Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
664/10.7TYVNG.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INSOLVÊNCIA
CRÉDITOS PREVIDENCIAIS
PLANO DE RECUPERAÇÃO
NÃO HOMOLOGAÇÃO DO PLANO
NULIDADE
INEFICÁCIA
Data do Acordão: 03/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO.
DIREITO FALIMENTAR - PLANO DE INSOLVÊNCIA / APROVAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE INSOLVÊNCIA.
Doutrina:
- Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, 594/597.
- Catarina Serra, O Regime Português Da Insolvência, 5.ª Edição, 145/154.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral Da Relação Jurídica, Vol. II, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, 1992, 411/419.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º E 9.º
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 215.º.
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO (CPPT): - ARTIGO 85.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 682.º, N.º1.
CÓDIGO DOS REGIMES CONTRIBUTIVOS DO SISTEMA PREVIDENCIAL DE. SEGURANÇA SOCIAL (CRCSPSS): - ARTIGO 190.º, N.º S 1, 2 E 6.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 202.º, N.ºS 1 E 2.
LEI GERAL DO TRABALHO (LGT): - ARTIGOS 30.º, N.º S 1, 2, 3, 36.º, N.º S 2, E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13 DE NOVEMBRO DE 2014, IN WWW.DGSI.PT ,
-DE 25 DE NOVEMBRO DE 2014, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. A Administração Fiscal e a Segurança Social, enquanto credores em processo de insolvência não podem vetar, sem mais, o plano de insolvência podendo este ser validado, com os votos dos restantes credores interessados, sem que tal afecte os créditos daqueles organismos. 

II. I O plano de insolvência aprovado mesmo contendo propostas contrárias ao preceituado nos arts. 30.º, n.º s 1, 2, 3, 36.º, n.º s 2, e 3, da LGT, e 190.º, n.º s 1, 2 e 6, do CRCSPSS, não deve ser o mesmo objecto de recusa de homologação judicial, por nulidade do mesmo, antes enfermando de mera ineficácia, sendo, por isso, inoponível, relativamente ao Instituto da Segurança Social.

III. A noção ampla de ineficácia, contempla a ineficácia proprio sensu e a nulidade, instituto esse que se não destina apenas a tutelar direitos de terceiros que não podem ser afectados pela vinculação jurídica em causa, mas também se dirige a proteger o titular de direitos subjectivos, de expectativas e/ou de interesses legitimamente protegidos que eventualmente possam vir a ser afectados directamente pelo comportamento de outrem.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I No processo de insolvência de R, LDA foi proferida sentença, com data de 26 de Outubro de 2012, na qual se procedeu à homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores “com excepção no que em tal peça se reporta aos créditos reclamados pela Fazenda Publica (ineficaz quanto aos mesmos) exigíveis no imediato sem qualquer moratória”.

Inconformados com esta sentença, dela interpuseram recursos de Apelação o credor Instituto da Segurança Social, IP e a Insolvente, tendo sido julgado improcedente o recurso desta e procedente o recurso do Credor Instituto da Segurança Social e, em consequência, foi recusada a homologação do plano de insolvência aprovado.

Discordando de tal desfecho recorreu a Insolvente, agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- A questão da indisponibilidade dos créditos da Segurança Social e da Fazenda Pública já há muito havia sido dirimida e de forma unânime, pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores portugueses.

- Consiste este entendimento no facto do plano de insolvência poder, ao abrigo do artigo 196º nº1 als. a) e c) do CIRE, perdoar ou reduzir todos os créditos privilegiados e comuns, inclusive os do Estado, na medida em que implica a prevalência da normas que regulam o processo de insolvência perante as normas de natureza fiscal.

- Conforme referido no Acórdão do STJ de 2 de Março de 2010 “Não há violação do principio da legalidade fiscal, nem do principio da igualdade, uma vez que não existe violação de normas fiscais imperativas por vontade das partes ou dos credores, mas observância de um regime especial criado pelo próprio legislador e plasmado no CIRE, em ordem a consagrar a igualdade de tratamento para todos os credores do insolvente e em que a lei prevê a possibilidade de os créditos do Estado serem despojados de privilégios, mesmo sem a sua aquiescência, inexistindo também por isso, violação de qualquer principio constitucional, nomeadamente o estabelecido no artigo 103º nº 2 do CRP”.

- Foi exactamente nesta ordem de ideias que foi elaborado o CIRE e, foi exactamente nesta ordem de ideias que se foi alicerçando a Jurisprudência, conforme resulta do Acórdão do STJ de 4 de Junho de 2009 em que é expressamente referido que “uma perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, seria desproporcional que o processo de insolvência fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, mais a mais privilegiados, sem atender à particular condição dos demais créditos e da insolvência.”.

- E assim, “Não se põe em causa o carácter imperativo dos artigos 30º nº2 e 36º nºs 2 e 3 da Lei Geral Tributária, aprovada pelo D.L. nº398/98 de 17.12 e do artigo 196º nº 1 e 5 do CPPT, aprovado pelo D.L. nº 433/99 de 26/10.

