC (irregularidade da proposta porque não subscrita pela Direcção e omissão do respectivo regime de pagamentos”.

O réu contestou, por excepção (invocando a caducidade do direito de anulação) e por impugnação. Nomeadamente, sustentou a competência da assembleia, porque “a contratação da BB, Consultores, Ldª. Foi realizada no âmbito de uma relevantíssima questão de natureza profissional relacionada com a actividade dos associados do R. que trabalham na TAP e, designadamente, no dossier revisão do Acordo de Empresa celebrado entre a mesma e o R.”, o “mais relevante dos dossiers pendentes no sindicato”; e alegou que o“ valor, forma e data(s) de pagamento” ainda teriam de ser deliberados noutra assembleia, só tendo sido aprovado “o princípio” de que parte do preço do contrato seria pago mediante uma quota suplementar.

O autor apresentou réplica.

A acção foi julgada procedente, pela sentença de 7 de Novembro de 2014, de fls. 1116, nestes termos:

“À Assembleia de Empresa, de acordo com o art. 54 dos Estatutos do SPAC, compete:

«a) pronunciar-se sobre todas as questões de natureza profissional relacionadas com a atividade dos Associados na empresa em que prestem trabalho;

b) aprovar ou ratificar os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho ou outra regulamentação laboral;

c) deliberar sobre a declaração de greve na respetiva empresa;

d) fiscalizar os atos dos respetivos delegados sindicais;

e) eleger e destituir a Comissão de Empresa;

f) deliberar sobre a cobrança de quotas suplementares.»

A “aprovação da prestação de assessoria sob a forma de contrato de prestação de serviço” – a redação da deliberação inculca ter existido de facto uma prestação de serviço que se pretende, a posteriori, aprovar, o que é confirmado pelo facto n.º 9 – não cabe nas competências da Assembleia de Empresa, acima elencadas.

Diz-se no facto 18 que compete à Direção a contratação de serviços pelo R. De acordo com o disposto no art. 79, al. a), dos Estatutos do SPAC, os serviços que a Direção do R. pode contratar são os necessários à direção, coordenação, gestão e administração do Sindicato, de acordo com os Estatutos e com o programa eleitoral. A Direção não pode, para além disto, celebrar outros contratos além dos especificados no art. 79, al. d) – contratos de locação de equipamentos. Não vamos discutir, por não ser objeto deste processo, se o contrato dos autos vai além dos que cabem nos poderes da Direção.

O que se discute, é se a Assembleia de Empresa pode aprovar uma prestação de serviços com os contornos da dos autos (leiam-se os factos 20 a 24), e a resposta impõe-se negativa perante o art. 54 dos Estatutos. Assim, a primeira deliberação é anulável porque, pelo seu objeto, contrária aos Estatutos (art. 177 do CC).

A segunda deliberação cabe nas atribuições da Assembleia de Empresa (arts. 24, nºs 2 e 7, e 54, al. f), dos estatutos do SPAC), mas não constava da ordem do dia (factos n.ºs 6-b e 4). Nos termos do disposto no art. 174, n.º 2, do CC, são anuláveis as deliberações tomadas sobre matéria estranha à ordem do dia, salvo se todos os associados comparecerem à reunião e todos concordarem com o aditamento, o que não sucedeu.

4. DECISÃO

Pelo exposto, julgo a ação totalmente provada e procedente, anulando as deliberações tomadas na reunião de 28/01/2009 da Assembleia de Empresa dos Pilotos da TAP Portugal do SPAC – Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil, a saber:

a) A deliberação que aprova a prestação de assessoria económico-financeira ao sindicato por “BB, Consultores, Ldª.”, sob a forma de contrato de prestação de serviços; e

b) A deliberação que aprova a cobrança de uma “quotização extraordinária” por parte dos associados pertencentes aos quadros da TAP.”

A sentença foi parcialmente revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Junho de 2015, de fls. 115:

“3. (…)

     A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação da validade da deliberação impugnada.

     Considerou-se na decisão recorrida que, não competindo à assembleia de empresa do R, ora apelante, aprovar a prestação de assessoria sob a forma de contrato de prestação de serviços, a deliberação a tal respeitante é anulável, por contrariar, pelo seu objecto, os respectivos estatutos.

    Resulta, todavia, do art. 54º desses estatutos, competir, designadamente, à assembleia de empresa – al. a) – pronunciar-se sobre todas as questões de natureza profissional relacionadas com a actividade dos associados na empresa em que prestem trabalho.

