Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
543/05.0TBNZR.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTOS ILÍCITOS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL – PROCESSO EM GERAL / PROCEDIMENTOS CAUTELARES / PROCEDIMENTOS CAUTELARES ESPECIFICADOS / RESTITUIÇÃO DE POSSE – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES.
Doutrina:
- Abílio Neto, Breves Notas ao CPC, 2005, p. 10 e 193;
- Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 1.º Volume, 2.ª Edição, p.77;
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª Edição, p. 335 e 460;
- Antunes Varela, Obrigações em Geral, 2.ª Edição, p. 364 e ss. ; 3.ª Edição p. 335 e 377;
- Manuel de Andrade, Noções Elementares, 1979, p. 379;
- Pires de Lima, Antunes Varela, Código Civil, Anotado, Volume I, p. 399 a 412 ; Volume III, 2.ª Edição, p. 95.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1344º E SS.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 3.º, N.º 3, 5.º, N.º 3, 378.º E 579.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 03-07-1970, BMJ N.º 199, P. 190;
- DE 04-06-1996, IN BMJ N.º 458, P. 217;
- DE 23-04-1998, IN N.º 476, P. 371;
- DE 29-09-1998, PROCESSO N.º 98A801;
- DE 14-05-2002, PROCESSO N.º 02A1353, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-02-2003, PROCESSO N.º 03P159;
- DE 30-09-2004, PROCESSO N.º 03B4355;.
- DE 05-12-2006, PROCESSO N.º 06A3902;
- DE 29-05-2007, PROCESSO N.º 07A1302;
- DE 04-10-2007, PROCESSO N.º 07B2772;
- DE 16-10-2008, PROCESSO N.º 08A2709, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-09-2012, PROCESSO N.º 45 /2001.EL.SL;
- DE 24-03-2017, PROCESSO N.º 1769/12.5TBCTX.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUAL ADMINISTRATIVO:

-DE 05-06-2013, PROCESSO N.º 0433/13.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 04-11-2010, PROCESSO N.º 260/10.9YRLSB-8.
Sumário :

I - O que se quis impedir, com o princípio do contraditório consagrado no art.3º, nº3, do CPC, foi que, a coberto do princípio «jus novit curia», emergente do art.5º, nº3, e do princípio da oficiosidade no conhecimento da generalidade das excepções dilatórias e das excepções peremptórias, constantes dos arts.578º e 579º, as partes fossem confrontadas com soluções jurídicas inesperadas, por não terem sido objecto de discussão no processo.

II - Tendo-se o litígio desenrolado em redor do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos, em cujo regime o autor procurou o fundamento da sua pretensão e as rés assentaram a sua defesa, o juiz, na sentença final, encontrou diferente enquadramento jurídico, aplicando ao caso um outro instituto jurídico – enriquecimento sem causa –, assim solucionando o diferendo de forma surpreendente para as partes, sem prévia audiência destas.

III – Deste modo, não foi propiciado às partes interessadas na resolução do litígio a possibilidade de se pronunciarem e aduzirem argumentos tendentes a apoiar ou a demover o juiz relativamente à qualificação jurídica que se propunha adoptar.

IV - Sendo certo que, no caso, estamos perante questão jurídica susceptível de se repercutir, como se repercutiu, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão, não sendo exigível que as partes interessadas a houvessem perspectivado no decurso do processo.

V - Se o diferente enquadramento jurídico só foi encontrado pelo juiz quando se propôs proferir a sentença final, deveria ter sobrestado na decisão, confrontando as partes com a possível e inovatória solução de direito e convidando-as a deduzir sobre tal matéria os argumentos que considerassem pertinentes, só depois proferindo decisão.

VI - Consequentemente, tendo-se omitido o convite às partes para aquele efeito, foi cometida nulidade, a apreciar nos termos gerais do art.195º.

VII – Se em virtude da construção de um edifício num prédio vizinho, o prédio do autor sofrer uma desvalorização monetária, tal facto, só por si, não traduz um qualquer enriquecimento do dono do prédio vizinho obtido à custa do autor.

VIII – Os conflitos de interesses que surgem entre vizinhos são consequência da solidariedade dos seus direitos, isto é, em virtude da impossibilidade de os direitos do proprietário serem exercidos plenamente sem afectação dos direitos dos vizinhos, encontrando-se a generalidade das restrições de direito privado previstas e reguladas nos arts.1344º e segs., do C.Civil.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 – Relatório.

AA intentou contra BB Lda., e em que intervém na qualidade de interveniente principal ao lado daquela R., CC Lda, ação declarativa, de condenação, com processo ordinário, alegando que:

É dono e legítimo proprietário do prédio onde reside e tem a sua habitação, sito no ....

A R. (BB Lda) é dona e legítima proprietária de prédio, também sito no ..., que confronta de sul com o A.

A linha divisória entre os dois prédios encontra-se física e materialmente definida por um muro meeiro.

No prédio de que o A. é proprietário edificou o mesmo a sua casa de habitação.

Tal casa cuja construção se iniciou em Agosto de 2000 e se conclui em Agosto de 2001, consiste em habitação numa moradia unifamiliar tipo t4, de 2 pisos com piscina situada a poente do edifício, na qual desde 2001 o A. e sua família habitam.

O prédio do A. beneficia de vista excepcional sobre a praia e o mar, de enquadramento urbanístico e paisagístico agradável, enquadrado na paisagem rústica e natural, rodeado de espaço aberto com mancha de vegetação e floresta sem construções próximas, beneficiando de privacidade, tranquilidade e descanso.

A R. tem vindo a construir no seu prédio um edifício de habitação colectiva de cerca de 9m de altura, composto de rés-do-chão, 1º andar, sótão habitável e cave para garagens com 10 fogos de habitação de tipo T2 e piscina exterior.

O edifício tem configuração rectangular com o seu lado maior no eixo nascente poente e o lado menor no eixo norte-sul.

O edifício que a R. vem construindo ao nível do solo e sobretudo a partir das suas varandas- 10 no 1º andar e dez no rés-do-chão do lado sul e duas no topo poente ao nível do 1º andar, permite a vista directa e ostensiva para o prédio do A.

Vista directa para o logradouro e para a casa de habitação do A. inclusivamente para as suas janelas e varandas, a partir das varandas do topo poente e do lado sul e mesmo do chão do prédio da R.

O A. e a própria família estão sujeitos e a que mais virão a estar sujeitos no futuro, a privacidade de que beneficiavam na sua moradia deixou de existir.

A tranquilidade e sossego que a moradia do A. proporcionava está gravemente afectada pela construção e mais virá a estar quando as 10 famílias forem habitar no prédio da R.

O edifício de habitação colectiva veio alterar e diminuir o aprazível enquadramento urbanístico e paisagístico da propriedade do A.

Por força da construção da R. o A. tem junto a si, a 2,80m, um edifício de habitação colectiva de grandes proporções e com 10 fogos de habitação com as características já descritas, que, pela proximidade pelas dimensões e enquadramento arquitectónico desajustado afronta a harmonia paisagística e urbanística do prédio do A.

A situação em que o prédio do A. assim se encontra importa uma desvalorização patrimonial do mesmo, que antes da construção do prédio da R. valeria cerca de € 325.000,00 e agora não valerá mais de € 175.000,00.

A construção do prédio da R. viola a lei e os direitos do A., desde logo a construção a 2,80m, da linha divisória com o prédio do A. infringe o artigo 73º com referência ao artigo 75º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas.

A distância entre a fachada sul do prédio da R. e a fachada norte da moradia do A. nunca poderia quedar-se pelos 2,95, mas teria que distar no mínimo 7m, quando não 9m.

Violado está assim o disposto no artigo 121º do RGEU.

Há assim grave afectação do conteúdo do direito de propriedade do A. plasmado nos artigos 1302º e seguintes do CC. e artigo 62º da CRP.

As desvantagens impostas ao A. que se traduzem numa desvalorização de € 150.000,00 têm por contraponto a construção do edifício da R. que lhe permitirá um lucro de € 600.000,00.

A R. podia e devia ter agido de outro modo, em conformidade com o ordenamento jurídico, sendo por isso a mesma de censura ético-jurídica em que o juízo de culpa se traduz.

Estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil emergente para o lesante da obrigação de indemnizar o lesado pelos danos por este sofridos.

Termina peticionando:

A condenação da R. no pagamento de uma indemnização no valor de € 150.000,00 a que acrescem os juros de mora a contar da citação.

A ré contestou, alegando que:

Não é dona nem proprietária do prédio que o A. descreve como sendo seu.

Em Agosto de 2003 a R. permutou com a CC o seu prédio que o A. identifica na petição inicial, por três fracções A B J do prédio em construção pela CC.

A R. apenas é proprietária de três fracções no aludido prédio e como tal é parte ilegítima devendo ser absolvida da instância.

Desconhece se o A. é o proprietário da casa que refere como sendo sua já que a mesma não está registada a favor do mesmo.

Não consta do projecto aprovado pela Câmara da ... a piscina do A. situada a poente do prédio do mesmo, pelo que estará construída clandestinamente.

Antes da construção do prédio que o A. diz ser propriedade da R. existiam no local a cerca de 15 ou 20 m de distância outros prédios construídos. Os sótãos das moradias construídas no prédio dito da R. não são habitáveis, as varandas destas moradias não são largas nem profundas e nos topos poente e nascente apenas existe uma varanda.

O prédio do A. tem a mesma altura do prédio que diz ser da R.

As construções do prédio dito da R. distam 3 metros da extrema divisória com o prédio do A. pois inclui o muro meeiro.

O prédio do A. devassa tanto o da R. como este aquele.

O A. conseguiu que a obra no terreno dito da R. fosse embargado durante mais de um ano, embargo esse que terminou com um acordo.

O A. apresentou acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de ... sobre ilegalidades no licenciamento do edifício tendo tal Tribunal decidido.

As construções no terreno dito da R. estão de acordo com o PDM em vigor e o projecto de arquitectura, aprovados pela Câmara Municipal da ... e com o acordo do A.

Com o acordo acima aludido o A. estava impedido de intentar a presente acção.

Pediu:

A absolvição da instância, ou a improcedência da acção e a condenação do autor como litigante de má-fé em multa e indemnização não inferior a € 10.000,00.

O autor replicou, impugnando o alegado pela ré e pediu a sua condenação  como litigante de má-fé.

Foi admitida a intervenção principal da CC Lda.

Esta contestou, fazendo seu o articulado da ré, e dizendo que adquiriu a propriedade alvo da acção já com os projectos de arquitectura e especialidade elaborados e licenciados pela Câmara Municipal da ....

Termina peticionando a condenação do A. como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor da interveniente no valor de € 10.000,00.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, julgando parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenando a R. BB Lda e a interveniente principal CC Lda, solidariamente a pagar ao A. AA, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a que acrescem os juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da sentença e até efectivo e integral pagamento.

Inconformada, a interveniente interpôs recurso de apelação daquela sentença, tendo, então, sido proferido o acórdão da Relação de fls.755 e segs., que julgou a apelação procedente e revogou a sentença recorrida, absolvendo as rés do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso de revista daquele acórdão.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos:

1) O prédio rústico sito no ..., composto de terra de cultura arvense, com a área de 1.480m2, a confrontar a Norte com ; Sul com ...; Nascente com serventia; Poente com herdeiros de ... e ..., encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º..., a favor do A. mediante a Ap.04/300693.

2) E encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia da ... sob o artigo 8, da Secção AB, a favor do A.

3) Por escritura pública de 19/04/1993, no Cartório Notarial da ..., ... e mulher, ..., ... e mulher, ... ..., e ... e mulher, ..., declararam que eram donos e legítimos possuidores do prédio identificado em 1), e que o possuíam “há mais de vinte anos sem a menor oposição de quem quer que seja desde o seu início, posse que sempre exerceram sem interrupção e ostensivamente com o conhecimento de toda a gente e a prática reiterada de actos habituais de um proprietário pleno, como o amanho das terras, recolha dos frutos, conservação e defesa das propriedades, pagamento das contribuições e demais encargos pelo que sendo uma posse pacífica, contínua, pública e de boa-fé durante aquele período de tempo, adquiriram por usucapião”.

4) Mais declararam que, pelo preço recebido de seiscentos mil escudos, vendiam, e o A. declarou comprar, o referido prédio.

5) Há mais de 30 anos, que o A. e seus antepossuidores vêm zelando e guardando o prédio identificado em 1), limpando-o de silvas e matos, construindo e reparando muros e vedações, nele construindo casa de habitação, sem interrupções, à vista de toda a gente, e sem oposição de ninguém, na convicção de exercerem um direito próprio e não lesarem os direitos de outrem, e pagando contribuições.

6) Através do Alvará n.....2001, em ....., foi emitida a licença de utilização relativa a uma moradia unifamiliar de dois pisos destinada a habitação de tipo T4, sita no prédio identificado em 1), tendo o respectivo alvará de construção sido emitido em 11/08/2000.

7) O prédio identificado em 1) e a moradia referida em 6) situam-se no cimo do promontório da Pederneira, e com vista sobre a praia e o mar.

8) Por escritura pública de 01/08/2003 celebrada no Cartório Notarial da ..., a R. declarou dar à interveniente o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º..., e esta declarou dar à primeira, em troca, as fracções A, B e J do prédio composto de dez moradias em banda, licenciada pelos Alvarás de construção n.ºs...de 08/08/01 e .... de 24/07/03 da Câmara Municipal de ..., que naquele havia começado a construir com autorização da primeira; mais declararam que “o edifício satisfaz os requisitos legais para ser afecto ao regime de propriedade horizontal, com 10 fracções autónomas, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do edifício e deste para a via pública”.

9) O prédio urbano sito no ..., com a área de 1.670m2, a confrontar de Norte com ..., de Sul com o Autor, de Nascente com Caminho Real e de Poente com ... e outro, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º....

10) E mediante a Av.2 – Ap......... encontra-se descrito “em construção um edifício composto por dez moradias para habitação unifamiliar, de cave destinada a garagem, rés-do-chão e primeiro andar para habitação e sótão destinado a arrecadação, com a área coberta de 825m2, e constituído pelas fracções A, B, C, D, E, F, G, H, I e J”.

11) O prédio referido em 9) encontrou-se inscrito a favor da R. mediante a Ap.000000000 por compra.

12) E, posteriormente, a favor da interveniente mediante a Ap.0000000, por permuta com a R.

13) As fracções A, B e J referidas em 10) encontram-se inscritas provisoriamente, por natureza, a favor da R. mediante a Ap.0000000, por permuta com a interveniente.

14) O prédio identificado em 1) confronta a Norte com o prédio identificado em 8) e este confronta a Sul com aquele.

15) A linha divisória entre os dois prédios corresponde à referida no documento de fls.25 e 26, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e estão separadas por um muro meeiro.

16) O edifício referido em 10) tem uma configuração rectangular com o seu lado maior no eixo nascente-poente e o lado menor no eixo norte-sul.

17) Cada um dos 10 fogos está disposto perpendicularmente no sentido norte-sul e todos os fogos estão dispostos em linha, paralelamente uns aos outros, no sentido nascente-poente.

18) E cada um deles tem acesso separado para o exterior do edifício por meio de portas de entrada, ao nível do rés-do-chão, viradas a Sul.

19) Possui varandas em todo o perímetro e para os 10 fogos habitacionais, ao nível do primeiro andar em todos os lados, e no rés-do-chão nos lados Norte e Sul.

20) Possui 10 varandas no primeiro andar do lado Sul, 10 varandas no rés-do-chão do lado Sul, 10 varandas no primeiro andar do lado Norte e 10 varandas no rés-do-chão do lado Norte.

21) O edifício referido em 10) mede cerca de 7 metros de altura junto ao beiral e 9 metros de altura junto ao cume do telhado, medidos a partir do solo do lado Sul.

22) Na fachada virada a Sul do edifício, onde se situam as varandas localizam-se divisões de sala e quartos.

23) O edifício referido em 10) tem como fachada principal, onde se situam as entradas das habitações, o lado Sul, o qual confronta com a moradia do A.

24) A construção referida em 6) tem uma piscina situada a poente do prédio.

25) Desde o ano de 2001 que o A. e a sua família habitam na moradia referida em 6).

26) Antes da construção referida em 10), o prédio do A. encontrava-se ladeado por espaço aberto, constituído por baldio, revestido por arbustos e mancha de pinhal, sem construções nas imediações.

27) Os sótãos das moradias que compõem o edifício referido em 10) tem a área útil de 16,50m e destinam-se, segundo o respectivo projecto, a arrumos.

28) Além das varandas referidas em 20), o edifício referido em 10) possui uma varanda, com duas portadas, no primeiro andar do topo Poente.

29) E uma varanda, com duas portadas, no primeiro andar do topo Nascente.

30) As varandas referidas em 20) têm cerca de 6 metros de largura.

31) As varandas dos topos Norte e Sul têm cerca de 3,50 metros de comprimento, 1,10 metros de profundidade e uma altura do parapeito de 0,90m.

32) Os patamares das varandas do rés-do-chão situam-se a 0,20m do lado Poente e 0,40m do lado Nascente do prédio identificado em 9.

33) Os patamares das varandas do 1.º andar situam-se a uma altura que varia entre 2,80 m a Poente e 3m a Nascente em relação ao solo, pavimento revestido com elementos pré- fabricados de betão.

34) Os parapeitos das mesmas varandas tem a altura de 0,90m, e como tal a sua distância em relação ao solo varia entre 3,80m do lado Poente e 4,00m, tendo em conta que a espessura da lage que constitui tais varandas é de 0,10m.

35) A distância entre a face do muro meeiro virado para o bloco de 10 moradias e a parte mais avançada dos parapeitos das varandas, viradas a Sul do referido bloco, varia entre 3,45m a Poente e 4,20m a Nascente.

36) Sendo que na fachada Sul, na varanda mais a Poente, junto ao topo Poente, essa distância é de cerca de 2,35 m.

37) E na varanda mais a Nascente, junto ao topo Nascente, a distância é de cerca de 3,10 metros.

38) O alinhamento da parede Sul da varanda situada no topo Poente do edifício identificado em 10) dista 5 metros da estrema divisória dos prédios referidos em 1) e 9).

39) A moradia referida em 6) situa-se no lado Sul da estrema divisória dos dois prédios.

40) E ao nível do primeiro andar, situam-se janelas de compartimentos de habitação na fachada Nascente da moradia do A. mas junto à estrema Norte, com os parapeitos a uma altura de 4m do solo.

41) E uma varanda e respectiva portada de um compartimento de habitação na fachada Poente mas junto e virada a Norte.

42) Tendo o patamar uma altura de 3,00m a contar do solo.

43) Situando-se a extremidade Norte da referida varanda a cerca de 1,4m do muro divisório.

44) E a cerca de 3,80m da varanda mais a Poente da fachada Sul do edifício referido em 10.

45) E a cerca de 5 metros da varanda situada no topo Poente do edifício referido em 10).

46) No lado Sul da estrema divisória dos dois prédios situa-se ainda o logradouro do prédio do A., situado quer a Nascente, quer a Poente da moradia.

47) E a piscina situada na parte Poente do logradouro, distando entre a face do muro meeiro virado para o prédio do A e a parte mais avançada para o lado Norte da piscina aí implantada é de 4,75m.

48) E 7,25 metros da varanda mais a Poente da fachada Sul do edifício referido em 10).

49) E cerca de 9,90 metros da varanda situada no topo Poente do edifício referido em 10).

50) Além do referido em 21), existem cozinhas que dão acesso às varandas.

51) À linha divisória dos prédios identificados em 1) e 9) encontra-se uma fachada da construção do prédio referido em 1) que dista 5,00m da fachada Sul do edifício referido em 9).

52) O muro referido em 15) mede entre 2,20 e 2,30m de altura ao solo do lado do prédio identificado em 1).

53) E entre 1,85m e 2,15 de altura ao solo do lado do prédio identificado em 9).

54) Uma das fachadas da construção referida em 6) – lateral traseira - dista 1,45m metro da sua estrema norte.

55)- No prédio identificado em 1) foram construídos anexos junto à sua estrema identificada em 15), ou seja, nas traseiras do prédio do A.

56) A construção do edifício referido em 10) permite a visualização directa para o interior do prédio identificado em 1), designadamente para o logradouro, a piscina, para as varandas e janelas, a partir da varanda do topo poente e da varanda implantada na fachada sul a nível do 1º andar.

57) Da varanda do prédio do A. situada a poente é possível visualizar o logradouro e o interior da moradia mais próxima do prédio identificado em 9), caso as persianas estejam levantadas.

58) Antes da construção do edifício referido em 10), o prédio do A. tinha um preço de mercado de cerca de 325.000,00€.

59) Com aquela construção sofreu uma desvalorização monetária que se actualiza à presente data em € 50.000,00.

60) Desde o início, foi a interveniente que dirigiu os trabalhos de construção do edifício identificado em 10).

61) E os seus trabalhadores que executaram essa construção.

62) Em 26/05/2003, por documento escrito a que as partes denominaram “Acordo”, cujas assinaturas foram reconhecidas no Cartório Notarial da ..., A. e R. acordaram que as estremas dos prédios identificados em 1) e 9) (cujas áreas registadas na Conservatória do Registo Predial e Serviço de Finanças da ... não mereciam qualquer contestação) era “a que se encontra definida pelo muro meeiro que está construído no local. Mais declaram ambos os outorgantes que renunciam ao direito de recurso a tribunal por qualquer questão relacionada com os seus prédios acima identificados, nomeadamente retiram ambos, dando sem qualquer valor e classificam de irreflectidas quaisquer afirmações, verbais ou escritas, que tenham proferido e que ofendam as partes aqui outorgantes. A firma BB, Lda. compromete-se a colocar, por sua conta, uma vedação em chapa de alumínio lacado verde ou branco, com um metro de altura em toda a extensão do muro meeiro” (cfr. doc. de fls.95, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) (facto W assente).

63) Por documento escrito datado de 01/08/2003, a interveniente declarou conhecer o acordo referido em 23) e assumir para si a colocação da vedação aí referida (facto X assente).

64) Por despacho proferido em 05/01/2005, pela Procuradoria da República junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., foi determinado o arquivamento do processo administrativo que correu termos sob o n.º18/04 em que o autor denunciou a existência de ilegalidades no licenciamento do edifício referido em 10 (facto y assente).

65) Em 08/03/2006, a Câmara Municipal da ... elaborou auto de vistoria elativo ao edifício referido em 10) onde consta que o mesmo “está de acordo com o projecto aprovado por esta Câmara, pelo que é de parecer unânime que o mesmo reúne os requisitos legais para poder ser concedido o alvará de licença de utilização para Habitação” (facto Z assente).

2.2. O recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

A)Sempre se deverá afirmar que no caso vertido nos autos o que realmente está em causa nada mais representa do que uma mera questão formal, à qual não poderá ser despendido maior relevo do que à verdade material e àquilo que é a efetiva e plena realização da Justiça!

B)Ante o exposto, impõem-se considerações, mormente ao nível da apreciação e aplicação do Direito ao caso e aos factos dados como assentes, que apelam a uma mais rigorosa e completa efetivação da Justiça.

C)O douto acórdão recorrido avança primeiramente, como fundamentação da decisão perfilhada, que o princípio do contraditório, enquanto manifestação do princípio do dispositivo, fora violado pelo Mmo. Juiz a quo, na medida em que não chamou as partes para se pronunciarem sobre a aplicabilidade aos autos do instituto do enriquecimento sem causa.

D)Com efeito, o princípio dispositivo é a tradução processual do princípio constitucional do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade. Subjacente ao processo civil está um litígio de direito privado, em regra disponível, pelo que são as partes que têm o exclusivo interesse na sua propositura em tribunal. O interesse público no processo civil limita-se à correta aplicação do Direito, a fim de preservar a segurança e paz nas relações privadas.

E)No fundo, é um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz - aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse. Só dentro desta limitação se admite a decisão. O princípio dispositivo é, portanto, uma regra basilar do nosso processo civil, ele traduz o respeito pela liberdade e pela iniciativa privada.

F)O n.º 3 do art.5.º do C.P.C. reflete a longínqua regra iura novit curia, nos seguintes termos: "O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito."

G)Ou seja: às partes cabe iniciar o processo e fixar o seu objeto. Ao juiz cabe decidir dentro desse objeto, tendo ampla liberdade para aplicar regras de direito não alegadas pelas partes.

H)Face ao ora explanado, cumpre chamar à colação a caracterização do princípio do contraditório, a fim de indagar se, in casu, houve ou não perturbação do mesmo. Com efeito, entende-se o contraditório como a garantia, para o autor, de poder alegar e provar os factos constitutivos do seu direito e, para o réu, de ser noticiado da existência da demanda proposta contra ele e do respetivo conteúdo para assim poder ser ouvido, podendo influenciar a formação da convicção do tribunal.

I) No campo do direito, antes de o juiz tomar decisão sobre a querela, é facultada às partes a possibilidade de discutir todos os fundamentos de direito que motivam a decisão. No entanto, tal possibilidade há ser sempre mediada, tendo em atenção a já mencionada regra iura novit curia, caracterizadora igualmente de um processo civil fundamentado no princípio do dispositivo, mas no qual o juiz não é um mero aplicador do Direito aos factos, reconhecendo-se-lhe, ao invés, um papel ativo e verdadeiramente influenciador da lide e do seu desfecho. Deste modo, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de fevereiro de 2003, proc. n.º 03P159, relator Dr. Pereira Madeira.

J)Diante o que ora foi exposto, facilmente se conclui, assim como parece primeiramente ser avançado no douto acórdão recorrido que o princípio do contraditório reporta-se a factos alegados pelas partes e às posições por elas assumidas e não ao direito e normas aplicáveis, fundamentadores da decisão a ser adotada, nem tão-pouco à interpretação que o juiz deve fazer in casu.

                      Assim, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de junho de 2013, proc. n.º 0433/13, relator Dr. Francisco Rothes.

                      K)Assim, o ordenamento português, embora atento ao princípio dispositivo, hoje confere poderes amplos de direção e instrução ao julgador. Pois, como sabemos, o paradigma liberal do juiz como um sujeito que não intervém, de todo, no processo, característico do século XIX, está, hoje, completamente superado. O juiz tem poderes cognitivos no processo que pode e DEVE as mais das vezes exercer sempre nos limites da lei rocessual e substantiva aplicável.

                      L)Facilmente concluimos que, o juiz do tribunal de primeira instância não trouxe novos factos ao processo, sem que as Rés, e precisamente a ora Recorrida, tivessem a oportunidade de exercer o seu direito do contraditório. Lembremo-nos que este se reporta a factos e não à interpretação jurídica a efetuar.

                      M)Pois bem, a Recorrente em sede de petitório inicial fundamentou a sua pretensão no instituto da responsabilidade extracontratual. E, embora em sede de sentença proferida em primeira instância tenha sido a factualidade assente enquadrada como um enriquecimento sem causa e, em sede de recurso, não tenha o douto Tribunal da Relação de Coimbra reconhecido qualquer fundamento para o mesmo, a verdade é que o ora Recorrente continua convicto da sua pretensão inicial e do enquadramento jurídico a adjudicar in casu.

                      N)Até às construções mencionadas no ponto 10) da matéria de facto dada como provada, beneficiava o Recorrente de uma vista excecional sobre a praia e mar, de um enquadramento paisagístico e urbanístico agradável, enquadrado na paisagem rústica e natural, rodeado de espaço aberto com mancha de vegetação e floresta, sem construções próximas, beneficiando assim de excelentes condições de privacidade, tranquilidade e descanso.

                      O)O cenário descrito alterou-se drasticamente, no entanto, com as construções empreendidas pelas RR. - cfr. ponto 26) da matéria de facto dada como assente.

                      P)Com efeito e, atendendo à factualidade descrita e vertida nos pontos 16) a 24) e 28) a 55) da matéria de facto ora mencionada e especialmente ao seu ponto 56), concluímos, com plena certeza, que o edifício cuja construção foi incumbência e da responsabilidade das RR., permite a vista direta e ostensiva para o prédio do ora Recorrente.

                      Q) Recordemo-nos que a construção mencionada destina-se a habitação de 10 famílias (!), o que naturalmente constitui uma perturbação manifesta da privacidade do Recorrente e da sua família, do seu direito ao resguardo da vida pessoal e familiar, em virtude da devassa a que estão expostos pela existência de tal habitação coletiva.

                      R) Por seu turno e de igual modo, a construção delineada e efetivada pelas RR. veio, obviamente, alterar e diminuir o enquadramento paisagístico e urbanístico da propriedade do Recorrente. O Recorrente lograva até à presença do empreendimento em causa de uma vasta paisagem natural e, atualmente, por força da construção das RR. tem a 2,80 m da sua residência, um edifício de habitação coletiva de grandes proporções e com 10 fogos de habitação familiar, com as características já elencadas supra no capítulo II. da presente peça.

                      S)Tanto assim é que como bem atestaram já as duas instâncias conhecedoras dos presentes autos, a moradia do Recorrente sofreu uma desvalorização que se cifra em € 50.000,00 (cinquenta mil euros).

                      T)Desde logo e entre o mais, a construção em discussão nos presentes autos que se encontra a 2,80 m da divisória com o prédio do Recorrente, infringe o prescrito pelo art.73.º, com referência ao art.75.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas - cfr. nesse sentido ponto 33) da matéria de fato dada como assente.

                      U)Acresce que, a construção pelas RR. edificada, na sua fachada principal, virada a sul, a 2,95 m da fachada norte da moradia do Recorrente, e tendo em conta que a edificação das RR. tem 7 metros de altura no plano do beiral e 9 m de altura no plano do cume do telhado - cfr. ponto 21) da matéria de facto provada - viola o plasmado no art.59.º do R.G.E.U., na medida em que a fachada sul e principal do edifício da R. fica a uma distância aquém daquela que é definida pela linha reta a 45 graus traçada entre o plano mais superior do alinhamento sul desta edificação e a intersecção da fachada norte do edifício do Recorrente com o solo.

                      V) Desta feita, o empreendimento da lavra das RR., nos termos em que foi levado a cabo, e confirmado por duas instâncias, posterga, claramente, a exigência vertida no art. 121.º do R.G.E.U.. E, embora se reconheça que tais normas visam prima facie servir o interesse público, inegável é que também elas se dirigem à tutela do interesse particular da qualidade de vida de cada cidadão, que ficará naturalmente comprometida se os preceitos ora invocados não forem observados. Como in casu não foram.

                      W) Neste conspecto, e sem prejuízo, do que mais se adiantará a propósito da ilicitude na conduta das RR., a situação factual descrita contende diretamente com os direitos fundamentais à qualidade ambiental e de vida, bem como o direito a uma habitação em condições de privacidade e de reserva da vida familiar. - arts.66.º n.ºs 1 e 2 al.b e art. 65.º da CRP.

                      X)Na verdade, as normas invocadas, porque integrantes da Lei Fundamental e consagradoras de Direitos Fundamentais de conteúdo análogo ao catálogo de Direitos, Liberdades e Garantias na medida em que tutelam uma dimensão da dignidade da essoa humana, além de não serem "platonicamente programáticas", têm eficácia erga omnes sendo diretamente aplicáveis e vinculando entidades públicas e privadas, nos termos do art.18. º, n.º 1 da CRP. Neste sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de setembro de 2004, proc. n.º 03B4355, relator Dr. Noronha Nascimento.

                      Y) Adiante-se que, também no que respeita ao direito de propriedade do ora Recorrente houve perturbações manifestamente ilegais e capazes de fazer desencadear a aplicação do regime da responsabilidade extracontratual ou delitual, como em sede de petitório inicial, foi requerido pelo Recorrente.

                      Z)Pelo que o direito de propriedade do ora Recorrente, enquanto direito real e absoluto plasmado no art.1302.º do C.C. e, por outro lado enquanto direito fundamental, constitucionalmente previsto no art.62.º da CRP, sofreu fortes e injustificáveis compreensões nas suas dimensões de usar, fruir e dispor, na decorrência da profunda desvalorização patrimonial de que o prédio do Recorrente foi alvo. E, nessa medida, só se poderá concluir pela violação de tal direito.

                      AA)    Destarte, a conduta das RR. violou não apenas interesses alheios e normas de proteção de interesses alheios mas, de igual modo, verdadeiros direitos absolutos e fundamentais do Recorrente, em medida tal que se justifica a convocação do regime da responsabilidade civil extracontratual, nas concretas modalidades aludidas, nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 483.º e ss do C.C.

                      BB)     É de tal modo assim que, embora atentos os alvarás de construção emitidos e a conformidade da construção com o projeto aprovado pela Câmara Municipal da ..., jamais se deverão estes sobrepor a direitos absolutos, que se impõe a todas as entidades, públicas e privadas, dotados de uma eficácia erga omnes, traduzindo-se em verdadeiros direitos fundamentais, constitucionalmente garantidos. E, nesta medida, e atendendo à hierarquização inerente e caracterizadora da normatividade vigente, jamais os direitos violados do ora Recorrente deverão ser preteridos em face de uma vistoria camarária e de alvarás de construção.

                      CC) Esta é, aliás, uma garantia que decorre da própria letra da lei, embora para situações algo diferentes, mas que contendem com os mesmos direitos e com as mesmas particularidades, nos arts.1347.º, n.º' 2 e 3 do C.C.

                      DD) Estando tal faculdade prevista a propósito das instalações em causa no art.1347.º, parece-nos certamente que de tal aplicação deverá lograr igualmente um caso como o vertido nos autos, em que a conduta adotada pelas RR. ostentou de forma gritante uma profunda perturbação e violação dos mais elementares direitos constitucional e legalmente garantidos, normativos hierarquicamente superiores aos que licenciaram a referida obra. Acrescente-se ainda que, os alvarás de construção não procederam à verificação nem tão-pouco atestaram a não violação de direitos de terceiros, mas somente inspecionaram a conformidade daquela concreta construção. O mesmo se diga relativamente à vistoria empreendida pela Câmara Municipal da ....

                      EE)     Em rigor, as RR. exerceram a faculdade de edificar, inerente ao direito de propriedade - embora como foi avançado, em clara violação do art.73.º do R.G.E.U. - com manifesto excesso em face dos limites impostos pela boa-fé, bons costumes e pelo seu fim económico-social, constituindo, a sua atuação num reflexo do abuso de Direito, concretamente na modalidade de desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, especificamente na forma desproporcional entre a vantagem auferida e o sacrifício imposto a outrem.

                                  FF)      Assim, o exercício da faculdade de edificar pelas RR. culminou na lesão do direito de propriedade do Recorrente, de forma desproporcional, abusiva e ilícita, refletindo-se tal prejuízo numa desvalorização de €50.000,00 ( cinquenta mil euros) da moradia do Recorrente, justificando-se a aplicabilidade do regime da responsabilidade extracontratual. Neste sentido, v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2012, proc. n.º 45 /2001.El.Sl, relator Dr. Silva Gonçalves.

                      GG) Modo que, não houve qualquer articulação ou concordância prática entre direitos ou interesses conflituantes in casu, houve apenas e somente a imposição de uma compressão ao direito de propriedade do Recorrente.

                      HH) Atento o facto que a Recorrida podia e devia ter atuado de outro modo, mormente em conformidade com o ordenamento jurídico e concretamente com os normativos elencados, é a mesma passível de um juízo de censura ético-jurídica em que a culpa se traduz.

                      II)Já no que concerne ao nexo causal entre a atuação da Recorrida e os danos referidos, este é manifesto, principalmente se se atentar que - nesta matéria - a lei civil adota a variante negativa da causalidade adequada (art.º 563), muito mais ampla que a sua congénere positiva na definição dos danos causados pelo evento danoso e a indemnizar pelo agente. Pois bem, em face de toda a factualidade aludida, a atuação da Recorrida não só foi causa adequada e necessária da produção do dano em abstrato e em concreto, como também foi a única causa do mesmo.

                      JJ)Contudo, mesmo que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre deverá encontrar aplicação, subsidiariamente o instituto do enriquecimento sem causa, arbitrado em sede de sentença de primeira instância.

                      KK)       O problema da compensação do locupletamento injusto à custa de outrem consiste, deste modo, numa manifestação da noção de Direito, entendido como ordem justa. Posto isto, as deslocações patrimoniais encontram frequentemente dois tipos de normas, arrogando a sua tutela jurídica - as relativas ao enriquecimento sem causa e as relativas a outro instituto, mormente a responsabilidade civil, gestão de negócios, nulidade, etc.

                      LL)     Para que encontre aplicação o expediente do enriquecimento sem causa, havemos, antes de mais, de estarmos diante um enriquecimento. Este terá que ser obtido à custa de outrem, alcançado à custa dos bens jurídicos pertencentes a outrem.

                      MM) Ora, no caso, parece-nos que, sem dúvida, tal primeiro requisito está verificado. A R. interveniente adquiriu lucro, à custa, de como dos autos resulta, da limitação dos direitos do Recorrente: Direito de propriedade, reserva da vida privada, privacidade, ... Todos estes direitos foram comprimidos e, em virtude de tal restrição, a R. interveniente logrou locupletar-se injusta e ilicitamente.

                      NN) Na verdade, a Recorrida enriqueceu, em virtude da manifesta violação das normas supra invocadas, o que lhe permitiu proceder à construção nos exatos moldes que fez, com as dimensões já referidas, contrárias às normas urbanísticas reguladoras e aplicáveis in casu. Tal atuação revelou-se causa adequada, necessária e única da desvalorização patrimonial da moradia do Recorrente, bem como das lesões sofridas na esfera jurídica do mesmo e permitiu que a Recorrida se locupletasse, através da prossecução do seu objeto social.

                      00) Verificado o enriquecimento, há que indagar sobre a sua causa, isto é, sobre o juízo ético-jurídico do fenómeno em causa. Para tal, torna-se mister recorrer à conceção social de justiça.

                      PP)      E, do que dos presentes autos consta, é notório que a Recorrida é passível de tal censura. Com a sua atuação, logrando obter lucro, provocou igualmente uma devassa em direitos do Recorrente., bem como a desvalorização do seu prédio.

                      QQ) Acrescentemos, ainda que, quando a lei se refere ao enriquecimento obtido "à custa" de outrem, tal expressão não deve ser entendida no seu sentido mais literal.

                      RR) O que verdadeiramente em causa está é a necessidade de imputar um enriquecimento (aqui, da Recorrida), à custa de certo património (do Recorrente). Sem margem de dúvidas, que no caso dos presentes autos, tal nexo de imputação é reconhecível.

                      SS) Por tudo o dito, justifica-se igualmente a aplicação do expediente do enriquecimento sem causa, enquanto fundamento da obrigação de indemnizar o Recorrente., por parte da R. interveniente, a título solidário.

                      TT) Aliás diga-se, muito chocaria o mais elementar sentido de Justiça de qualquer cidadão comum, se num caso como o dos autos, ficasse provada a existência de um dano considerável, dano esse que se mostrasse consequência da atuação de determinada entidade, atuação que foi ilícita, na medida em que violou normas de proteção de interesses alheios, violou direitos absolutos, como o direito de propriedade e violou direitos fundamentais, plasmados naquele que é o Texto Fundamental, de forma culposa, e tal entidade não fosse minimamente responsabilizada somente porque o enquadramento teórico, reitera-se teórico, dar à factualidade diverge!

                      UU) Estamos, e permitam-nos que assim o expunhamos, perante um caso gritante de responsabilização e demonstrou-se necessário chegar ao Venerando Supremo Tribunal de Justiça, devido a uma questão puramente qualificativa. Pois bem, terminando do mesmo modo que começamos, relembramos apenas que nunca a Justiça deverá mostrar-se subjugada ao Direito mas, ao invés, sempre deverá o Direito servir a Justiça!

                      Pelo exposto, deve ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, considerada totalmente procedente a pretensão do A..

                      2.3. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

                      a) O pedido indemnizatório feito pelo Autor nos autos, assenta na responsabilidade civil extracontratual pelos danos que as ré interveniente e a Ré BB provocaram no imóvel do Autor, assentes no não cumprimento das regras estipuladas no RGEU, Regulamento Geral da Edificação Urbana

                      b) Fundou a sua pretensão de jure no instituto da responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual, aduzindo em seu abono e em concreto os artigos 483 e 562 do C. Civil,

                      c) Esta hipótese, avançada pelo Autor, (da violação das normas públicas regulamentares, - Regulamento Geral da Edificação Urbana), por si só não lhe atribui direitos subjetivos mesmo que tivesse sido demonstrada uma determinada ilicitude, sendo sempre necessário a alegação de outros factos que preencham as previsões do Direito privado sendo as dos artigos 1346 e sgt, sejam as dos artigos 484 e sgt do C. Civil, exigindo-se ainda que se demonstre a existência de danos.

                      d) Porque a responsabilidade extracontratual, deriva da violação de deveres ou vínculos jurídicos gerais, isto é, de deveres de conduta impostos a todas as pessoas e que correspondem aos direitos absolutos, ou até da prática de certos atos que, embora lícitos, produzem dano a outrem;

                      e) E são elementos constitutivos da Responsabilidade Civil Extracontratual os que o artigo 483º do C. Civil enumera como princípio geral: Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Ou seja, o Facto e a Ilicitude.

                      f) A ilicitude consiste na infração de um dever jurídico. Só assim, é que o facto voluntário que lesa interesses alheios conduz à obrigação de reparação.

                      g) Dado que nada disto aconteceu certo é que a ação deveria soçobrar.

                      h) Ao contrário, as Rés foram condenadas, não por via da Responsabilidade Civil Extracontratual, mas por via do instituto do enriquecimento sem causa., tendo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, agora posto em crise pelo presente recurso, dado vencimento ao recurso apresentado, por não vislumbrar, no caso em apreço, a presença de nenhum dos requisitos da figura do enriquecimento sem causa.

                      i) Considerou inexistir, ou não ter sido colocado em dilucidação o enriquecimento do prédio da Ré interveniente, cuja opção construtiva foi licenciada e cumpriu todos os requisitos legais e administrativos.

                      j) Apenas se provando o empobrecimento do prédio do Autor, o que é coisa diferente e não tutelada pela norma em perspetiva.

                      k) O Acórdão recorrido considerou ainda que a alteração substancial e total do fundamento jurídico invocado e perspetivado pelos interessados, implica, no mínimo, - e sob pena de decisão surpresa e nulidade dos atos: artº 3 nº 3 e 195 do CPC-, a notificação destes para se pronunciarem sobre a possibilidade de tal alteração.

                      l) Não se trata de uma questão "formal" como lhe chama o recorrente, mas da pedra angular da construção de todo o Direito processual civil, o princípio do contraditório, que foi violado.

                      m) Foi violado quando o Exº Sr Juiz a quo decidiu indeferir a causa com base na responsabilidade civil aquiliana, instituto sempre e só perspetivado pelas partes, e a deferiu parcialmente com a invocação do enriquecimento sem causa, sem que disso tivesse dado conhecimento ao Autor e às Rés.

                      n) Esta alteração - introduzir a figura do enriquecimento sem causa, figura residual, excecional e de última ratio, violou a aplicação do artigo 474 do C. C. que se reporta ao enriquecimento e não ao empobrecimento, e para relevar os seus requisitos- rectius o de figura única para a tutela do direito ­têm de ser alegados e provados pelo interessado invocante."

                      o) Nada disso aconteceu: os pressupostos do enriquecimento sem causa, a existência de um enriquecimento, a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; e a ausência de causa justificativa para o enriquecimento, nunca foi alegado e muito menos demonstrado.

                      p) Não houve, no decurso do processo, qualquer alegação que consolide o pressuposto que houve um enriquecimento. Nenhuma matéria foi alegada e portanto, nenhuma prova produzida relativamente à possibilidade das Rés terem obtido um enriquecimento, muito menos à custa do Autor,

                      q) Para além disso o artº 474 do C. Civil proíbe o recurso à acão de enriquecimento sem causa, uma vez que esta é subsidiária e no caso em apreço o Autor aquele outros recursos disponíveis, nomeadamente o embargo de obra nova ou a anulação do ato administrativo por lesivo do seu direito.

                      r) Decidiu bem o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra ao considerar que a decisão do tribunal de 1 ª instância constitui uma alteração ao objeto da ação definido pelas partes, sem que as Rés tivessem tido oportunidade de contradizer.

                      s) Até porque não houve qualquer culpa por parte das Rés, uma vez que a opção urbanística é uma incumbência do Município, que licenciou e fiscalizou a legalidade da construção,

                      t) Bem como não se provou a existência de um enriquecimento, e a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem, nomeadamente Autor, o que nos conduz à ausência de causa justificativa para o enriquecimento que assim fica inviabilizado, como ficou já dito.

                      u) Apesar do Juiz, quanto aos factos, estar limitado por aqueles que, tal como a causa de pedir e as exceções, são alegados pelo Autor e Reu, podendo decidir dentro desse objeto, tendo ampla liberdade para aplicar o direito, nada justifica a opção pela aplicação da figura do enriquecimento sem causa.

                      v) O objeto da ação tem que ser alegado pelas partes e é dentro dele que cabe decidir. No caso em apreço, não tendo sido alegado nenhum pressuposto do enriquecimento sem causa, e não sendo esse o objeto da ação, não poderia o Exº Sr Juiz aplicá-lo sem que antes tivesse convidado as partes a pronunciarem-se sobre a sua proposta de decisão.

                      w) Não o tendo feito estamos perante uma nulidade da sentença, tal como o Acórdão recorrido decidiu.

                      x) Não se trata de quartar o poder decisório do juiz, trata-se de limitar um poder discricionário, assegurar a igualdade das partes tal como vem enunciado nos artº 3 e 4 do CPC. e evitar as decisões surpresa.

                      y) O objetivo do princípio do contraditório é entendido hoje como a capacidade de influenciar a decisão, através da participação ativa de ambas as partes em plena igualdade, para se atingir o êxito do processo.

                      z) Antes de tomar decisão sobre o objeto da ação deve o juiz facultar às partes a possibilidade de discutir todos os fundamentos de direito que irão motivar a decisão.

                      aa) A aplicação do Direito, conforme exposto, é o que garante aos cidadãos um dos valores do Direito: a certeza jurídica, o outro, e

                      bb) apesar do Direito se encontrar ao serviço da Justiça, porque esta não pode ter, uma única definição nem caber num só conceito, perfilhamos que a Justiça é a constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu, noção que foi inserida no Corpus Juris Civilis texto fundador do atual Direito Civil europeu, e que no caso vertente se traduz em manter o Acórdão Recorrido.

                      2.4. As questões essenciais que importa apreciar no presente recurso são as seguintes:

                      – saber se havia que declarar nula a sentença proferida pela 1ª instância, por violação do disposto no art.3º, nº3, do CPC;

                      – saber se, no caso, se verificam os requisitos do instituto do enriquecimento sem causa.

                      2.4.1. A propósito da 1ª questão, desenvolveu-se no acórdão recorrido a seguinte argumentação:

                      «O princípio do contraditório é um dos princípios basilares que enformam o processo civil, e, na estrita perspetiva das partes, quiçá o mais relevante.

                      Na verdade: «o processo civil reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars)…esta estruturação dialéctica ou polémica do processo tira partido do contraste de interesses dos pleiteantes, ou até só do contraste das suas opiniões…para o esclarecimento da verdade» - Manuel de Andrade, Noções Elementares, 1979, p.379.

                      A  sua consagração legal  mais evidente está plasmada no artº 3º nº3 do CPC:

                       «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».

                      Este princípio assume-se como corolário ou consequência do princípio do dispositivo, emergente, para além de outras disposições, do nº1 deste preceito, destinando-se a proteger o exercício do direito de ação e de defesa.

                      Na verdade:

                       «quer o direito de ação, quer de defesa, assentam numa determinada qualificação jurídica dos factos carreados para o processo, que as partes tiveram por pertinente e adequada quando procederam à respetiva articulação. Deste modo qualquer alteração do módulo jurídico perfilhado, designadamente quando assuma um grau particularmente relevante, é suscetível de comprometer a posição das partes…e daí a proibição imposta pelo nº3» - Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.10.

                      Certo é que o cumprimento do princípio do contraditório não se reporta, pelo menos essencial ou determinantemente, às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes.

                      Na verdade, importa atentar no disposto no artº 5º nº3º do CPC, sob  a epigrafe: ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal:

                      «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».

                      A interpretação deste preceito é doutrinal e jurisprudencialmente pacífica, no sentido propugnado na clara síntese efetivada por Abílio Neto,  ob. cit. p.193:

                      «Em matéria de direito o tribunal pode e deve substituir-se à parte (artºs 664º, 713º nº2 e 726º), dando por violadas normas que na realidade tenham sido, explícita ou implicitamente invocadas, ou nem tal sequer, desde que efectivamente cogentes para resolução das questões submetidas à sua apreciação, não se encontrando, assim, adstrito à qualificação dos factos efectuada pelas partes…desde que se mantenha dentro da causa de pedir invocada pelas partes e observe o artº 3º nº 3»

                      (itálico e sublinhado nosso).

                      Nesta conformidade, e de uma razoável interpretação concatenada destes preceitos, importa concluir que a decisão-surpresa a que se reporta o artigo 3º nº 3 do CPC, não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito.

                      Mas já é exigível que os termos da decisão, rectius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstratamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspetivado como sendo possível.

                      Ou seja, estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou ainda quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente e razoavelmente imprevisível daquele em que a parte o havia feito  – cfr. Acs do STJ de 29.09.1998 e de 14.05.2002, dgsi.pt, p. 98A801 e 02A1353, respetivamente e Ac. da RL de  04.11.2010, p. 260/10.9YRLSB-8.

                      (…)

                      In casu, o autor, com base em certos factos alegados, fundou, de jure, a sua pretensão no instituto da responsabilidade aquiliana ou extracontratual, aduzindo em seu abono, concretamente, os artºs 483º e 562º do CC.

                      Na sentença, o Sr. Juiz não deu razão ao autor com base neste fundamento/subsunção jurídico/a, pois que ele expendeu:

                      «…a interveniente…está munida das respectivas licenças, tendo sido aferido que o prédio está conforme ao projecto e portanto dentro da legalidade.

                      Aliás, o documento de fls. 97 e seguintes, emitido pela Procuradoria da República vai no sentido do arquivamento da denúncia feita pelo A. acerca de ilegalidades na construção do prédio, sendo que o relatório pericial de fls. 511 e seguintes aponta também ele no sentido da legalidade da obra.

                      Em suma, não se discute nestes autos, nem aqui é local próprio para aferir da legalidade da decisão camarária.

                      Por seu turno, mesmo a hipotética violação de normas públicas regulamentares a que o A. faz referência (Regime Geral da Edificação Urbana), por si só não lhe atribui direitos subjectivos mesmo que demonstre uma determinada ilicitude, sempre sendo necessário a alegação de outros factos que preencham as previsões de direito privado, sejam as dos artigos 1346º e seguintes do CC sejam as dos artigos 483º e seguintes do mesmo diploma, exigindo-se ainda que se demonstre a existência de danos.

                      In casu não se vislumbra que a acção da R ou da interveniente tenha violado qualquer dos artigos acima referidos, não se podendo portanto concluir pela existência de responsabilidade delitual daquelas, como pretende o A.

                      O A. tem portanto que suportar o prédio vizinho.».

                      Não obstante já lhe concedeu parcial ganho de causa invocando o instituto do enriquecimento sem causa.

                      O que fez nos seguintes termos:

                      «Apesar disso, sendo que por vezes a lei é menos que o direito e este menos que a justiça, a verdade é que nada impunha à Câmara da ..., ao R. e ao interveniente, que um  prédio com as características daquele que foi feito, o tivesse sido ao lado de uma moradia com características diferentes, com área de construção muito inferior, habitado por família, sem o natural rebuliço que advêm de um edifício pluri-habitacional.

                      …Aqui chegados entendemos chamar à colação o instituto do enriquecimento seu causa.

                      …Ora à custa da desvalorização do imóvel do A. que monta em € 50.000,00 a interveniente e o R tiveram um incremento no seu património em montante pelo menos igual.

                      É que a forma como construíram o prédio de várias fracções, já sabendo que o do A. Aí se encontrava, foi de molde a potenciá-lo o mais possível, sendo certo que o poderiam ter feito de outra forma, mais curto, só de rés-do-chão, sem varandas.

                      Mas optaram por fazê-lo da forma como o fizeram, de nada valendo agora virem dizer que também do prédio do A. se podem ver alguns apartamentos do lado contrário, sendo que isso sempre poderiam o R ou o interveniente ter evitado, e sendo razoável dizer que uma moradia não é a mesma coisa que o bloco de apartamentos.

                      Como tal e aqui acercados, entende-se que com base na figura do enriquecimento sem causa (aqui se entendendo por falta de causa ou fundamento a opção construtiva concreta levada a cabo) é justo restituir ao A, que viu perder-se parte da sua privacidade e consequente empobrecimento do seu património, transferindo-se para o R e interveniente o correspondente incremento patrimonial, é justo dizíamos, ver restituído ao A. o montante de tal empobrecimento que corresponde ao valor de € 50.000,00.

                      Tal condenação é solidária entre R. e interveniente, já que a 1ª negociou com a 2ª a permuta do terreno onde foram construídas as fracções, por algumas dessas fracções, tendo ambas e de igual forma o correspectivo incremento patrimonial.».

                      Perante as posições das partes, rectius do  autor, máxime no que concerne à subsunção dos factos alegados e provados e à aludida postura do Julgador, somos do entendimento de que este, para decidir positivamente, em parte, quanto à pretensão do demandante com fundamento na figura do enriquecimento, teria de dar prévio conhecimento aos litigantes dessa sua postura.

                      Na verdade, o fundamento jurídico invocado pelo autor foi rejeitado.

                      E em momento algum do processado foi aventada a possibilidade do chamamento da figura do enriquecimento.

                      Ademais, esta figura  assume o jaez de última ratio, apenas invocável quando o lesado não tenha outras normas, figuras ou institutos jurídicos para, legalmente, alicerçar/acobertar a sua posição.

                      Não foi o caso dos autos, nos quais o autor apenas fundamentou o pedido, como se referiu, no instituto da responsabilidade aquiliana.

                      Pelo que, em princípio, apenas esta subsunção jurídica poderia ser atendida/perspectivada e, com base nela, a acção proceder ou improceder.

                      Decorrentemente, é inexigível às partes, máxime ao autor, que previssem/perspectivassem que o Julgador pudesse indeferir o pedido por não se ter provado uma atuação ilícita das rés, mas o pudesse deferir parcialmente com chamamento do enriquecimento sem causa, o qual, repete-se, até se assume como um meio/modo de tutela jurídica residual e excecional.

                      Nesta conformidade, o mínimo que o Sr. Juiz teria de fazer era notificar as partes para a possibilidade de a acção ser decidida com base em tal figura, de sorte a que estas, no exercício do seu direito ao contraditório, se pronunciassem sobre a sua presença ou não presença  in casu.

                      Ao assim não atuar, o Sr. Juiz violou o aludido artº 3º nº3 do CPC, cometendo, por omissão, uma nulidade processual, a qual influiu no exame e decisão da causa e produziu uma decisão surpresa, pois que, no mínimo, é alheia ao, ou se situa fora do, módulo ou do plano jurídico  perfilhado pelas partes.

                      E, assim, tornando a própria sentença final nula – artº 195º nºs 1 e 2 do CPC.

                      O que, efectivamente, se verifica e declara.

                      Todavia porque o ato praticado na sequência dessa omissão foi uma decisão  que pôs termo ao processo, sempre este tribunal ad quem, por força da regra da substituição ao tribunal recorrido,  terá de conhecer do objeto do processo – artº 665º nº1 do CPC».

                      Segundo o recorrente, o princípio do contraditório reporta-se a factos alegados pelas partes e às posições por elas assumidas, e não à interpretação jurídica a efectuar, tendo em atenção a regra iura novit curia reflectida no art.5º, nº3, do CPC.

                      Vejamos.

                      Nos termos do disposto no art.3º, nº3, do CPC (serão deste Código as demais disposições citadas sem menção de origem), «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».

                      Ora, o que se quis impedir, com o aludido preceito, foi, precisamente, que a coberto do princípio «jus novit curia», emergente do art.5º, nº3, e do princípio da oficiosidade no conhecimento da generalidade das excepções dilatórias e das excepções peremptórias, constantes dos arts.578º e 579º, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas, por não terem sido objecto de discussão no processo.

                      Como refere Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, 1º vol., 2ª ed., pág.77, «a liberdade de aplicação das regras de direito adequadas ao caso e a oficiosidade no conhecimento de excepções, conduziam, com alguma frequência, a decisões que, embora tecnicamente correctas, surgiam contra a corrente do processo, à revelia das posições jurídicas que cada uma das partes tomara nos articulados ou nas alegações de recurso. Eram as chamadas «decisões-surpresa» legitimadas pelo regime jurídico-processual anterior, que nenhumas limitações colocava ao poder imediato de integração da matéria de facto nas normas aplicáveis».

                      E foi o que aconteceu no caso dos autos, já que, tendo-se o litígio desenrolado em redor do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos, em cujo regime o autor procurou o fundamento da sua pretensão e as rés assentaram a sua defesa, o juiz, na sentença final, encontrou diferente enquadramento jurídico, aplicando ao caso um outro instituto jurídico – enriquecimento sem causa –, assim solucionando o diferendo de forma surpreendente para as partes, sem prévia audiência destas.

                      Ou seja, não foi propiciado às partes interessadas na resolução do litígio a possibilidade de se pronunciarem e aduzirem argumentos tendentes a apoiar ou a demover o juiz relativamente à qualificação jurídica que se propunha adoptar.

                      Não está em jogo a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz. Do que se trata é, apenas, de, previamente ao exercício de tal liberdade subsuntiva do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, que elas não tinham razoavelmente perspectivado.

                      Sendo certo que, no caso, estamos perante questão jurídica susceptível de se repercutir, como se repercutiu, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão, não sendo exigível que as partes interessadas a houvessem perspectivado no decurso do processo.

                      Logo, se o diferente enquadramento jurídico só foi encontrado pelo juiz quando se propôs proferir a sentença final, deveria ter sobrestado na decisão, confrontando as partes com a possível e inovatória solução de direito e convidando-as a deduzir sobre tal matéria os argumentos que considerassem pertinentes, só depois proferindo decisão.

                      Consequentemente, tendo-se omitido o convite às partes para aquele efeito, foi cometida nulidade, a apreciar nos termos gerais do art.195º.

                      Haverá, assim, que concluir que havia que declarar nula a sentença proferida pela 1ª instância, por violação do disposto no art.3º, nº3.

                      2.4.2. No que respeita ao enriquecimento sem causa, considerou-se no acórdão recorrido não se vislumbrar a presença de qualquer dos requisitos daquela figura.

                      Para o efeito, aduziu-se, naquele acórdão, a seguinte argumentação:

                      «Como já se mencionou o julgador julgou improcedente a causa atento o fundamento jurídico – responsabilidade extracontratual ou aquiliana das rés – mas julgou-a parcialmente procedente atenta a figura do enriquecimento sem causa.

                      No recurso está apenas em dilucidação, atento o teor das conclusões, a curialidade, ou não, deste último segmento decisório.

                      O Sr. Juiz decidiu no âmbito desta perspectivação jurídico-legal, nos termos já supra plasmados.

                      Perscrutemos.

                      Dispõe o artº473º do CC:     

                      «1 - Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

                      2 - A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que foi recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.»

                      Sendo, assim, pressupostos  ou requisitos do enriquecimento sem causa:

                      a)  A existência de um enriquecimento de alguém;

                      b)  A obtenção desse enriquecimento à custa de outrem;

                      c) O nexo causal entre as duas situações;

                      d)  A ausência de causa justificativa para o enriquecimento;

                      e) Que a lei não faculte ao empobrecido – rectius credor – outro meio de ser indemnizado ou restituído – cfr. entre outros os Acs do STJ de 04.06.1996 e de 23.04.1998, BMJ, 458º, 217 e 476º,371.

                      O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem assuma, vg. uso ou fruição de determinada coisa, aumento do ativo ou diminuição do passivo.

                      O enriquecimento há-de verificar-se à «custa de outrem», ou seja a expensas com meios ou instrumentos alheios, mas não tem, necessariamente, de implicar um empobrecimento ou sacrifício económico. É o caso do uso de coisa alheia, com fruição das suas utilidades, sem que tal represente qualquer prejuízo, afetação ou constrangimento patrimonial para o seu dono.

                      Tem, em todo o caso e como se viu, de existir uma relação de conexão e interdependência  ou correlação entre o enriquecimento e o direito afetado: aquele tem de se suportar ou dimanar deste. Não se exige, porém, uma relação diretamente proporcional entre o enriquecimento e o empobrecimento podendo os valores respetivos serem díspares.

                      Exige-se a inexistência de causa justificativa.

                      Ou seja, impõe-se que não exista uma causa jurídica que legitime a deslocação patrimonial: ou porque nunca a houve, ou porque, havendo-a inicialmente, entretanto desapareceu.

                      A lei não definiu o conceito de ausência de causa do enriquecimento, limitando-se a indicar no nº2 do artº 473º, alguns exemplos que constituem auxiliares ou subsídios para a formulação de um conceito mais geral que permita abarcar a grande variedade de situações que podem integrar-se em tal instituto.

                      Assim, quando a deslocação patrimonial opera mediante uma prestação do empobrecido, no pressuposto que ela é devida por força da existência de uma obrigação nesse sentido e esta não existe, tal prestação carece de causa.

                      Nos casos em que a deslocação patrimonial assenta numa obrigação de cariz negocial – vg. venda, arrendamento, empréstimo –  a mesma fica sem causa quando o fim típico do negócio em que se integra não é atingido por qualquer razão.

                       Fora estes casos e em tese geral tem-se entendido que o enriquecimento não tem causa quando para a  transferência patrimonial não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, a justifique.

                      Ou, ainda, quando se apresentar como injusta perante a ordem jurídica, no sentido de se encontrar em desarmonia com a correta ordenação jurídica dos bens conforme fixada e aceite pelo sistema jurídico, de tal sorte que o seu acolhimento e aceitação na esfera jurídica patrimonial do enriquecido, em detrimento da do empobrecido, porque injustificada e iníqua, repugnaria ao direito – cfr. Antunes Varela, Obrigações em Geral, 2ª ed. P.364 e segs. e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ªed. p.335.

                      Finalmente o cariz subsidiário, última ratio ou a válvula de escape, do instituto -consoante estatuído no artº 474º do CC –  determina que o empobrecido só pode recorrer  a esta ação quando a lei não lhe faculte outro meio para pedir o ressarcimento dos prejuízos. Sempre que a ação normal possa ser exercida, o empobrecido deve optar por ela.

                      Assim e designadamente: «aquele que tenha direito a pedir a declaração de nulidade ou a anulação de um negócio jurídico e a restituição da prestação entregue (artº289º) não é admitido a exercer a acção de enriquecimento» - Almeida Costa, ob.cit., p.338 e A. Varela, ob. Cit., p.377 e sgs. e, entre outros, Ac. do STJ de 16-10-2008, dgsi.pt, p   08A2709.

                      Diga-se ainda que, como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, é sobre o autor da ação que impende o ónus de provar os aludidos requisitos, porque elementos constitutivos do seu direito, nos termos do artº 342º nº1 do CC. – cfr. autores, obs. e locs. cits. e, entre outros, Acs. do STJ de 03.07.1970, BMJ, 199º, 190, 5/12/06, 29/5/07, 4/10/07 e 24.03.2017, ps. 06A3902, 07A1302,  07B2772 e 1769/12.5TBCTX.E1.S1, in dgsi.pt.

                      (…)

                      No caso vertente, e ssdr. não vislumbramos a presença de qualquer dos requisitos desta figura.

                      Inexiste ou não foi colocado em dilucidação enriquecimento do prédio da interveniente.

                       O que se provou – pontos 58 e 59 -  foi um empobrecimento do prédio do autor. O que é coisa diferente e não tutelado pela norma em perspetiva.

                      Mesmo que assim não fosse, inexistiria falta de causa para o enriquecimento. É que as edificações  efectivadas pela interveniente, com a opção construtiva escolhida,  foram licenciadas e cumpriram todos os requisitos legais e administrativos. Logo, a causa para as mesmas e para o seu valor e valorização é precisamente esta: o cumprimento dos aludidos requisitos administrativo-legais e, bem assim, o interesse das rés na edificação.