- Só que tais normativos tem o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, ou seja, no domínio das relações entre a administração tributária, agindo como tal, e os contribuintes, não encontrando apoio no contexto do processo especial, como é o processo de insolvência, onde a actuação da Fazenda Nacional se situa num plano perfeitamente distinto, pois, ao intervir nesse processo, aceita o concurso dos demais credores de determinado contribuinte num quadro em que releva a incapacidade do devedor insolvente para satisfazer as suas dividas, inclusive as dividas ao Estado, mesmo de natureza fiscal, devendo em consequência este intervir como credor, tendo em conta a existência dos demais credores e aquela situação de incapacidade, e em observância do tendencial principio de igualdade entre credores, despido do seu jus imperii, que o colocaria numa situação de tratamento privilegiado perante os demais.

- Sucede porém que a Fazenda Pública, não conseguindo certamente demover quem de Direito para alterar o CIRE e os seus fundamento, de forma até a que os intervenientes processuais ficassem a conhecer, de uma vez por todas, quais as “regras do jogo”, resolveu, com uma manobra, em dúvida habilidosa, alterar o artigo 30° da Lei Geral Tributária através da Lei nº 55-A/2010, adicionando um número 3 que refere que a indisponibilidade do crédito tributário prevalece sobre qualquer legislação especial.

- Este pequeno aditamento põe não só em causa os fundamentos e o próprio normativo do CIRE como põe em causa todos os processos de recuperação de empresas e assim, a própria sobrevivência da depauperada economia nacional.

- Assim, discorda-se do Douto Acórdão ora recorrido, quando este admite que a Lei Geral Tributária se possa impor ao CIRE no âmbito dos próprios processos judiciais que este último regula e que por Lei lhe foram atribuídos, declarando que prevalece sobre esta legislação especial “sugando-lhe” os seus próprios alicerces e fundamentos, conforme resulta, de forma inequívoco do teor dos Doutos Acórdãos desse Venerando Tribunal supra referidos.

- Face ao exposto, deve o plano de insolvência apresentado pela Recorrente e aprovado pelos seus credores ser homologado na sua plenitude, dado o mesmo não violar o artigo 196º e 215º do CIRE.

- Caso assim se não entenda, o que por mera cautela se terá de admitir, sempre terá o predito plano de ser homologado, muito embora sendo ineficaz quanto à segurança social e à Autoridade Tributária, tal qual resulta do Acórdão fundamento e ainda, do Douto Acórdão deste Venerando Tribunal de 18 de Fevereiro de 2014, para o qual este remete e que supra se transcreve.

- Com efeito, o Acórdão fundamento dispõe “que o aprovado plano de revitalização, não obstante conter propostas que violam o disposto nos artigos 30º nºs 1, 2 e 3 e 36º nºs 2 e 3 da LGT (...) não deve ser objecto de recusa de homologação judicial, antes enfermando o mesmo de mera ineficácia relativamente ao instituto da Segurança Social a quem o mesmo não é oponível”.

- Enquanto que o Douto Acórdão de 18 de Fevereiro de 2014 enuncia que: “Tendo em conta os interesses subjacente jurídicos e sociais imbricados na recuperação da empresa, em tempos de crise económica, sobretudo, considerando as elevadas taxas de desemprego, a solução mais ajustada, sem ferir princípios jurídicos basilares dos negócios ou atípicos, é a da ineficácia relativa.”.

- O plano de insolvência, assente numa ampla liberdade de estipulação pelos credores do insolvente, constitui um negócio atípico, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia, por isso o Plano de Recuperação da empresa que for aprovado não é oponível ao credor que não anuiu à redução ou alteração lato sensu dos seus créditos.

- Face ao exposto, deve o plano de insolvência apresentado pela Recorrente e aprovado pelos seus credores ser homologado na sua plenitude, dado o mesmo não violar o artigo 196º e 215º do CIRE.

- Pelo contrário, ao não se homologar na sua plenitude ou pelo menos considerando o teor do plano de insolvência ineficaz relativamente à Segurança Social e Fazenda Pública, foram violados os artigos 97º, 196º e 215º do ClRE.

Não foram apresentadas contra alegações.

II A vexata quaestio no presente recurso é a de saber se o plano de insolvência deve ser recusado se houver votos desfavoráveis dos credores SS e da Fazenda Nacional por violação de norma imperativa, ou, se se poderá proceder à sua homologação embora com a declaração da sua ineficácia em relação àquelas entidades 

As instâncias declararam como assente a seguinte factualidade:

- Por sentença proferida em 15.10.2010 e transitada em julgado em 29.11.2010, foi declarada a insolvência, com carácter pleno, da sociedade denominada “R, Lda.”.

- Na fase da verificação dos créditos, foram reconhecidos ao Estado/Fazenda Nacional créditos de natureza privilegiada no valor global de €256.165,32, relativos a dívidas de IVA, IRS e IMI do ano de 2010.