     Não podendo deixar de se entender que a contratação de assessoria económico-financeira, para apoio à negociação do acordo de empresa e revisão salarial com a TAP Portugal, se enquadra no conceito de questão de natureza profissional relacionada com a actividade de associados na empresa em que prestam trabalho,

   Em tais termos, e nada estatutariamente obstando a que fosse a mesma submetida à deliberação da assembleia, se haverá de concluir, ao invés do decidido, que não enferma tal deliberação do apontado vício.     

    Já no tocante à deliberação referente ao financiamento da assessoria contratada através de quotização extraordinária, se mostra provado tratar-se essa de matéria não constante da convocatória para a assembleia em causa.

   Pelo que, pese embora a invocada conexão com o demais deliberado, se trata de resolução tomada sobre matéria estranha à ordem do dia – e, como tal, uma vez inverificadas, no caso, as excepções a que tal preceito se reporta, anulável, por força do disposto no art. 174º, nº3, do C.Civil.

     Nessa parte, se impõe, assim, a confirmação do decidido – e a consequente improcedência das alegações da apelante.

4. Pelo acima exposto, se acorda em, concedendo parcial provimento ao recurso, alterar a decisão recorrida, declarando-se a nulidade da deliberação tomada, restrita à parte em que aprovou a aludida quotização extraordinária”.

2. AA recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

«EM CONCLUSÃO

A. Em 28 de Janeiro de 2009, reuniu a Assembleia de Empresa dos Pilotos da TAP Portugal do SPAC, com a seguinte ordem do dia: Ponto único – Apresentação, discussão e deliberação da proposta da Direcção do contrato de assessoria económico-financeira para apoio à negociação do Acordo de Empresa e Revisão Salarial com a TAP Portugal;

B. A Assembleia aprovou por maioria dos presentes a prestação de assessoria económico-financeira ao Sindicato por Paulo Rodrigues-Consultores, Lda. sob a forma de contrato de prestação de serviços, a fim apoiar a Direcção no âmbito das negociações do Acordo de Empresa dos Pilotos da TAP Portugal.

C. O objecto da prestação de serviços em apreço é a de uma assessoria à Direcção do SPAC, que não se confunde, de todo em todo, com a tomada de uma posição sobre quaisquer "questões de natureza profissional relacionadas com a actividade dos Associados na empresa em que prestem trabalho", matéria exclusivamente contemplada na norma atribuidora de competência ora em apreço.

D. No contrato de prestação de serviços em apreço fixa-se como remuneração a auferir pela respectiva prestadora a importância de € 525 000,00, acrescidos de IVA à taxa legal, num total de € 630 000,00;

E. A alínea a) do art.s 54.º dos Estatutos do SPAC dispõe que apenas compete à Assembleia de Empresa pronunciar-se sobre as questões de natureza profissional relacionadas com a actividade dos Associados na empresa em que prestem trabalho.

F. Na interpretação daquela referida disposição hão-de se respeitar, sob pena de violação de lei, os preceitos que regem a interpretação de normas constantes dos art.ss 9.º a 11.º e 236.º a 239.º CCiv. e designadamente procurar reconstituir o pensamento – a vontade – do seu autor, tendo em conta a unidade do sistema em que se insere, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

G. As Assembleias de Empresa do SPAC têm a sua competência estatutariamente limitada às matérias exclusivamente relacionadas com as questões de natureza profissional dos associadas da empresa em que prestem trabalho, sendo-lhe vedado, designadamente, vincular por qualquer forma o Sindicato e a generalidade dos seus associados em actos e obrigações que extravasem este universo, mesmo que sejam do interesse deste.

H. O contrato de prestação de serviços celebrado pela Direcção do SPAC com BB Consultores, Lda vincula o sindicato e a generalidade dos seus associados no seu todo numa obrigação de € 630 000,00 e não apenas o universo dos Pilotos da TAP que a Assembleia de Empresa representa, sendo para mais certo que à própria direcção do SPAC está vedado celebrar contratos para além dos necessários à direcção, coordenação, gestão e administração do Sindicato e de locação de equipamentos, o que não é manifestamente o caso.

I. O entendimento acolhido pelo aliás douto Acórdão recorrido viola as normas de interpretação de normas jurídicas constantes dos art.os 9.º a 11.º e 236.º a 239.º CCiv.

J. A interpretação da norma constante da alínea a) do art.º 54.º dos Estatutos do SPAC, à luz dos preceitos anteriormente citados, ao dispor que "compete à Assembleia de Empresa pronunciar-se sobre as questões de natureza profissional relacionadas com a actividade dos Associados na empresa em que prestem trabalho", exclui do seu objecto a aprovação de quaisquer contratos de assessoria à direcção do sindicato que o vinculem em obrigações que extravasem o universo dos seus associados que prestem trabalho na TAP Portugal, SA.

