Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2723/04.6TBBRR.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: JUIZ NATURAL
PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
POSSE
INVERSÃO DO TÍTULO
USUCAPIÃO
BENFEITORIAS VOLUPTUÁRIAS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
LEGITIMIDADE ACTIVA
LEGITIMIDADE ATIVA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / COISAS / BENFEITORIAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / AUDIÊNCIA FINAL / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
Doutrina:
-Abílio Neto, Código Civil Anotado, 15.ª Edição, 2006, p.1037 ; Código de Processo Civil Anotado, 2.ª Edição revista e ampliada, 2014, p. 747;
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014 – 2.ª Edição, p. 84;
-Antunes Varela, na RLJ, Ano 124, p. 348 ; RLJ, Ano 128, p. 146;
-Calvão e Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 11.ª Edição, p. 231; -Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª Edição, p. 83;
-Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Volume I, p. 525;
-Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1967, p. 69, 98 e 99;
-José Alberto Vieira, Direitos Reais, 2008, p. 590 e 591;
-Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1.º, p. 563 e ss.;
-Mota Pinto, Direitos Reais, p.189;
-Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4.ª Edição, p. 42 e ss.;
-Orlando de Carvalho, Introdução à Posse, RLJ, Ano 123.°, n.º 3792, p. 1990 e 1991 ; RLJ, Ano 122, p. 65 e ss.;
-Penha Gonçalves, Direitos Reais, 2.ª Edição, p. 243 e ss.;
-Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, p. 454 a 456, 466; Volume III, 2.ª Edição, p. 5 , 6 e 30 ; III, 9.ª Edição, p. 43, 162 e 163;
-Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Volume II, p. 268;
-Vaz Serra, RLJ, Ano 109, p. 347 e 348.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 216.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 605.º, 654.º E 668.º, N.º 4.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 39.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 16-06-1987, PROCESSO N.º 74.978;
- DE 14-12-1994, IN CJSTJ, 1994, III, P. 183;
- DE 14-05-1996, IN CJST, 1996, II, P. 71;
- DE 23-04-1998, IN BMJ, 476, P. 370;
- DE 20-06-2000, PROCESSO N.º 432/00;
- DE 28-05-2002, PROCESSO N.º 01B1466;
- DE 06-02-2007, PROCESSO N.º 06A4046, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-9-2009, PROCESSO N.º 240/03.0TBRMR.S1, IN WWW.DGSI.PT.


-*-


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 17-01-2011, PROCESSO N.º 3769.07.8TBVCD.P1, IN WWW.COLECTANEADEIURISDRUDENCIA.COM.


-*-


ACÓRDÃODO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 18-03-2014, PROCESSO N.º 3721/11.9TBLRA.C1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. Se a acção postular litisconsórcio necessário activo, tendo havido habilitação dos herdeiros do demandante, entretanto falecido, está assegurada a legitimidade de todos e o recurso que um deles interpuser da sentença aproveita aos demais.

II. Na vigência do art. 668º do vCPC, tendo sido arguidas pelo recorrente nulidades da sentença, o juiz poderia supri-las, nos termos do nº4, pelo que não lhe estava defeso, considerando-as procedentes, proferir nova decisão.

III. O princípio do juiz natural encontra consagração constitucional no processo penal, art. 39º, nº2, da Constituição da República, como garantia fundamental relacionada com a exigência de um julgamento justo e imparcial, sendo o juiz do processo aquele a quem couber a competência de harmonia com a lei.

IV. No processo civil, não que seja de excluir esse princípio, que não está contemplado em sede constitucional, mas também aí, mormente, a distribuição aleatória dos processos e a proibição de transferência abusiva dos magistrados encontra protecção, enquanto exigência e postulado do direito a um processo justo. A não coincidência entre o Magistrado que preside à produção da prova e aquele que julga, pode resultar de motivos vários, sejam eles ligados ao cargo, a razões de saúde, transferência, sanção disciplinar ou promoção: relevante é que a descoincidência se fique a dever a motivos com suporte legal inerentes à organização e funcionamento da Magistratura, com apoio em normas gerais e abstractas e regulamentos dimanados dos órgãos jurídico-constitucionais competentes.

V. Não se podendo afirmar que a alteração das pessoas dos Magistrados, que intervieram na 1ª Instância e na Relação, no julgamento da acção e do recurso, respectivamente, visaram de forma ilegal, arbitrária e discriminatória, prejudicar os Recorrentes, ou quem quer que fosse, não se pode considerar ter havido violação do princípio do juiz natural. No processo civil tem aplicação o princípio da plenitude da assistência dos juízes consagrado no art. 605º do Código de Processo Civil, que também comporta excepções.

VI. O princípio da plenitude da assistência dos juízes, consagrado agora no art.605º do Código de Processo Civil (antes no art. 654º), só tem aplicação quando da fixação da matéria de facto, em ponderação dos princípios da imediação, da oralidade e concentração, conhecendo aplicação intransigente quando o tribunal perante o qual foi feita a discussão da causa é aquele que quem tem de proferir a decisão de facto: aí, salvo casos excepcionais, quem presidiu à recolha da prova é quem a julga e fixa.

VII. Em regra o contrato-promessa de compra e venda de bem imóvel, sem eficácia real, mesmo tendo havido traditio, não confere ao promitente comprador uma posse em nome próprio: inexistindo tal posse, a que é exercida pelo possuidor é em nome alheio e só é idónea para aquisição do direito real de propriedade ocorrendo inversão do título de posse e a verificação dos requisitos de posse usucapível, desde o momento da inversão.

VIII. Por estar reconhecido que os réus devem restituir o prédio reivindicado aos proprietários demandantes, e tendo os réus realizado obras no imóvel durante o largo período temporal da ocupação que subsiste, são tais obras benfeitorias, nos termos do art. 216º do Código Civil.

IX. As benfeitorias feitas pelos Réus, que não foram autorizadas pelo proprietário, e que visam apenas o interesse dos benfeitorizantes em função de diverso destino económico dado à coisa, que o reivindicante vencedor não pretende sequer utilizar por não serem prestáveis à afectação económica da coisa, apenas podem qualificadas como benfeitorias voluptuárias, porque não visaram evitar a perda ou destruição ou deterioração da coisa, nem lhe aumentam o valor por não serem indispensáveis.

X. O instituto do enriquecimento sem causa não se aplica às benfeitorias voluptuárias.

Decisão Texto Integral:
Proc.2723/04.6TBBRR.L1.S1

R-638-B[1]

Revista


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA intentou acção declarativa com processo ordinário, contra:

- BB,

 - CC, e

- DD, Unipessoal, Lda.

Pedindo:

- O reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio que identifica no art.° 1.° da petição inicial;

- A condenação dos Réus a reconhecerem tal direito e a restituírem-lhe o prédio devoluto de pessoas e bens; a demolirem as construções que ali erigiram e a retirarem o respectivo entulho ou a assumirem as despesas decorrentes dessa demolição, em valor a liquidar em execução de sentença; e ainda a,

- Pagarem-lhe a quantia de C 1.500,00 por cada mês de ocupação do prédio, desde 12 de Outubro de 2004 e até à sua entrega efectiva, devoluto de pessoas e bens.

Alegou, em síntese, que:

- beneficiou de um testamento de EE, do qual constava o prédio em questão, razão pelo que o mesmo se encontra registado a seu favor na Conservatória do Registo Predial;

- os Réus, na qualidade de mandatários de FF, irmã da falecida EE, impugnaram a validade desse testamento, além de invocarem a existência de um contrato promessa de compra e venda do mesmo imóvel que teriam celebrado com GG, marido de EE, mas falecido antes desta, encontrando-se a ocupar o referido imóvel, contra a vontade da Autora, e no qual executaram várias obras e novas edificações.

Mais invocou que os Réus não apresentaram documento comprovativo da aquisição do prédio, embora tal lhes tivesse sido solicitado, acrescentando que, se pudesse dispor do imóvel e arrendá-lo, o valor mensal que receberia por esse arrendamento seria de € 1.500,00.

Os Réus contestaram e deduziram reconvenção.

Em sede de contestação, excepcionaram a ilegitimidade activa da Autora por se encontrar desacompanhada do marido; erro na forma do processo; e ineptidão da petição inicial.

No mais, alegaram, basicamente:

- que os dois primeiros Réus, em 27 de Março de 1993, celebraram contrato-promessa de compra e venda do imóvel em causa, com GG e EE, pelo preço de 36.000.000$00, dos quais 32.400.000$00 eram pagos em 9 anos, em prestações mensais de 300.000$00, a depositar na Caixa ...;

- que os promitentes vendedores lhes fizeram não só a entrega do imóvel como os autorizaram a nele realizarem obras, tendo entretanto já pago o preço e realizado as obras, permanecendo, por isso, no prédio há quase 12 anos, à vista de toda a gente, ignorando lesar direitos de outrem, sem oposição de ninguém e praticando actos próprios de proprietário.

Invocaram ainda que o prédio não faz parte da herança de EE, pelo que a Autora não tem qualquer direito sobre ele, a qual não só conhece o contrato como usufruiu do preço pago.

Em reconvenção, os dois primeiros Réus pediram que fosse declarado serem eles Réus/Reconvintes os legítimos proprietários do prédio e respectivas edificações e que a Autora/Reconvinda fosse condenada a reconhecer tal direito, peticionando ainda que fosse ordenado o cancelamento do registo a favor da Autora e quaisquer outros posteriores.

Subsidiariamente, para a eventualidade do decaimento deste pedido pediram a condenação da Autora na fixação de prazo para a celebração do contrato definitivo, ou na execução específica, ou no pagamento do dobro do preço.

A Autora replicou pronunciando-se sobre as excepções e contestando os pedidos reconvencionais, pugnando pela improcedência de umas e outros, tendo os Réus treplicado.

No que respeita à ilegitimidade activa foi proferido despacho para que a Autora suscitasse a intervenção do marido, o que a mesma veio a fazer, tendo sido considerada sanada a excepção dilatória de ilegitimidade activa, e o processo prosseguido figurando como Autores a Autora e seu marido HH, o qual fez seus os articulados daquela.

Depois de várias vicissitudes (recursos e reclamações) Autores e Réus foram convidados a aperfeiçoar os seus articulados, altura em que os Réus formularam um outro pedido subsidiário, por enriquecimento sem causa dos Autores, ao que estes responderam.

Em sede de despacho saneador, julgadas improcedentes as excepções dilatórias, o tribunal, considerando ter todos os elementos de facto e de direito que permitiam uma decisão, passou à apreciação parcial dos pedidos da Autora e dos Réus reconvintes, excepto os pedidos de natureza indemnizatória (incluindo as benfeitorias e enriquecimento sem causa) e de demolição do prédio, cujo conhecimento foi relegado para o final.

Consequentemente, o Tribunal de lª Instância declarou, desde logo, reconhecido o direito de propriedade da Autora sobre o prédio misto sito no lugar de ..., freguesia de …, concelho do ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ..., sob o n.°..., a fls. 190, do Livro … e condenou os Réus a restituírem-lho livre de pessoas e bens.

E absolveu-a da excepção de abuso de direito.

Foram também logo julgados improcedentes os pedidos reconvencionais - de reconhecimento da propriedade do referido imóvel a favor dos Réus reconvintes, por usucapião e por acessão, de fixação de um prazo para a realização da escritura de execução específica do contrato-promessa, além da condenação da Autora no pagamento do dobro do preço pago.

Foram fixados os factos assentes e elaborada a Base Instrutória, com reclamações que foram parcialmente aceites.

Entretanto, ocorrido o óbito da Autora AA, foram habilitados, como seus herdeiros, o já também Autor HH e II, que passaram a o ocupar a posição dela na lide.