- Ao Instituto da Segurança Social foi reconhecido um crédito privilegiado de €80.021,74 acrescido de juros no montante de €4.796,84, um crédito comum de € 2.444,96, acrescido de juros no montante de € 429,91, e um crédito subordinado de €48,90.

- Na assembleia de credores realizada em 12.10.2011, foi votado o plano de insolvência, tendo este sido aprovado.

- O Estado/Fazenda Nacional e o Instituto da Segurança Social votaram contra a aprovação do plano, requerendo a não homologação do plano de insolvência.

- O plano de insolvência aprovado prevê, no que concerne ao crédito da Fazenda Nacional, o seguinte: “Pagamento da totalidade do crédito reconhecido em 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte àquele em que se verifique o trânsito da sentença de homologação do plano de insolvência, com perdão da totalidade dos juros vencidos e vincendos”.

- No tocante ao crédito do Instituto da Segurança Social prevê o seguinte: “Pagamento da totalidade do crédito reconhecido em 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte àquele em que se verifique o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de insolvência, com perdão da totalidade dos juros vencidos e vincendos”.

Começamos por dizer que a tese explanada no Aresto sob impugnação e que fez vencimento, se encontra exaustivamente desenvolvida.

Contudo.

A questão que ora nos é suscitada no presente recurso, a de saber se o plano insolvencial homologado, pode prevalecer perante os credores que nele acordaram, com excepção dos créditos do Estado e da Segurança Social, sendo ineficaz a homologação em relação àquelas entidades, tem sido decidida de um modo geral, uniformemente por esta 6ª secção, à qual são distribuídos todos os processos mencionados no art. 128º da LOSJ, nomeadamente chama-se à colação os Acórdãos desta secção, em que a aqui Relatora foi Adjunta de 18 de Fevereiro de 2014 e 25 de Março de 2014 (Relator Fonseca Ramos); e os de de 25 de Março de 2014 e de 1 de Abril de 2014 (Relator Fernandes do Vale) que aqui constitui o Acórdão fundamento, em que a Relatora e o aqui Primeiro Adjunto foram Adjuntos, in www.dgsi.pt.

Naquele primeiro enunciado Acórdão, que deu o mote para as decisões da secção que a propósito desta mesma temática se lhe seguiram, pode ler-se o seguinte:

«(…) A aprovação e a homologação de planos de recuperação e, consequentemente, a realização da finalidade de reestruturação tornar-se-á muito difícil, já que as dívidas à Fazenda Pública e à Segurança Social representam quase sempre a parte mais significativa do passivo do devedor.

Como se disse noutra altura, a propósito do plano de insolvência, o problema só será superado com uma interpretação restritiva das normas que compõem o regime tributário.

Convocam-se, para isso, dois argumentos: a teleologia subjacente ao PER e a unidade do sistema jurídico. A regra de que havendo contradição entre o que resulta da interpretação do texto expresso de uma norma jurídica e aquilo que resulta do silêncio de outra se resolve com a sobreposição da primeira à segunda não deve ser mantida quando acarrete uma desconsideração da teleologia que está subjacente a esta e outras perturbações intoleráveis para a harmonia do sistema esta e outras perturbações intoleráveis para a harmonia do sistema jurídico (…).

A interpretação restritiva é, por outro lado, a interpretação mais adequada ao disposto no “Memorando de entendimento sobre os condicionalismos específicos de política económica”, de 17 de Maio de 2011 (…), onde se diz, no ponto 2.19, que “[a]s autoridades tomarão também as medidas necessárias para autorizar a administração fiscal e a segurança social a utilizar uma maior variedade de instrumentos de reestruturação baseados em critérios claramente definidos, nos casos em que outros credores também aceitem a reestruturação dos seus créditos, e para rever a lei tributária com vista à remoção de impedimentos à reestruturação voluntária de dívidas”.

Resta saber se existe vontade de fazer esta interpretação, ou seja, se o interesse na reestruturação de empresas é, em primeiro lugar genuíno e, em segundo lugar, suficientemente forte seja, para que o Estado abdique da sua posição confortável, ou se, pelo contrário, e como sucede a respeito de tantos outros objectivos de política económica, apenas se insiste na sua importância para “externalizar” os custos da reestruturação .(…)

Se outra motivação não houver, espera-se que o legislador ou, na falta de uma intervenção esclarecedora por parte deste, o aplicador, se recorde que o princípio da igualdade se opõe frontalmente a que os encargos (públicos) com a reestruturação ou recuperação de empresas sejam sempre suportados pelos credores privados e não o sejam nunca pelos credores públicos.” (…)

No quadro legal em vigor, no que concerne ao tratamento dos créditos fiscais e parafiscais no processo de insolvência (e no de revitalização), o intérprete/julgador tem que operar com o CIRE, alterado com a introdução do PER, com Compromisso assumido com a troika, não podendo desconsiderar a Lei Geral Tributária, fortemente tuteladora dos créditos da Fazenda Nacional, considerados indisponíveis, mesmo no processo de insolvência.

Pensamos ter demonstrado que os regimes legais em causa são de muito complexa harmonização, desde logo, porquanto as alterações introduzidas no CIRE pelo PER, contrariam, de modo claro, a filosofia do diploma, agora, contraditoriamente, tendo por objectivo primeiro a liquidação da empresa (versão inicial) do CIRE e, após as alterações do PER, visando a revitalização da empresa e já não a sua liquidação.

Se a isto juntarmos que a LGT, com as alterações introduzidas pela Lei nº55-A/2010, de 31.12, aniquilou o entendimento jurisprudencial antes referido, contrariando de modo inquestionável o Compromisso assumido pelo Estado Português em relação à proclamada intenção de flexibilizar a sua actuação quanto aos créditos fiscais e seu tratamento no contexto da insolvência, temos que concluir que da conjugada interpretação do regime que encerram, difícil é aceitar que a presunção do art. 9º, nº3, do Código Civil sai ilesa.(…)

Neste enquadramento importa dizer que, na última década, o direito falimentar com a vigência do CIRE, em 2004, editado num tempo em que a crise das dívidas soberanas não tinha ocorrido, provocando o colapso de muitas empresas e das finanças públicas, sobretudo, países endividados do sul da Europa, apesar de não se poder falar em crise, ao tempo do seu início de vigência, o objectivo do referido Código, como antes dissemos e os tratadistas consideram, não tinha como objectivo primeiro a recuperação da empresa; por algum motivo logo na sua identificação se menciona “Código da Insolvência..,” só depois constando “ e de Recuperação de Empresas”.

Com a crise, que a passos largos passou da economia para as finanças dos Estados, mormente, os do Sul da Europa (Grécia, Portugal, Chipre, Espanha [esta afectada apenas no seu sistema bancário], a situação da economia portuguesa entrou em rápido colapso com as empresas descapitalizadas a encerrarem, com a inerente repercussão na arrecadação de impostos, no emprego, no aumento das prestações sociais e quebra do PIB, o que levou a que o Estado tivesse que pedir auxílio internacional através da troika que impôs ao Estado a adopção de políticas económicas e financeiras restritivas.

Sendo as empresas privadas a principal fonte de emprego e de geração de riqueza, rapidamente se tornou claro, que haveria que estancar a torrente de falências, com as nefastas consequências sociais ao nível dos trabalhadores, com perda de postos de trabalho, e repercussão ao nível das prestações sociais do Estado, para obviar a essa hemorragia.

Hoje, no processo falimentar, aos credores cabe decidir, com larga autonomia, a forma como recuperar os seus créditos, abrindo-se duas vias; a da liquidação da empresa ou a sua recuperação. Daí que, tendo em conta a tendencial igualdade dos credores no processo falimentar – “par conditio creditorum” – haverá que não esquecer que, decretada a insolvência desaparecem os privilégios dos créditos do Estado e outras entidades, designadamente da Segurança Social, nos termos do art. 97º, nº1, al. a) do CIRE.

Hoje, também na conjugação dos preceitos legais do PER, integrados no CIRE e no Memorandum da troika e das suas “imposições” que o Estado Português se comprometeu a adoptar no que respeita a actuação mais conforme à recuperação das empresas, as alterações introduzidas na LGT, pela Lei Orçamental de 2010, em vigor desde 1.1.2011, interpretadas literalmente, não são compatíveis com a perspectiva do direito insolvencial actual que coloca a tónica na recuperação da empresa e não na sua liquidação.

O papel de auto-regulação dos credores do insolvente, no quadro do princípio da legalidade, impõe que se adopte uma interpretação restritiva das normas dos arts. 30.º, n.º 2, e 36.º, n.º3, da LGT, e art. 85.º do CPPT, restringindo o seu campo de aplicação à relação tributária em sentido estrito, valendo primordialmente na relação Estado-contribuinte, normas que devem ceder no confronto com a legislação especial do direito falimentar.

Depois, atentas as funções sociais do Estado seja na perspectiva social – o direito ao trabalho – seja na perspectiva económica – a interpretação conforme à Constituição implica que entre uma interpretação que salvaguarde os princípios constitucionais e outra que com eles colida, deve prevalecer aquela.

Não se ignora que os créditos do Estado por impostos e as contribuições para o sistema de Segurança Social são essenciais ao Estado de Direito, na medida em que o Estado, lato sensu, cumpre funções de ordem pública visando assegurar, por via da política fiscal, a satisfação das necessidades financeiras do Estado e a justa repartição dos rendimentos e da riqueza – art. 103º da Lei Fundamental – em respeito pela igualdade entre os cidadãos – art. 104º, nºs 1 e 3, da CR.

O legislador pretendeu erguer uma barreira à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça quanto aos créditos tributários no processo de insolvência, acrescentando ao art. 30º da LGT, o nº3, pretendendo reforçar o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários; todavia, tal normativo não contende com nº2 que permaneceu imodificado. Não faria sentido mantê-lo, do ponto em que se a lei geral pode fixar condições para a sua redução ou extinção, por maioria de razão a legislação especial o poderá fazer.

Haveria desrespeito pelo princípio da legalidade e da igualdade tributárias se o CIRE, de maneira discriminatória e desproporcionada, possibilitasse aos credores atingir os créditos do Estado ou contribuições da Segurança Social, estabelecendo desigualdade não materialmente fundada entre os credores do insolvente. O CIRE, sobretudo após a introdução do processo especial de recuperação, visa a salvaguarda da empresa com os olhos postos na sua recuperação, sobretudo em relação às suas obrigações pecuniárias, nestas assumindo particular relevo as obrigações de natureza fiscal e parafiscal, em regra, de elevada expressão.(…)

Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, pode violar o princípio da proporcionalidade admitir que o processo de insolvência seja colocado em pé de igualdade com uma simples execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, sem atender à particular condição dos demais credores do insolvente ou pré-insolvente, que contribuem para a recuperação da empresa, abdicando dos seus créditos, permanecendo o Estado alheio a esse esforço, escudado em leis que contrariam o seu Compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, como resulta do Memorandum assinado com a troika e até das normas que, no contexto do PER, o legislador fez introduzir no CIRE.

O CIRE, no seu art. 97º, nº1, als. a) e b), estabeleceu a extinção, com a declaração de insolvência, dos privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência e dos privilégios creditórios especiais, que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social vencidos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência.

Assim, o Estado e o Instituto de Segurança Social, I.P., relativamente a tais créditos, deixaram de integrar o núcleo dos credores privilegiados e passaram a ser considerados simples credores comuns.

Nesta perspectiva, não é de excluir que no plano da insolvência, ao abrigo do art. 196º, nº1, als. a) e c) do CIRE, cabe o perdão ou redução do valor dos créditos da AT ou da Segurança Social sobre o passivo do devedor, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro, sejam os créditos comuns, garantidos ou privilegiados, aprovado o plano que respeitou o quorum estabelecido no artigo 212°, desde que a intervenção nos créditos do Estado credor não evidencie uma redução injusta e desproporcional, tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que deles abdicam, visando a recuperação da empresa pré-insolvente.

O que dissemos, numa perspectiva de mais lato enquadramento da questão decidenda, terá que ter em conta o que constitui a pretensão recursiva da recorrente; com efeito, apenas pede que se considere ineficaz, em relação à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social, I.P. a eficácia do Plano que foi homologado, ou seja, que não produza quaisquer efeitos relativamente a tais credores, por não respeitar quanto a estes credores, o regime previsto no DL. n°411/91 (recuperação de contribuições em dívida da Segurança Social), e na LGT relativamente aos créditos tributários, solução esta adoptada no acórdão-fundamento que foi confirmado pelo Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Maio de 2012 – Proc. 368/10.0TBPVL-D.G1.S1 – in www.dgsi.pt.

Deverá considerar-se nula ou meramente ineficaz a decisão homologatória do Plano de Recuperação que desconsiderou a votação contrária à aprovação por parte da Fazenda Nacional e da Segurança Social que não consentiram na afectação dos seus créditos que consideram intangíveis?

A nulidade, a mais drástica sanção, abreviará em regra – art. 17º-G do CIRE – o caminho para a insolvência nos termos do nºs 2 e 3. Já se for considerada a ineficácia relativa, a devedora pré-insolvente não entra em estado de insolvência.

Tendo em conta os interesses subjacentes jurídicos e sociais imbrincados na recuperação da empresa, em tempos de crise económica, sobretudo, considerando as elevadas taxas de desemprego, a solução mais ajustada, sem ferir princípios jurídicos basilares dos negócios ou atípicos, é a da ineficácia relativa.

Como ensina Mota Pinto –“Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição – (615 e segs.) sobre os conceitos de “ineficácia” e “invalidade dos negócios jurídicos”:

 “Os negócios feridos de ineficácia relativa produzem, pois, efeitos, mas não estão dotados de eficácia relativamente a certas pessoas.

(…) A ineficácia relativa surge em situações caracterizadas pela existência de um direito, de uma expectativa ou de um interesse legítimo de um terceiro, que seriam prejudicados pelo negócio de disposição ou vinculação em causa. O negócio é relativamente ineficaz, por força do impedimento, resultante daquela posição legítima do terceiro acerca do conteúdo do acto.

[…] É necessário proteger o terceiro na medida apropriada à não frustração do seu direito, mas não se deve limitar o poder de disposição (ou a legitimidade para agir) do titular mais do que for necessário a essa protecção.

Logo, o negócio só é ineficaz em face do terceiro, mas não o é entre as partes ou em face de outras pessoas”.

O plano de insolvência, assente numa ampla liberdade de estipulação pelos credores do insolvente, constitui um negócio atípico, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia, por isso o Plano de Recuperação da empresa que for aprovado não é oponível ao credor que não anuiu à redução ou alteração lato sensu dos seus créditos.(…)»

Remetemos para a fundamentação transcrita, aliás em consonância com a posição expressa no voto de vencido exarado ao Acórdão em crise, fundamentação essa que em nada é beliscada pela recente tese desenvolvida nesta secção a propósito do tema em tela, cfr Ac STJ de 13 de Novembro de 2014 (Relator Salreta Pereira), in www.dgsi.pt, onde é ensaiada uma outra solução jurídica, a qual passa pela nulidade parcial do acordo, sendo certo que em termos práticos o resultado é idêntico aqueloutro.

Podemos ler nesse citado Aresto no que à economia do caso vertente concerne «(…) Analisemos, agora, as consequências da inclusão no acordo de recuperação da devedora da redução dos créditos tributários e do seu pagamento em prestações, com um período de carência.

Estas cláusulas do acordo são nulas, porque contrárias a lei imperativa (artº. 280º nº 1 do CC).

Uma coisa é a nulidade daquelas cláusulas, outra coisa é a nulidade de todo o plano de recuperação.

Na verdade, o artº. 292º do CC dispõe que a nulidade parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não seria concluído sem a parte viciada.

Afigura-se-nos, assim, que a solução adequada será a declaração da nulidade das propostas do plano relativas aos créditos tributários e a homologação do plano sem elas, já que não foi demonstrado que os credores que aprovaram o plano o não fariam sem as propostas nulas.

Na prática, esta solução equipara-se à da ineficácia do plano de recuperação relativamente ao Estado.

Parece-nos, no entanto, ser a mais correcta, uma vez que o plano de recuperação não deixa de ser eficaz perante o Estado, no que tange à redução dos restantes créditos, a qual pode conduzir à obrigação de o Estado restituir parcialmente o IVA pago pelos credores da ora recorrente.(…)».

Esta tese, leva-nos a tecer idênticas objecções, já formuladas na declaração de voto nele aposta, apesar de todo o respeito que tal tese nos merece, vg, a circunstância de igualmente entendermos que a nulidade relativa não pode ser oficiosamente declarada, estando sujeita pois ao principio do pedido, e, nada tendo sido formulado a respeito, bem como nada nos permitindo pressupor/presumir e/ou extrair dos elementos carreados para os autos que as partes teriam querido essa solução se tivessem pressentido a invalidade (presunção esta seque sempre estaria vedada a este Supremo Tribunal de Justiça tendo em atenção os seus poderes de julgamento, adstritos à matéria de direito, de harmonia com o preceituado no artigo 682º, nº1 do NCPCivil, salvo o preceituado no artigo 674º, nº3 que não tem qualquer aplicação no caso dos autos), nada poderia ser declarado nesse preciso e específico sentido, sob pena de este órgão Jurisdicional extravasar as suas competências, sempre s.d.r.o.c..

Ademais, sempre se diz «ex abundanti», que não podemos de todo em todo concordar com as objecções que são formuladas no Acórdão recorrido contra a tese ensaiada por esta secção de Comércio, no sentido da ineficácia relativa.

Assim.

Sustenta-se no Aresto em crise que sic  «(…) A nossa primeira objecção prende-se com o facto de o CIRE definir exactamente qual é a consequência de o conteúdo do plano de insolvência encerrar a violação de normas legais aplicáveis. Nos termos do artigo 215.º do CIRE se o plano traduzir uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, o juiz deve pura e simplesmente recusar a homologação do plano. A norma não consente ao juiz qualquer actuação no sentido de extirpar o plano do conteúdo que traduza essa violação ou qualquer faculdade de homologar apenas a parte restante. O juiz apenas se pode pronunciar sobre se a violação das normas relativas ao conteúdo do plano é ou não negligenciável: no primeiro caso, homologará o plano (na sua totalidade), passando este a produzir efeitos relativamente a todos os créditos e credores apesar de violar normas legais relativas ao seu conteúdo; no segundo caso, recusará a homologação do plano, não produzindo este qualquer efeito uma vez que a sua eficácia depende da sua homologação judicial (artigo 217.º, n.º 1, do CIRE).

Esta intervenção do juiz no sentido da fiscalização da observância pelo plano das normas legais aplicáveis ao seu conteúdo tem lugar inclusivamente de modo oficioso, o juiz não necessita que algum credor lhe requeira a homologação do plano, deve fazê-lo oficiosamente, o que acentua a ideia de que a lei não só fixa a consequência jurídica dessa falha do plano, como afasta a possibilidade de a mesma ficar na dependência do critério dos credores e não ser decretada, ou seja, a lei parece impor aos credores que aprovem um plano susceptível de ser homologado, de produzir a totalidade dos seus efeitos. Daí que nos pareça difícil de conceber outra solução jurídica que não aquela que a lei define, outro estado das coisas que não aquele que a lei parece impor aos credores.(…)».