K. A deliberação da Assembleia de Empresa dos Pilotos da TAP por não se conter nas competências que se lhe encontram estatutariamente cometidas é anulável porque pelo seu objecto contrária aos estatutos do SPAC, impondo-se consequentemente a sua anulação, conforme requerido, com todas as consequências de lei. »

Nas contra-alegações, o réu requereu, como “questão prévia”, que «se rectifique o lapso de escrita manifesto, ínsito no dispositivo do douto aresto, quando aí se refere que se declara a nulidade da deliberação tomada, pois queria dizer a "anulabilidade da deliberação tomada"» e pronunciou-se pela improcedência do recurso, salientando que, “em primeiro lugar, o objecto da deliberação versa directamente sobre uma questão de natureza profissional” e que, “em segundo lugar, o argumento de que a Assembleia de Empresa não pode vincular o réu em operações com terceiros é totalmente irrelevante para a presente discussão”.

O recurso foi admitido como revista, com efeito devolutivo.

3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):


 “1. O A. é piloto aviador, exercendo a sua atividade profissional na TAP PORTUGAL, SA desde 1978, como piloto, com a categoria profissional atual de comandante de longo curso (A).

2. O A. é o associado n.º … do SPAC – Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil e encontra-se no pleno gozo dos seus direitos sindicais (B).

3. Como associado do SPAC em pleno gozo dos seus direitos associativos e trabalhador da TAP PORTUGAL, SA, o A. tem, entre outros, o direito de participar e deliberar nas respetivas Assembleias Gerais e Assembleias de Empresa dos Pilotos da TAP Portugal (C).

4. Em 28 de janeiro de 2009, reuniu a Assembleia de Empresa dos Pilotos da TAP Portugal do SPAC, com a seguinte ordem do dia: Ponto Único – Apresentação, discussão e deliberação da proposta da Direção, do contrato de assessoria económico-financeira para apoio à negociação do Acordo de Empresa e Revisão Salarial com a TAP Portugal. (D).

5. Da Assembleia de Empresa referida foi elaborada a ata junta a fls. 19 a 23 que aqui se dá por integralmente reproduzida, dela constando as deliberações que foram aprovadas (E).

6. A Assembleia de Empresa aprovou por maioria dos presentes:

(a) A prestação de assessoria económico-financeira ao Sindicato por BB, Consultores, Ldª.’ sob a forma de contrato de prestação de serviços, a fim de apoiar a Direção no âmbito das negociações do Acordo de Empresa dos Pilotos da TAP Portugal.

(b) O financiamento daquela assessoria através dos associados da Empresa TAP sob a forma de uma ‘Quotização Extraordinária’ (F).

7. Pelo SPAC foi difundido o comunicado nº 06/09, junto a fls. 24, que aqui se dá por integralmente reproduzido (G).

8. O Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil rege-se pelas normas fixadas nos respetivos Estatutos juntos a fls. 26 a 85 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos (H).

9. Em 28.01.2008, entre o Réu SPAC e a firma BB, Consultores, Lda. foi outorgado o contrato de prestação de serviços junto a fls. 12 a 18, que aqui se dá por integralmente reproduzido (I).

10. O Autor não assistiu nem se fez representar na Assembleia de Empresa de 28.01.2009 (J).

11. O contrato referido na Convocatória de fls. 11 para apreciação na Assembleia de Empresa de 28.01.2009 é o que se mostra junto a fls. 12 e segs. (1.º).

12. No decurso dos trabalhos da Assembleia, a Direção, através da pessoa do seu Presidente, apresentou a seguinte proposta à Assembleia: “Eu, CC, associado nº … do SPAC e na qualidade de Presidente da Direção do mesmo órgão, venho por este meio propor: A assessoria económico-financeira do “BB, Consultores, Ldª.” sob a forma de contrato de prestação de serviços, a fim de apoiar a Direção no âmbito das negociações do Acordo de Empresa dos Pilotos da TAP Portugal; Que o valor do contrato seja suportado pelos associados da Empresa TAP sob a forma de Quotização Extraordinária nos moldes definidos e explicados nesta Assembleia”(2.º).

13. A Convocatória da Assembleia de Empresa de fls. 11 previa, como ponto único: «Apresentação, discussão e deliberação da proposta da Direção, do contrato de assessoria económico-financeira para apoio à negociação do Acordo de Empresa e Revisão Salarial com a TAP Portugal» (3.º).

14. Estiveram presentes 383 associados com assento na Assembleia de Empresa dos Pilotos da TAP Portugal do SPAC, dos quais 191 por procuração (4.º).