Realizado o julgamento, decidida a matéria de facto (despacho de fls. 2434 a 2442, com data de 9 de Outubro de 2012), foi proferida sentença que, (olvidando o já decidido no saneador emitiu pronúncia sobre todos os pedidos formulados, tanto pela Autora como pelos Réus), julgou totalmente improcedente a acção e absolveu os Réus dos pedidos.

E julgou procedente o primeiro pedido subsidiário da reconvenção, declarando transmitida para os primeiros Réus BB e CC, a titularidade do prédio.

O Autor HH interpôs recurso, desde logo arguindo as nulidades previstas nas als. d) e c), do n.°1, do art.° 668.° Código de Processo Civil para efeitos do disposto no n.°4.

Por despacho proferido pelo Juiz titular do processo foi declarada a nulidade da sentença e remetidos os autos ao Tribunal de Círculo para prolação de nova sentença (fls. 2731 a 2735).


***

Foi, em 13.2.2013, de novo, proferida sentença, limitada ao conhecimento do pedido subsidiário formulado pelos Réus, - benfeitorias e enriquecimento sem causa - com o seguinte segmento decisório:

"1. Condenar os Autores/Reconvindos a pagarem aos Réus/Reconvintes o valor correspondente às benfeitorias necessárias, a apurar em execução de sentença, devendo ao valor de € 102.000,00 (cento e dois mil euros) ser subtraído o valor que se apure ser o da lareira;

2. Condenar os Autores/Reconvindos a pagarem aos Réus/Reconvintes o valor correspondente as benfeitorias úteis indemnizáveis (colocação de vedação em todo o perímetro da quinta, reparação do muro existente e pinturas), a liquidar em execução de sentença, subtraindo-se a quantia de 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), o valor da colocação de vedação de separação em zonas da quinta que vier a ser apurado;

3.      Condenar os Autores/Reconvindos a pagarem aos Réus/Reconvintes o valor correspondente aos depósitos mensais que os Réus efectuaram a partir de Abril de 1994 e até Maio de 2002, a liquidar em execução de sentença;

4.      Absolver ao Autores/Reconvindos dos restantes pedidos reconvencionais.

5.      Condenar os Réus a pagarem aos Autores a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença correspondente aos valores mensais, entre Abril de 1994 e a data da sua citação nos presentes autos, que os Autores podiam ter auferido caso o imóvel estivesse na sua posse;

6.      Condenar os Réus a pagarem aos Autores desde a data da sua citação até à efectiva entrega do imóvel a quantia mensal que em execução de sentença se apure corresponder ao valor da renda pela qual os Autores podiam ter arrendado o imóvel;

7.      Condenar os Réus a procederem à demolição das benfeitorias voluptuárias que erigiram no imóvel e a retirarem o entulho do local, no prazo de 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado desta decisão.”


***

Inconformados, apelaram o Autor e os Réus para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 27.4.2017 – fls. 4201 a 4250 – complementado pelo Acórdão da Conferência de 28.9.2017 – fls. 4327 a 4328 – (este indeferindo nulidades arguidas pelos Réus), sentenciou:

“Termos em que acordam os juízes que compõem este Tribunal em dar provimento parcial aos recursos, julgando a lide nos seguintes termos:

- Confirma-se a procedência da acção, no segmento já definido no despacho saneador - reconhecimento da propriedade do prédio pelos Autores e condenação dos Réus a restituírem-no livre e desocupado de pessoas e materiais - e condenam-se os Réus a pagarem aos Autores a quantia, a apurar em liquidação ulterior, que estes teriam auferido com o arrendamento do imóvel, nos termos que lhes seria realmente oferecido ou proposto.

- Julga-se parcialmente procedente o pedido reconvencional e, consequentemente, condenam-se os Autores a pagarem aos Réus a quantia correspondente ao que despenderam com as benfeitorias consistentes na reconstrução/recuperação da casa de habitação e na construção de um muro de vedação do perímetro da quinta.

Tais montantes serão apurados em ulterior liquidação, sendo, desde já liquidada a quantia de € 102 000,00 das primeiras obras e retirando aos custos do muro as vedações em zonas interiores da quinta.

- E condenam-se ainda os Autores a pagarem aos Réus as quantias por estes prestadas mensalmente, de Abril de 1994 a Maio de 2002, a serem também ulteriormente liquidadas.

- No mais, vão os Réus e os Autores absolvidos do que lhes foi pedido. As custas, nas duas instâncias, serão suportadas por recorrentes e recorridos na proporção dos respectivos vencimentos.” (destaque e sublinhados nossos)


***


Inconformados, recorreram os Réus para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões:

PRIMEIRA. Os recursos independente e subordinado interpostos apenas pelo habilitado HH desacompanhado do outro habilitado seu filho II decorrente da habilitação de herdeiros efectuada em 21.04.2010, de fls. 2179 e ss (artigo 28°, n°.2 do Código de Processo Civil/61) ou artigo 33º, nº2 do NCPC/13), pelo que opera a ILEGITIMIDADE RECURSIVA do Autor desacompanhado de seu filho.

SEGUNDA. A ilegitimidade constitui uma excepção dilatória, que determina a absolvição da instância, de harmonia com a alínea d) do n.º do artigo 278°, e n°.2 do artigo 576°. e da alínea e) do artigo 577°. do NCPC/13.

TERCEIRA. O habilitado HH interpôs recurso com injustificado apoio judiciário, face à opulente vocação testamentária invocada de forma persistente, mesmo sem contar com o prédio misto dos autos que não integra o acervo hereditário.

Tem conseguido enganar a Administração, isto é, o ESTADO, lesando-o de forma indevida e abusiva.

Ao declarar graves carências financeiras, a Segurança Social foi enganada porque não apurou a real situação económica do(s) requerentes(s), que é de abundância de bens, pelo que lhe(s) deve ser retirado esse beneficio injustificado e até abusivo.

QUARTA. O presente recurso é de REVISTA e sob imediatamente nos próprios autos com efeito meramente devolutivo (artigos 629°, nº1, 637°, 638°, n°l, 639º, 644°, n°1, 671, n.º, 675°, n.º e 676°. do NCP/13).

QUINTA. O despacho saneador de 13.02.2008, de fls.1321-1336, que não chegou a transitar em julgado, uma vez que foi objecto de recurso não decidido, não tinha força vinculativa quando foi proferida a douta Sentença de 09-10-2012, a fls…

Estava bloqueado, desativado recursivamente, encontrando-se em aberto, não estava firmado nem confirmado definitivamente, não estava garantido, por não estar assente. Era provisório.

 Então, a matéria de facto era alterável.

SEXTA. Em consequência, a sentença de 09-10-2012, de fls…, encontrou o caminho livre, sem obstáculos, “em plena via verde” para conhecer, ao arrepio daquele despacho surpresa, de todos os pedidos, como efectivamente sucedeu e bem atendendo ao princípio basilar da livre convição do julgador ínsito no n°5 do artigo 607º do NCPC/13.

Ao invés daquele despacho ficou definitiva e vinculativa a matéria de facto.

SÉTIMA. Assim, a Sentença de 09-10-2012 que emerge directamente da audiência de discussão e julgamento apoiou-se em matéria de facto que a 1ª Instância manteve inalterada e fixou definitivamente, tal qual a instância recorrida deu por assente.

OITAVA. Por sua vez, a sentença de 02-09-2013 limitou-se a colmatar o erro clamoroso do questionado despacho de 13-02-2008, de fls.1321-1336 com outro erro também crasso.

 É uma sentença dúplice.

NONA. Destarte, apenas a Sentença de 09-10-2012 goza do princípio da irretractibilidade de uma decisão judicial conscienciosa e constitui uma SENTENÇA NATURAL gerada directamente por uma audiência de discussão e julgamento.

DÉCIMA. Daí a insistência no princípio do Juiz natural que preside ao julgamento.

DÉCIMA PRIMEIRA - o Acórdão Recorrido do TR. Lisboa de 27-04-2017, de fls…, “não está sumariado” e, deste modo, incumpriu a norma do artigo 663°, n°7, do NCPC/13, além de enfermar de défice cognitivo, porque não respondeu às conclusões de permeio apresentadas pelos Réus/Recorrentes não confrontando aberta e frontalmente as duas Sentenças opostas e em conflito, o que consubstancia a nulidade, nos termos do artigo 615°, n°l, alínea d) do NCPC/13.

DÉCIMA SEGUNDA. Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça para sindicar ou censurar a decisão de facto fixada pela 2ª. Instância constam dos arts. 674°, nº3 e 682°, n°s. 1 a 3, ambos do NCPC/13, na redacção que lhe foi confiada pela Lei n°.41/2013, de 26 de Junho.

DÉCIMA TERCEIRA. Os Réus/recorrentes têm praticado actos materiais sobre a coisa, que se revestem, segundo o consenso público, de energia suficiente para significar que, entre uma coisa e determinados indivíduos, se estabeleceu uma relação permanente e duradoura, motivo por que adquiriram também por usucapião (artigos 1252°, n°.2, 1287° e 1296° todos do Código Civil, face à matéria de facto assente).

DÉCIMA QUARTA. Tal posse está integrada por dois elementos: o corpus (elemento material) que consiste no domínio de facto sobre coisa; e o animus (elemento intelectual e volitivo) que consiste na intenção de exercer sobre a coisa como seu titular o direito correspondente àquele domínio de facto.

DÉCIMA QUINTA. No caso vertente, verifica-se a posse mais antiga dos Réus/recorrentes, os quais, mediante traditio retomaram derivada e contratualmente a posse dos primitivos donos do prédio misto dos autos.

DÉCIMA SEXTA. Impõe-se que seja dada prevalência ao primeiro pedido subsidiário da Reconvenção declarando transmitida para os 1ºs Réus BB e CC a titularidade do prédio misto dos autos, porque doutra forma deparamos com uma inconstitucional expropriação de facto, um nefasto e despudorado confisco, que o Direito não tolera e os Tribunais devem reprovar.

DÉCIMA SÉTIMA. Toda a benfeitorização realizada na denominada QUINTA … reveste o carácter de necessária ou útil e constitui uma fonte de manifesto enriquecimento.

Pelo exposto,

O Venerando Supremo Tribunal de Justiça deve dar a Revista e alterar ou anular o Acórdão recorrido, repristinando a douta sentença proferida em 09-10-2012, a fls…a cujos fundamentos os Réus/recorrentes aderem na íntegra.

Admitindo e concedendo a presente revista será feita a costumada Justiça, de forma sã, serena e objectiva.

O Autor contra-alegou, pugnando pela confirmação do recurso


***

Colhidos os vistos legais cumpre, decidir tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1.      A titularidade do prédio misto sito no lugar de ..., freguesia de Santo …, concelho do ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.°..., a fls. 190, do Livro B-6, esteve inscrita a favor de GG e EE (certidão de fls. 276 a 281) - (Alínea A) dos Factos Assentes);

2.      GG faleceu em … de 1994 - (doc. de fls.29) (alínea D) dos factos assentes);

3.      Sucedeu-lhe apenas a mulher, EE, sem que deixasse descendentes - (certidão de fls. 32 a 34) (alínea E) dos factos assentes);

4.      EE, faleceu … 1994, conforme documento de fls. 3, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - (alínea F) dos factos assentes);

5.      Anteriormente, EE instituiu, por via testamentária, a Autora como sua única e universal herdeira, - (documento de fls. 39 a 41, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - (alínea G) dos factos assentes);

6.      O Advogado de EE enviou ao Réu marido uma carta em 07 de Março de 1994, onde para além de indicar o número da conta bancária, solicita que o mesmo envie cópia do invocado contrato promessa de compra e venda, (cópia de fls. 34, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - (alínea H) dos factos assentes);

7.      Tal carta foi recepcionada pela Ré mulher, conforme aviso de recepção de fls. 35 - (Alínea I) dos Factos Assentes);

8.      Os Réus que nas primeiras solicitações da Autora, não lhe enviaram qualquer cópia de tal contrato promessa, contudo entre os anos de 2002 e 2003 vieram a facultar-lhe uma cópia do documento e fls. 381 - (alínea 3) dos factos assentes);

9.      Em finais de 1994, a Câmara Municipal do ... enviou ao falecido GG uma notificação para que o mesmo apresentasse “projecto das alterações” que efectuou ao alçado principal do prédio identificado na alínea A) dos factos assentes - (Alínea I) dos Factos Assentes);

10.    FF e outros requerentes instauraram uma Providência Cautelar no Tribunal do Seixal (que correu termos sob o processo n.°709/A-94) onde impugnando a validade do testamento referido na alínea G) dos factos assentes, pediam que a ora Autora, aí requerida, se abstivesse de todo e qualquer acto relativo aos bens da herança, o que veio a ser deferido, por sentença de fls. 57 a 61 - (Alínea M) dos Factos Assentes);

11.    A FF e outros Autores instauraram uma acção judicial contra ora Autora, que correu termos no 2.° Juízo Cível do Tribunal Judicial do Seixal sob o n.°709/94, onde peticionaram a nulidade e anulabilidade do referido testamento, conforme documentos de fls. 62 a 80 - (Alínea N) dos Factos Assentes);

12.    Tanto a acção referida na alínea N), como a providência cautelar descrita na alínea M) foi patrocinada pelos mandatários, ora Réus, BB e CC - (Alínea O) dos Factos Assentes);

13.    A respectiva procuração concedia poderes aos Réus mandatários para confessarem, transigirem ou desistirem das acções por si instauradas contra a ora Autora, conforme documento de fls. 79 e 80 - (Alínea P) dos Factos Assentes);

14.    O Réu BB, em 24 de Fevereiro de 1994, requereu em nome de GG (herdeiros) uma prorrogação para a conclusão das obras no prédio referido na alínea A), conforme certidão de fls. 85 - (Alínea R) dos Factos Assentes);

15.    EE não outorgou qualquer procuração a dar poderes de representação ao Réu BB para elaborar e assinar quaisquer requerimentos em seu nome - (Alínea S) dos Factos Assentes);

16.    O Réu BB, em 24 de Agosto de 1994, requereu na Câmara Municipal do ..., em nome de GG (herdeiros) uma licença de acabamento de pintura, arranjos exteriores e elaboração das telas finais de obras que estava a executar no prédio descrito na alínea A), conforme certidão de fls. 89, cujo requerimento fora assinado pelo referido Réu - (Alínea T) dos Factos Assentes);

17.    A Autora à data de 24 de Agosto de 1994, não tinha outorgado qualquer procuração a dar poderes de representação ao Réu marido - (alínea u) dos factos assentes);

18.    Na data de 24 de Agosto de 1994, a Autora deslocou-se ao prédio referido na alínea A) e verificou que no mesmo estavam a ser executadas obras a mando dos Réus - (alínea V) dos factos assentes);

19.    O Réu BB, em 12 de Março de 1994, requereu na Câmara Municipal do ..., em nome de GG (herdeiros) a aprovação do projecto de alterações de arquitectura, águas e esgotos a executar no prédio descrito na alínea A), conforme certidão de fls. 88, cujo requerimento fora assinado pelo referido Réu. - (alínea X) dos factos assentes);

20.    Dá-se por integralmente reproduzido o documento de fls. 94 a 96, bem como o teor do documento de fls. 86 - (alínea Z) dos factos assentes);

21.    A acção o judicial referida na alínea N) dos factos assentes veio a ser julgada improcedente, decisão que foi ulteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação e Lisboa que, entretanto, negara provimento ao recurso de apelação interposto pelo Réu marido em nome de FF, conforme documentos de fls. 182 a 213 - (alínea AA) dos factos assentes);

22.    A decisão do Tribunal da Relação veio a ser confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça quando negou provimento à revista, que entretanto o Réu marido subescrevera, conforme documento de fls. 182 a 213 - (alínea BB) dos factos assentes);

23.    O Réu marido, em nome de FF, em 16 de Maio de 2003, veio a interpor recurso para o Tribunal Constitucional, sendo que o Supremo Tribunal de Justiça não recebeu o recurso. De tal decisão foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, a qual veio a ser indeferida por acórdão de 24 de Outubro de 2003, conforme documentos de fls. 214 a 242 - (Alínea CC) dos Factos Assentes);

24.    Após o processo ter descido ao Tribunal Judicial do Seixal, em 28 de Novembro de 2003, a ora Autora requereu a extinção do procedimento cautelar que a inibia da prática de quaisquer actos sobre os bens da herança, conforme documento de fls. 243 - (Alínea DD) dos Factos Assentes);

25.    Notificado de tal requerimento o Réu marido veio opor-se ao levantamento da providência cautelar alegando nos termos que constam de fls. 244 a 246 - (Alínea EE) dos Factos Assentes);

26.    Veio a ser proferida decisão a declarar a caducidade de tal providência, conforme documento de fls. 247 a 250 - (Alínea FF) dos Factos Assentes);

27.    De tal decisão veio o Réu marido como mandatário de FF interpor recurso de agravo, em 06 de Janeiro de 2004, pedindo que ao mesmo fosse atribuído suspensivo, conforme documento de fls. 252 - (Alínea GG) dos Factos Assentes);

28.    A esse recurso de agravo veio a ser atribuído efeito devolutivo, cfr. documento de fls. 266 - (Alínea HH) dos Factos Assentes);

29.    Os Réus continuam a ocupar o prédio referido na alínea A) dos Factos Assentes, contra a vontade da Autora.

30.    A Autora enviou em 27 de Setembro de 2004 aos Réus a carta que consta de fls. 29, referindo-lhes que tinham o prazo de 15 dias para procederem à entrega do prédio dos autos devoluto de pessoas e bens - (Alínea JJ) dos Factos Assentes);

31.    Os primeiros Réus alteraram a fisionomia do prédio referido na alínea A) dos Factos Assentes, derrubando árvores de fruto e erigindo pavilhões e salas - (Alínea LL) dos Factos Assentes);

32.    EE deu instruções ao seu Advogado para indicar ao Réu marido o número de conta onde o mesmo deveria efectuar o depósito de 300.000$00 mensais - (resposta ao quesito 1.°A);

33.    As construções referidas na alínea LL) dos Factos Assentes reduziram o espaço agrícola que era composto por horta, vinha, cultura arvense com 2 pessegueiros e 5 figueiras, bem como o jardim - (resposta aos quesitos 2.º e 3.º);

34.    Atentas as suas características, o prédio dos autos era susceptível de ser arrendado pelo valor mensal não inferior a € 1.500,00 - (resposta ao quesito 4.°);

35.    O GG, em 23 de Agosto de 1993, autorizou os 1.°s Réus a proceder às alterações numa construção habitacional unifamiliar - (resposta ao quesito 5.°);

36.    Os pavilhões e salas referidos na alínea LL) dos factos assentes, não estão licenciados - (resposta ao quesito 6.°);

37.    Após o negócio que consta de fls. 381, o GG e EE entregaram em 27 de Março de 1993 aos Réus BB e CC o imóvel descrito na alínea A) dos Factos Assentes - (resposta ao quesito 7.°);

38.    Autorizando estes a realizar obras no imóvel, concretamente na construção habitacional - (resposta ao quesito 8.°);

39.    A título de sinal e como princípio de pagamento os Réus BB e CC entregaram ao GG e EE, na data de 27 de Março de 1993, a quantia de 1.000.000$00 e em 30.09.1993, como parte do preço pagaram a quantia de 2.600.000$00 - (resposta ao quesito 9.°);

40.    O remanescente do preço, ou seja, 32.400.000$00, era pago em 9 anos, em prestações mensais de 300.000$00, de 1 a 8 de cada mês, a contar de 01 de Abril de 1993 e a terminar em 01 de Abril e 2002 - (resposta ao quesito 10.°);

41.    O pagamento das referidas prestações mensais seria feito através de depósitos em conta da Caixa ... - (resposta ao quesito 11.°);

42. Clausulou-se ainda sob o n.°5 que em caso de morte dos promitentes vendedores, as referidas mensalidades seriam sempre depositadas, até completa liquidação, para benefício dos seus herdeiros - (resposta ao quesito 12.°);

43.    Os Réus BB e CC pagaram a restante parte do preço referida sob o quesito 10.° - (resposta ao quesito 13.°);

44.    Os primeiros Réus há 12 anos que exploram continuadamente o prédio referido na alínea A) - (resposta ao quesito 15.°);

45.    O terreno do prédio referido na alínea A) dos actos assentes tem o valor de € 300.000,00 - (resposta ao quesito 16.°);

46.    As edificações que nele foram erigidas têm o valor de € 790.250,00 - (resposta ao quesito 17.°),

47.    Do valor global de € 790.250,00, € 102.000,00 se reportam ao reforço da estrutura externa da casa principal, com recuperação de paredes, revestimentos, construção de lareira, instalações sanitárias, cozinha, sistema de drenagem, canalização de água, substituição de rede eléctrica interior e execução de cobertura de chaminé - (resposta ao quesito 17.°A);

48.    € 63.750,00 reportam-se à execução do pavilhão dos coelhos com recuperações de paredes, execução de caixa, massame e pavimento, abertura de porta e construção de telheiro, pinturas e impermeabilização - (resposta ao quesito 17.° B);

49.    € 85.000,00 reportam-se à conversão do pombal, chiqueiro e pavilhão das alfaias, com construção de alvenarias, revestimentos, cobertura, pinturas, construção de cozinhas e instalação sanitária - (resposta ao quesito 17.° C);

50. € 312.000,00 reportam-se a novas construções - salão, bar e telheiro; construção de raiz de um complexo de edifícios com 400 m2, constituído por salão, instalações sanitárias masculinas e femininas; bar, cozinha, copa, churrasqueira, terraço aberto e cobertura em terraço acessível - (resposta ao quesito 17.° D);

51.    € 70.000,00 reportam-se a pavimentação do recinto, execução da pavimentação em acessos no interior da quinta, aproximadamente, 2.000 m2, com pavimento tipo “pavé”, assente sobre base de betão - (resposta ao quesito 17.° E);

52.    € 110.000,00 reportam-se a ajardinamento, execução do relvado geral, plantação de várias espécies arbustivas, execução de “rock garden”, execução de canteiros e floreiras, plantação de árvores; execução de rede de rega; execução de rede eléctrica exterior, colocação de postes e luminárias - (resposta ao quesito 17.° F);

53.    € 25.000,00 reportam-se a colocação de vedação em todo o perímetro da quinta; colocação de vedação de separação em zonas da quinta, reparação do muro existente e pinturas - (resposta ao quesito 17.° G);

54.    € 10.000,00 reportam-se a limpeza e tratamento de taludes da ..., execução de sistema de protecção contra acidentes - (resposta ao quesito 17° H);

55.    € 12.000,00 reportam-se a construção de lago em betão, muretes, sistema de bombagem de água e pinturas - (resposta ao quesito 17.° I);

56.    O imóvel identificado em A) é hoje designado por Quinta ..., onde a Ré DD, Lda, de que é único sócio JJ, explora organização de eventos (Casamentos, Baptizados, Aniversários, Festas) - (Documentos de fls. 288 a 291 que não de mostram impugnados).

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

I - se o Autor HH, recorrente principal e subordinado na apelação, carece de legitimidade recursiva pelo facto de estar desacompanhado do seu filho KK, também habilitado como herdeiro da Autora;

II - se HH não podia litigar com apoio judiciário por ter prestado falsas informações à Segurança Social;

III - se o despacho saneador de 13.2.2008, não tinha força vinculativa, porque não transitara em julgado quando foi proferida a sentença de 9.10.2012, que não levou em conta a alterabilidade em aberto da matéria de facto, assim operando erradamente ela, sendo tal sentença nula;

IV - se a sentença de 9.2.2013, visando colmatar o erro do despacho de 13.2.2008, incorreu no mesmo erro;

V- se a sentença que devia ter sido considerada, por ser a única que teve na base uma audiência de discussão e julgamento, é a de 9.12.2012;

VI – se foi violado o princípio do juiz natural no que respeita às decisões referidas, pelo que são nulas;

VII - se o Acórdão recorrido é nulo por não estar sumariado;

VIII - se os Recorrentes adquiriram por usucapião o imóvel reivindicado pelo Recorrido;

IX – se todas as benfeitorias realizadas na “Quinta ...” revestem a qualificação de necessárias ou úteis e, como tal, são fonte de enriquecimento do Recorrido à custa dos Recorrentes.

Antes de entramos na apreciação das questões elencadas no recurso, acumuladas por quase catorze anos de intensa litigância, importa dizer que à acção não se aplica o regime da dupla conforme de harmonia com o disposto no art.7º, nº1, da Lei nº41/2013, de 26.7, uma vez a acção se iniciou, em 2004 e o Acórdão recorrido é de 27.4.2017. Decorre de tal normativo que às acções anteriores a 1 de Janeiro de 2008, em que a decisão é proferida após 1.9.2013, se aplica o regime de recursos do DL. N.º303/2007, com as alterações introduzidas, mas com a excepção constante do disposto no n.º3 do art. 671º, sendo inaplicável a limitação resultante da dupla conforme, que à data da instauração da acção não existia.

Porque muito elucidativa da complexidade e da magnitude das questões que o recurso de revista coloca, agora a este Tribunal e já colocou, nas questões comuns[2], na apelação, transcrevemos o seguinte excerto do douto Acórdão recorrido, a fls. 4232:

“Este processo é paradigmático de lide com múltiplos incidentes, e consequentes recursos, sendo discutidas questões laterais que, na sua generalidade, pouco têm a ver com o mérito, ou seja, com a parte nuclear que importa ver julgada.

Introduzido em Juízo em 2004 (vão decorridos cerca de 13 anos), ainda não logrou obter-se uma decisão final, o que agora se busca em nome de uma administração da Justiça que, já não podendo ser célere, ao menos que se apresente com apego irrestrito à legalidade e à equidade.

Para trás ficam seis agravos, respectivamente dos despachos de 30 de Janeiro de 2006, de 12 de Outubro de 2007, de 8 de Fevereiro de 2008, dois de 13 de Fevereiro de 2008, e de 31 de Agosto de 2008; um agravo em 2ª Instância (fls. 2558 ss); uma decisão singular, (de 11 de Julho de 2012) seguida de Acórdão concordante, do Supremo Tribunal de Justiça (25 de Outubro de 2012); um Acórdão do Tribunal Constitucional (fls. 3006) a indeferir reclamação por não admissão do recurso; um Acórdão da Relação de Lisboa, de 6 de Março de 2012 a confirmar todas as decisões impugnadas nos agravos acima elencados; um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Julho de 2012 (fls. 2715 ss) a não conhecer o objecto dos recursos por considerar não ter havido ofenda de caso julgado.

Foi ainda julgado - por Acórdão da Relação de Lisboa, de 25 de Junho de 2015 - um agravo, tendo sido declarados válidos os actos praticados pelos Réus BB e CC condenando-os, embora, como litigantes de má-fé (apenso M)”.

Apreciando a 1ª questão:

Trata-se de saber se, tendo o Recorrido Autor, HH, sido habilitado como herdeiro de sua mãe juntamente com o seu filho, por não ter intervindo como recorrente no recurso de apelação é parte ilegítima na instância recursiva.

Se assim fosse a ilegitimidade poderia, até, ser conhecida oficiosamente.

Mas não existe ilegitimidade. A habilitação, efectivamente, visou sanar a ilegitimidade do Recorrido BB para a causa, em virtude de se exigir litisconsórcio necessário. Todavia, nos termos do art. 634º do Código de Processo Civil, que, no essencial, reproduz o texto do art. 683º antes da reforma:

“1. O recurso interposto por uma das partes aproveita aos seus compartes no caso de litisconsórcio necessário. 2. Fora do caso de litisconsórcio necessário, o recurso interposto aproveita ainda aos outros: a) Se estes, na parte em que o interesse seja comum, derem a sua adesão ao recurso; b) Se tiverem um interesse que dependa essencialmente do interesse do recorrente; c)        Se tiverem sido condenados como devedores solidários, a não ser que o recurso, pelos seus fundamentos, respeite unicamente à pessoa do recorrente.”

Tratando-se de litisconsórcio necessário, o recurso, interposto apenas por dos litisconsortes, aproveita ao outro pelo que inexiste legitimidade ad recursum.

O Conselheiro Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014 – 2ª edição, pág. 84, afirma:

“Em princípio, o acto de interposição de recurso apenas aproveita ao recorrente, solução a que preside o princípio da relatividade por oposição ao princípio da realidade.

 Esta regra que emerge da natureza privatística do processo civil sofre uma limitação no segmento relativo ao litisconsórcio necessário (negocial, legal ou natural), em que há uma única acção com pluralidade de sujeitos. Em tal situação, o facto de se discutirem interesses incindíveis impede que se alcancem resultados diversos para cada um dos litisconsortes. Daí afirmar-se no nº1 que, independentemente da iniciativa de qualquer dos demais litisconsortes ou sequer da sua posterior intervenção, o resultado do recurso interposto por algum ou alguns se repercutirá em todos eles”.   

Não existe, pois, ilegitimidade pelo facto de o Recorrente ter estado desacompanhado do outro herdeiro seu litisconsorte habilitado judicialmente, enquanto apelante.

2ª – Questão: apoio judiciário:

Insurgem-se os Recorrentes, pessoas singulares, Advogados de profissão, por o Recorrente litigar com apoio judiciário, o que não devia acontecer, “face à opulente vocação testamentária invocada de forma persistente, mesmo sem contar com o prédio misto dos autos que não integra o acervo hereditário. Tem conseguido enganar a Administração, isto é, o Estado, lesando-o de forma indevida e abusiva. Ao declarar graves carências financeiras, a Segurança Social foi enganada porque não apurou a real situação económica do (s) requerentes (s), que é de abundância de bens, pelo que lhe (s) deve ser retirado esse benefício injustificado e até abusivo”, a questão, que não foi suscitada na apelação, e que não é superveniente, não pode ser apreciada pelo Tribunal por ser questão nova.

Sempre se dirá que a pretensão dos Recorrentes poderia ter sido suscitada nos serviços da Segurança Social, que têm competência para a apreciação dos pedidos de protecção jurídica na modalidade em causa: concessão do apoio judiciário – art. 26º, nºs, 1, 2 e 5, e 27º da Lei nº47/2007, de 28 de Agosto – e também por si impugnada.

 3ª, 4ª e 5ª questões:

São versadas em conjunto pela patente imbricação que lhes atribuem os Recorrentes, e convocarem nulidades processuais, que, posto que não claramente caracterizadas, serão subsumíveis à previsão das alíneas b) c) e d) do nº1 do art. 615º do Código de Processo Civil.

A problemática das nulidades assacadas às decisões foi suscitada perante o Tribunal da Relação, que sobre elas emitiu pronúncia, não se lhe podendo assacar vício próprio.

A acção sub judice é uma acção de revindicação – art. 1311º do Código Civil - intentada contra os RR. que deduziram pedido reconvencional. A controvérsia gira em torno de um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, de que houve traditio, sendo os Recorrentes promitentes compradores. Estes fizeram obras e edificaram e estão há mais de uma dezena de anos, tendo pago a totalidade do preço, sem que tivesse sido celebrado o contrato definitivo de compra e venda.

 Nas precedentes decisões, os AA. obtiveram ganho de causa, no que respeita aos pedidos inerentes à acção de reivindicação: reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel e consequente condenação na restituição, excepto na sentença de 9.12.2012.

Aí a acção foi julgada improcedente.

No saneador-sentença de 13.2.2008 – fls. 1321 a 1326 – foram julgadas improcedentes todas as excepções dilatórias invocadas pelos RR., ora Recorrentes.

Tendo sido parcialmente apreciados os pedidos da Autora e dos RR/reconvintes, excepto, quanto ao pedido da Autora referente à demolição do prédio construído pelos Réus, e, quanto a estes, os de natureza indemnizatória, cujo conhecimento foi relegado para final: assim, decidiu-se nessa decisão o reconhecimento do domínio da Autora sobre o prédio em litígio, condenaram-se os Réus à respectiva restituição, livre e desocupado. Foram aí julgados improcedentes os pedidos reconvencionais: de reconhecimento do direito de propriedade do referido imóvel (a favor dos Réus reconvintes), por usucapião e por acessão; de fixação de um prazo para a realização da escritura de execução específica do contrato-promessa, além da condenação da Autora no pagamento do dobro do preço pago. 

Como bem se refere no Acórdão, não tendo ainda tal decisão transitado em julgado, habilitaram-se os Autores por morte da Autora AA, tendo-se realizado a audiência de discussão e julgamento, fixado a matéria de facto e proferida sentença em 9.12.2012, que, erradamente, voltou a apreciar a matéria de facto elencada no saneador parcialmente sentença.

 Esta decisão julgou improcedente a acção e absolveu os Réus do pedido. Na parcial procedência do pedido reconvencional declarou transmitido para os Réus, Drs. BB e CC, o domínio do prédio reivindicado pelos AA.

Esta decisão não se manteve, porquanto o Autor arguiu as nulidades constantes das alíneas c) e d) do nº1 do art. 615º do Código de Processo Civil.

Ante a arguição das nulidades, o Tribunal, como lhe era consentido pelo nº4 do art. 668º do Código de Processo Civil então vigente[3]“Arguida qualquer das nulidades da sentença em recursos dela interposto, é lícito ao juiz supri-la, aplicando-se com as necessárias adaptações e qualquer que seja o tipo de recurso, o disposto no art. 744º.

 O Tribunal deferiu a arguição das nulidades e proferiu nova sentença em 2.9.2013.

Esta decisão, podia, como foi, ser proferida na apreciação e julgamento das nulidades, como se refere no Acórdão recorrido:

Esta última decisão limitou-se a conhecer o pedido subsidiário dos Réus (benfeitorias e enriquecimento sem causa) condenando os Autores/Reconvindos no pagamento das quantias atrás seriadas, mas absolvendo-os dos outros pedidos reconvencionais, deixando, no mais, intocado o despacho saneador.

Condenou os Réus a pagarem aos Autores as quantias ilíquidas correspondentes aos valores mensais, entre Abril de 1994 e a citação, que aqueles aufeririam com o imóvel; o valor das rendas que, eventualmente, teriam recebido desde a citação, se tivessem detido ou arrendado o imóvel; a demolirem todas as benfeitorias voluptuárias e retirarem o entulho do local, em prazo que fixou”.

  De tudo resulta, dizemos, que a sentença proferida em 2.9.2013, sobre os escombros daqueloutra de 9.10.2012, que supunha (esta) o saneador-sentença de 13.2.2008, e a validade nos termos já referidos, sanando os vícios daquela sentença, era a decisão de que os vencidos teriam que recorrer para evitar o trânsito em julgado, pois ela incorporou a parte sã da sentença arguida de nulidades e colocou, validamente, na ordem jurídica a sentença, repetimos, de 2.9.2013, que é a sentença a quo, sobre a qual recaiu o Acórdão agora em revista.

De referir que o processo, onde foi proferida a sentença de 9.10.2012, declarada a sua nulidade, foi remetido ao Tribunal de Círculo para prolação da decisão, tendo sido aí proferida a sentença objecto de apelação.

Com o devido respeito, não pode, pois, considerar-se que a sentença de 2.9.2013 é dúplice daqueloutra de 9.12.2012 – que concedeu ganho de causa relevante aos Recorrentes – e que essa, como se afirma na conclusão nona das alegações – “goza do princípio da irretractibilidade de uma decisão judicial conscienciosa e constitui uma Sentença Natural gerada directamente por uma audiência de discussão e julgamento”.

Pelo quanto se disse, não procedem as conclusões quinta a nona envolvidas nas três questões vindas de apreciar, não sendo caso de convocar o nº3 do art. 674º do Código de Processo Civil para apreciar provas, no contexto da competência excepcional conferida a este Tribunal no contexto da revista, no que parece ser o entendimento dos Recorrentes quando aludem a este normativo, na conclusão décima segunda, e se referem às peças processuais, sentenças e despachos da 1ª Instância, que pretendem que sejam analisadas.

6ª questão: o juiz natural

Relacionada com as precedentes questões, suscitam os Recorrentes a violação do princípio do juiz natural, porquanto, aduzem, intervieram vários Magistrados no processo, enquanto pendente no Tribunal de 1ª Instância, não coincidindo quem presidiu à audiência de discussão e julgamento e quem proferiu a sentença apelada.

 Aduzem, ainda os Recorrentes – fls. 14 das alegações – que, na Relação, o processo teve duas Relatoras: primeiro, por despacho de 21.4.2017, que, depois foi substituída.

Sobre a alegada violação do princípio do juiz natural se pronunciou o Acórdão recorrido, a fls. 4233/4244, enfatizando que a regra do juiz natural “com imutabilidade imperativa só está arvorada em princípio constitucional no processo penal, “ex vi” do nº9 do artigo 32.º da Constituição da República”, visando o princípio assegurar a imparcialidade e a isenção do julgador.

Nas garantias do processo penal a Constituição da República – no nº9 do antes referido art.32º consigna – “Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”.

Na “Constituição da República Anotada”, vol. I, pág. 525, os eminentes constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, escrevem:

“O princípio do juiz legal (n°9) consiste essencialmente na predeterminação do tribunal competente para o julgamento, proibindo a criação de tribunais ad hoc ou a atribuição da competência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime. A escolha do tribunal competente deve resultar de critérios objectivos predeterminados e não de critérios subjectivos. Note-se que a Constituição proíbe a existência de tribunais penais, para certas categorias de crimes. Mesmo que sem competência exclusiva (art. 209°-4).

 Juiz legal é não apenas o juiz da sentença em primeira instância, mas todos os juízes chamados a participar numa decisão (princípio dos juízes legais). A exigência constitucional vale claramente para os juízes de instrução e para os tribunais colectivos.

 A doutrina costuma salientar que o princípio do juiz legal comporta várias dimensões fundamentais: (a) exigência de determinabilidade, o que implica que o juiz (ou juízes) chamado(s) a proferir decisões num caso concreto estejam previamente individualizados através de leis gerais, de uma forma o mais possível inequívoca; (b) princípio da fixação de competência, o que obriga à observância das competências decisórias legalmente atribuídas ao juiz e à aplicação dos preceitos que de forma mediata ou imediata são decisivos para a determinação do juiz da causa;

(c) observância das determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos), o que aponta para a fixação de um plano de distribuição de processos (embora esta distribuição seja uma actividade materialmente administrativa, ela conexiona-se com o princípio da administração judicial).”     

Sem dúvida que a predefinição da competência dos Julgadores, a divisão interna funcional e o carácter aleatório da distribuição dos processos, são garantias de um processo penal imparcial e justo, direitos fundamentais que são salvaguardados expressamente em processo criminal, que, nos termos do nº1 da Lei Fundamental, “assegura todas as garantias de defesa.”

No processo civil, não que seja de excluir esse princípio, que não está contemplado em sede constitucional, mas também aí, mormente, a distribuição aleatória dos processos e a proibição de transferência abusiva dos magistrados encontram protecção enquanto exigência e postulado do direito a um processo justo, equitativo, e ao seu julgamento imparcial.

A não coincidência entre o Magistrado que preside à produção da prova e aquele que julga, pode resultar de motivos vários, sejam eles ligados ao cargo, a razões de saúde, transferência, sanção disciplinar ou promoção.

Relevante é que a descoincidência se fique a dever a motivos com suporte legal inerentes à organização e funcionamento da Magistratura, com apoio em normas gerais e abstractas e regulamentos dimanados dos órgãos jurídico-constitucionais competentes.

O processo civil proporciona meios para a assegurar a imparcialidade dos julgadores, ainda que com feição diferente da protecção constitucional a que nos referimos, mormente, nos arts. 115º e 119º e 124º do Código de Processo Civil.

Assim, não se podendo afirmar que as alterações das pessoas dos Magistrados que intervieram na 1ª Instância e na Relação visaram, de forma ilegal e discriminatória, prejudicar os Recorrentes, ou quem quer que fosse, não se pode considerar ter havido violação do princípio do juiz natural. No processo civil tem aplicação o princípio da plenitude da assistência dos juízes consagrado no art. 605º do Código de Processo Civil, que também comporta excepções.

O princípio da plenitude da assistência dos juízes, consagrado agora no art.605º do Código de Processo Civil (antes no art. 654º), só tem aplicação quando da fixação da matéria de facto, em ponderação dos princípios da imediação, da oralidade e concentração, conhecendo aplicação intransigente quando o tribunal perante o qual foi feita a discussão da causa é aquele que quem tem de proferir a decisão de facto: aí, salvo casos excepcionais, quem presidiu à recolha da prova é quem a julga.

Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra, de 18.3.2014 – Proc. 3721/11.9TBLRA.C1 (sumário) - Relator Henrique Antunes, in www.dgsi.pt:

“Dado que no Código de Processo Civil de 1961 o princípio da plenitude da assistência dos juízes só valia para os actos de produção da prova e de julgamento da matéria de facto – e, portanto, para a fase da audiência – e não também para a fase da sentença, o proferimento da sentença por juiz diferente daquele que decidiu a matéria de facto não infringia aquele princípio – nem, aliás, qualquer outro princípio ou norma processual.

 Uma vez que o NCPC concentrou o julgamento da questão de facto na sentença final, esta sentença só pode ser proferida pelo juiz que assistiu aos actos de instrução e discussão praticados na audiência ou audiências de discussão e julgamento.

 Essa regra não é, porém, aplicável aos casos em que, antes do início da vigência do NCPC, a matéria de facto já se mostrava julgada pelo juiz que assistiu aos actos de produção da prova.

 O proferimento da sentença final por juiz diferente do que decidiu a matéria de facto resolve-se, no NCPC, numa simples nulidade processual, inominada ou secundária, que não constitui objecto admissível do recurso.”

7ª questão - Ainda no elenco das nulidades, é assacada ao Acórdão a nulidade causada pela omissão de elaboração do sumário pelo Relator. Seria uma nulidade atípica, porque não consta do elenco taxativo do art. 615º do Código de Processo Civil aplicável por força do art. 684º.

O nº7 do art. 663º do Código de Processo Civil, estabelece que o juiz que elaborar o acórdão deve sumariá-lo. A elaboração e redacção do Acórdão é da responsabilidade do relator. A omissão do sumário em nada se repercute na essência da decisão, pelo que não pode ser considerada nulidade do processo, nem confere às partes qualquer prerrogativa de índole adjectiva.

8ª questão – se os RR./recorrentes, promitentes compradores tradiciários, obtiveram o direito de propriedade do imóvel por usucapião.

Sustentam os Recorrentes que a posse, o corpus da posse que exercem, é provida de animus, que, ademais, se presume.

Como consta provado, os RR. fruem o imóvel ao abrigo de um contrato promessa que, pese embora como decidiu o Acórdão recorrido, o documento não estar firmado por um dos co-proprietários promitentes vendedores foi reconhecido pelos promitentes vendedores.

O contrato promessa – art. 410º do Código Civil – sem eficácia real – art. 413º do mesmo diploma, como é o caso, não tem eficácia translativa da propriedade.

            Não se questiona que se trata de um contrato-promessa bilateral de compra e venda, que não culminou com a celebração do contrato prometido.

Tal normativo define, contrato-promessa nos seguintes termos:

“1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
                2. Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.
                3. (...) ”.


“Contrato-promessa - é um acordo prelimi­nar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido. Mas em si é uma convenção completa, que se dis­tingue do contrato subsequente. Reveste, em princípio, a natureza de puro con­trato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo. Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular con­sistir na emissão de uma declaração negocial. Trata-se de um “pactum de contrahendo (Galvão Telles, “Direito das Obrigações”,  6ª ed.-83).

O art. 1251º do Código Civil define posse como - “O poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de doutro direito real”.

O art. 1287º do citado diploma estatui - “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida opor certo lapso de tempo faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação é o que se chama usucapião”. 

A posse conducente à usucapião, tem de ser pública e pacífica, influindo as características de boa ou má-fé, justo título e registo de mera posse, na determinação do prazo para que possa produzir efeitos jurídicos.

A posse, face à concepção adoptada na definição que do conceito dá o art. 1251º do Código Civil, tem de se revestir de dois elementos: o “corpus”, ou seja, a relação material com a coisa, e o “animus”, o elemento psicológico, a intenção de actuar como se o agente fosse titular do direito real correspondente, seja ele o direito de propriedade ou outro.


“A doutrina dominante (Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, III, 2.ª ed., pág.5; Mota Pinto, “Direitos Reais”, p. 189; Henrique Mesquita, “Direitos Reais”, 69 e ss; Orlando de Carvalho, RLJ, 122-65 e ss; Penha Gonçalves, “Direitos Reais”, 2ª ed., págs. 243 e ss.) sustenta que o conceito de posse, acolhido nos arts. 1251º e ss., deve ser entendido de acordo com a concepção subjectivista, analisando-se por isso numa situação jurídica que tem como ingredientes necessários o “cor­pus” e o “animus possidendi” (contra, Menezes Cordeiro, “Direitos Reais”, 1º-563 e ss; Oliveira Ascensão, “Direitos Reais”, 4ªed., págs. 42 e ss.).
O “corpus” da posse traduz-se no “poder de facto” manifestado pela actividade exercida por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (arts. 1251º e 1252.º, nº2).                  
Actividade que não carece, aliás, de ser sempre efectiva, pois uma vez adquirida a posse, o “corpus” permanece como que espiritualizado, enquanto o possuidor tiver a possibilidade de o exercer (art. 1257º, n.º1).
Quanto ao “animus possidendi”, a sua presença e relevância não poderão ser recusadas quando a actividade em que o “corpus” se traduz pela causa que a justifica, seja reveladora, por parte de quem a exerce, da vontade de criar em seu bene­fício, uma aparência de titularidade correspondente ao direito de propriedade ou outro direito real.” – cfr. Abílio Neto, in “Código Civil Anotado”, 15ª edição 2006, pág.1037.

“A usucapião, que é uma forma de constituição de direitos reais e não de transmissão, baseia-se numa situação de posse – corpus e animus – exercida em nome próprio, durante os períodos estabelecidos na lei e revestindo os caracteres que a lei lhe fixa, pública, contínua, pacífica, titulada e de boa fé” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 14.12.1994, in CJSTJ, 1994, III, 183. (in multis)

            Em regra, o promitente-comprador que obteve a traditio apenas frui um direito de gozo, que exerce em nome do promitente-vendedor e por tolerância deste – é, nesta perspectiva, um detentor precário – art. 1253º do Código Civil – já que não age com animus possidendi, mas apenas detém o corpus possessório, a relação material com a coisa – art. 1251º do Código Civil.

Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. III, 2ª ed., pág. 6, e Antunes Varela, na RLJ, Ano 124, pág. 348, sustentam:

“O contrato-promessa, só por si, não é susceptível de transferir a posse ao promitente-comprador.

Se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário”.

São concebíveis, todavia, situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse.

Suponha-se, por exemplo, que havendo sido paga já a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo, (a fim de v.g., evitar o pagamento da sisa ou precludir o exercício de um direito de preferência), a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade.

Tais actos não são realizados em nome do promitente-vendedor, mas sim em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real.

O promitente-comprador actua, aqui, uti dominus, não havendo, por conseguinte, qualquer razão para lhe negar o acesso aos meios de tutela da posse”.

 O Professor Antunes Varela, retomando o tema, na RLJ, 128, pág. 146, escreve:

“... O promitente-comprador investido prematuramente no gozo da coisa, que lhe é concedido na pura expectativa da futura celebração do contrato prometido, não é possuidor dela, precisamente porque, sabendo ele, como ninguém, que a coisa pertence ainda ao promitente-vendedor e só lhe pertencerá a ele depois de realizado o contrato translativo prometido, não pode agir seriamente com a intenção de um titular da propriedade ou de qualquer outro direito real sobre a coisa”.

            Vaz Serra, in RLJ, Ano 109, págs. 347 e 348 ensina:

 “O promitente-comprador, que toma conta do prédio e nele pratica actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade, sem que o faça por mera tolerância do promitente-vendedor, não procede com intenção de agir em nome promitente-vendedor, mas com a de agir em seu próprio nome, […] passando a conduzir-se como se a coisa fosse sua, […] julga-se já proprietário da coisa, embora não a tenha comprado, pois considera segura a futura conclusão do contrato de compra e venda prometido, donde resulta que, ao praticar na coisa, actos possessórios, o faz com animus de exercer em seu nome o direito de propriedade” – (destaque nosso)

            Calvão e Silva, in “Sinal e Contrato-Promessa”, 11ª edição, pág. 231, nota 55, é de semelhante opinião:

            “Não nos parece possível a priori qualificar-se de posse ou de mera detenção o poder de facto exercido pelo promitente-comprador sobre o objecto do contrato prometido entregue antecipadamente.

 Tudo dependerá do animus que acompanhe o corpus”.

            Importa, casuisticamente, saber se a posse do promitente-comprador, que obteve a traditio, deve ser qualificada como posse precária – o que acontece em regra – ou, se deve ser qualificada como posse em nome próprio, o que acontece nos casos citados no ensino de Varela.

            Se a posse for de considerar em nome alheio, o promitente-comprador dispõe do direito de retenção, como direito real de garantia para pagamento do dobro do sinal prestado, em caso de incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo promitente vendedor – arts. 442º, nº1, e 755º, nº1, f) do Código Civil – bem como do direito previsto na parte final do nº2 do art. 442º do Código Civil – ou seja, a haver “o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, [a coisa entregue] determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago”.

            Os Réus, em relação ao contrato promessa, apenas pretendem que o tribunal considere que a posse que exercem conduz à usucapião, enfatizando que “têm praticado actos materiais sobre a coisa, que se revestem, segundo o consenso público, de energia suficiente para significar que, entre uma coisa e determinados indivíduos, se estabeleceu uma relação permanente e duradoura, motivo por que adquiriram também por usucapião (artigos 1252°, n°.2, 1287° e 296° todos do Código Civil, face à matéria de facto assente).” – ut. conclusão 13ª.

Só a posse exercida em nome próprio e que revista as características de posse pacífica, titulada, de boa-fé e exercida durante certo lapso de tempo conduz à usucapião.

O possuidor precário pode adquirir posse em nome próprio se inverter o título de posse -  arts. 1263º d) e 1265º do Código Civil.


            Para haver inversão do título de posse, o detentor tem de praticar actos que demonstrem, inequivocamente, que passou a exercer a posse contra aquele em nome de quem possuía, visando outra finalidade,
in casu, o exercício de direito próprio – o direito real de propriedade.

 

Nos termos do art. 1265º do Código Civil, a inversão do título da posse só pode dar-se por oposição do detentor do direito, contra aquele em cujo nome possuía, ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse.

Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in, “Código Civil Anotado”, Vol. III, 2ª edição, pág. 30:

 “…Torna-se necessário um acto de oposição contra a pessoa em cujo nome o opoente possuía. Nesse sentido pode dizer-se que ainda se mantém a regra “nemo sibi causam possessionis mutare potest”. Não basta sequer que a detenção se prolongue para além do termo do título (depósito, mandato, usufruto a termo, etc.) que lhe servia de base.

O detentor há-de tornar directamente conhecida da pessoa cujo nome possuía (quer judicial, quer extrajudicialmente) a sua intenção de actuar como titular do direito”.

Para ser operante, eficaz juridicamente, a inversão da posse tem de traduzir-se – “Em actos positivos (materiais ou jurídicos) inequívocos (reveladores que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que até então considerava pertencente a outrem) e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os actos se opõem” – Henrique Mesquita, “Direitos Reais”, 1967, pág. 98.

Da obra citada, pág. 68, colhe-se que a oposição tem de evidenciar-se por:

 “Actos positivos inequívocos e praticados na presença ou com o conhecimento daqueles a quem os actos se opõem.

É necessário que a oposição não seja repelida pelo possuidor através de actos que traduzam o exercício do direito que a este pertence.”.

Como ensina Henrique Mesquita:

“ […] A oposição tem de traduzir-se em actos positivos materiais ou jurídicos, inequívocos (reveladores que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a outrem) e praticados na presença ou com o consentimento daquele a que os actos se opõem.

Além disso, é necessário que a oposição não seja repelida pelo possuidor através de actos que traduzam o exercício do direito que a este pertence” - “Direitos Reais”, Coimbra – 1967, págs. 98-99.

Tal como a posse relevante para usucapião (a par de outros requisitos, deve ser pública), também a oposição exercida pelo detentor precário tem de ser ostensiva em relação àquele em nome de quem possuía, sendo que, como observa Orlando de Carvalho, in “Introdução à Posse”, RLJ, Ano 123°, nº3792 (1990-1991), a respeito da posse pública, esta não deixa de ser pública quando não é propriamente conhecida de toda a gente, é-o acima de tudo, quando é conhecida do interessado directo ou indirecto – “trata-se de uma relação mais com o próprio interessado do que com o público em geral”.

No Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 16.9.2009 – Proc. 240/03.0TBRMR.S1 –, in www.dgsi.pt, do aqui Relator, ponderou-se:

“Os que exercem a posse em nome alheio só podem adquirir o direito de propriedade se ocorrer inversão do título de posse (“interversio possessionis”) – art. 1263º d) do Código Civil – ou seja, se, a partir de certo momento, passarem a exercer o domínio, contra quem actuava como dono, com a intenção, agora, de que o oponente actua, inequivocamente, como titular daquele direito.

Tal inversão também pode ocorrer por acto de terceiro, hábil para transferir a posse.

 Não basta a mera alegação de que houve intenção de inverter o título de posse e afirmar que essa intenção foi plasmada na actuação dos detentores precários; importa, isso sim, que essa “inversão”, inequivocamente, seja direccionada contra a pessoa em nome de quem detinham, através de actos públicos deles conhecidos, ou cognoscíveis, sob pena de tal actuação não ter relevância jurídica, porque desconhecida daqueles que poderiam reagir a essa proclamada inversão do título possessório, o que seria de todo violador das regras da boa-fé.

 Tal como a posse relevante para usucapião (a par de outros requisitos, deve ser pública), também a oposição exercida pelo detentor precário tem de ser ostensiva em relação àquele em nome de quem possuía, sendo que, como observa Orlando de Carvalho, in “Introdução à Posse”, RLJ, Ano 123°, nº3792 (1990-1991), a respeito da posse pública, esta não deixa de ser pública quando não é propriamente conhecida de toda a gente, é-o acima de tudo, quando é conhecida do interessado directo ou indirecto – “trata-se de uma relação mais com o próprio interessado do que com o público em geral”.

Acerca do que deve ser entendido como oposição do detentor – art. 1265º do Código Civil – José Alberto Vieira, in “Direitos Reais” – 2008 – págs. 590/591 – depois de afirmar que a oposição pode ser material ou jurídica ou revestir ambas as formas, escreve:

 “Isto mostra que a inversão do título da posse por oposição não tem natureza jurídico-negocial (…). Não existe nenhum propósito de comunicação de efeitos jurídicos a um destinatário, determinado ou indeterminado.

 A conduta de oposição não tem forçosamente um conteúdo de comunicação (…).

 O seu efeito, a constituição da posse, liga-se a um comportamento não declarativo do detentor (…). Trata-se antes de um acto jurídico. […] e mais adiante, […] o comportamento de oposição deve ser exteriormente reconhecível pelo possuidor (…) quando a oposição não lhe é comunicada e significar, inequivocamente, a afirmação de um direito próprio pelo detentor, diverso naturalmente do até aí exteriorizado por ele. A não entrega da coisa no final do prazo contratual, o incumprimento de obrigações, como é o caso do não pagamento das rendas pelo senhorio, a controvérsia sobre a validade do contrato ou sobre as obrigações das partes, por exemplo, não têm por si só o significado correspondente a uma inversão do título da posse se não forem acompanhados da afirmação inequívoca de um direito próprio sobre a coisa (…).” 

            Salvo o devido respeito, a posse conducente à usucapião tem de ser antes de tudo pública e pacífica e perdurar por mais ou menos tempo, nunca excedente a 20 anos – art.1296º do Código Civil. Deve ser exercida em nome próprio, a menos que haja intervenção do título de posse, como antes referimos.

            Os RR. exercem uma posse pública, que lhes foi conferida a título precário, como promitentes compradores, e nem sequer a vêm exercendo sem a oposição dos AA. como exuberantemente revelam os litígios que os opõem, judicialmente, desde 2004, pelo que não poderiam passar a actuar em nome próprio, a menos, como se disse, tivessem invertido o título de posse, fazendo-o de modo inequívoco em relação aos Autores e ainda que, por parte destes, enquanto titulares do direito de propriedade, não tivesse havido oposição.

            Ademais, não foi alegado sequer, que foi celebrado, entre os promitentes vendedores e os promitentes compradores, qualquer contrato escrito ou verbal de compra e venda do imóvel reivindicado.

            Concluímos, assim, também pelo facto de não ter sido ilidida a presunção do art. 7º do C.R.Predial, que beneficia os AA., e, por lhes ter sido reconhecido no despacho saneador da primeira acção – parte não atingida pela nulidade da decisão –, o direito de propriedade sobre a coisa e a condenação dos Réus, pessoas singulares, na respectiva entrega – que os reconvintes não poderiam, no quadro factual provado, adquirir o imóvel por usucapião.

            Pelo que improcedem as conclusões 13ª a 16ª.

            IX - questão – benfeitorias e enriquecimento sem causa

            Pretendem os Réus que todas as benfeitorias por si realizadas na “Quinta ...” devem ser consideradas necessárias ou úteis e devem ser indemnizadas por serem fonte de enriquecimento dos recorridos.

            Consta provado: após o negócio que consta de fls. 381, (contrato-promessa) o GG e EE entregaram em 27 de Março de 1993 aos Réus BB e CC o imóvel descrito na alínea A) dos Factos Assentes, autorizando estes a realizar obras no imóvel, concretamente na construção habitacional. Os primeiros Réus, há 12 anos, que exploram continuadamente o prédio referido na alínea A).