A questão que se nos suscita previamente e que se encontra no nosso entendimento a montante da problemática exposta, é a de saber se a Administração Fiscal e a Segurança Social podem vetar, sem mais, o plano, ou antes este poderá ser validado, com os votos dos restantes credores interessados. sem que tal afecte os créditos daqueles organismos.

Uma resposta positiva a esta questão, poderia implicar a inviabilização de qualquer plano insolvencial em que figurassem como credores aquelas duas entidades, sendo certo que o normativo inserto no artigo 215º do CIRE não nos conduz necessariamente a uma inutilização global do acordo havido, não sendo admissível face aos princípios imanentes ao CIRE que determinados credores, Estado e SS, possam fazer sucumbir a recuperação de uma empresa o que contrariaria em absoluto os princípios programáticos resultantes do «Memorando de entendimento sobre os condicionalismos específicos de politica económica», de 17 de Maio de 2011 (2ª versão) onde se afirma ««(…) as autoridades tomarão também as medidas necessárias para autorizar a administração fiscal e a segurança social a utilizar uma maior variedade de instrumentos de reestruturação baseados em critérios claramente definidos, nos casos em que outros credores também aceitem a reestruturação dos seus créditos, e para rever a lei tributárias com vista à remoção de impedimentos à reestruturação voluntária de dividas.(…)», cfr nesta linha Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, l.c., 594/597; Catarina Serra, O Regime Português Da Insolvência, 5ª Edição, 145/154.

Neste quadro de prognose de lege ferenda, não repugnará, em termos sócio-económicos, que os Tribunais enquanto órgãos da administração da justiça, aos quais incumbe, além do mais, no cumprimento dos deveres que lhe são atribuídos constitucionalmente, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados, cfr artigo 202º, nº1 e 2 da CRPortuguesa e na sua função julgadora que passa pela exegese do regime legal aplicável, tendo especial atenção o que decorre dos artigos 8º e 9º do CCivil e sem esquecermos que o sistema jurídico funciona como um todo, interpretando-se as leis umas às outras, que o Tribunal possa produzir uma homologação de um plano de insolvência com a menção da sua ineficácia em relação aos créditos fiscais e da segurança social, atenta a indisponibilidade destes, nos termos dos artigos 30º, nºs 2 e 3 e 36º da LGT e 85º do CPPT, mantendo, todavia a sua operância no que tange a todos os demais credores, particulares, nele intervenientes, assim se respeitando o principio da igualdade no seu expoente de tratar de forma igual o que é igual e forma diversa o que é diferente, na justa medida da sua diferença.

No que se refere à segunda objecção consistente na «(…) figura da ineficácia relativa que é chamada a constituir o suporte jurídico da homologação do plano em condições de ficarem excluídos do mesmo os créditos fiscais. Como se observa facilmente da citação que é feita do que escreveu o Prof. Mota Pinto, a ineficácia prende-se com a necessidade de tutelar direitos ou posições jurídicas de terceiros que não podem ser afectados pela relação jurídica estabelecida.

Ora num processo de insolvência nenhum credor pode ser considerado um terceiro pela simples razão de que, em regra, todos eles são chamados a reclamarem os seus créditos sobre a insolvente, a participarem nas assembleias de credores, na discussão e votação do plano, o qual deve naturalmente reportar-se à totalidade das obrigações do insolvente e ao modo como elas irão ser satisfeitas. O Estado e a Segurança Social não podem ser considerados terceiros quando, como aqui sucede, reclamaram os seus créditos, participaram na votação do plano e viram este definir regras específicas em relação à satisfação dos seus créditos.(…)».

Salvo o devido respeito, esta objecção constitui uma visão redutora do conceito de ineficácia.

Se não.

Diz-se que um negócio jurídico é ineficaz, quando por um qualquer motivo legal o mesmo não produz todos ou parte dos efeitos prevenidos pela declaração de vontade das partes que no mesmo intervieram: trata-se de uma noção ampla de ineficácia que contempla a ineficácia proprio sensu e a nulidade, sendo esta invalidade uma forma de ineficácia instituto este que se não destina apenas, como diz o segundo grau, a tutelar direitos de terceiros que não podem ser afectados pela vinculação jurídica em causa, mas também se dirige a proteger o titular de direitos subjectivos, de expectativas e/ou de interesses legitimamente protegidos que eventualmente possam vir a ser afectados directamente pelo comportamento de outrém, cfr Manuel de Andrade, Teoria Geral Da Relação Jurídica, Vol. II, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, 1992, 411/419.

E, na especie, deparamo-nos precisamente com esta situação: o plano é oponível a todos os seus intervenientes, sendo ineficaz em relação ao Estado e à SS, porquanto o acordo gizado e delineado para a recuperação da Insolvente dispôs sobre créditos daquelas duas entidades quando tal lhe estava impossibilitado por Lei.