15. Dos representados a maioria subscreveu procurações do modelo junto a fls. 103 (5.º).

16. As procurações passadas pelos associados não presentes conferiam poderes para «ser meu representante nos trabalhos da Assembleia de Empresa desse Sindicato que vai ter lugar no próximo dia __/__/__ ou em qualquer outra que, em continuação desta se efetue, podendo, por minha conta, participar em todos esses trabalhos, incluindo requerer, propor, debater, votar ou impugnar tudo o que se entenda por conveniente» (6.º).

17. A deliberação adotada na Assembleia de Empresa foi-o sob proposta do associado n.º … do SPAC, nessa qualidade e na de Presidente da Direção do Sindicato (8.º).

18. A contratação de serviços pelo Réu é da competência da sua Direção (10.º).

19. A proposta constante da resposta ao quesito 2.º é omissa quanto ao regime de pagamento da quota suplementar ou extraordinária que propunha (11.º).

20. No contrato de prestação de serviços em apreço fixa-se como remuneração a auferir pela respetiva prestadora a importância de € 525.000,00, acrescidos de IVA à taxa legal, num total de € 630.000,00 (12.º).

21. Os serviços que visa remunerar são de apoio à definição pela Direção do Sindicato de uma estratégia negocial com a TAP e à negociação a levar a cabo com esta entidade em sede de revisão do Acordo de Empresa (13.º).

22. Os serviços contratados com a sociedade BB, Lda. serão prestados apenas pelo seu sócio-gerente DD, sem prejuízo da possibilidade de subcontratação de serviços por parte da segunda outorgante (14.º).

23. Os serviços apenas serão prestados por DD nos tempos livres de voo de que o mesmo possa vir a dispor (16.º).

24. O referido prestador de serviços é piloto aviador exercendo as funções de comandante nos voos de longo curso na TAP PORTUGAL, SA e como tal sujeito à carga horária e aos períodos de descanso em curso na empresa para estas rotas (17.º).

25. DD mantém, diretamente ou através da sociedade BB, Consultores, Ldª., outros contratos de prestação de serviços com o SPAC, de índole semelhante, para apoio, às negociações deste Sindicato com as companhias de aviação SATA e Portugália (18.º).

4. Tendo em conta que só o autor recorreu, está definitivamente decidido o pedido de anulação da deliberação relativa à “quotização extraordinária” dos associados (Código de Processo Civil, artigo 635º, nº 5, do Código de Processo Civil).

Assim, apenas está em causa neste recurso a questão da anulabilidade da deliberação da Assembleia de Empresa dos Pilotos da TAP de 28 de Janeiro de 2009 que aprovou a prestação de assessoria económico-financeira ao Sindicato por ‘BB, Consultores, Ldª.’, sob a forma de contrato de prestação de serviços (petição inicial), “por não se conter nas competências que se lhe encontram estatutariamente cometidas” pela al. a) dos Estatutos do SPAC (conclusões das alegações da revista).

 Está fora da presente acção e, consequentemente, fora do âmbito do presente recurso saber se a Direcção do SPAC tem ou não competência estatutária para a celebração do contrato de prestação de serviços sobre o qual incidiu a deliberação impugnada; e o mesmo se diga quanto a saber se estarão ou não em causa “obrigações que extravasem o universo dos (…) associados que prestem trabalho na TAP Portugal, SA”, fundamento também invocado nas alegações da revista.

A definição do objecto da acção, constante naturalmente da petição inicial, não inclui tais questões, que portanto não podem ser analisadas na revista. Diga-se, aliás, que a apreciação da segunda, enquanto fundamento de incompetência e, consequentemente, de invalidade, implicaria a consideração de uma causa de pedir não oportunamente invocada.

5. Cumpre começar por apreciar o requerimento de rectificação do acórdão recorrido, apresentado como “questão prévia” pelo réu.

Da leitura do acórdão recorrido resulta que é manifesto que só por lapso se terá escrito, na parte decisória, que se declarava “a nulidade da deliberação impugnada, restrita à parte em que aprovou a aludida quotização extraordinária”.

No entanto, tendo subido o processo em recurso, a rectificação já não é admissível – nº 2 do artigo 614º do Código de Processo Civil. Isso não significa, no entanto, que o acórdão recorrido não deva ser interpretado com o sentido que dele ostensivamente resulta, ou seja, como confirmando a anulação da deliberação relativa àquela quotização.

Indefere-se, portanto, o requerimento de rectificação.

