Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6496/16.1T8GMR-A.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
INTERPELAÇÃO
VENCIMENTO
RESOLUÇÃO
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
CONTRATO DE MÚTUO
HIPOTECA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGOCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / PERFEIÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO / CUMPRIMENTO / PROVA DO CUMPRIMENTO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / FORMAS DE PROCESSO / PROCESSO DE EXECUÇÃO – PROCESSO DE EXECUÇÃO / TÍTULO EXECUTIVO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4.ª Edição, Volume II, Almedina, 1990, p. 52-53;
- Lopes do Rego, Requisitos da Obrigação Exequenda, Revista Themis, Ano IV, n.º 7, 2003, p. 70-71;
- Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1986, 2.º Volume, p. 193;
- Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, 1.ª Edição, Coimbra Editora, Maio 2011, p. 391-392;
- Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, 2014, 2.ª Edição, Volume I, Almedina, p. 468;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2.ª Edição, Volume II, Coimbra Editora, 1981, p. 27.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 224.º, N.º 2 E 781.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 550.º E 713.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 15-03-2005, PROCESSO N.º 05B282;
- DE 17-01-2006, PROCESSO N.º 05A3869, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O vencimento das prestações a que se refere o artigo 781º do Código Civil é um benefício concedido por lei ao credor que, querendo beneficiar dele, deverá manifestar a sua vontade nesse sentido, interpelando o devedor para cumprir imediatamente a totalidade da obrigação.

II - Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas. O vencimento imediato significa exigibilidade imediata, mas não dispensa a interpelação do devedor.

III - A resolução, enquanto declaração receptícia ou recipienda – que é aquela que carece de ser dada a conhecer a um destinatário – à luz do disposto no artigo 224º do Código Civil, é eficaz nos casos seguintes: (i) quando chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida (nº 1 do citado normativo); (ii) quando seja enviada, mas só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida (nº 2).

IV - Sendo a declaração recipienda, não pode ser considerada eficaz pela sua simples emissão, competindo à exequente alegar e provar que efectivamente emitiu as correspondentes declarações de resolução, o que não aconteceu, e não invocou sequer o conhecimento das mesmas, por parte dos executados, através de uma outra qualquer forma.

V - Quando se pretenda dar à execução contrato de mútuo garantido por hipoteca, abrangido pela alª c) do nº 2 do artigo 550º do CPC, e o vencimento da obrigação exequenda dependa apenas da sua resolução, é necessária a junção, para além do contrato, do documento comprovativo da efectivação da resolução, ou seja, do documento comprovativo da comunicação à contraparte da declaração resolutória, bem como da sua recepção por esta – ou de que a carta de resolução foi enviada para o domicílio ou sede do devedor (artº 224º nº 2 CC). É igualmente necessária a junção aos autos do documento comprovativo da interpelação para o cumprimento, em todos os casos em que não se esteja perante uma obrigação com prazo certo, sob pena de faltar um dos requisitos da obrigação exequenda (artº 713º).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO


Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que lhes move a Caixa AA, S.A., os executados BB e marido CC, deduziram oposição à execução mediante embargos, pedindo que seja ordenada a extinção da acção executiva, com o consequente levantamento das penhoras.

Pedem ainda que seja admitida a intervenção principal provocada de DD - Companhia de Seguros, S.A. e requerem a suspensão da execução.


Alegaram, em síntese, que a escritura de mútuo dado à execução só poderia tornar-se exequível após a emissão pelo exequente da correspondente declaração resolutória; consequentemente a mesma não é título executivo para a obrigação de restituição subsequente à resolução do contrato (artigos 814º nº 1, alª a) e 816º, ambos do CPC).

Em cumprimento da cláusula 4ª do referido contrato de mútuo, os mutuários, aqui executados, celebraram com a Seguradora DD - Companhia de Seguros, SA um contrato de seguro do Ramo: Vida Grupo com o nº de Apólice 5…78, tendo como tomador do referido seguro a Caixa AA, S.A., aqui exequente, figurando como pessoa segura principal o executado e como pessoa segura relacionada a executada e cobrindo, entre outras, a eventualidade a “invalidez definitiva para a profissão ou actividade compatível p/doença ou acidente, de grau igual ou superior a 66,6% durante o prazo do empréstimo, no máximo até ao fim do ano civil em que a pessoa segura complete 67 anos de idade”.

A Seguradora obrigou-se perante os executados a pagar ao Banco, aqui exequente, o capital em dívida, na eventualidade de verificação da condição ou situação referida no artigo anterior.

No início do ano de 2013, o executado começou a sentir-se doente e no início de Abril de 2013, foi internado no Centro Hospitalar do …, EPE H. ….

E foi nessa conjuntura de impossibilidade do executado marido trabalhar e auferir rendimentos que os executados, a partir de Julho de 2013, deixaram de conseguir pagar, de todo, a prestação ao Banco exequente.

Apesar de terem diligenciado, logo no ano de 2013, no sentido de reunir todos os documentos necessários - inúmeros exames e atestados - apenas em 7 de Junho de 2016, foi atribuída ao executado, através de junta médica, uma incapacidade permanente global DEFINITIVA de 69,03 %, de acordo com a TNI - Anexo I, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.

Incapacidade que os executados comunicaram formalmente à ré Seguradora, adoptando as diligências necessárias à instrução do procedimento de liquidação do capital seguro. Ainda no passado mês de Março o executado se sujeitou a outra Junta Médica para efeitos de atribuição de reforma por invalidez, encontrando-se, até à data de apresentação deste articulado, a aguardar a sua atribuição. É à entidade seguradora que cabe garantir a obrigação do mutuário, no caso de ocorrência do sinistro invalidez.


A exequente contestou, concluindo que deve ser indeferido, porque inadmissível e desprovido de fundamento, o pedido de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros DD Mundial, S.A. e devem julgar-se totalmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos de executado.

Alegou que existe título executivo e que os embargantes foram interpelados para proceder ao cumprimento da obrigação. Mais alega que o contrato dispensa qualquer interpelação para efeitos de vencimento imediato da totalidade da dívida e o mesmo foi validamente resolvido.

Alega ainda que a última prestação paga pelos executados corresponde à vencida a 01.04.2013, não existindo qualquer cobrança de juros remuneratórios após a exequente dar a dívida por vencida.

A fim de permitir a reposição do financiamento em situação de regular cumprimento, se liquidados todos os montantes em atraso, a AA apenas deu por vencida a dívida após o envio das missivas de 30.05.2016 (fls 40 vº e 41) e na medida em que os mutuários não só não procederam à regularização do empréstimo, como nem sequer reagiram à comunicação que lhes foi remetida.

Mais alega que a doença do executado não lhe foi comunicada, continuando este a ser um devedor solidário da obrigação, devendo o executado, caso assim o pretenda, demandar a seguradora numa acção declarativa.


Foi proferida sentença que julgou os embargos de executado totalmente improcedentes e, em consequência, determinou o prosseguimento dos ulteriores termos da instância da acção executiva.


Apelaram os embargantes e a Relação, por acórdão de 14.03.2019, revogou a sentença recorrida e, em sua substituição, julgou os embargos procedentes e extinguiu a execução.


A exequente, agora denominada EE 1 SARL, recorreu de revista, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

a) O tribunal a quo julgou procedente a apelação e, em consequência, revogou a sentença recorrida e extinguiu a execução, defendendo, no douto acórdão do qual se recorre, que o título executivo da presente acção é insuficiente: “ (…) nem o contrato foi resolvido, por inexistir a correspondente declaração de vontade da mutuante, aqui apelada, nem a totalidade da dívida se pode considerar exigível, por inexistir interpelação nesse sentido. A interpelação é neste caso constitutiva do direito da exequente exigir a totalidade da dívida e não apenas as prestações em falta. Sem tal interpelação o título executivo é insuficiente.”

b) A recorrente, por não concordar com o douto acórdão proferido pelo tribunal a quo, apresenta o presente recurso de revista, suportado no facto do título em que se funda a execução ser suficiente e exequível, em virtude da obrigação exequenda, se encontrar vencida e o contrato de mútuo celebrado entre a ora recorrente e os recorridos, se encontrar resolvido.

c) O douto acórdão do tribunal a quo refere que: “Do contrato de mútuo titulado por escritura pública, que serve de título à presente execução, não resulta, por si ou directamente das suas cláusulas a obrigação exequenda, isto é, que os executados se obrigam a pagar a quantia de € 113.318,77 já vencida.”

d) A escritura que titula o contrato de mútuo celebrado entre os mutuários, ora recorridos e o banco mutuante pode servir de título executivo, legalmente admissível, perante o referido incumprimento contratual, por corresponder a um documento autêntico, devidamente exarado por notário, que importa a constituição de uma obrigação, nos termos do artigo 703º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil.

e) O que a lei determina é que o título executivo seja prova bastante da constituição da obrigação, não sendo legalmente exigível que constitua instrumento probatório do valor concreto da dívida exequenda (cuja liquidação se encontra explicada no requerimento executivo e devidamente suportada pela nota de débito junta também com o requerimento executivo).

f) Vem ainda o tribunal a quo afirmar que: “Por isso, num contrato deste tipo-mútuo bancário em que se acorda o pagamento de juros e a restituição do capital de forma fraccionada, em prestações mensais- quando se vem exigir a totalidade do capital em dívida e dos juros vencidos e não apenas prestações em dívida (estas sim, directamente resultantes das obrigações assumidas no contrato), o título, ou causa de pedir da acção executiva, compreende não só o contrato, onde porventura se clausulou a possibilidade do mutuante exigir a totalidade do capital mutuado, como os documentos comprovativos da verificação do evento de funcionamento dessa cláusula, ou da perda do beneficiário do prazo, ou de se ter operado a resolução do contrato.”;

g) A ora recorrente entende, com o devido respeito, que é muito, que o douto tribunal a quo se encontra a concretizar uma interpretação errónea dos pressupostos da presente acção executiva, mormente do rácio do montante peticionado a título de quantia exequenda, bem como da cláusula contratual que prevê que a mutuante poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento, no caso de incumprimento pela parte devedora de qualquer obrigação decorrente do contrato (vide cláusula 14ª n° 1, alª a) do “Anexo I - Outras Cláusulas do Contrato de Mútuo com Hipoteca”).

h) As partes acordaram, no âmbito do contrato de mútuo, que: “A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente: a) incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contraentes de qualquer obrigação decorrente deste contrato.” (vide artigo 14º nº 1 do Documento Complementar da Escritura que titula o contrato de mútuo).

i) Conforme referido na sentença proferida pelo tribunal de 1ª Instância, na ausência de demonstração do sentido efectivo atribuído pelas partes à cláusula, é legítimo considerar que a mesma, corresponde ao alcance que se encontra consagrado no artigo 781º do Código Civil: “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas, importa o vencimento de todas.”

j) Pelo que, estando o devedor em mora, o credor pode considerar resolvido o contrato se a prestação perder o interesse ou se converter a mora em incumprimento definitivo, nos termos dos artigos 801º e 805º, nº 2, alª a) do Código Civil.

k) Ora, a credora remeteu missivas aos mutuários, ora recorridos, a estabelecer um prazo nos termos do qual se deveria verificar o pagamento da dívida, sob pena de proposição de ação judicial (vide facto 10º dos factos considerados provados pelo tribunal a quo)

l) Facto esse conducente à resolução do contrato de mútuo, e suporte do peticionado pelo Banco credor, vindo a ser exigido o imediato pagamento da dívida, mormente por meio de proposição de acção executiva, nos termos do supra referido artigo 14º, n.º 1 do Documento Complementar da Escritura que titula o contrato de mútuo.

m) Como bem referiu o tribunal de 1ª Instância na douta sentença: “A exequente demonstrou que interpelou previamente os devedores para proceder à regularização das prestações em atraso, com a cominação de proceder à execução judicial. Nessa medida, e perante todos os elementos factuais que caracterizam a situação - o título dado à execução, o não pagamento assumido das prestações devidas contratualmente e a interpelação conducente à exigibilidade imediata de todas as prestações devidas até àquele momento do contrato- temos que concluir que não se verifica a inexigibilidade da obrigação exequenda pretendida pelo executado, com base neste fundamento.” (sublinhado nosso)

Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio:

n) Sempre se dirá que os executados tiveram conhecimento da resolução do referido contrato aquando da citação para a presente execução, conforme defendido pelo Supremo Tribunal de Justiça: “Tem-se entendido que vale como interpelação a citação para a acção executiva, como interpelação judicial que é (artº 805° n° 1 do C. Civil)” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº 1418/14.7TBPVZ-A.P.S1, datado de 19.06.2018).

o) Sem prejuízo do tudo o exposto quanto à interpelação, resolução e vencimento antecipado da dívida, com a citação promovida no âmbito do processo judicial sempre operariam os efeitos vertidos no disposto no artigo 781º do Código Civil.

p) Pelo que, ainda que douto tribunal a quo entendesse que o exequente não tivesse logrado comprovar a interpelação e, assim, o vencimento antecipado da dívida, não poderia tal deixar de se ter como verificado, na sequência da citação no âmbito dos presentes autos, até ao abrigo do disposto dos nº 2 e nº3 do artigo 5º do C.P.C.

Por último, e caso assim não se entenda,

q) Estando comprovado a existência de título executivo, a interpelação quanto aos valores em mora (ainda que não seja esse o entendimento da recorrente), o incumprimento confesso dos ora recorridos desde Maio de 2013, estão reunidos todos os pressupostos que sustentam o prosseguimento da execução, pelo menos, quanto aos valores vencidos,

r) Justificando-se, no limite, e sem conceder, a redução da quantia exequenda até esse montante - sem prejuízo da possibilidade de accionamento judicial da restante dívida em acção autónoma, e uma vez a mesma exigível (se assim o considerássemos) - mas nunca da extinção, sem mais, da execução.

s) Em face do exposto, considera o recorrente que dúvidas não podem restar quanto à suficiência do título e respectiva exigibilidade, padecendo a decisão que ora se recorre de uma errónea interpretação e aplicação das normas aplicáveis in casu, nomeadamente o artigo 703º nº 1 b) do C.P.C., 781º, 805º, 808º do C.C


Termina, pedindo que o recurso seja julgado procedente, revogando-se a douta decisão recorrida.


Os embargantes, recorridos, contra-alegaram, pugnando pela manutenção do acórdão da Relação.


Os vistos tiveram lugar nos termos do disposto nos artigos 657º nº 2, segunda parte ex vi artigo 679º, ambos do CPC.


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto

As instâncias deram como provados os seguintes factos:


1º - A exequente, Caixa AA, S.A., intentou a execução com o n° 6496/16.1T8GMR, a que o presente está apenso, contra os executados CC e BB, para cobrança da quantia de € 113.319,77, acrescida de juros vencidos após a propositura da execução, até efectivo e integral pagamento.

2º - A exequente deu à execução a cópia certificada de fls. 5 e seguintes dos autos principais, respeitante ao contrato compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrado no dia 01.07.2010, na Conservatória do Registo Predial de …, onde figuram, como parte credora, a Caixa AA, S.A. e, como parte compradora e mutuária, os aqui executados, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3º - Consta do documento mencionado em 2º, Anexo I, que a quantia foi entregue, nessa data, à parte devedora através de crédito lançado na conta de depósitos à ordem em nome dos executados, destinando-se o empréstimo à aquisição do imóvel hipotecado para habitação própria permanente da parte devedora.

4º - Consta do documento mencionado em 2º que os embargantes/executados declararam que se confessam e constituem devedores à embargada/exequente da importância de € 110.000,00 (cento e dez mil euros), que esta lhes emprestou e que se obrigam a restituir no prazo de vinte e cinco anos, a contar da celebração do contrato, o qual será amortizado em prestações mensais, de capital e juros, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da data da celebração do contrato e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, com juro e demais condições aí expressamente previstas.

5º - Consta, também, do documento referido em 2º que “A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente, incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contraentes de qualquer obrigação decorrente deste contrato.

6º - Em 01.07.2010, os executados subscreveram junto da DD - Companhia de Seguros, SA, o documento denominado “Seguro de Vida Grupo” para garantia do valor mutuado através do contrato aludido em 2º, e com a cobertura de invalidez e morte, conforme documentos juntos a fls. 92 a 94 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

7º - Consta das comunicações junta a fls. 95/96 dos presentes autos, enviada pela DD - Companhia de Seguros, SA ao executado, que a modalidade Adesão Vida Grupo garante à Caixa AA a liquidação do capital em dívida no correspondente contrato de crédito à habitação se, em caso de doença ou acidente, o associado vier a falecer ou ficar com um grau de invalidez permanente superior a 66%, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8º - Os executados deixaram de pagar pontualmente as prestações acordadas no contrato aludido em 2º, em Maio de 2013.

9º - Em 30.05.2016, a Caixa AA remeteu para os embargantes as cartas cuja cópia consta de fls. 40v e 41, na qual informa que o montante em atraso se cifra em € 20.839,57, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

10º - Mais consta da comunicação aludida em 9º que a Caixa AA concedia aos executados o prazo de 15 dias, a contar da data da mesma, para a regularização contratual ou, em alternativa, a apresentação formal de proposta concreta de plano de pagamentos, sob pena de proceder a execução judicial.

11º - Em 07.06.2016, foi atribuída ao executado uma incapacidade permanente global de 69%, conforme documento junto a fls. 25, cujo teor se dá como integralmente reproduzido.

12º - Em 09.12.2016, a DD - Companhia de Seguros, SA., remeteu ao executado a comunicação junta a fls. 28v, na qual solicita que seja apresentado um relatório que especificasse as datas de diagnóstico das patologias de que era portador à data da invalidez, documento com a data definitiva da passagem à reforma; cópia da documentação clínica entregue em junta médica para atribuição do grau de incapacidade em 07.06.2016, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

13º - Na quantia exequenda estão incluídos juros, no período de 01.05.2013 a 04.11.2016, no valor de € 10.098,68.

14º - Consta ainda do contrato identificado em 2º “Fica convencionado que o extracto da conta do empréstimo e os documentos em débito emitidos pela Caixa e por ela relacionados com este empréstimo serão havidos, para todos os efeitos legais (…), como documentos suficientes para a prova e determinação dos montantes em dívida (…)”.

15º - A execução apensa deu entrada em juízo em 09.11.2016, conforme certificação digital constante de fls. 27 vº da execução apensa.


 B) Fundamentação de direito


A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, consiste em saber se teve lugar a interpelação dos executados para efeitos de aplicação do disposto no artigo 781º do Código Civil.


Preceitua o artigo 781º (dívida liquidável em prestações) do Código Civil que “ se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.


Tanto a sentença da primeira instância, como o acórdão recorrido entenderam que se exige a interpelação para que a dívida se considere vencida.


Em anotação ao artigo 781º do Código Civil Pires de Lima e Antunes Varela[1] ensinaram:

” A disposição deste artigo corresponde à do artigo 742º do Código de 1867. Não houve alteração de fundo. Vencimento imediato significa, neste caso, exigibilidade imediata”.


Antunes Varela[2] escreveu: “ O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor.

A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui”.


No mesmo sentido daqueles autores, Nuno Manuel Pinto Oliveira[3] escreveu:

“ O credor adquire o direito de exigir o pagamento imediato de todas as prestações em dívida com o puro e simples atraso (imputável ao devedor) na realização de uma das prestações – com a pura e simples mora do devedor.

O efeito da aplicação do artº 781º é aparentemente o vencimento de todas as prestações: “ a falta de realização de uma […] importa o vencimento de todas”.

(…) O credor deve dispor da faculdade de exigir o pagamento imediato de todas as prestações em falta, interpelando o devedor, e da faculdade de não exigir.

Enquanto o credor não actuar a faculdade de exigir o pagamento imediato de todas as prestações em falta, o devedor não fica constituído em mora”.


O vencimento de tais prestações é um benefício concedido por lei ao credor que, querendo beneficiar dele, deverá manifestar a sua vontade nesse sentido, interpelando o devedor para cumprir imediatamente a totalidade da obrigação[4].




Também o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou sobre o assunto no seu acórdão de 17.01.2006[5], assim sumariado:

“Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.

O vencimento imediato significa exigibilidade imediata, mas não dispensa a interpelação do devedor”.


O mesmo Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 15.03.2005[6], decidiu que o artigo 781º tem como objectivo “proteger o credor que, em consequência da falta de pagamento de uma das prestações, deixou de confiar na pessoa do devedor. Concede-lhe o benefício de não se sujeitar aos prazos previstos no contrato, podendo exigir a totalidade das prestações, mas não o dispensa da interpelação do devedor para que a mora se verifique”.



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A questão que agora se coloca consiste em saber se a credora (exequente) procedeu à mencionada interpelação dos devedores (embargantes).


Importa rememorar aqui o conteúdo essencial dos factos provados sobre a matéria:

- Os executados deixaram de pagar pontualmente as prestações acordadas no contrato aludido em 2º, em Maio de 2013 – (8º).

- Em 30.05.2016, a Caixa AA remeteu para os embargantes as cartas cuja cópia consta de fls. 40v e 41, na qual informa que o montante em atraso se cifra em € 20.839,57, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – (9º).

- Mais consta da comunicação aludida em 9º que a Caixa AA concedia aos executados o prazo de 15 dias, a contar da data da mesma, para a regularização contratual ou, em alternativa, a apresentação formal de proposta concreta de plano de pagamentos, sob pena de proceder a execução judicial – (10º)


As cartas referidas em 9º e 10º, subscritas por uma advogada e com o timbre da AA, são do seguinte teor:

“ ASSUNTO: (…)

Montante em atraso: € 20.839,57.

Instauração da Acção Executiva.

A Caixa AA, minha constituinte, incumbiu-me da cobrança da dívida de V.Exªs, designadamente através da propositura de execução judicial, com consequente penhora de bens que possua e rendimentos do trabalho.

Admitindo, no entanto, evitar o recurso a esta solução contenciosa, convido V.Exªs a liquidar a referida dívida no prazo máximo de 15 dias, ou, alternativamente, apresentar proposta de pagamento em prestações que possa merecer a aprovação da AA”.

 

A sentença da primeira instância, tal como a exequente, ora recorrente, entendem que tal interpelação foi feita, com o envio das referidas cartas a cada um dos embargantes.

Nas alegações de revista, a exequente vai mais longe e argumenta que vale como interpelação judicial a citação para a acção executiva, tendo os executados conhecimento da resolução do referido contrato aquando da citação para a presente execução.


A Relação, a par dos embargantes, argumentam o contrário, ou seja, que naquelas cartas não se faz qualquer referência à exigência da totalidade da dívida, nem dela se retira que seja essa a intenção da Caixa AA. E ainda que não pode tal carta ser interpretada como interpelação admonitória (art.º 808º do CC) com vista à resolução do contrato (art.º801º nº2 do CC), nem tal resolução, que opera mediante declaração à outra parte (art.º 436º nº 1 do CC), foi efectivada.


Efectivamente, não se pode concluir que a exequente tivesse optado pela resolução do contrato ou efectivado a mesma de modo eficaz e válido.


Ora, a resolução, enquanto declaração receptícia ou recipienda – que é aquela que carece de ser dada a conhecer a um destinatário – à luz do disposto no artigo 224º do Código Civil, é eficaz nos casos seguintes: (i) quando chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida (nº 1 do citado normativo); (ii) quando seja enviada, mas só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida (nº 2).


Sendo a declaração recipienda, não pode ser considerada eficaz pela sua simples emissão, competindo à exequente, ora recorrente, alegar e provar que efectivamente emitiu as correspondentes declarações de resolução, o que não aconteceu, e não invocou sequer o conhecimento das mesmas, por parte dos executados, através de uma outra qualquer forma.


Não se conhece a declaração de vontade da exequente (mutuante) e muito menos a comunicação aos embargantes (mutuários) da intenção da resolução do contrato, com a indicação da totalidade da dívida que assim se considera vencida, podendo a exequente exigir imediatamente o seu cumprimento.


Da comunicação referida em 9º e 10º dos factos provados, feita por quem se intitula advogada da Caixa AA, que não do próprio banco mutuante, decorre apenas que instaurará execução para cobrança do montante em atraso (prestações vencidas) referido nessa comunicação (€ 20.839,57) e não da totalidade da dívida.


Apesar de estar demonstrado o incumprimento das obrigações pelos executados, a exequente, ora recorrente teria de ter demonstrado que exercitou o seu direito potestativo, traduzido na competente interpelação ao pagamento do montante total que fez constar da execução.


Isto porque, só com o exercício do direito potestativo, a efectuar mediante interpelação para o pagamento, por via da resolução dos contratos, é que esse montante total se tornava exigível, pois só então se operaria o vencimento.


O que, como já se referiu, não aconteceu.

 


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Mas ocorreu a interpelação através da citação para a acção executiva?

É o que alega a recorrente, dizendo que vale como interpelação a citação para a acção executiva, como interpelação judicial que é.


Está provado que a execução apensa deu entrada em juízo em 09.11.2016, conforme certificação digital constante de fls. 27 vº da execução apensa – (15º).


A resposta a dar a esta questão a tem de ser efectuada em função da redacção dos preceitos do actual Código de Processo Civil


Dispõe o artigo 550º nº 1 que o processo comum para pagamento de quantia certa é ordinário ou sumário.

E a alínea c) do subsequente nº 2 preceitua que se emprega o processo sumário nas execuções baseadas em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor.


É o caso dos autos, apesar de o valor dos embargos corresponder ao valor da quantia exequenda (€ 113.319,77) – Cfr fls 77.


“Quando se pretenda dar à execução contrato de mútuo garantido por hipoteca, abrangido pela alª c), e o vencimento da obrigação exequenda dependa apenas da sua resolução, é necessária a junção, para além do contrato, do documento comprovativo da efectivação da resolução, ou seja, do documento comprovativo da comunicação à contraparte da declaração resolutória, bem como da sua recepção por esta – ou de que a carta de resolução foi enviada para o domicílio ou sede do devedor (artº 224º nº 2 CC). É igualmente necessária a junção aos autos do documento comprovativo da interpelação para o cumprimento, em todos os casos em que não se esteja perante uma obrigação com prazo certo, sob pena de faltar um dos requisitos da obrigação exequenda (artº 713º)”[7].


Ora, a forma de processo sumário é caracterizada pela realização da penhora previamente ao oferecimento do contraditório ao executado.

Efectivamente, no âmbito da tramitação processual do processo sumário, rege o nº 3 do artigo 855º que, se o requerimento executivo for recebido e o processo houver de prosseguir, o agente de execução inicia as consultas e diligências prévias à penhora, que se efectiva antes da citação do executado.


Só depois ocorre a citação do executado, que deve ter lugar no próprio acto da penhora, sempre que ele esteja presente; se não estiver, a citação realiza-se no prazo de cinco dias, contados da efectivação da penhora (artº 856º nº 2).


Na redacção do Código de Processo Civil conferida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, o então artigo 804º nº 3 prevenia expressamente a possibilidade de que a interpelação fosse substituída pela citação, operando-se então o vencimento da obrigação com a citação no processo executivo: “quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (…), a obrigação considera-se vencida com a citação do executado”.


Tal hipótese desapareceu na redacção introduzida ao artigo 804º pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03.

Comentando essa eliminação, Lopes do Rego[8], numa posição que não difere da acima exposta, sublinhou o seguinte: “É evidente que, no essencial, tal regime se mantém, por força do estipulado no artigo 805º nº 1 do Código Civil, que confere plena relevância à interpelação judicial – a qual, como é óbvio, se poderá naturalmente consubstanciar na citação para o processo executivo.

Importa, porém, realçar um aspecto relevante, decorrente da nova estrutura do processo executivo, no que respeita ao diferimento possível do contraditório do executado, nos casos previstos, nomeadamente, nos artigos 812º-A, nº 1, alíneas c) e d) e 812º-B: não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, é evidente que – nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efectivação da penhora – terá o credor de proceder à interpelação extra-judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva”.


Todavia, como já referimos, o actual Código de Processo Civil dá solução a esta questão, pelo que consideramos que a interpelação extra-judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva, não se mostra efectuada e teria de ser antecedente à instauração da execução.


O que significa que, podemos concluir, não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda tal como pretendido pela exequente, ora recorrente.

Quando deu entrada da presente execução, a exequente, ora recorrente não possuía título executivo válido contra os recorridos.


Mas poderá a execução prosseguir quanto aos valores vencidos?


Argumenta a exequente, por último, que estão reunidos todos os pressupostos que sustentam o prosseguimento da execução, pelo menos quanto aos valores vencidos.

Justificando-se a redução da quantia exequenda até esse montante – sem prejuízo da possibilidade de accionamento judicial da restante dívida em acção autónoma, e uma vez a mesma exigível (se o assim considerássemos) – mas nunca da extinção, sem mais, da execução.

 

Cumpre decidir.

Já deixámos dito que não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda tal como pretendido pela exequente, ora recorrente. E ainda que, quando deu entrada da presente execução, a exequente não possuía título executivo válido contra os embargantes, ora recorridos.

Sendo assim, são inteiramente válidos e aqui aplicáveis tais argumentos, pelo que não é admissível a redução da quantia exequenda.



III - DECISÃO

Atento o exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 11 de Julho de 2019


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Paula Sá Fernandes

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[1] “Código Civil Anotado”, 2ª Edição, Revista e Actualizada, Volume II, Coimbra Editora, 1981, pág. 27.
[2] “Das Obrigações em Geral”, 4ª Edição, Revista e Actualizada, Volume II, Almedina, 1990, pág. 52-53.
[3] “Princípios de Direito dos Contratos”, 1ª Edição, Coimbra Editora, Maio 2011, pág 391-392.
[4] Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1986, 2º vol. Pág. 193
[5] Procº nº 05A3869, in www.dgsi.pt/jstj
[6] Procº nº 05B282, in www.dgsi.pt/jstj
[7] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma”, 2014, 2ª Edição, Volume I, Almedina, pág.468.
[8] “Requisitos da Obrigação Exequenda”, Revista Themis, Ano IV, nº 7, 2003, pág. 70-71.