                      Finalmente não se vislumbraria como figura jurídica  de última ratio, ou seja,  a única que pudesse acautelar e defender os direitos e interesses do demandante.

                      É que este próprio alicerçou a sua pretensão, aliás, e em tese, com perfeito cabimento, noutro instituto legal.

                      E o facto de, com base neste, não ter obtido vencimento, não atribui, in casu, tal jaez à figura do enriquecimento sem causa.

                      Pois que ela nem sequer foi alegada pelo autor, com invocação de tal cariz excepcional e único de protecção do seu direito e, ademais, com prova, de banda sua, dos restantes requisitos.

                      Procedente esta questão, queda prejudicada a apreciação da subsequente».

                      Segundo o recorrente, justifica-se a aplicação do expediente do enriquecimento sem causa, enquanto fundamento da obrigação de indemnizar o recorrente, por parte da ré interveniente, a título solidário.

                      Vejamos.

                      Dir-se-á, antes do mais, que, ao contrário do que parece entender o recorrente, a obrigação de restituir a que se referem os arts.473º e segs., do C.Civil, não visa reparar o dano do lesado - esse é o fim da responsabilidade civil -, mas suprimir ou eliminar o enriquecimento de alguém à custa de outrem (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, vol.I, pág.412).

                      Haverá, pois, que apurar quais são os requisitos do enriquecimento sem causa, para, depois, se indagar se os mesmos se verificam no caso sub judice.

                      Nos termos do citado art.473º, nº1, aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

                      Acrescentando o nº2, do mesmo artigo, que a obrigação de restituir tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.

                      Segundo aqueles ilustres professores, ob.cit. pág.399 e segs., que seguiremos muito de perto, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:

                      a) é necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento;

                      b) em segundo lugar, que o enriquecimento careça de causa justificativa - ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido;

                      c) finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.

                      Acrescentam aqueles autores que o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista.

                      Umas vezes a vantagem traduzir-se-á num aumento do activo patrimonial (preço da alienação de coisa alheia; lucro da edição de obra alheia ou da representação de peça alheia; recebimento de prestação não devida, porque a obrigação nunca existiu ou já havia sido cumprida ou fora cedida entretanto; bens adquiridos ou benfeitorias realizadas pelo gestor; etc.); outras, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio, quando estes actos sejam susceptíveis de avaliação pecuniária (instalação em casa alheia; apascentação do rebanho próprio em prédio de outrem; consumo de alimentos pertencentes a terceiro; utilização da assinatura de outrem no teatro ou no ópera; etc.); outras, ainda, na poupança de despesas (A, por exemplo, alimenta o descendente de B, porque julga erroneamente tratar-se do seu filho).

                      Quanto à falta de causa justificativa, poder-se-á dizer que esta se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento.

                       Assim, por exemplo, sempre que o enriquecimento provenha de uma prestação, a sua causa é a relação jurídica que a prestação visa satisfazer, pelo que, cumprindo-se obrigação inexistente, pode repetir-se o indevido (cfr. os arts.473º, nº2 e 476º, nº1).

                      No que respeita à correlação entre a situação do enriquecido e do empobrecido, a mesma traduz-se, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada pelo primeiro resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo segundo.

                      O objecto da obrigação de restituir deve compreender tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido (cfr.o art.479º, nº1).

                      Isto é, o beneficiado deve restituir, apenas, aquilo com que, efectivamente, se acha enriquecido.

                      Refira-se, ainda, que, por força do disposto no art.474º, a acção baseada nas regras do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, na medida em que só pode recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção.

                      Segundo Almeida Costa, ob.cit., pág.460, à inexistência da acção normalmente adequada equipara-se a circunstância de esta não poder ser exercida em consequência de um obstáculo legal, por exemplo, prescrição do direito de indemnização (art.498º, nº4), ou de não poder sê-lo utilmente por razões de facto («maxime» a insolvência do devedor).

                      Dir-se-á, por último, que é pacífico na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que cabe àquele que pretende beneficiar do instituto do enriquecimento sem causa a prova dos factos, positivos ou negativos, que integram tal instituto.

                      Ora, o que se verifica, no caso, é que o autor-recorrente não logrou demonstrar os requisitos do enriquecimento sem causa.

                      Aliás, diga-se, o autor nem sequer procurou alegá-los, porquanto invocou causa de pedir diversa, fundamentando o seu pedido na responsabilidade civil extracontratual.

                      Deste modo, o que o autor pretendeu com a presente acção, foi ser indemnizado em virtude da desvalorização do seu prédio, ocasionada pela construção do prédio da ré.

                      Assim, desde logo, não se vê que tenha ocorrido qualquer enriquecimento da ré, isto é, que esta tenha obtido uma qualquer vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista.

                      O que resulta da matéria de facto apurada é que, com a construção do edifício inscrito a favor da ré e, posteriormente, da interveniente, o prédio do autor sofreu uma desvalorização monetária de € 50.000,00.

                      Mas, relativamente ao enriquecimento da interveniente, nada se demonstrou.

                      E não se diga que a recorrida enriqueceu em virtude de manifesta violação de normas urbanísticas reguladoras aplicáveis ao caso, o que lhe teria permitido proceder à construção nos exactos moldes em que a fez, locupletando-se através da prossecução do seu objecto social.

                      É que, rigorosamente, não se trata de um enriquecimento obtido imediatamente à custa do autor, pois que estamos perante uma empresa de construção que visa o lucro decorrente da sua actividade social e que fez o seu investimento, não tendo o autor tido, no caso, qualquer intervenção.

                      E ainda que tivesse havido violação de normas urbanísticas, sempre haveria que ter em conta que a acção baseada nas regras do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, sendo que a lei faculta ao autor outros meios de reacção.

                      Meios esses que, aliás, o autor terá usado e que terão dado origem ao acordo referido no ponto 62 dos factos provados, e, mais tarde, ao arquivamento do processo administrativo a que alude o ponto 64 dos factos provados.

                      Acresce que, em 08/03/2006, a Câmara Municipal da ... elaborou auto de vistoria relativo ao edifício referido em 10) onde consta que o mesmo “está de acordo com o projecto aprovado por esta Câmara, pelo que é de parecer unânime que o mesmo reúne os requisitos legais para poder ser concedido o alvará de licença de utilização para Habitação” (cfr. o ponto 65 dos factos provados).

                      Refira-se, ainda, que, nos termos do art.1305º, do C.Civil, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, mas dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostos.

                      Isto é, a citada disposição legal, ao descrever o conteúdo do direito de propriedade, incluiu na própria definição, como elemento normal e não a título de excepção, os limites resultantes da lei para o gozo do proprietário.

                      Aliás, a fórmula utilizada no art.62º da CRP, também trata de sublinhar que o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos.

                      As restrições a que se refere a parte final do citado art.1305º podem ser de direito público ou de direito privado, sendo que estas resultam das relações de vizinhança.

                      Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, vol.III, 2ª ed., pág.95, referindo-se às restrições de direito privado, «Têm elas em vista regular os conflitos de interesses, que surgem entre vizinhos, em consequência da solidariedade dos seus direitos, ou seja, em virtude da impossibilidade de os direitos do proprietário serem exercidos plenamente sem afectação dos direitos dos vizinhos. A generalidade destas restrições encontra-se prevista e regulada no capítulo relativo à propriedade dos imóveis (arts.1344º e segs.)».

                      No caso dos autos, o exercício do direito de propriedade do recorrente terá sido afectado em consequência do exercício do direito de propriedade da recorrida, mas não vem demonstrada a existência de uma qualquer situação de enriquecimento sem causa.

                      Certamente o recorrente não desconhecia que, quando construiu a sua casa de habitação, o fazia num local que confrontava com um terreno apto para construção e que, assim, poderia surgir uma relação de vizinhança com outra ou outras casas de habitação ou, até, outras construções.

                      Acresce que não se vê que a recorrida tenha exercido a faculdade de edificar, inerente ao direito de propriedade, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

                      Que o mesmo é dizer, não se vê que seja ilegítimo o exercício desse direito, ou seja, que haja abuso de direito, nos termos do art.334º, do C.Civil.

                      Na verdade, da matéria de facto dada como provada não resultam elementos que apontem nesse sentido, sendo que se exige que o excesso cometido seja manifesto.

                      Dir-se-á, por último, que não tem este Supremo Tribunal que conhecer da questão da existência ou não da obrigação de indemnizar a título de responsabilidade civil extracontratual, porquanto se trata de questão que não foi apreciada pelo Tribunal da Relação, uma vez que o autor, aí recorrido, parte vencedora que, no entanto, decaiu no fundamento invocado, não requereu a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art.636º, nº1.

                      Ora, é jurisprudência uniforme a de que os recursos visam, em princípio, modificar as decisões recorridas e não apreciar questões não decididas pelo tribunal a quo, sendo, pois, vedado conhecer em recurso para o STJ de questões que podiam e deviam ser suscitadas na Relação (cfr. o art.627º).

                      Haverá, deste modo, que concluir que, no caso, não se verificam os requisitos do instituto do enriquecimento sem causa.

                      Improcedem, assim, as conclusões da alegação do recorrente, não merecendo, pois, censura o acórdão recorrido.

                      3 – Decisão.

                      Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso de revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

                      Custas pelo recorrente.

                      Roque Nogueira (Relator)