6. Não se levantam dúvidas de que o SPAC tem capacidade para celebrar contratos de prestação de serviços de assessoria económico-financeira no exercício da actividade de “negociação do acordo de empresa e revisão salarial com a TAP Portugal” (transcreve-se o que consta da cópia da convocatória junta a fls. 11). O recorrente não levanta sequer a questão; afirma é que a aprovação da proposta correspondente caberia à Assembleia Geral do Sindicato e não à Assembleia de Empresa dos Pilotos da TAP Portugal, que a deliberou. Assim resultaria, em seu entender, do disposto nos artigos 42º, 54º e 79º dos Estatutos do SPAC, que atribuem à Assembleia Geral a “competência genérica para deliberar sobre assuntos do interesse geral do sindicato ou que o vinculem no seu todo e em representação do conjunto dos seus associados perante terceiros” (ponto 8, b) das alegações).

É certo que, para determinar a competência que estatutariamente cabe à referida Assembleia de Empresa, há desde logo que a delimitar face à competência da Assembleia Geral do SPAC, “órgão soberano do Sindicato”, como proclama o artigo 41º dos Estatutos. E é igualmente certo, por um lado, que a competência residual para “exercer as competências previstas nos presentes Estatutos e não compreendidas nas competências próprias de outros órgãos” cabe à Assembleia Geral (al. m) do artigo 42º), em consonância com o regime geral das associações (nº 1 do artigo 172º do Código Civil) e, por outro, que da competência da Assembleia Geral para “pronunciar-se sobre todas as questões de natureza profissional” se exclui o “que diz respeito às matérias compreendidas na competência específica da Assembleia Sectorial ou da Assembleia de Empresa” (al. h) do mesmo artigo 42º).

Cumpre, portanto, recorrer ao artigo 54º para determinar se a deliberação cuja validade o recorrente questiona é ou não abrangida pela competência da Assembleia de Empresa dos Pilotos da TAP.

E a resposta é claramente afirmativa, conforme se decidiu no acórdão recorrido. O contrato de prestação de serviços tem como objecto a assessoria na negociação das condições do exercício da actividade profissional dos associados pilotos da TAP, como expressamente resulta do respectivo objecto (cfr. nomeadamente a sua cláusula 1ª) – ou seja, destina-se a assessorar o Sindicato no exercício da sua atribuição de defender e promover os direitos e interesses profissionais (artigo 4º) dos seus associados que estão ao serviço da TAP.

Ao deliberar aprovar a celebração do contrato, a Assembleia de Empresa está a pronunciar-se sobre uma questão relativa ao exercício da profissão dos associados pilotos da TAP.

O recorrente sustenta que interpretar assim a al. a) do artigo 54º dos Estatutos viola as regras de interpretação da lei e das declarações negociais; mas não esclarece qual é então o sentido que as respeita, pela positiva: limita-se a dizer que está excluída “a aprovação de quaisquer contratos de assessoria à direcção do sindicato que o vinculem em obrigações que extravasem o universo dos seus associados que prestem trabalho na TAP Portugal, SA”.

Nesta afirmação, aliás, o recorrente inclui elementos de alcance subjectivo que não vêm ao caso, e cuja abrangência, se a questão coubesse no âmbito do recurso, lhe competiria demonstrar. Fica-se aliás na dúvida sobre se o vício de incompetência que o recorrente agora atribui à deliberação que pretende anular decorre do objecto dessa deliberação (aprovação do contrato de assessoria), ou antes do respectivo âmbito subjectivo (vinculação do Sindicato quanto a obrigações que excedam o universo dos associados que prestem trabalho na TAP). Como se disse já, a consideração deste hipotético âmbito subjectivo implicaria a apreciação de uma nova causa de pedir, não tempestivamente invocada na acção – e, na realidade, não demonstrada.

  Seja como for, e para o que releva no presente recurso, o texto da referida al. a) do artigo 54º não levanta dúvidas de interpretação: a Assembleia de Empresa pode aprovar (pronunciar-se sobre) contratos de prestação de serviços co-adjuvantes das negociações do acordo de empresa e das condições salariais dos associados que se encontram ao serviço da TAP, que são questões relativas ao exercício da respectiva profissão nesta empresa. Trata-se de um sentido que o texto da norma estatutária literalmente comporta e que corresponde ao significado habitual das palavras utilizadas, àquele que um destinatário medianamente diligente e informado lhes atribuiria (artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1 do Código Civil) – e, para o que agora releva, ao seu sentido normativamente definido, portanto susceptível de controlo pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal 20 de Maio de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 86/2000.L1.S1 ou de 4 de Maio de 2014, www.dgsi.pt, proc.nº 23/12.7TBESP.P1.S1).

7. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2015


Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego