Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | ALEXANDRE REIS | ||
Descritores: | AUTORIDADE DO CASO JULGADO PRESSUPOSTOS FUNDAMENTOS EXTENSÃO DO CASO JULGADO HABILITAÇÃO DO ADQUIRENTE EMBARGOS DE TERCEIRO EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA | ||
Data do Acordão: | 05/14/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / COMEÇO E DESENVOLVIMENTO DA INSTÂNCIA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / NOÇÃO DE TRÂNSITO EM JULGADO. | ||
Doutrina: | - A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 694; - M. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 319 e ss.; - Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, 2004, p. 394; - Miguel Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325º, p. 79. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 263.º, N.º 3 E 628.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 09-05-1996, IN CJSTJ, 2º, P. 55; - DE 19-05-2010, PROCESSO N.º 3749/05.8TTLSB.L1.S1; - DE 12-09-2013, PROCESSO N.º 239/09.3TBVRS.E1.S1; - DE 04-06-2015, PROCESSO N.º 177/04.6TBRMZ.E1.S1; - DE 17-11-2015, PROCESSO N.º 34/12.2TBLMG.C1.S1. | ||
Sumário : |
I - A insusceptibilidade de impugnação de uma decisão decorrente do seu trânsito em julgado (art. 628.° do CPC) é uma exigência de boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dando expressão aos valores da segurança e certeza imanentes a qualquer ordem jurídica: a res judicata obsta a que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, impede que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante urna composição, tendencialmente definitiva, dos litígios que os tribunais são chamados a resolver: a intangibilidade (tendencial) do caso julgado visa evitar a existência de decisões, em concreto, incompatíveis. II - A força e autoridade do caso tem por finalidade evitar que a regulação definitiva da relação jurídica material possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica. A vinculação à anterior decisão pressupõe o trânsito desta e, diferentemente da excepção do caso julgado, depende apenas da verificação da identidade subjectiva dos litigantes, da existência de uma evidente conexão entre os objectos de cada uma da acções, havendo ainda que apurar se o conteúdo daquela decisão se deve ter como prejudicial em relação à decisão a tomar na acção sequente. III - A força de "res judicata" só é, no entanto, conferida ao conteúdo da decisão sobre as questões ou pretensões suscitadas e às respectivas premissas, se absolutamente determinantes, pois o caso julgado destina-se, apenas, a obstar a decisões concretamente incompatíveis. IV - Não tendo os embargantes sido habilitados na qualidade de adquirentes e não sendo o bem imóvel por eles adquirido caracterizável, à data da transmissão, como um bem litigioso, é inviável opor-lhes, por via do n.º 3 do art. 263.º do CPC, a autoridade do caso julgado formado pela sentença dada à execução.
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: É certo que, a par mas não confundível com a “excepção do caso julgado”, também se impõe ao juiz a “força e autoridade do caso julgado”, sendo que, se a primeira pressupõe a aludida tríplice identidade (de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a segunda dispensa-a: a autoridade do caso julgado pressupõe uma decisão (transitada) de determinadas questões que já não podem voltar a ser discutidas e, diversamente daquela excepção, pode funcionar independentemente da verificação de tal tríplice identidade ([1]). Logo, mesmo não ocorrendo completa identidade do âmbito objectivo na relação entre a acção em que foi proferida a decisão transitada e a acção subsequente, nem por isso, o caso julgado deixa de ser relevante: a decisão proferida sobre o mesmo objecto vale entre as mesmas partes de ambas as acções como autoridade de caso julgado e, quando tal suceda, o tribunal da acção posterior está vinculado à decisão proferida na causa anterior, mesmo sem a tríplice homotropia de sujeitos, pedido e de causa de pedir. O que significa que, mesmo sem essa completa identidade, o tribunal está vinculado na acção subsequente a tudo o que esteja coberto pela autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida na causa anterior. A força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica. Por fim, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (art. 621º do CPC). Embora se saiba que sobre a questão da exacta delimitação dos limites objectivos do caso julgado se manifestam posições não inteiramente convergentes, deve admitir-se que «os fundamentos da sentença pedem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado» ([2]). «A decisão sobre o pedido e causa de pedir fica imutável, impedindo não só que o tribunal decida diferentemente sobre o mesmo objecto ou mesmo, e mais de uma vez, do mesmo modo. Os limites objectivos do caso julgado situam-se no segmento decisório da sentença. Mas sendo esta a conclusão do silogismo judiciário terão de ser ponderadas as premissas, como antecedente lógico do referido segmento, e se absolutamente determinantes (desde que não se traduzam, apenas em meros argumentos de exegese jurídica ou de exposição doutrinária) é-lhes conferida a força de “res judicata”. Como antecedente lógico da “leitura” da parte decisória, há que proceder à respectiva interpretação, o que implica seguir o “iter” que conduziu à conclusão encontrada e que contem pressupostos dados por assentes a constituírem a fundamentação.» ([3]). Em prol da economia processual, do prestígio dos tribunais e da estabilidade e certeza das relações jurídicas, vem sendo entendido sistematicamente pela jurisprudência que, uma vez assente a identidade subjectiva e sendo o objecto do processo anterior parcialmente idêntico ou conexo com o do posterior, a força obrigatória do caso julgado naquele formado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita: «Efectivamente, a decisão não é mais nem menos do que a conclusão dos pressupostos lógicos que a ela conduzem – precisamente os fundamentos – e aos quais se refere» ([4]). Cumpre, ainda, registar o que o STJ já lembrou, no seu citado Ac. de 17-6-2014: «(…) No caso concreto, a limitação dos poderes cognitivos do Tribunal, impedido de conhecer do mérito relativamente a questões decididas por sentença transitada em julgado, respeita o juízo de proporcionalidade na ponderação de bens ou valores em conflito e não é incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça. Com efeito, a força obrigatória reconhecida ao caso julgado material repousa na necessidade de assegurar estabilidade às relações jurídicas, não permitindo que litígios, entre as mesmas partes e com o mesmo objecto, se repitam indefinidamente, em prejuízo da paz jurídica, que ao Estado, como defensor do interesse público, compete assegurar. Sendo, precisamente, pela imposição, aos litigantes, desse comando jurídico indiscutível – a decisão transitada sobre o mérito da causa – que o Estado prossegue essa finalidade, assegurando o prestígio dos tribunais e garantindo a certeza e segurança jurídicas nas relações interpessoais.». Realmente, a segurança jurídica assume-se como basilar do Estado de Direito Democrático e tem o caso julgado como seu postulado destacado, como também expendeu o já invocado Ac. do STJ de 29-5-2014: «A figura do caso julgado tem proteção constitucional alicerçada, quer no disposto no n.º 3 do artigo 282.º, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito, emergente do artigo 2.º, ambos da Constituição, conforme reiterado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 15/2013, de 17.6, com texto disponível no sítio do próprio Tribunal».
Entendemos, pelo exposto, que os pressupostos e/ou considerandos conducentes ao dispositivo da decisão proferida na anterior acção declarativa poderão estar, ou não, abrangidos pelo caso julgado material, consoante o sentido e o alcance que a sua interpretação lhes fixe, a qual aferirá da eficácia do caso julgado. Como se disse, a força de “res judicata” só é conferida ao conteúdo da decisão sobre as questões ou pretensões suscitadas e às respectivas premissas, se absolutamente determinantes, pois o caso julgado destina-se, apenas, a obstar a decisões concretamente incompatíveis. Todavia, reiteramos que o reconhecimento de tal força dependeria da constatação de que, neste procedimento e na mencionada acção anterior, estaríamos perante a mesma relação jurídica, com os mesmos sujeitos e com evidente conexão entre os objectos de ambas as acções, ainda que não se verificasse inteira identidade quanto ao pedido e à causa de pedir nelas apresentadas. Depois, haveria que aferir se poderia ser tido por prejudicial, «em relação ao caso sub judice», o conteúdo da decisão condenatória proferida em tal acção sobre questão ou pretensão nelas suscitadas e das respectivas premissas se absolutamente dela determinantes. * Decisão: Pelo exposto, concedendo a revista, revoga-se a decisão recorrida e determina-se o normal prosseguimento dos autos para o julgamento da pretensão formulada pelos embargantes. Lisboa, 14 de Maio de 2019
Alexandre Reis (Relator) Lima Gonçalves Fátima Gomes ------------------- |