            Desde que estão no domínio do imóvel os 1º e 2º Réus fizeram as seguintes obras cujos valores constam provados nos factos que se transcrevem:

“46.    As edificações que nele foram erigidas têm o valor de € 790.250,00 - (resposta ao quesito 17.°),

47.       Do valor global de € 790.250,00,

102.000,00 se reportam ao reforço da estrutura externa da casa principal, com recuperação de paredes, revestimentos, construção de lareira, instalações sanitárias, cozinha, sistema de drenagem, canalização de água, substituição de rede eléctrica interior e execução de cobertura de chaminé - (resposta ao quesito 17.°A);

48.       € 63.750,00 reportam-se à execução do pavilhão dos coelhos com recuperações de paredes, execução de caixa, massame e pavimento, abertura de porta e construção de telheiro, pinturas e impermeabilização - (resposta ao quesito 17.° B);

49.       € 85.000,00 reportam-se à conversão do pombal, chiqueiro e pavilhão das alfaias, com construção de alvenarias, revestimentos, cobertura, pinturas, construção de cozinhas e instalação sanitária (resposta ao quesito 17.° C);

50. € 312.000,00 reportam-se a novas construções - salão, bar e telheiro; construção de raiz de um complexo de edifícios com 400 m2, constituído por salão, instalações sanitárias masculinas e femininas; bar, cozinha, copa, churrasqueira, terraço aberto e cobertura em terraço acessível - (resposta ao quesito 17.° D);

51.       € 70.000,00 reportam-se a pavimentação do recinto, execução da pavimentação em acessos no interior da quinta, aproximadamente, 2.000 m2, com pavimento tipo “pavé”, assente sobre base de betão - (resposta ao quesito 17.° E);

52.       € 110.000,00 reportam-se a ajardinamento, execução do relvado geral, plantação de várias espécies arbustivas, execução de “rock garden”, execução de canteiros e floreiras, plantação de árvores; execução de rede de rega; execução de rede eléctrica exterior, colocação de postes e luminárias - (resposta ao quesito 17.° F);

53.       € 25.000,00 reportam-se a colocação de vedação em todo o perímetro da quinta; colocação de vedação de separação em zonas da quinta, reparação do muro existente e pinturas - (resposta ao quesito 17.° G);

54.       € 10.000,00 reportam-se a limpeza e tratamento de taludes da ..., execução de sistema de protecção contra acidentes - (resposta ao quesito 17° H);

55.       € 12.000,00 reportam-se a construção de lago em betão, muretes, sistema de bombagem de água e pinturas - (resposta ao quesito 17.° I);

Na sentença apelada de 13.2.2013, apreciando-se o pedido subsidiário relacionado com as obras realizadas pelos Réus e as benfeitorias – itens a) a 5) – [que antes descrevemos sob a numeração 47) a 53)] - e o alegado enriquecimento sem causa dos ora recorridos, depois de considerações sobre o conceito de benfeitorias, art. 216º do Código Civil, e suas espécies, pode ler-se:

“À luz do que se acaba de expor, como qualificar as benfeitorias levadas a cabo na habitação unifamiliar e no restante prédio?

Entende-se que as benfeitorias constantes do ponto 47 dos factos provados, salvo a construção da lareira, devem ser consideradas benfeitorias necessárias, uma vez que se traduzem em obras de reparação e conservação da habitação unifamiliar. Na mesma categoria entendemos dever ficar a limpeza e tratamento de taludes da ... e execução de sistema de protecção contra acidentes, tendo em conta o desempenho da ... no escoamento de águas pluviais, limpeza, tratamento e protecção que, por isso, deve ser feita com regularidade.

Todas as restantes, entendemos serem de considerar voluptuárias, com excepção da lareira e de colocação de vedação em todo o perímetro da quinta e reparação do muro existente, que se nos afigura deverem ser consideradas benfeitorias úteis, na medida em que de acordo com padrões de normalidade são obras que beneficiam o prédio. Um imóvel vedado, o que impede a entrada de intrusos, tem, naturalmente, maior valor que aquele que se encontra desprotegido. Quanto à lareira é uma obra que trás conforto a uma habitação e como tal a valoriza. Entendemos as restantes como voluptuárias. Verifica-se que todas as obras que no imóvel foram levadas a cabo, muito para além da habitação unifamiliar, têm essencialmente a ver com o destino que os Réus lhe quiseram dar, um espaço para organização de eventos (Casamentos, Baptizados, Aniversários, Festas), explorado pela Ré DD, Lda, ou seja, representam obras de adaptação funcional do imóvel ao fim específico dado ao espaço.

São obras que apenas interessam aos Réus, não se podendo entender que valorizem o imóvel, fora do fim a que se destinaram, no qual os Autores não estão interessados, nem lhe pode ser imposto, os quais, aliás, pretendem que as construções que foram levadas a cabo sejam demolidas. Diferente seria se os Réus tivessem logrado provar que a autorização que lhes foi concedida abrangia as construções que implementaram no imóvel, conhecendo os autorizantes o fim a que se destinavam. Deste modo, tais construções não podem ser tidas como benfeitorias úteis, mas apenas como benfeitorias voluptuárias.

Deste modo, tais construções não podem ser tidas como benfeitorias úteis, mas apenas como benfeitorias voluptuárias.

De acordo com o disposto no art.° 1273.°, do C. Civil, mesmo sendo possuidores de má-fé, os Réus têm direito a serem reembolsados das benfeitorias necessárias e a levantar as úteis desde que o possam fazer sem detrimento da coisa, e não sendo possível esse levantamento, terão os Autores de satisfazerem àqueles o valor delas de acordo com as regras do enriquecimento sem causa. Quanto às benfeitorias voluptuárias os Réus perdem-nas (art.° 1275.°, n.º 2, do Código Civil).

Do que se acaba de expor resulta, no que concerne às benfeitorias necessárias que atrás se referiram, estas estão englobadas na verba indicada pelos Réus de € 102.000,00 (ponto 47), encontrando-se incluído nesse valor a construção da lareira (benfeitoria útil), cuja indemnização, desde que não seja possível o seu levantamento, sem detrimento do espaço em que se e deverá ser calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Desconhece-se as características da referida lareira, não se sabendo, por isso, se não pode ser levantada. Era ónus dos Reconvintes alegarem e fazerem prova das benfeitorias que não podiam ser removidas sem deterioração, de modo a poderem ser ressarcidos. Não o tendo feito e porque no que à lareira diz respeito não é possível apenas por recurso a regras de experiência saber se assim é ou não, já que há lareiras amovíveis e outras não amovíveis por fazerem parte da própria estrutura do imóvel, não se pode determinar qualquer indemnização. Neste sentido o Ac. da Relação do Porto, de 17.01.2011, P.° 3769.07.8TBVCD.P1, in www.colectaneadeiurisDrudencia.com.

Assim os Réus/Reconvintes deverão ser indemnizados pelo valor das benfeitorias consideradas necessárias (pontos 47 e 54) a apurar em execução de sentença, uma vez que ao valor de € 102.000,00 há que subtrair o valor da lareira.

Como benfeitorias úteis indemnizáveis resta a colocação de vedação em todo o perímetro da quinta, reparação do muro existente e pinturas, mas já não a colocação de vedação de separação em zonas da quinta, pelo que também se remete para liquidação de sentença o apuramento desse valor, na medida em que a quantia de € 25.000,00, indicada no ponto 53 dos factos provados é global valor a ser encontrado, descontado o valor da colocação de vedação de separação em zonas da quinta, tudo na medida do empobrecimento dos Réus e correlativo enriquecimento dos Autores.

Vejamos, agora, o que decidir quanto às benfeitorias voluptuárias.

Como já se referiu e decorre do disposto no art.° 1275.°, n.°2, do C.Civil, o possuidor de má fé, perde as benfeitorias que haja feito, o que significa que os Réus nada receberão, quanto a benfeitorias, para além do que atrás se referiu.

Ocorre, porém, que os Autores não querem usufruir dessas benfeitorias, na medida em que peticionam que os Réus sejam condenados a demolirem as construções que erigiram no prédio e a retirarem o respectivo entulho ou a assumirem as despesas decorrentes dessa demolição, em valor a liquidar em execução de sentença.

Pese embora o regime das benfeitorias não preveja esta situação, afigura-se-nos claro que quando o legislador impõe que o possuidor de má-fé perca as benfeitorias que fez, quer elas sejam removíveis sem detrimento da coisa ou não (art.° 1275.°, n.º 2, do C. Civil), não está a impedir que o proprietário exija que elas sejam retiradas, porque não tem qualquer interesse na sua permanência. Sendo nesse caso encargo do benfeitorizante, nomeadamente, se não foram autorizadas como é o caso dos autos, pois apenas ficou provado que a autorização que aos Réus foi dada foi apenas para procederem às alterações na construção habitacional unifamiliar, ou seja, na casa existente no prédio e não para construírem pavilhões e salas como os mesmos fizeram, construções essas que nem se encontram licenciadas, ainda que possam ser passíveis de legalização. Tal significaria que se os Autores fossem forçados a legalizarem as construções, que não querem, suportando os custos dessa legalização, se possível, ou, não sendo possível a legalização, tivessem que suportar os custos das necessárias demolições, o que seria um inversão do que esteve na mente do legislador ao desenhar o regime das benfeitorias voluptuárias…Pelo exposto, entende-se que os Réus devem ser condenados a proceder à demolição de todas as benfeitorias voluptuárias que atrás ficaram determinadas (pontos 48 a 52 e 55 dos factos provados) a que acresce o levantamento da vedação de separação em zonas da quinta, repondo o terreno nas condições em que se encontrava anteriormente às obras, retirando todo o entulho do local.”

 No Acórdão recorrido, a fls. 46, depois de explanação sobre o tema benfeitorias, afirmou-se:

“’In casu”, as benfeitorias são de qualificar como úteis a construção do muro de vedação (à excepção dos muros interiores), sendo necessárias as de recuperação do principal imóvel.

A benfeitoria útil consiste num melhoramento ou aperfeiçoamento feito por quem tem um vínculo à coisa (relação de facto ou de direito), na perspectiva de lograr uma sua maior utilidade ou melhoria.

Atendendo ao que resulta da matéria de facto, todas as benfeitorias provadas são daqueles tipos, podendo as úteis ser levantadas ou eliminadas, se sem detrimento do imóvel onde foram implantadas.

Daí que os recorrentes só das necessárias e úteis acima referidas (muro exterior)) tenham de ser indemnizados do seu custo.

Assim, a questão fulcral que se levanta reporta-se à casa de habitação existente no prédio, cujas reparações e reconstrução indiciam tratar-se de benfeitorias necessárias do nº1 do mesmo artigo 1273.º.

Como referem Pires de Lima e A. Varela (in “Código Civil Anotado”, III, 2.9 ed., 43) o direito do possuidor à indemnização pelas benfeitorias “só pode ser exercido quando o proprietário reivindica triunfantemente a coisa, sendo como que um contra direito relativamente à pretensão reivindicatória”.

Assim aconteceu, já que o pedido de reconhecimento do domínio do prédio e a condenação à sua entrega procederam.

Só que os recorrentes embora não tivessem implantado construção no prédio, tendo a mesma sido erigida pelos primitivos donos, o pagamento é um direito de crédito que validamente os benfeitores adquiriram.

Assim, e numa primeira abordagem, os recorrentes têm direito a indemnização pelas benfeitorias referidas.”