Quanto à terceira objecção «(…) da natureza prática que a solução da ineficácia relativa do plano gera. A admitir-se que o plano aprovado seja homologado apenas em relação a parte dos créditos ou quanto a parte dos credores, cabe perguntar em que situação fica o credor em relação ao qual ou a cuja crédito o plano é ineficaz: se o plano não produz efeitos em relação a ele, isso significa que ele pode de imediato lançar mão dos meios judiciais necessários à obtenção da satisfação do seu crédito, designadamente acções para execução coerciva do património do devedor?; e, se não obtiver essa satisfação, pode inclusivamente requerer a insolvência do devedor  que já se encontra decretada com fundamento num crédito já reclamado na insolvência?; com que fundamento se pode excluir essa hipótese se o plano não é eficaz em relação a esse credor?; em que situação fica a empresa insolvente se à margem do plano aprovado e da eventual moratória de pagamento prevista neste e destinada a permitir-lhe obter receitas para fazer os pagamentos previstos no plano, um credor puder, afinal, atacar de imediato a massa insolvente para obter pagamento coercivo do seu crédito?

Nenhuma destas situações parece compatível quer com a estrutura do processo de insolvência quer com as finalidades da aprovação de um plano de insolvência. Tal como ao processo de insolvência são chamados todos os credores para reclamarem os seus créditos se nele quiserem obter pagamento, o qual apenas compreenderá os créditos que sejam reclamados e reconhecidos no processo, a alternativa que se coloca à assembleia de credores é a de aprovar um plano ou não aprovar plano nenhum.».

 

Também este argumento não nos impressiona, uma vez que se põe no campo das suposições.

É óbvio que não sendo o plano homologado eficaz em relação àqueles específicos credores, os mesmos continuam na posse plena dos seus créditos, os quais poderão ser accionados, com consequências nefastas para a empresa devedora, efeitos esses que, necessariamente, irão inviabilizar o acordo havido com os restantes credores, como também toda a recuperação proposta com o mesmo.

Mas, estamos numa área das hipóteses possíveis: poderá acontecer, mas não sabemos se irá acontecer, nem estamos, sobretudo, a coarctar à partida aqueloutra hipótese de viabilização da empresa que é concedida no imediato com esta solução de compromisso resultante da homologação do plano, embora com a declaração da sua ineficácia no que tange à fazenda nacional e à Segurança Social, assim se cumprindo a perspectiva do direito insolvencial actual que coloca a tónica na recuperação da empresa e não na sua liquidação.

Sempre se diz ex abundanti, nesta nossa senda argumentativa, que temos entendido que a circunstância de que os créditos fiscais e da Segurança Social não serem iguais aos outros, não pode conduzir a uma tal protecção que mesmo sendo tais créditos de montante reduzido, pudesse ser permitido ao Estado acabar por inviabilizar qualquer tentativa de recuperação, votando contra todo e qualquer plano de recuperação, porque nestas situações particulares, efectuando uma interpretação actualista do artigo 215º do CIRE vem-se entendendo como caso negligenciável admitindo, por isso, a aprovação do plano a violação que se traduza numa mera modificação dos prazos de pagamento e/ou numa redução das taxas de juros, que reflictam e exprimam uma redução global do crédito pouco expressiva e se tal modificação dos prazos e redução de juros não estiver à partida proibida pelas disposições tributárias abstractamente convocáveis e invocáveis, cfr neste sentido o Ac STJ de 25 de Novembro de 2014 (Relator Fernandes do Vale, onde a aqui Relatora e o Exº Primeiro Adjunto foram Adjuntos), in www.dgsi.pt.

Trata-se de uma “válvula de segurança” interpretativa que evita por em causa acordos em que aqueles créditos, pelo seu reduzido montante e/ou, por via da concessão de moratórias por banda da administração, têm vindo a ser cumpridos pelo devedor, os quais a seguir-se com rigor a interpretação efectuada pelo segundo grau, também nunca poderiam ser homologados desde que a tal se opusessem os respectivos credores.

Qualquer das duas interpretações ensaiadas, contrabalança o voto da maioria dos credores com o voto (veto), da fazenda nacional e da segurança social, não privilegiando qualquer deles, por forma a que a maioria dos credores não possa impor a estas entidades a redução do seu crédito, juros e/ou moratórias não previstas pelas leis especiais aplicáveis, nem estas entidades possam impedir no imediato aqueles credores interessados e os insolventes, de enveredarem por um plano de viabilização da empresa, com vista à sua futura recuperação, cumprindo-se desta feita os objectivos prosseguidos pelo CIRE e as grandes opções do plano a nível económico-social.

 

As conclusões procedem assim.

III Destarte, concede-se a Revista, revogando-se a decisão ínsita no Acórdão sob recurso, repristinando-se a sentença de primeira instância.

 

Custas da Revista pelo ISS, aqui recorrido.

Lisboa, 24 de Março de 2015

(Ana Paula Boularot)

(Pinto de Almeida)

(Júlio Manuel Vieira Gomes)