Depois e sobre a pretensão respeitante ao enriquecimento sem causa, o Acórdão afirma:

“Ora, é manifesto que, no caso dos autos, os Réus-recorrentes só lograram fazer prova de factos de que ocorreu um enriquecimento da autora sem causa justificativa, à custa dos Réus, quanto às benfeitorias necessárias.

Aliás, procedendo a acção de reivindicação quanto aos dois primeiros pedidos formulados (conhecimento do direito de propriedade dos Autores e restituição do que lhes pertence), não se vê como poderiam verificar-se todos os requisitos do enriquecimento sem causa.

[…] Assim, aqui chegados, procedendo a acção de reivindicação quanto aos dois primeiros pedidos formulados (reconhecimento do direito de propriedade dos Autores e restituição do que lhe pertence), não se vê como poderiam verificar-se os aludidos requisitos do enriquecimento sem causa.

Mas quanto ao pedido de indemnização por ‘ benfeitorias, também formulado pelos Réus em reconvenção, será parcialmente procedente, de acordo com a classificação das benfeitorias, atrás referida.

Nos termos explanados, e cremos com a suficiência que a lei impõe, a acção procede – num primeiro segmento já definido no despacho saneador (reconhecimento da propriedade do prédio pelos Autores e Condenação dos Réus a restituírem-no livre e desocupado de pessoas e materiais), que aqui se confirma.

Mais, impõe-se julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional e condenar os Autores a pagarem aos Réus a quantia correspondente ao que despenderam com as benfeitorias consistentes na reconstrução/recuperação da casa de habitação e na construção de um muro de vedação do perímetro da quinta.

Tais montantes serão apurados em ulterior liquidação, sendo, desde já liquidada a quantia de € 102 000,00 das primeiras obras e retirando aos custos do muro as vedações em zonas interiores da quinta.

Igualmente é de condenar ainda os Autores a pagarem aos Réus a quantias por estes prestadas mensalmente, de Abril de 1994 a Maio de 2002 a serem ulteriormente liquidadas.

E impõe-se condenar os Réus a pagarem aos Autores a quantia, a apurar em liquidação ulterior, que estes teriam auferido com o arrendamento do imóvel, nos termos que lhes seria realmente oferecido ou proposto. No mais devem os Réus e os Autores ser absolvidos do que lhes foi pedido.” (destaque e sublinhado nosso)

A pretensão dos Recorrentes é a da que todas as obras por si realizadas, que consideram benfeitorias, sejam consideradas indemnizáveis. Porque se concorda com a decisão recorrida e a sua fundamentação, apenas uma breve referência.

Por estar reconhecido que os RR. devem restituir aos herdeiros habilitados da Autora, o prédio reivindicado por serem dele proprietários, e tendo os RR. realizado obras no imóvel durante o largo período temporal da ocupação que subsiste, são tais obras benfeitorias nos termos do art. 216º do Código Civil.

O normativo classifica as benfeitorias como “todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa” definindo que podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias.  

Dispõe o art. 216° do Código Civil:

 “Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa (n°1).

 As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias (n° 2).

 São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não senão indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante” (n°3).”

           

No “Código Civil Anotado”, dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, III, pág.162-163, em anotação ao art. 1340º citado, pode ler-se: 

“A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela.

 São benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo enfiteuta, pelo possuidor (arts. 1273°- 1275°) pelo locatário (arts. 1046°, 1074° e 1082°), pelo comodatário (art. 1138°) e pelo usufrutuário (art. 1450°); são acessões os melhoramentos feitos por qualquer terceiro, não relacionado juridicamente com a coisa, podendo esse terceiro ser um simples detentor ocasional.”

O  art.º 1273º do Código Civil, estatui:

1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa”.

O art. 1275.°:

“1. O possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas.

 2. O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito.”

Como se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 6.2.2007, Proc. 06A4046, in www.dgsi.pt:

 “ I – O direito à indemnização por benfeitorias previsto no art. 1273.º do Código Civil, tem como pressuposto essencial, a existência de uma posse que cede perante o melhor direito que alguém detenha sobre a coisa reivindicada.

II – Quando a lei, no preceito referido em I fala em posse, está a querer dizer posse verdadeira e própria, posse em nome próprio, e não simples detenção. […].”

Na fundamentação desse aresto escreveu-se:

O direito a que o preceito se refere, como observam Pires de Lima e Antunes Varela no “Código Civil Anotado”, III, 43, “só pode ser exercido quando o proprietário reivindica triunfantemente a coisa, sendo como que um contra direito relativamente à pretensão reivindicatória”.

E resulta claramente do texto legal que pressuposto essencial do direito à indemnização por benfeitorias é a existência de uma posse que cede perante o melhor direito que alguém detenha sobre a coisa.

 O Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes o afirmou, como se pode ver nos seus acórdãos de 16.6.87 (Pº nº74.978), 20.6.00 (Pº 432/00) e 28.5.02 (Pº 01B1466).”

As instâncias não consideraram senão as despesas relativas à recuperação exterior da casa de habitação e as relativas à edificação do muro de delimitação exterior do prédio.

As demais foram realizadas, essencialmente, tendo em vista a afectação que os Réus deram ao imóvel. Com efeito, fizeram obras e nisso despenderam € 312 000,00 em novas construções – salão, bar e telheiro, construção de raiz de um complexo de edifícios com 400 m2 constituído por salão, instalações sanitárias masculinas e femininas; bar, cozinha, copa, churrasqueira, terraço aberto e cobertura em terraço acessível.

Para lá dessas obras não constar terem sido licenciadas, o que apenas competiria ao proprietário requerer, o certo é que os AA. não pretendem afectar o imóvel à indústria a que está destinado pelos Réus.

Como se provou – “O imóvel identificado em A) é hoje designado por Quinta ..., onde a Ré DD – …, Lda., de que é único sócio JJ, explora organização de eventos (Casamentos, Baptizados, Aniversários, Festas) ”.

 As benfeitorias feitas pelos Réus, não autorizadas pelo proprietário, e que visam apenas o interesse dos benfeitorizantes, em função de um diverso destino económico dado à coisa, que o reivindicante triunfante não pretende sequer utilizar com as obras, não devem ser qualificadas senão como voluptuárias, porque não visaram evitar a perda ou destruição ou deterioração da coisa, nem aumentam o valor por não serem sequer indispensáveis.

Sendo o regime do enriquecimento sem causa, como se considerou no Acórdão, apenas convocável quanto às benfeitorias necessárias – art. 1273º, nºs1 e 2, do Código Civil.

Fora deste particular aspecto, não se nos afigura que o instituto deva operar para acolher a tese dos Recorrentes: tudo quanto construíram no imóvel representa um enriquecimento sem causa para os Recorridos.

O 473º do Código Civil consigna:

“1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa tem por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.

            O instituto do enriquecimento sem causa visa evitar que alguém avantaje o seu património à custa de outrem, sem motivo que o justifique.

 O nº2 do citado normativo integra três situações:

- o que foi indevidamente recebido (condictio indebiti);

- o que foi recebido em virtude de causa que deixou de existir (condictio ob causam finitam);

- o que foi recebido com base em efeito que não se verificou (condictio causa data causa non secuta, também chamada condictio ob rem).

Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, págs. 454 a 456, ensinam:

 “A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:

 É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento.

 Em segundo lugar, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa — ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido.

 Finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição”.

 Como referem os civilistas citados, pág. 455:

 “A causa do enriquecimento varia consoante a natureza jurídica do acto que lhe serve de fonte. Assim, sempre que o enriquecimento provenha de uma prestação, a sua causa é a relação jurídica que a prestação visa satisfazer.

 Se, por exemplo, A entrega a B certa quantia para cumprimento de uma obrigação e esta não existe — ou porque nunca foi constituída, ou porque já se extinguiu ou porque é inválido o negócio jurídico em que assenta — deve entender-se que a prestação carece de causa”.

Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código Civil” – vol. II – pág. 268:

“Integram o enriquecimento sem causa:

 a) uma vantagem patrimonial, isto é, susceptível de avaliação económica, para uma pessoa;

 b) um empobrecimento, correlativo ao enriquecimento, que incida sobre o património de outra pessoa;

 c) a falta de uma justa causa do enriquecimento do primeiro e do correlativo empobrecimento do segundo […].

[…] Para que o enriquecimento dê origem a um direito de restituição é preciso que ocorra à custa do património de outra pessoa e que, além disso, não haja razão legal que o justifique.

 Esse enriquecimento pode ter resultado do aumento verificado no património do enriquecido (aumento quantitativo ou qualitativo dos valores do activo, ou diminuição do passivo patrimonial), ou desse património não ter diminuído quando tal diminuição deveria, em condições normais, ter ocorrido. A correlação entre o enriquecimento e o empobrecimento devem derivar de um único facto produtivo”.

   “O enriquecimento sem causa depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: existência de um enriquecimento; que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique; que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição; que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído” – Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.4.1998, in BMJ, 476-370 e de 14.5.1996, CJST, 1996, II, 71.

            O art. 479º do Código Civil estabelece:

           

“1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte”.

Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pág. 466, escrevem:

“ […] O objecto da obrigação de restituir é determinado em função de dois limites: em primeiro lugar, o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial operada (ou o valor correspondente, quando a restituição em espécie não seja possível).

Deve restituir apenas aquilo com que efectivamente se acha enriquecido, podendo haver diferença — e diferença sensível — entre o enriquecimento do beneficiado à data da deslocação patrimonial e o enriquecimento actual […].

[…] O enriquecimento assim delimitado corresponderá à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada […]

[…] Em segundo lugar, o objecto da obrigação de restituir deve compreender “tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido”.

 […] Além do limite baseado no enriquecimento (efectivo e actual), a doutrina corrente tem aludido a um outro limite da obrigação de restituir, que consistiria no empobrecimento do lesado”.

Exceptuando, como se disse, a aplicação do regime do enriquecimento sem causa, no que respeita às benfeitorias necessárias e úteis – art. 1273º, nºs, 1 e 2 do Código Civil – não ocorrem, no caso, os requisitos para condenar os Recorridos a pagarem o valor das demais, consideradas voluptuárias, que têm um regime próprio – art. 1275º, nºs 1 e 2, - que apenas se relaciona com a posse de boa ou má fé, e o serem ou não susceptíveis de levantamento sem detrimento da coisa.

Pelo quanto dissemos o Acórdão não merece censura.

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

Decisão:

Nega-se a revista.

Custas pelos Recorrentes porque sucumbentes no recurso.

                       

Supremo Tribunal de Justiça, 8 de março de 2018

Fonseca Ramos (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

________________
[1] Relator – Fonseca Ramos
Ex.mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot.
Conselheiro Pinto de Almeida.
[2] No Acórdão em causa, e no que respeita às questões apreciadas como sendo objecto do recurso dos ora Réus recorrentes, foram indicadas: “a) – Princípio do “Juiz natural”; b) – Decisão no despacho saneador e ulteriores sentenças; d) – Reivindicação e contrato promessa; e) Benfeitorias e enriquecimento sem causa.  
[3] O nº4 do art. 615º do Código de Processo Civil, bem diferentemente, preceitua – “As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer das nulidades.”
Sobre o actual regime de arguição e conhecimento das nulidades, Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 2ª edição revista e ampliada – Janeiro de 2014 – pág. 747 – afirma: “Se a causa, atento o valor, está dentro da alçada do tribunal que proferiu a decisão, mas, por se verificar alguma das hipóteses contempladas no n.°2 do art. 615.°, cabe recurso para o tribunal superior, a parte vencida terá de o interpor tempestivamente e, em simultâneo, arguir qualquer nulidade de que a decisão enferme, sob pena de perder o direito àquele recurso, ex vi do disposto no n.º 3 do art. 615.°”